Faz bem à alma ler textos escritos com lucidez e num Português escorreito.
Obrigada, Nuno Pacheco.
Possam eles, os governantes e seus acólitos, entendê-los (aos textos)…
Chamaram ao livro O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas regista o que vê com um “nervo” auditivo.
A escritora argentina María Gaínza (nascida em Buenos Aires, em 1975) estreou-se na novela com uma obra a que deu o nome de El Nervio Óptico. O livro, lançado em 2014, não teve ainda edição no Brasil; mas, se a tivesse, chamar-se-ia O Nervo Óptico. Editado em Portugal, pela D. Quixote, puseram na capa a fotografia de uma sala de museu com uma senhora a olhar para uma parede com quadros e este título em letras garrafais: O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas, pelo título, regista o que vê com um “nervo” auditivo. Consulte-se o dicionário Priberam brasileiro, numa edição recente, e o que lá vem é isto: “ótico adj. 1. Relativo ou pertencente ao ouvido. 2. Diz-se do medicamento que se emprega contra doenças do ouvido.” Nenhuma dúvida. E com P? “óptico [ót] adj. 1. Relativo à óptica ou à visão. = OCULAR, VISUAL (…).” [Portugal] Grafia de ótico antes do Acordo Ortográfico de 1990.” Para os brasileiros parece não haver aqui dúvidas quanto à escrita ou quanto à fala. Repare-se que escrevem “óptico” e, à frente, indicam que se deve ler “ót”, “ótico”, não “ópt”, “óptico”. Ora, se bem se lembram, um dos mais fortes argumentos para banir as ditas “consoantes mudas” em Portugal era que não se liam; e “o que não se lê não se escreve.” Verdade? Mentira. O “óptico” brasileiro prova-o de forma categórica: não lêem o P mas escrevem-no. Porque entendem que não se pode ser surdo dos olhos e cego dos ouvidos.
Ou pode? Em Portugal pode. Com o acordo ortográfico (AO), a palavra é a mesma, ouvidos e olhos tudo misturado, numa lamentável miscelânea pós-cubista que nada deve à arte. “Óptico” ou “ótico”? Vai-se aos vocabulários oficiais do acordismo (os do IILP) e lá está: nos vocabulários nacionais de Portugal, Cabo Verde, Timor-Leste e Moçambique (até neste, que nem ratificou o AO), ao inserirmos a palavra “óptica” recebemos por resposta: “A forma óptica não se encontra atestada neste vocabulário”. Mas está no do Brasil; neste e no chamado “vocabulário comum”, que mistura tudo sem critério só para fingir que há unificação na escrita.
Há alguma vantagem neste inominável disparate, que ainda por cima foi inventado aqui, para consumo interno e para imposição colonial a terceiros pelas áfricas e orientes? Nenhuma vantagem. Um exemplo: os ingleses pronunciam “no” e “know” da mesma exacta maneira, tal como “night” e “knight”, ou “right” e “wright”. Imaginam alguém a sugerir que tais palavras passem a ser escritas da mesma forma porque têm o mesmíssimo som? Não, loucos desses só existem por cá. O que se passa com “óptico” e “ótico”, ou “acto” e “ato” é similar: lêem-se da mesma maneira mas são palavras diferentes, com raízes diferentes e sentidos diferentes. Custa muito entender coisa tão simples?
Hoje é Dia da Mulher e provavelmente esta crónica devia falar de outras coisas. Mas já que o livro aqui citado (devido ao assassinato do seu título) foi escrito por uma mulher, juntemos-lhe textos recentes de duas escritoras, ambos a propósito. No Expresso de 3 de Março, numa crónica intitulada “Ninguém para o AO (lê-se à vontade do freguês)”, escreveu Ana Cristina Leonardo: “Continuamos a não conseguir distinguir ‘óptica’ (vista) de ‘ótica’ (audição), palavras que se tornaram homónimas em nome da uniformização da língua, mas só em Portugal, já que no Brasil a distinção se mantém e também em nome da uniformização da língua. Confused?” Não, que ideia, é tudo claro como água! No dia anterior, 2 de Março, já Alexandra Lucas Coelho escrevera, no Sapo24, um texto revoltado e notável, intitulado “Este país partido ao meio pela própria língua”. Um pequeno excerto: “Supostamente este acordo era para aproximar os países de língua portuguesa. Mas o que separa os países de língua portuguesa são muitas outras coisas, muitas delas de facto políticas, muitas delas de facto incómodas, muitas delas de facto sistematicamente ignoradas, ou menosprezadas, enquanto um acordo totalmente desnecessário, supostamente a bem da lusofonia, nos mói o juízo há 28 anos.”
Diz-se que água mole em pedra dura… O resto já sabem. Mas não há água, mole ou dura, que lave tais misérias e nos deixe definitivamente em paz. Só mesmo uma enorme vaga, temível como as da Nazaré, será capaz de arredar tanto disparate do nosso quotidiano, deixando a língua viver e respirar como lhe compete. Tardará muito? Talvez não.
