Quarta-feira, 30 de Abril de 2025

Em Defesa da Ortografia (LXXIX), por João Esperança Barroca

 

No “Em Defesa da Ortografia LXXVII”, publicado no mês de Março, escalpelizámos uma revista editada pelo município de Oeiras, argumentando que é através da análise dos objectos linguísticos do dia-a-dia que aferimos a qualidade da expressão escrita e da ortografia.

 

Hoje, a mira (o foco, na linguagem que por aí anda) está assestada na RTP e no seu sítio da Internet, onde unicamente andámos à cata do omnipresente contato. Como justificação para a selecção deste alvo, podemos referir que a RTP, assim que pôde, aderiu à nova ortografia e, no princípio da década passada, gastou uma considerável quantia em acções de formação sobre o Acordo Ortográfico de 1990. Como se conclui da leitura dos excertos abaixo reproduzidos, podemos afirmar que essa vultuosa quantia foi muito bem empregada nas ditas acções.

 

  1. “A cerâmica encontrada em Takarkori é parecida com a que era produzida ao longo de todo o Norte da [sic]  África - indiciando trocas de influências, logo contato com pessoas de fora do Saara, contrariando a informação dos genes analisados que não mostram nenhuma mistura com novas populações.

     Em algumas grutas na proximidade foram também encontradas marcas de arte rupestre [sic] retratando cenas de caça e pastorícia, refletindo mudanças na fauna e na flora, e ainda os diferentes modos de vida das populações”. RTP. 05-04-2025

 

  1. “As perspetivas de novas negociações de paz para acabar com a guerra que a Rússia lançou na Ucrânia há quase três anos aumentaram depois do presidente dos EUA, Donald Trump, ter afirmado que estava em contato com Kiev e Moscovo.” RTP, 12-02-2025

 

  1. “É uma forma de aliciamento que se desenrola online [sic]. As vítimas são, por norma, menores. Na internet [sic], todos os cuidados são poucos e há sinais a que estar atento. São explicados pelo intendente da PSP, Hugo Guinote.

Passa por conseguir, através de contactos por meios digitais, criar uma relação de confiança com o jovem ou a criança. As primeiras abordagens não são de carater [sic] sexual, mas o intuito final é esse: contatos físicos presenciais ou envio de imagens com conteúdo íntimo. Este processo pode chegar a durar meses até que a vítima se sinta emocionalmente confiante para cair na armadilha. Com adultos, muitas vezes, o objetivo final é burla financeira.

Uma app [sic] um jogo, uma rede social, qualquer movimento na net [sic] pode desencadear pistas para os agressores. Escolhem as vítimas através da idade, caraterísticas físicas ou de personalidade e, mesmo quando as primeiras abordagens não funcionam, podem reaparecer com outras identidades e novas formas de aliciamento.” RTP, 06-04-2025

 

  1. “O ministro sueco da Justiça, Gunnar Strommer, disse à agência Reuters que "a informação sobre o ataque violento em Orebro é extremamente grave". "O governo está em contato próximo com a polícia e está a acompanhar de perto os desenvolvimentos", acrescentou. RTP, 04-02-2025

 

  1. “Os nativos que fazem anos entre 5 e 10 de janeiro irão passar por intensas mudanças devido ao contato do aspeto entre Plutão/Sol. Aqui estes nativos poderão viver momentos de ansiedade e medo, tendo em conta que o Capricorniano gosta de manter tudo sobre o seu controlo, e isso decerto não irá acontecer. Plutão tem a grande capacidade de terminar com situações que se encontrem desgastadas, seja do foro profissional ou relacional. A palavra de ordem é mudar!” RTP, 22-12-2024

 

  1. “Deitar de lado, mantendo a perna de baixo ligeiramente fletida e a perna de cima estendida e levantada a 45 graus, com a ponta do pé voltada ligeiramente para o solo. O braço de baixo serve de apoio para a cabeça. O outro braço deverá tocar no chão, á [sic] frente do corpo de forma a aumentar a estabilidade durante o exercício. Deverá fletir a perna de cima, descendo-a, á [sic] frente do tronco, de forma a que o joelho procure o contato com o solo, voltando á [sic] posição inicial. Repetir do lado oposto.” RTP. 07-12-2025

 

Se é assim na Comunicação Social, como será com o cidadão comum?

 

Ah, seria conveniente que alguém os alertasse para a necessidade de italicizar as palavras em língua estrangeira.

 

Ah, felizmente, a RTP também tem algumas saudáveis recaídas.

 

Ah, as imagens que acompanham este escrito foram copiadas do blogue O Lugar da Língua Portuguesa, onde Isabel A. Ferreira tem realizado um laudabilíssimo trabalho em defesa da Língua Portuguesa e da sua legítima ortografia.

 

Ah, há dias deu-nos para o masoquismo e lemos as doze primeiras páginas do Programa de Governo da AD. Respigámos ação (duas vezes), proteção (duas vezes), abril, setor / setores (três vezes), infraestruturas (duas vezes), projeto / projetos (seis vezes), atividades, proativa e atualmente. Nos sítios do costume, continua a morar a mixórdia ortográfica do costume. Obviamente, reprovada.

 

João Esperança Barroca

 

João Barroca 1.png

  

João Barroca 2.png

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:51

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Sábado, 19 de Abril de 2025

Uma reflexão para o tempo de Páscoa

 

Em tempo de Páscoa, este Caravaggio, para lembrar que esta quadra não é só  quadra dos coelhinhos, dos ovinhos coloridos e dos folares com chouriços, das amêndoas, e da carnificina.

Há algo mais que merece a reflexão dos crentes, mas também dos não-crentes.

Esta maravilhosa pintura de Caravaggio proporciona-nos essa reflexão.

Isabel A. Ferreira

CARAVAGGIO.jpg

Caravaggio: A Incredulidade de São Tomé (1601-1602). Óleo sobre tela, 107×146 cm. Sanssouci, Potsdam.

