Sábado, 21 de Junho de 2025

Em defesa da Ortografia (LXXXI), por João Esperança Barroca

 

O 81.º escrito da série “Em Defesa da Ortografia” tem características que nenhum dos textos anteriores possuía.

 

A aposta é, agora, a de apresentar diálogos humorísticos que exemplificam as graves falhas do AO90, pondo a nu as suas incoerências.

 

Os termos a vermelho indicam formas alteradas pelo AO90. As formas a verde, quando ocorrerem, referem grafias do Acordo Ortográfico de 1945, que, nalguns casos se mantêm como duplas grafias.

 

I

— Tenho cera nos ouvidos.

— Estás com um problema ótico, não é?

— Sim. E também tenho uma conjuntivite na vista direita.

— Estás com um problema ótico, não é?

— Já não percebo nada. Estás a brincar comigo?

— Não. Estou a brincar com a língua.

 

II

 

— Estou na secção infantojuvenil. E tu?

— Cheguei agora ao sector dos produtos materno-infantis.

— Andas a gastar hífenes acima das tuas possibilidades. És um gastador. Assim, não irás longe.  Devias seguir o meu exemplo. Eu sou um poupador de consoantes.

 

III

— Agora, em Portugal, a receção é uma exceção.

— Perdão. No Brasil a recepção é que é uma excepção.

— Pois. Deve ser a unidade essencial da língua, apesar das exceções.

 

IV

— Bom dia. Em que posso ajudar?

— Queria ver aquela camisola cor-de-rosa que está na montra.

— Lamento, mas nessa cor não tenho o seu tamanho. Para si, só tenho cor de laranja.

— E é o mesmo preço?

— É, sim.

— Mas, tendo em conta os custos de produção, não deveria ter um desconto?

— Porquê?

— Como tem menos dois hífenes, era lógico que fosse mais barata. Não acha?

— Acho, mas isto é como a unidade essencial da língua. Umas vezes, quando há folga orçamental, usa-se o hífen. Outras vezes, não. 

 

V

— Estão cá todos? Vamos proceder à chamada. Ótico?

— Presente!

— Ótica?

— Presente!

— Oticidade?

— Presente!

— Oticista?

— Presente!

— Mas, já acabei a chamada e ainda há gente na fila? Como pode isso ser? Tu, como te chamas?

— Optometria.

— E tu?

— Optometrista.

— E tu?

— Ortóptico.

— E tu?

— Opticometria.

— Mas sois da mesma família ou não?

— Éramos. Quando veio o AO90, começaram a cortar consoantes e expulsaram os que tinham . Disseram que queriam criar a maravilhosa língua unificada e universal, mas só aumentaram a desunidade essencial da língua.

 

 

VI

 

— Tenho epilepsia, isto é, sou epilético.

— Tens muita sorte. Muito pior estou eu que tenho dispepsia, isto é, sou dispéptico.

— Tens razão. Isso de ter uma consoante a mais, para alguns, é um problema gravíssimo. Sugiro-te que contrates um podador de palavras para te remover essa consoante.

 

VII

 

 — O teu filho vai estudar Adictologia?

 — Vai, vai.

 — Que raio de ciência é essa?

 — Diz aqui, no dicionário, que é a ciência que estuda os comportamentos aditivos.

 — Então, vai ser sempre a somar, não?

 

 

VIII

 — Menina Bissetriz, fez o trabalho de casa?

 — Fiz, sim, Senhor Professor!

 —  E a menina Trissectriz?

 — Também fiz, Senhor Professor!

 — Ficaram com alguma dúvida?

 — Sim. Ainda, hoje, mais de doze anos depois, não percebo a razão para ter uma consoante a menos que a minha prima Trissectriz. Não posso deixar de me sentir discriminada. Acho que a distribuição de consoantes não respeita a Constituição.

 

IX

 — Vou marcar, com brevidade, uma consulta no adictologista.

 — Esse é o especialista em comportamentos aditivos, não é?

 — Sim, sim.

 — Pode ser dinheiro mal gasto. Tu não achas que a divisão é muito mais difícil que a adição?

 

 

X

  — Tenho uma infeção num pé.

  —  E qual foi o agente infeccioso?

  — Não sei. Tenho de consultar um infecciologista.

  — Não te preocupes. Perigoso seria teres uma infecção. Sem, isso não tem importância nenhuma.

 

XI

  — Estive a ver as primeiras páginas dos jornais expostos no quiosque. Num deles diz que a sobreprocura para o serviço de pedopsiquiatria. Não sei se aquele para é verbo ou preposição.

  — Estava acentuado?

  — Não.

  —  A mim dá-me jeito que seja preposição. Com o serviço parado, o meu filho terá a consulta adiada até 2026.

  — A mim também me dá jeito que seja preposição. Com uma sobreprocura, terei, potencialmente, muito mais clientes para transportar no meu táxi. Além disso, lembrei-me agora que esse jornal (do grupo Cofina) distingue estas duas formas, acentuando a forma verbal.

 

Ah!  Na 95.ª Feira do Livro de Lisboa, foi lançada a obra O Poder da Literatura de Maria do Carmo Vieira. Como sempre, vale a pena ler.    

 

Ah! Nuno Pacheco publicou na passada semana uma crónica de homenagem a Fernando Venâncio.

 

Ah! Há dias, li em rodapé: “Fim de semana de 40 graus”. Qual é o significado? Acabou uma semana em que a temperatura foi de 40 graus ou a temperatura será de 40 graus na sexta-feira, no sábado e no domingo?

 

Ah!  A expressão “coração de abril” deve ser grafada com maiúscula na designação do mês: coração de Abril. O mesmo acontece com 10 de Junho. Sempre!

 

João Barroca 1.png

JOÃO BARROCA 2.png

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 19:10

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