«Este péssimo acordo ortográfico resiste num coma perpétuo. E tarda em morrer, o estafermo.»
Texto de NUNO PACHECO
«Depois do excelente texto de António Bagão Félix, publicado terça-feira neste jornal e intitulado O Acordo Mortográfico na AR, apetecia não voltar tão depressa ao assunto. Mas como o tema é vasto e há sempre muitíssima coisa que fica por dizer, aqui se deixam mais algumas notas, ao correr da pena.
Precisamente há dez anos, no Correntes d’Escritas da Póvoa de Varzim (cuja mais recente edição agora decorre), perguntaram a Maria Lúcia Lepecki, professora universitária, ensaísta e crítica literária brasileira, o que pensava do acordo ortográfico (AO). Respondeu assim: “Eu sempre achei que o acordo ortográfico não é preciso: um brasileiro lê perfeitamente a ortografia portuguesa e um português lê perfeitamente a ortografia brasileira. Olha a ortografia, sabe que palavra é que é, pronuncia correctamente (…). Acho que é um desperdício de energias, um desperdício de dinheiro, e penso que se devia gastar o pensamento e as forças em outra coisa qualquer.” Nesse mesmo ano, 2008, o Prémio Camões calhou a um escritor brasileiro, baiano, João Ubaldo Ribeiro. Também ele se pronunciou várias vezes sobre o tema, mas ficará na memória o que ele disse numa entrevista ao JL, em 1989. Fê-lo em linguagem desabrida: “Sou contra, acho uma burrice. (…) Então se eu fosse director de um jornal português e estivesse acostumado a que se escreva director, não é porque um brasileiro de merda me diz agora escreva ‘diretor’… Nem, como o brasileiro, só para agradar a um português, ir botar um pronome que destronque a base da língua de um brasileiro. Não, isso não. Acho que portugueses e brasileiros têm que se acostumar a que hoje são povos irmanados pela mesma história, povos irmanados até pela mesma família como é o meu caso, mas duas partes diferentes.” E dizia mais: com isso, “nós corremos o risco de nos tornar povos até mais inimigos.” Alguém o ouviu?
Recuando uns três anos, até 1986, um outro brasileiro, Afrânio Coutinho (baiano como Ubaldo e professor, ensaísta e crítico literário como Lúcia Lepecki) disse ao Jornal do Comércio do Rio de Janeiro: “A nossa língua é a brasileira. Os dois idiomas, o de Portugal e o do Brasil, saíram de um tronco comum e se desenvolveram divergentemente, a partir do Renascimento. Por isso nunca haverá unidade linguística, sonho de alguns sentimentalistas.” Porém, ao contrário de Lepecki e Ubaldo, Afrânio Coutinho era visto como “acérrimo defensor do acordo ortográfico, criticando o generalizado repúdio dos portugueses por tal instrumento de unificação da grafia da língua comum.” Quem diria?
1986 é, a este propósito, um ano interessante, pois foi nele que se selou um esboço de acordo de má memória que gerou (e bem) uma tempestade nacional, já que, entre outras aberrações, propunha a abolição de todos os acentos gráficos e muitos hífens, tornando irreconhecíveis múltiplas palavras. Entre as muitas críticas que suscitou, e que ficaram para a história, conta-se a que viria depois a ser publicada em livro em 1987, pelas Edições João Sá da Costa, sob o título A Demanda da Ortografia Portuguesa. Ora nesse livro, “organizado por Ivo Castro, Inês Duarte e Isabel Leiria”, há um curto texto intitulado “Sete Teses sobre a Ortografia Portuguesa”. Dizia: “Conhecido que é o efeito de retorno do escrito sobre o oral, é inaceitável defender alterações ortográficas que potenciem mudanças linguísticas em sentidos previsíveis ou imprevisíveis.” Foi o que se fez, em 1986 ou em 1990? Não, foi o contrário.
Mais: “A facultatividade é, por definição, contrária à própria ideia de normalização gráfica – de ortografia. Defender uma versão fraca de unificação [como defendiam os autores do texto] significa admitir grafias duplas no espaço lusófono, mas uma e apenas uma grafia em cada espaço nacional em que o português seja língua materna ou língua oficial.” Era o que havia, antes do AO de 1990. Por fim: “Um sistema ortográfico não é mais simples por conter um menor número de sinais portadores de informação: é tanto mais simples quanto menos ambíguo for permitindo um reconhecimento mais rápido e menos dependente do contexto.” É isto que temos, hoje? Não, é precisamente o contrário!
Mas se tristemente Lepecki, Ubaldo e até Afrânio deixaram de fazer parte do mundo dos vivos, este péssimo acordo ortográfico resiste num coma perpétuo. E tarda em morrer, o estafermo.»