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 11:15

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Quinta-feira, 17 de Abril de 2025

«‘sam-de-kid’, ou 100 maneiras de chamar burro a um asno» - Um admirável texto de Brás Cubas, em defesa da Língua e da Gramática Portuguesas

 

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é um órgão de informação, vocacionado sobretudo para a investigação jornalística e para a análise e reflexão de assuntos da actualidade com o objectivo de promover o debate público sobre temas de interesse social.

É uma publicação online e digital independente, apartidária, não doutrinária e sem qualquer orientação ideológica ou de qualquer outra natureza.

Fonte do texto:

https://www.paginaum.pt/2025/04/14/sam-de-kid-ou-100-maneiras-de-chamar-burro-a-um-asno

***

‘sam-de-kid’, ou 100 maneiras de chamar burro a um asno

 

Brás Cubas.PNGBrás Cubas|14/04/2025

 

Dizia-me certo velho frade de Santo Agostinho — homem de escassa cabeleira, mas longas latinadas, embora erudito — que a verdadeira ignorância nunca se apresenta sozinha, mas surge sempre com ar grave de sabedoria alheia, qual papagaio em toga. E como as moscas que invadem a casa, os cães que se aventuram pela Igreja e os burros que se embrenham na biblioteca, não pedem licença: mas zumbem, ladram e zurram como se tivessem caiado as paredes, cinzelado os turíbulos e redigido os códices.

 

Serve este célere intróito para declarar — com o espanto comedido de quem já viu um bispo tocar maracas numa homilia — que, mesmo sabendo disto, nem nos tempos em que me dava à metafísica da modorra e ao tédio da razão imaginei assistir ao dia em que um vate de microfone, de nome Sam the Kid (o qual, diga-se, soa a detergente juvenil ou a suplemento vitamínico para cérebros anémicos), se proclamaria legislador da língua portuguesa.

 

 

Ou, melhor dizendo, um sintactólatra — termo que aqui crio para designar o sujeito possuído por um fervor gramatical egocêntrico, crente de que a sintaxe se curva à sua própria batida.

 

Este cidadão da rima fácil, que julga que o génio se mede em decibéis e que a eloquência se alcança com boné de pala e pose de apóstolo suburbano, resolveu arrogar-se autoridade filológica — só porque encontrou, entre os becos da academia, um professor de Letras, um tal Marco Neves, que julga ser vanguarda dar aulas ao lado de um rapper, numa espécie de catedrático-da-bandalheira.

 

Pois veio agora Samuel Mira, o ortónimo do bardo do beat, com ufania digna de um Napoleão de capuz e sneakers, que tem o “direito” de forjicar a sua própria gramática. Disse — pasme-se, leitor já habituado ao circo — que não há mal algum em dizer facar, quando o verbo correcto é esfaquear; que se pode muito bem dizer altivismo, mesmo sabendo que se diz altivez — e fá-lo, presume-se, por um acto de resistência semântica, como quem grafita erros em paredes sintácticas —; e que até o já célebre há-des (esse grito de guerra dos ignorantes com convicção) deve ser aceite como legítimo, pois, segundo o novo cânone do desleixo militante, já é “tão usado, há tanto tempo, por tanta gente”, que já ganhou o direito consuetudinário à parvoíce instituída. Sim, “na boa”. Sim, porque neste novo regime linguístico — uma espécie de República Popular da Prosódia Desviante —, a frequência substitui a correcção, o erro reiterado passa por inovação, e a ignorância, desde que tatuada em rima e projectada por colunas com subwoofer, transforma-se em decreto.

 

 

E com ares de profeta suburbano, misto de seminarista da quebrada e condestável do calão, o Sam ainda avisa — entre trejeitos, poses e meneios coreográficos —: “Respeita a minha gramática”, com o tom ameaçador de quem saca de uma esfaca para te facar caso ouses questionar a vontade soberana do kid.

 

Trata-se, pois, não de uma revolução séria — dessas com tochas, tambores e tratados —, mas de uma rebelião gramatical de pantufas, conduzida por um gramaticida doméstico, um lexicofractário de rima solta, um seditionário da sintaxe armado de boné e ego ampliado por reverberação digital. Sam the Kid não ergue barricadas com livros, mas com podcasts; não cita Quintiliano, mas berra punchlines — com fúria e convicção — como quem confunde a ablativa latina com o abanar da cabeça.

 

Como profeta do erro consagrado, ergue-se aqui um Moisés do calão, abrindo o Mar Vermelho da ortografia com a tábua do “porque apetece-me”. Acredita ele piamente que o idioma é um plasma moldável, um slime linguístico onde se enfiam os dedos e se inventa, ao sabor do beat, uma nova morfologia: mais flexível que um pronome indefinido, mais líquida que uma preposição num copo de plástico. Ah, se Camões erguesse a cabeça! Tê-lo-íamos a duelar com rimas afiadas como lâminas. E se Vieira ainda soprasse no púlpito da lógica, havia de fulminar tal criatura com sete sermões e oito exorcismos.

 

Mas regressemos ao ponto: a língua, senhor Kid, não é uma coutada privada, nem um brinquedo de vaidades momentâneas. A língua é um corpo vivo, sim — mas vivo porque tem ossatura, nervos, coração e memória. E a sua vitalidade não provém de abastardar-se com “há-des” e “altivismos”, mas de se reinventar a partir do que é nobre, fecundo e belo. Só um néscio com pretensões a doutrinador popular é capaz de confundir plasticidade com palermice.

 

 

Ainda ousas perguntar quem é o dono da palavra, sugerindo que como pertence ao povo, és o seu representante – logo, tens carta branca. Pois escutai agora, em nome do mais finado e ressuscitado dos prosadores: a palavra, meu caro trovador de calão e beatbox, não tem dono, é certo — mas tem tutela. Está sob a guarda severa da razão, da tradição e do bom senso, esses velhos juristas do vernáculo que zelam pela dignidade da língua como um mordomo inglês vela por uma prataria centenária. Não se lhe chega de boné ao contrário, nem se lhe transmuta a ortografia como quem troca de sapatilhas — sob pena de a converteres, não em arte, mas em charada.

