Galego e Português, as duas margens de um rio

 

Fronteira Galiza-Portugal

 

Como galego, e portanto como pessoa com experiência própria e histórica no que diz respeito a como um estado pode ser lingüicida, muito poderia dizer sobre o tema que (infelizmente) nos preocupa. De facto, foi esse estado castelhano-espanhol o que mudou de estratégia (NÃO de objectivos) há algo mais de 30 anos, “tolerando” uma cooficialidade hipócrita da nossa Língua na Galiza enquanto continua a sua minorização em todos os âmbitos oficiais e, portanto, na sociedade. Na seqüência dessa mudança de estratégia, a nossa Língua viu-se obrigada a vestir a farda ortográfica castelhana, e assim seguimos até hoje, com a degradação e deturpação que é fácil de imaginar. Daí que, ‘mutatis mutandis’, acho poder compreender o que estão a viver em Portugal os portugueses que amam a sua Língua e não a querem ver manipulada e abandalhada por infames critérios (economicistas, de baixa política e outros igual de inconfessáveis). [AO90: «Aldravice elevada a dogma» [Bento (Galiza), correspondência]]

 

 

Entender e perceber todas as dimensões da situação que hoje atravessa o português na Galiza exige um conhecimento sequer sucinto, da sua história. Recuemos pois ao século V, quando Roma, enfraquecida, abandona os seus domínios no leste peninsular. Da desagregação do Latim falado surgiu o idioma que hoje, com as suas variantes a todo o longo da faixa atlântica peninsular, ainda nos une aos que nela vivemos a jeito de vínculo sagrado pela história. Nessa Língua deu Galiza à cultura europeia medieval a grande achega da poesia lírica e satírica dos cancioneiros: e, dentro da primeira delas, está esse tesouro originalíssimo das Cantigas de Amigo, postas sempre em boca de uma mulher e cheias da emoção e delicadeza-tão condizentes com a alma galega. São temas e estilos bem diferentes aos dos coevos cantares de gesta da épica castelhana, testemunhas de um povo e um carácter rudes e belicosos, alheios ao afecto, lirismo e ternura presentes na alma galega. Tanto é assim que até no século XIII, quando já na Galiza o vigor da sua cultura declinava pela perda da sua independência política e a sua vinculação a Castela, o próprio rei Afonso X, o Sábio (em cujo reinado se cria a prosa literária e científica castelhana em detrimento do galego), fará a última grande contribuição à lírica da nossa Língua: a recompilação das Cantigas de Santa Maria, de algumas das quais é possível fosse autor, compêndio da lírica sacra galego-portuguesa e, paradoxalmente, momento a partir do qual começa a agonia literária do nosso Idioma na Galiza. [Galiza: ontem e hoje de um genocídio linguístico – II [por Bento S. Tápia]]

 

 

Também é possível encontrar em textos galegos os vocábulos reintegracionista ou lusista. Designam os dois os defensores, na Galiza, da ideia de utilizar o código ortográfico do português actual para a escrita do galego, em harmonia com a sua própria história e etimologia. O segundo dos termos é utilizado com carácter pejorativo na Galiza por bastantes inimigos da nossa cultura: com isso ao mesmo tempo, exprimem o seu menosprezo e ódio contra tudo aquilo que acarreta em si a ideia de Portugal, sinónimo para eles de atraso, pobreza ou incultura. Com isto não pretendemos dizer que seja uma palavra a evitar, mas bem ao contrário, deveríamos usá-la ainda com mais força, energia e orgulho. [Galiza: ontem e hoje de um genocídio linguístico – I [por Bento S. Tápia]]

 

«Acompanho em anexo (dous formatos) um poema de Eduardo Pondal (1835-1917), no qual se alude à nossa Língua como veículo de irmandade entre Galiza e Portugal por se o julgar adequado para a sua publicação na página do Apartado 53.» [Bento Seivane, por carta]

  

A FALA
Nobre e harmoniosa
fala de Breogán
fala boa, de fortes
e grandes sem rival;
tu do celta aos ouvidos
sempre soando estás
como soam os pinhos
na costa de Frojão;
tu nos eidos da Céltia
e com o tempo serás
um lábaro sagrado
que ao triunfo guiará
fala nobre, harmoniosa,
fala de Breogán!
Tu, sinal misterioso
dos teus filhos serás
que polo mundo dispersos
e sem abrigo vão;
e a aqueles que fôrom
numa pasada idade
defensores dos eidos
contra o duro romano
e que ainda cobiçam
da terra a liberdade,
num povo nobre e forte,
valente, ajuntarás,
ó, fala harmoniosa
fala de Breogán!
Serás épica tuba
e forte sem rival
que chamarás os filhos
que além do Minho estão,
os bons filhos do Luso
apartados irmãos
de nós por um destino
invejoso e fatal.
Com os robustos acentos,
grandes, os chamarás
verbo do grande Camões
fala de Breogán!

 

Eduardo Pondal

 

 

 

Portanto, como mais uma vez se vê e comprova — aliás, caso alguma dúvida subsista, basta ir a Sanxenxo, por exemplo, que é já ali, e falar seja com quem for –, entre o Português e o Galego existem muito menos diferenças do que entre o Português e o brasileiro. Repita-se: as duas línguas ibéricas partilham exactamente as mesmas regras gramaticais, ao passo que a ex-colónia sul-americana as demoliu; os brasileiros têm obviamente o direito de fazer o que entenderem com aquilo que aos brasileiros pertence, incluindo a língua cuja origem portuguesa tanta repugnância lhes causa. [“Não falo o português.” Ah, pois não, não.]

 

[Postais e poema enviados por Bento Seivane Tápia. Citações: destaques meus.
Ver outros artigos deste autor AQUI. Impossível determinar fonte/autoria da imagem de topo.]