Sábado, 25 de Janeiro de 2025

Em Defesa da Ortografia (LXXVI), por João Esperança Barroca

 

«A ortografia é um fenómeno da cultura, e, portanto, um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito.»

Fernando Pessoa, Escritor

 

«Tem sido um desastre a forma como os governos têm gerido a língua portuguesa. O Acordo Ortográfico é um desastre, ninguém o cumpre, uns escrevem assim e outros, assado. No Brasil, o acordo é diferente, é a variante brasileira. Isto é um absurdo! Só estamos a criar muros quando já existem tantos muros. O nosso problema não é obviamente ortográfico, muitas vezes, é semântico, sintáctico e vocabular. O que temos de fazer é publicar os autores como eles escrevem, em Portugal e no Brasil.»

Bárbara Bulhosa, Directora e fundadora das Edições Tinta-da-China

 

«1. Os opositores ao AO tinham razão quando argumentavam que as grandes diferenças entre o português de Portugal e do Brasil não eram ortográficas, mas sobretudo de sintaxe.

  1. Os opositores ao AO tinham razão quando argumentavam que o AO não vinha unificar coisa nenhuma, criando até diferenças inexistentes na ortografia usada em cada um dos países (só um exemplo: antes do AO todos escrevíamos recepção, do latim receptio, agora só aos brasileiros é permitido tal privilégio, tendo nós, portugueses, sido condenados às galés da receção

Ana Cristina Leonardo, Escritora e jornalista, em artigo de opinião, no jornal Público, em 29-11-2024

 

Muito próximo das festas natalícias, ocorreu um facto (e facto agora não é igual a fato, como disse um putativo candidato à Presidência da República) assaz curioso, que pode ter passado despercebido à maioria dos leitores. O DN (Diário de Notícias) publicou um artigo de opinião de José Sócrates, intitulado “Defesa mínima consentida”, constituído por nove parágrafos, terminando os dois primeiros com a interrogação “Compreendido?”.

 

Tendo em conta o passado, em termos de ortografia, do autor do dito artigo, esperar-se-ia que a sua opção recaísse na ortografia do AO90, mas, surpresa das surpresas, no final do referido escrito, aparece a nota: “Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.

 

O leitor mais ingénuo pensaria, certamente, tratar-se de um acto de contrição, mais de um decénio depois. O leitor mais calejado optaria por querer ver, como São Tomé. Para que não fiquem dúvidas, consultou-se, na íntegra, o referido artigo, disponível na página da internet do jornal em

https://www.dn.pt/opiniao/defesa-minima-consentida

Analisando o escrito, parágrafo por parágrafo, conclui-se que é um objecto adequado para um jogo de “Verdadeiro ou falso?”. Expliquemo-nos:

  1. No primeiro parágrafo, a resposta é dúbia, pois não há uma única palavra afectada pela entrada em vigor do AO90. Compreendido?
  2. No parágrafo seguinte, o caso muda de figura. O autor escreve “actual”, “efectivas” e “exacto”, demonstrando a sua preferência pela ortografia de 1945, tornando verdadeira a afirmação da nota. Compreendido?
  3. No terceiro parágrafo, o autor grafa “janeiro” (em letra minúscula), em consonância com a nova ortografia, sendo falsa a afirmação da nota final. Compreendido?
  4. Prosseguindo na leitura do artigo, o quarto parágrafo, sobre uma floresta de enganos, e o quinto, sobre recursos, repetem exactamente a situação do primeiro parágrafo, não se podendo concluir da veracidade ou falsidade da afirmação. Compreendido?
  5. No sexto parágrafo, encontramos o termo “exceção”, numa inequívoca opção pela norma ortográfica do AO90, sendo, por isso, falsa a afirmação final. Compreendido?
  6. O sétimo e o oitavo, sobre o “faroeste jurídico”, possuem as mesmas características do primeiro e quarto parágrafos, não podendo concluir-se se a afirmação é verdadeira ou falsa. Compreendido?
  7. Para terminar, o parágrafo final, sobre manobras, traz com ele um “espetáculo”, numa clara opção pela ortografia do AO90. Compreendido?

    

Em conclusão, como muitos outros, José Sócrates embarca no comboio do faroeste ortográfico e usa uma mixórdia ortográfica (que por aí vai circulando), misturando duas normas completamente distintas. Compreendido?

 

Apetece perguntar, pela enésima vez: se é assim nos círculos cultos, como será com o cidadão comum?

 

Ah, como se pode ver nas imagens que acompanham este escrito e que foram retiradas de páginas de Facebook de grupos contra o AO90, a ribaldaria não levantou arraiais.

Ah, como Francisco Miguel Valada tem amplamente denunciado no blogue Aventar, no Diário da República, o espe(c)táculo continua.

Ah, a RTP e outros vão tendo umas saudáveis recaídas.

Ah, ainda existem uns comentadores com opções ortográficas coerentes.

Ah, quem pode resolver esta malaquice opta por assobiar para o lado.

 

João Esperança Barroca 

 

BARROCA 1.jpg

BARROCA 2.png

BARROCA 3.png

BARROCA 4.png

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 11:53

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