 

Queres ‘gramaticalizar’ o mundo à tua maneira? Muito bem — também o lunático na enfermaria desenha mapas novos da Terra com feijões e cotão, mas ninguém por isso lhe encomenda um atlas.

 

Dir-me-ás talvez que a língua é viva, que se reinventa, que floresce nas ruas como erva daninha. Concedo. Mas mesmo a erva daninha tem nome botânico e regras de poda. O latim deixou-nos raízes, declinações e ordem — não para nos tolher a alma, mas para nos evitar a vergonha de dizer “há-des” em pleno Senado da lógica.

 

Queres inventar palavras, substituir vocábulos existentes por gírias ocas, julgando que descobres a pólvora linguística? Pois te digo: a língua, como o amor, não precisa de novas posições a cada minuto para provar que é criativa. Às vezes basta declinar bem o verbo ‘respeitar’ — sobretudo quando se fala de palavras que vêm de Homero, de Camões ou de Vieira.

 

 

Queres ser dono da palavra? Merece antes ser servo dela, pois só quem a serve com rigor, com humildade e com leitura é que pode, um dia, quiçá, ser admitido à sua mesa — e talvez, só talvez, autorizado a pôr-lhe um novo talher.

 

Não queiras cair no ridículo de inventar vocábulos numa língua que possui mais de um milhão — sim, mais de um milhão! — de termos já cunhados, polidos, declinados e redimidos por séculos de uso, abuso e génio. Uma língua que foi cultivada por Camões, lavrada por Vieira, ordenada por Bluteau, enobrecida por Garrett, tresvariada por Pessoa e reinventada — quando necessário, e só quando necessário — por mestres que sabiam a diferença entre neologismo e narcisismo. Antes de presumires que falta à língua uma palavra, considera se não será a tua cabeça que tem vocábulos a mais e leitura a menos.

 

Contempla a elasticidade, plasticidade e riqueza desta língua de séculos, caro Samuel. Vede, por exemplo, para burro — esse monumento à teimosia encadernada —, consigo dizer-te noventa e nove, bem contados, vocábulos:

 

abécula, abobado, abestado, abombado, acéfalo, alarve, anta, aparvalhado, asinino, asno, atabalhoado, atrasado, atoleimado, avantesma, aselha, babaca, babão, bacoco, balordo, baralhado, baré, barranqueiro, basbaque, basofo, badano, beócio, boçal, bobinho, bobo, bocó, bodó, bronco, bruto, cabeçudo, calhau, canhestro, carolo, choné, chucro, cromo, desassisado, desmiolado, desorientado, desprovido, destrambelhado, energúmeno, entaramelado, estólido, estorvo, estroina, estúpido, estulto, fátuo, gagá, galfarro, ignaro, idiota, imbecil, inapto, inepto, insensato, inútil, jegue, labrego, lerdaço, lerdo, lorpa, matóide, mentecapto, néscio, obtuso, pacóvio, palerma, papalvo, panaca, panhonha, parvo, pascácio, paspalhão, paspalho, pateta, patego, pachola, simplório, sandeu, tapado, tanso, toleirão, tolinho, tolo, tonto, trambolho, trengo, zarolho; zurrador.

 

Não queiras tu, com diatribes linguísticas — meio freestyle, meio fricassé —, que o teu pseudónimo enriqueça, sob forma etimológica e fanhosa, a língua portuguesa. Porque se insistes muito, ainda verás, em futura edição do vocabulário, uma entrada assim grafada:

 

 

sam-de-kid, s. 2g. — Indivíduo compelido a paroxismos de jactância analfabeta, fenómeno linguístico em que, munido de rimas pobres e confiança desmedida, este se proclama guardião da língua enquanto a espanca em praça pública. Designa também o acto de misturar ignorância gramatical com convicção artística, quando se acredita que o solecismo, se berrado ao microfone, se transforma em estilo. Frequentemente associado a declarações de amor à língua portuguesa que envolvem a omissão do sujeito, a morte do predicado e um enterro do clítico com beat de fundo.

 

E o verbete figurará entre “asinice” e “atrocidade”, como quem ocupa o lugar do meio numa ceia de equídeos. Tem dó, Samuel: não bastava à pobre mula já carregar sobre o lombo o peso da ignorância humana — agora arrisca suportar também o teu ego sem dicionário. Cuida de ti: e não te esforces em demasia, porque se insistes em revolver a gramática com as patas do capricho fonético, és capaz até de destronar o próprio burro, relegando-o a um simples quadrúpede sensato, ao pé da tua acéfala arrogância de bípede com manias de poeta e legislador. E então aí, burro passará a ser somente o centésimo sinónimo possível de sam-de-kid.

 

Até breve, e um piparote  

Brás Cubas

 

N.D. Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. O PÁGINA UM registou-o como marca nacional no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. O autor desta crónica, Brás Cubas, é obviamente um pseudónimo, constituindo não uma homenagem ao fidalgo e explorador portuense do século XVI, que fundou a vila brasileira de Santos, mas sim a Machado de Assis e ao personagem de um dos seus mais famosos romances. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor, independentemente do carácter jocoso, irónico ou, claro, sarcástico.

 

As imagens foram produzidas com recurso a inteligência artificial.

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publicado por Isabel A. Ferreira às 16:25

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Sexta-feira, 11 de Abril de 2025

«Crianças, jovens e adultos consomem conteúdos digitais durante horas e horas por dia, todos os dias, muitos deles com uma qualidade linguística miserável. É assim que os erros se propagam e normalizam.» Os acordistas chamam-lhe "evolução"

 

A propósito do meu último texto publicado neste Blogue, recebi o seguinte comentário da Professora Diana Coelho:

 

Diana Coelho comentou o post «Você Vai te Surpreender!» (????) Apesar da semelhança das palavras, não reconheço esta linguagem como Português às 11:07, 10/04/2025 :

Aquilo que os acordistas tanto defendem: “evolução”. Para eles, o AO90 é isso mesmo — evolução. A última bolachinha do pacote. E nós, os desacordistas, é que somos uma cambada de retrógrados.

Só que o AO90 está carregado de incoerências tão absurdas que me custa perceber como é que ainda há quem consiga chamar aquilo de evolução. Expliquem-me, por favor: onde está essa tal evolução no AO90? Haverá por aí algum acordista com coragem (e, vá, com o fruto da horta no sítio) para vir defendê-lo? Claro que não! Já sabem que não têm argumentos sólidos.

Limitam-se a repetir: “erros ortográficos sempre houve, qual é o problema agora?” O problema, meus caros, é que hoje, com a internet e a glorificação da mediocridade, escreve-se como se fala — ou pior — e as palavras inventadas proliferam pela rede fora.

Crianças, jovens e adultos consomem conteúdos digitais durante horas e horas por dia, todos os dias, muitos deles com uma qualidade linguística miserável. E é assim que os erros se propagam e normalizam.

Não percebem? Ou fingem que não vêem o caos linguístico em que nos encontramos? E depois ainda vêm com outra tentativa desesperada: dizem que os desacordistas são racistas com o Brasil. Coitados! A sério? Atiram essa acusação como último recurso, a ver se cola, a ver se nos intimida. Mas o que é que criticar o AO90 tem a ver com racismo? Estamos a falar de ortografia, de língua, de coerência — não de nacionalidade!!! Será que esta gente perdeu completamente o bom senso?

 

***

Cara Diana Coelho, embora o meu texto não se atenha especificamente ao AO90, que também gera textos com uma qualidade linguística miserável, estas coisas estão todas ligadas, e agradeço esta sua análise perfeita.

 
De tanto se escrever miseravelmente na Internet, os erros propagam-se e tornam-se virais (uma expressão que anda por aí muito na moda), e como diz e muito bem, cada vez mais, as crianças, os jovens e os adultos que passam horas a consumir conteúdos digitais absurdamente mal escritos e, muitos deles, cheios de inverdades, ou seja, cheios de mentiras, falsidades e inexactidões, sobre a Língua, a História e a Cultura Portuguesas, há que pôr um travão a esta ingerência, ou não tarda nada os analfabetos funcionais, responsáveis por esse caos já instalado nos meios digitais, levarão a melhor, bem nas barbas dos que, não sendo analfabetos, permitem com o seu silêncio, a sua indiferença, o seu comodismo, que a Língua, a História e a Cultura Portuguesas estejam a ser destruídas à mercê de ignorantes.

É isso que queremos para a geração dos nossos filhos e netos?

Quanto ao seu último parágrafo, os acordistas além de não saberem escrever e falar correctamente, não têm capacidade de ver o óbvio, nem sabem distinguir o trigo do joio, nem sabem o significado de racismo e xenofobia, e obviamente perderam por completo o bom senso, ou talvez nunca o tiveram.

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 17:42

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Quarta-feira, 9 de Abril de 2025

«E a mixórdia continua e ninguém põe ordem no País» - Ecos que vieram da Dinamarca, para deixar envergonhados os que, em Portugal, tanto lhes faz assim, como assado, no que à Língua Portuguesa diz respeito

 

Fernando Kvistgaard, cidadão luso-dinamarquês, radicado na Dinamarca, que é um dos mais activos subscritores do Grupo Cívico de Cidadãos Portugueses Pensantes, no estrangeiro, enviou-me uma mensagem intitulada «E a mixórdia continua e ninguém põe ordem no País».

 

Pois é, caro Fernando. Estamos cada vez pior. A linguagem usada em Portugal, na sua forma escrita e oral (e que me custa a chamar-lhe Português) está a piorar de dia para dia.


Vou aproveitar esta sua chamada de atenção, para frisar que na Dinamarca existe alguém que se importa com o desregramento que está a transformar a nossa Língua numa linguagem castrada pela ignorância optativa de quem a usa e dela abusa, ao contrário de muitos portugueses que vivem em Portugal e estão-se nas tintas para a própria Língua Materna, incluindo os governantes, vassalos  do  Senhor de Engenho colonial, actualmente no poder, no outro lado do Atlântico.


Tenho de lhe agradecer o facto de ser um Português de primeira, que se preocupa com o estado caótico em que se encontra a nossa Língua. A esmagadora maioria dos que andam por cá, estão caladinhos como estátuas de pedra, não contribuindo em nada para acabar com este ataque a um Idioma dos mais antigos da Europa, e um dos mais belos. 

Fernando 1.JPG

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Fernando: «Inspetores e inspectivas - com isto até querem obrigar-me a pronunciar de maneira diferente da que aprendi.

 

Podem até querer obrigá-lo a pronunciar estes vocábulos -- que não pertencem ao léxico da Língua Portuguesa -- de maneira diferente da que aprendeu, mas é dessa maneira que todos devem lê-los: insp’tôres e insp’tivâs, porque assim as regras gramaticais o obrigam, pois falta-lhes o pês diacríticos, que têm a função de abrir as vogais, e pronunciá-los como aprendeu, e muito bem, na escola.

 

Fernando 3.png

 

Fernando: «A RTP deve trabalhar com dois dicionários! E eu que aprendi que a RTP era a garante do bom Português! Outros tempos! Mas, "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». 

E quando essas vontades são vassalas da ignorância, caro Fernando, o país recua a um tempo antigo, já ultrapassado.

***

Fernando Kvistgaard, não se ficou apenas por estas observações da mixórdia que vai pelas TVs.

Escreveu a seguinte crónica:

 

A crónica do dia para quem de direito

 

No que concerne às Línguas faladas entre nós, humanos, quiçá igualmente entre outros animais, existem regras, pois, sem elas, seria o caos, não na acepção (aceção?) primária do seu termo, mas como desordem e confusão.

 

Quando a nossa geração, a do pré-AO90, já não vaguear por esta Terra desarranjada, em que muitos ousam mudar as regras do jogo a torto e a direito, sem que ninguém se oponha, não sei como os que cá ficarem irão entender-se. Gostaria de acreditar numa vida pós-morte para, algures, poder divertir-me.

 

De futuro, como será a pronúncia das palavras que, segundo as regras se escreviam:  espectador e, agora, espetador (será que significam o mesmo? E quanto a aspecto e aspeto (qual a regra que me diz que sem o “c” se pronuncia com “e” aberto?  E "electrónico" que mudou também a grafia para eletrónico. Qual a regra que me diz se o “e” aqui é aberto? Agora, que "tecto" passou a ser "teto", será que “teto” ( = glândula mamária) é o mesmo que o tecto (de uma casa)?

 

Quanto a “actor”, agora “ator” será que se pronuncia como o “a” em Amazónia? Será que as pessoas se vão entender?

 

Será também que um “carro eléctrico” é um veículo elétrico?

Cá por mim, os que cá ficarem que se entendam.

Fernando Kvistgaard

***

Nota: os vocábulos assinalados a vermelho são da minha responsabilidade, para fazer notar que NÃO pertencem ao léxico Português, em vigor, por isso, são considerados erros ortográficos, para os que sabem escrever e falar correCtamente.

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:36

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Terça-feira, 8 de Abril de 2025

«Você Vai te Surpreender!» (????) Apesar da semelhança das palavras, não reconheço esta linguagem como Português

 

Enviaram-me este vídeo, via e-mail: https://www.youtube.com/watch?v=6QY7XvUFAdA

 «Você Vai te surpreender!»???????
Não, não me surpreendi, nem com a notícia, e muito menos com a linguagem.

 

Você vai te surpreender.png

 

A Internet está cheia desta linguagem a que chamam “Português”. 

Alguma vez esta construção frásica pertenceu à Língua de Portugal, ao Português, à Língua Portuguesa?

Se querem escrever deste modo, nada contra, mas chamem-lhe Língua do Brasil, Brasilês, Língua Brasileira, ou outra qualquer designação que nada tenha a ver com Portugal.

Nada tenho contra a Variante Brasileira do Português, desde que não lhe chamem Português. O que me custa engolir é o Português desvirtuado, e de tanto circular por aí desvirtuado, essa desvirtuação começa a ser norma, e tal norma não pode ser considerada portuguesa, porque não é.

E isto nada tem a ver com racismo ou xenofobia.

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 17:17

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Domingo, 6 de Abril de 2025

«Grande Primeira Página?» - O Jornal de Letras trocou a Língua Portuguesa por uma sua Variante. Não surpreende que tenha confundido Camillo Castello Branco com Eça de Queiroz

 

O JL já foi um jornal de grande prestígio, que eu lia com gosto. Depois de se ter bandeado para o lado dos acordistas, perdeu a noção das coisas, e abandonei-o. Não me surpreende nada que tivessem confundido Camillo Castello Branco com Eça de Queiroz (num retrato da autoria de José Abel Manta). Mas o que saberão eles das coisas da Literatura Portuguesa, se perderam a noção do que é o pilar maior das Letras: a Língua Portuguesa?

Quem optou por trocar a Língua de Portugal por uma sua Variante, pode muito bem trocar também a imagem dos que a souberam honrar.

Erro grosseiro, muito lamentável!

Isabel A. Ferreira

***

Grande Primeira Página?

jpt, 06.04.25
 
 
 
 

JL.jpg

 

Há erros e erros. Todos os fazemos, naquilo do "errar é humano", ou do aprender através dos erros, como é evidente. E tantas vezes é mera crueldade apontá-los ou remexer "na ferida". Mas este é um descalabro. Só agora reparo - num mural de Facebook: a edição de 5 de Março do Jornal de Letras, centrada no bicentenário de Camilo Castelo Branco tem o clamoroso erro de se ilustrar com Eça de Queirós.

 

Goste-se ou não do JL, o jornal é uma instituição, louvável por criticável que possa ser. Tem 44 anos! E uma coisa destas mais do que motivo de dichotes ou apupos é uma dolorosa demonstração do estado da imprensa portuguesa: falta dinheiro, faltam profissionais - e falta a remuneração aos "colaboradores", mais ou menos ocasionais, como tanto vão murmurando. 

 

Um descalabro, repito-me. Mais geral do que apenas um ocasional erro (monumental, numa publicação especializada como esta).


publicado por Isabel A. Ferreira às 15:57

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Sexta-feira, 4 de Abril de 2025

«Entrevista Á Página – Tradutores Contra o Acordo Ortográfico»

 

Observação: por ser do interesse de todos os que, com boa-fé, se entregam à luta anti-AO90, eu, como autora do Blogue «O Lugar da Língua Portuguesa», um lugar/repositório de quase, quase tudo o que tem sido publicado e realizado acerca da luta contra o AO90 e em defesa da Língua Portuguesa, considerei, por bem, reproduzir a entrevista que o site «Vidas e Obras» fez à Página do Facebook «Tradutores Contra o Acordo Ortográfico».


É preciso que exista em Portugal uma verdadeira e informada opinião pública, como refere a Professora Helena Carvalhão Buescu, e para tal é necessário ler o que se diz e o que se escreve acerca desta matéria.

Isabel A. Ferreira  

Helena Buesco - AO90.jpeg

 

Fizeram várias publicações no Facebook sobre a “Resistência ao Acordo Ortográfico”. O que é preciso para que a resistência consiga efeitos imediatos?

 

A resistência já vem de longe, desde 1986, quando a sociedade civil se mobilizou em peso contra uma proposta de acordo ortográfico cheia de bizarrias (como o famoso “cágado” sem acento). Ainda assim, esse plano não foi derrotado — com uns retoques, havia de redundar no Acordo Ortográfico (AO) de 1990. Desde Vitorino Magalhães Godinho e o Grémio Literário a Vasco Graça Moura e ao Público, passando por José Pacheco Pereira, Miguel Sousa Tavares, Teolinda Gersão, Maria do Carmo Vieira e tantas personalidades e cidadãos mais ou menos anónimos, a resistência sempre esteve viva, fosse sob a forma de artigos de opinião, petições, uma iniciativa legislativa de cidadãos, acções judiciais, cartas a deputados e governantes, audições parlamentares, grupos de trabalho no Parlamento, a tentativa de referendo, activismo nas redes sociais e em blogues, etc. Em 2012, porque a voz dos tradutores sobre a questão foi quase nula, esta página quis dar o seu contributo.

 

Para se ter uma ideia do nível de oposição que existe, nunca houve uma única sondagem ou inquérito de opinião favorável, com a rejeição do AO a ultrapassar sempre os 60 %. Por todo o país, inúmeros órgãos de comunicação social, entidades públicas e privadas, editoras e autores continuam a não aplicar a nova norma. Esse simples acto, juntamente com a renúncia à compra de determinados livros ou jornais, ou a correcção de grafias em placa/avisos, constitui uma poderosa forma de resistência ao alcance de todos, embora com o passar do tempo essa atitude vá esmorecendo. Chegou-se a uma fase em que enquanto não houver vontade política, seja da maioria dos partidos, do Governo ou da Presidência da República, as tentativas de anulação ou discussão do assunto ao mais alto nível estão votadas ao fracasso. A postura do facto consumado tem feito o seu caminho, mas como se costuma dizer, nunca é tarde para se corrigir um erro. Neste caso, vários erros, tantos quantas as bases do Acordo, que levaram a confusões ortográficas, semânticas e de pronúncia. Nenhuma reforma anterior levou a este estado de coisas, o que diz bem das deficiências técnicas e científicas do documento.

 

Têm uma fotografia duma manifestação intitulada “A Língua não é uma mercadoria. Não está à venda!”. A ortografia já foi alterada três vezes à revelia do povo, resultando neste novo acordo ortográfico. De que forma é possível que esta premissa de que a Língua não é uma mercadoria e que não está à venda seja cumprida?

 

As alterações ortográficas têm coincidido com mudanças de regime, fosse em 1911, com a instauração da República, em 1945, durante o Estado Novo, ou em 1990, na democracia. Daqui se depreende que têm sempre um grande cunho político, subalternizando-se a parte técnico-científica. Isto foi por demais evidente no caso do último Acordo, em que a vertigem do tema levou o então primeiro-ministro Cavaco Silva a mandar assinar logo o documento e o Governo de José Sócrates a fazer aprovar o Segundo Protocolo Modificativo, de acordo com o qual bastaria a ratificação de apenas três países para que o tratado vigorasse. Uma manobra de desespero e imposição a todo o custo, visto que o assunto estava engavetado e esquecido há vários anos.

 

O ritmo a que Portugal faz reformas ortográficas, já sem contar com ajustes pontuais, resulta em alterações a cada 35 anos, um caso sem paralelo na Europa, por exemplo. A ortografia é conservadora por natureza, dado que a estabilidade convém à compreensão e é uma forma de entendermos o ontem e nos fazermos entender no futuro. Não deve ser alterada a bel-prazer, com ligeireza e como uma cartada ideológica ou uma moeda de troca diplomática. Por alguma razão nada disto aconteceu com o inglês, que, apesar de “arcaico” na forma, é a língua franca internacional, da modernidade e do futuro, seja na Internet, nas aplicações, na programação informática, nas publicações científicas, etc. Também a ortografia cristalizada do francês, cheia de duplas consoantes, letras mudas e falta de correspondência entre escrita e fala, não obstou à sua aprendizagem e a que o idioma tivesse nível mundial e fosse veículo de conhecimento. Por conseguinte, deixe-se a língua em paz. O património maior de qualquer nação, por ser um bem intangível, não pode servir para mercadejar. Acresce que, volvidos quase 15 anos da adopção, nenhum dos objectivos do Acordo foi cumprido, fosse no intercâmbio entre países lusófonos, na uniformização, na projecção do português, na maior simplificação, nas actas únicas em fóruns internacionais e na abertura do mercado livreiro.

 

Têm um álbum no Facebook sobre: “Oposição em Portugal ao Acordo Ortográfico”. De que forma é possível aumentar a oposição ao acordo?

 

Páginas como esta e grupos no Facebook e noutros locais, blogues, artigos em jornais, reportagens específicas e emissões dedicadas ao AO constituem contributos valiosíssimos não só para a compreensão e o despertar para as questões da língua, mas também para desconstruir muitas das teorias do acordismo e expor o seu fracasso. A este respeito, o jornalista Nuno Pacheco tem sido um lutador incansável, divulgando não só os erros e o caos ortográfico, mas dissertando sobre a relação que a política e os costumes em geral têm com a língua e a sua forma escrita. Também o escritor e revisor Manuel Monteiro, nos seus livros e em entrevistas, nunca perde a oportunidade de denunciar os atropelos do Acordo, que nem estará vigente (o decreto da norma anterior não foi revogado), conforme explanou o embaixador Carlos Fernandes em livro.

 

Criou-se em relação à língua portuguesa a ideia de que pode ser diversa em tudo, menos na ortografia, o que não se passa em nenhuma das línguas com variantes fortes. Esta visão é completamente anacrónica nos dias que correm. Cada país deve seguir as suas próprias orientações em consonância com as especificidades da sua variante, gozando de soberania linguística. Os Brasileiros mandam na sua variante, nós na nossa e os Angolanos na sua. Esta perspectiva teria evitado tantos equívocos e verdadeiros atentados culturais. É divulgando estas ideias, que no fundo são de senso comum, que será possível chegar a mais pessoas e aumentar a oposição, seja do ponto de vista técnico, social ou até filosófico. É que o AO faz mesmo o pleno — é uma aberração científica, política, jurídica e diplomática.

 

Têm um álbum no Facebook sobre: “Caos ortográfico pós-AO”. Após vários anos de imposição ilegal do Estado, Presidência, escolas, universidades, revistas, canais de televisão e outros meios de comunicação em que medida o AO tem prejudicado quer a ortografia, quer a oralidade? E que impacto é que tem tido este este Caos Ortográfico nos alunos, quem lê na TV ou jornais e revistas? Em que medida as alterações desde a reforma ortográfica têm prejudicado a ortografia, e este caos tem prejudicado as traduções?

 

O Acordo lançou a ortografia portuguesa num caos que é indigno de uma língua desta dimensão, como observou Bagão Félix. Não só continua a existir uma mistura permanente de grafias pré e pós-AO, como surgiram erros atribuíveis aos novos preceitos, como sejam “adeto”, “elítico” e “interrutor” (supressão do “p”), “espétaculo” e “desinfétar” (acentuação indevida pela retirada da consoante muda diacrítica), “inteletual”, “impato” e “fição” (ausência do “c”), “galático”, ”adição”, “contato” e “fato” (não perderam mesmo o “c”), “25 de abril” (mantém a maiúscula), “excessão” (a queda do “p” levou a uma deturpação ainda maior), etc. Grafias deste tipo aparecem com frequência no Diário da República e já constaram numa reprodução da Constituição Portuguesa no site da Assembleia da República. Além disso, um fenómeno inédito que ocorreu foi o retorno da escrita sobre a oralidade, como proferir “afêta” (devido à grafia “afeta”), em vez de “aféta” (“afecta”), ouvido a um jornalista há uns dias, ou “coâção” (“coação”) por “coàção” (“coacção”). Vocábulos noutras línguas têm surgido com consoantes truncadas, incluindo na imprensa. Depois, por via da supressão de hífenes, passámos a ter verdadeiras aberrações gráficas, tais como “conarrar”, “cocomandante”, “corréu”, “contraião”, “semirrei” ou “intrauterino”, além de confusões ortográfico-semânticas entre palavras que se tornaram demasiado parecidas, como são os casos de “conceção”/“concessão” e “interceção”/”intercessão”/”interseção”. Tudo isto, que está documentado em profundidade na página, e a que acresce o desmembramento de famílias de palavras, leva o falante a ter mais dúvidas do que certezas na hora de escrever. Houve uma dispersão ortográfica ainda maior do que antes, com a não-aplicação das novas regras pela maioria dos países lusófonos, com destaque para Angola e Moçambique, e nos próprios países que as aplicam devido às duplas grafias e à colagem da grafia à pronúncia, que será o aspecto da língua que mais variação apresenta. Toda a gente passou a escrever de uma forma ainda mais diferente.

 

Embora o objectivo fosse facilitar e simplificar a escrita, o que vemos é o inverso, porque a nova ortografia é pouco intuitiva. Temos recebido na página imagens de professores que se deparam com erros gritantes resultantes do Acordo em provas dos seus alunos, com os próprios a confessarem que não viam esse tipo de erros antes. Nas traduções, particularmente em filmes e séries, e inclusive em capas de livros, surgem vários tipos de anomalias, de que damos conta na página. Em sites de empresas de tradução, não é raro ler a indicação “Contatos”. Há tradutores que passaram a trabalhar para os mercados de Angola e Moçambique, a fim de contornar toda esta trapalhada.

 

Têm um álbum no Facebook sobre “Factos e propaganda anti-AO”. De que forma pode isso ajudar a esclarecer e levarem as pessoas a tomarem uma posição contra o acordo ortográfico?

 

É no esclarecimento que está a chave para que os cidadãos tenham consciência deste problema. Há pessoas que não tinham uma opinião definitiva ou eram a favor, mas perante as contínuas evidências foram obrigadas a reconhecer que não estavam a par de toda a realidade da questão. Em vez de bater no peito com o patriotismo lusitano, que em si não serve de muito para esta causa e pode prejudicá-la pelo desvio para outros campos, a solução é informar, explicar, educar. E convocar pessoas que nos outros países combatem este processo, incluindo no Brasil, onde existe uma oposição significativa entre académicos, personalidades de várias áreas e políticos.

 

O AO não é de esquerda nem de direita, tem apoiantes e detractores de ambos os lados, nem a norma de 1945/73 é «o português dos nacionalistas», como se escreveu por aí, e não presta porque é «do tempo da ditadura», segundo Santana Lopes. É apenas a norma estável, mais coerente e mais bem elaborada após as alterações de 1911.

 

Quais são os vossos sonhos para a Língua portuguesa e para Portugal?

 

É evidente que a língua portuguesa não se esgota no AO. Há quem afirme, como o professor Fernando Venâncio, outro antiacordista, que o idioma não está tão mau como muitos querem fazer crer e que esse sentimento é cíclico e já ocorreu noutras épocas. Pode ser verdade até certo ponto, mas é inegável que, somando-se ao AO, o português enfrenta desafios como o uso massificado e tantas vezes despropositado de anglicismos, o empobrecimento do ensino ou o afunilamento do vocabulário. Não podemos ser passivos e ficar à espera de que a língua sobreviva só por si própria, até porque, como se sabe, se extinguem línguas todos os anos com a morte do último falante e o avanço hegemónico do inglês a nível global ou de outras línguas mais poderosas a nível regional.

 

Por outro lado, não podemos estar dependentes do Brasil como o motor da língua e a olhar sempre para o outro lado do Atlântico. O Brasil faz o que lhe compete, faz avançar a sua variante, e tem algo que Portugal ainda hoje não tem, uma verdadeira política da língua, algo que o AO serviu para mascarar, sem nenhuns resultados práticos, como é notório. Será isso que falta a Portugal como um todo, mais iniciativa, mais capacidade de comando, menos atrelamentos, menos dependências, seja demográfica, económica ou culturalmente. Por vezes, dá a ideia de que temos um país ao contrário.

 

Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.

 

Projecto Vidas e Obras

Entrevista: Pedro Marques

Correcção: João Aristides Duarte

01 De Abril De 2025

 

Fonte:

https://projectovidaseobras.wixsite.com/blog/single-post/entrevista-%C3%A0-p%C3%A1gina-tradutores-contra-o-acordo-ortogr%C3%A1fico

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:59

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Quarta-feira, 2 de Abril de 2025

Em Defesa da Ortografia (LXXVIII), por João Esperança Barroca

 

A forma mais honesta de aferir o grau de aplicabilidade do Acordo Ortográfico de 1990 bem como a sua (in)utilidade é analisar as produções textuais do nosso tempo.

 

Desta vez, seleccionámos para análise, página a página, a revista “30 Dias em Oeiras”, propriedade do Município de Oeiras, referente ao mês de Fevereiro do corrente ano. Utilizámos o negrito para salientar as opções decorrentes da ortografia de 1945.

 

Na primeira página, detectamos a ocorrência de atividades, termo derivado do latim activitāte. Esta ocorrência indicia a opção pela ortografia do AO90.

 

Na página 2, aparece-nos fim-de-semana e fevereiro, isto é, uma ortografia que oscila entre as ortografias de 1945 e 1990.

 

Na página 6, surgem-nos Arquitetura (duas vezes), refletir e projeto, indiciando que a publicação em análise aplica, sem quaisquer constrangimentos, o Acordo Ortográfico de 1990.

 

Na página 7, encontramos objeto, projeto (duas vezes), ótica, selecionada e selecionar, o que nos conduz à conclusão anterior.

 

Na página 8, página de conclusão do artigo iniciado na página 6, deparamos com noturna, projeto (três vezes), Direção e x-ato, o que remete para a opção pelo AO90, mas temos um resquício da ortografia de 1945, no termo conceptualmente.

 

Na página 9, uma entrevista, encontramos Direção, projeto (quatro vezes), refletir e arquitetura, novamente a ortografia de 1990 na sua totalidade.

 

Na página 13, respigamos introspeção, abril (na expressão 25 de abril de 1974, que, mesmo na nova ortografia, deveria estar grafado em maiúscula), ação, refletir, atualmente e perspetiva, sendo nítida a opção pelo AO90.

 

Na página 14, encontramos um único exemplo da opção ortográfica de 1990: aspeto.

 

A página 15, outra entrevista, continua a apresentar unicamente a ortografia do AO90, com: arquitetura e projeto.

 

Nas páginas 16 e 17, num artigo sobre a Fonte das Quatro Estações, deparamos com projeção, arquitetura, arquiteto, aspeto e atividades. Ou seja, opção inequívoca pelo AO90.

 

Na página 19, a ortografia de 1945 está presente em 25 de Abril, co-director e co-autoria. A ortografia de 1990 surge em coleção, fevereiro e projeto.

 

As páginas 20, 21, 22 e 23 presenteiam-nos com introspetiva, protetores e refletir, numa clara preferência pelo AO90.

 

A página 24 contempla-nos com atuação, efetuam (duas vezes) e selecionados, isto é, exclusivamente ortografia do AO90.

    

As páginas 25, 26 e 27 oferecem-nos espetáculo (duas vezes), ator, arquitectura (duas vezes), espectador e projecto. Como se vê há uma nítida oscilação entre as duas normas ortográficas.

 

As páginas 28, 29 e 30 trazem-nos projecto, reflete, refletem, espetáculos, ação e atividade, isto é, predomina a ortografia do AO90.

 

Sem motivo para comentar a página 31, avançamos para as páginas 32, 33 e 34, onde encontramos caracterizada, actores, retrospetiva, efetuam, ou seja, um equilíbrio entre as duas opções ortográficas.

 

 As páginas 35, 36 e 37, mostram-nos atividades, atividade (duas vezes), contato, espetáculo (quatro vezes), projeção, actuantes e direcção. Como se pode ver, predomínio da moderna ortografia (com o bónus do hipercorrigido contato) e resquícios da ortografia lógica e coerente.

 

As páginas 38, 40 e 41 oferecem-nos didático, arquitetura, atividades (duas vezes), didática, janeiro, junho, objetivo e coletividades, isto é, domínio absoluto da ortografia do AO90.

 

Nas páginas finais, 42 a 47, detectamos exclusivamente exemplos da nova ortografia, como: atividade, diretamente, conceção (duas vezes), diretor (duas vezes), afetos, atividades (três vezes), afetiva, fevereiro, projeto, maio, adotar, direcionadas e direção.

 

Como ocorre em inúmeros textos e documentos, cujos autores crêem aplicar correctamente o AO90, também esta revista utiliza predominantemente a nova ortografia, com alguns termos da ortografia de 1945.


Ah! Pela leitura desta revista, ficámos a saber que Sonia Távora possui uma licenciatura em Arquitetura e Urbanismo e uma outra em Arquitectura e Urbanismo. Não é a mesma coisa. 

João Esperança Barroca

 

BARROCA 1.png

Barroca 2.png

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 17:22

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Terça-feira, 1 de Abril de 2025

«Quando um dicionário de Português usa "variedade europeia" merece não ser considerado como referência».

 

Esta observação foi-me enviada por um cidadão português, radicado no Canadá, sempre atento aos disparates que por aí circulam descaradamente sobre o mau uso que os acordistas portugueses e os brasileiros, pouco ou mesmo nada instruídos, fazem do Português, que sendo um Idioma, deve ser escrito em maiúscula (a minúscula é modismo acordista).

 

Na imagem mais abaixo, que o Carlos C. me enviou, de uma consulta que fez ao Dicionário Priberam, que já teve prestígio, e agora talvez por estar em más mãos, os disparates saem em catadupa, daí ter perdido o prestígio que tinha e já NÃO é um dicionário de referência na Internet.

 

É que de há uns tempos a esta parte, já não se limitam a escrever incorrectamente o Português. Agora começam a misturar alhos (Português) com bugalhos (Brasileirês), e essa mescla de palavras é já conhecida como língua mixordesa, que vem da mixórdia em que transformaram a Língua Portuguesa, e da qual a imagem abaixo é um bom exemplo.

  

A vermelho é assinalado o disparate.

A verde é assinalado o Português correCto: a Língua de Portugal, um país onde não existem linguistas, jornalistas, escritores e professores capazes de entrar em acção, para pôr fim a esta pouca vergonha, a este descalabro.

Há que acabar com este mexe e remexe na Língua Portuguesa ao sabor da ignorância.

Eu tenho feito a minha parte.

Isabel A. Ferreira

 

PRIBERAM.png

Esta é uma amostra da mixórdia ortográfica permitida pelos governantes, em Portrugal.

A autora escreve sem AO90.png

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 18:17

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