Fonte:
https://www.publico.pt/2018/02/22/culturaipsilon/opiniao/ortografices-ao-correr-da-pena-1803892
Pois é…
Mas a democracia portuguesa é manca… manquinha… e há quem não tenha vergonha na cara, nem honra, nem visão política, nem respeito pelos símbolos de Portugal, e apenas veja este símbolo € diante dos olhos…
E realmente só foge do diálogo quem tem medo da verdade…
Eis um comentário precioso de Valdemar Ferreira, que aqui reproduzo, fazendo minhas as suas palavras:
«Infelizmente, a Democracia que vivemos é cheia de defeitos. Periodicamente, elegemos a governação. Para que cuide dos cidadãos, servindo o País. Mas, lamentavelmente, creio que a governação se serve do País, em muitos casos.
Por exemplo, a que propósito a Língua Portuguesa está prisioneira no gabinete do MNE, sob a alegação de que o AO é um acordo internacional e, como tal, tem de cumprir-se? Esquece-se o Sr. MNE de que o acordo de 1945, o único válido, foi rasgado pelo Senado brasileiro, cerca de um ano após a sua assinatura, sendo renegado pelo Brasil até 1990.
Numa sã Democracia, o Ministro já estaria demitido. Não é admissível tanta curvatura da cerviz. Foi assim com os pequenos criminosos do Iraque, com o relegar do acordo de 1945, substituindo-o por um vergonhoso pretenso sucedâneo encarregado de destruir a Língua Portuguesa (a única), com a retirada da Língua (a nossa) do conjunto de Línguas Oficiais no Vaticano, substituição pelo crioulo em Cabo Verde, as declarações inauditas do sr. Juncker que, conhecendo a geografia da Europa, acintosamente, no seu mapa mental, omitiu o meu, o nosso País.
É, de facto, demasiado. O Sr. Ministro funciona como a caixa de ressonância daqueles que querem aniquilar a Língua Portuguesa, mas também fazer de Portugal o tapete, esquecido ou não, da Europa. Tenha um gesto nobre e ... demita-se.»
Valdemar Ferreira
***
Pois é…
Mas poucos, pouquíssimos, em Portugal, têm a hombridade de se demitirem, quando o povo que os elegeu lhes diz: «Basta de tanta incompetência e irracionalidade!»
Isto aconteceria numa Democracia íntegra.
Mas a nossa democracia é insana, manca e não tem espinha dorsal…
Como tudo isto é lamentável!
Isabel A. Ferreira
Somam-se os textos com excelentes argumentos para atirar ao caixote do lixo o acordo ortográfico mais desacordado da história da Humanidade.
Este texto de José Pacheco é um desses textos.
Os governantes portugueses fazem-se de cegos e surdos e mudos (fazem-se ou na realidade são?) o que só lhes fica mal. E se a justiça actual não os julgar, a História julgá-los-á impiedosamente.
Texto de José Pacheco, publicado no seu Blogue AS CRÓMICAS
«Há momentos em que, só retrocedendo, um povo pode evoluir.
Os argumentos do desacordo em relação ao Acordo Ortográfico têm sido apresentados ao longo dos últimos anos. Não valeria, possivelmente, a pena sumariá-los. Desde a evidência de que nada justifica a ambição da uniformidade da escrita lusófona, até à de que o AO nem ao menos a concretizou (tendo criado, pelo contrário, mais ruidosas e risíveis divergências); desde a evidência de que a oralidade se tem ressentido desta nova maneira de escrever, ao originar confusões de pronúncia que não existiam, até à de que, por isso, assistimos ao espectáculo de toda uma geração que desaprende a dizer certas palavras; desde a evidência de que esta razia produziu absurdas homonomias, até à de que foram estabelecidas regras que se aplicam num caso, mas, sabe-se lá porquê, não em outro - enfim, não vos maço mais: as razões para a contestação são fundamentadas.
Pelo contrário, a favor do AO não tenho deparado senão com argumentos indigentes. Faz-se muito a analogia entre o contexto deste Acordo e o do anterior, para lembrar que, então, também houve Velhos do Restelo (como se isso fosse, por si só, uma resposta a qualquer dos argumentos invocados); ou fala-se da questão, associando-a a um combate travado entre o progresso e a reacção: como se o «novo», simplesmente pelo seu estatuto de novo, tivesse de ser o rosto do futuro; como se o «novo», por ser novo, significasse necessariamente progresso; como se o novo não pudesse ser estúpido; como se o novo não constituísse, por vezes, o pior dos retrocessos.
Ou então fala-se das vantagens do AO para que o português de Portugal não seja, internacionalmente, ultrapassado pelo grande fluxo do português do Brasil. Responderia a esta objecção, recordando que a clivagem entre a escrita dos portugueses e a dos brasileiros se agravou ainda, caso um acesso de hilaridade me não obrigasse a parar por um momento a redacção desta crónica.
Olhando para o monumental desfasamento entre o punhadinho de raciocínios pífios para defender um Acordo construído no laboratório do Dr. Frankenstein e uma inteligente bateria de razões desacordistas, incontornáveis, pergunto-me, às vezes, por que diacho se não repensou ainda a situação, se não estudou uma digna marcha-atrás, se não reabre, ao menos, o debate. Claramente: este é um dos casos em que os argumentos não fazem a menor diferença. Não acredito que alguma demonstração demovesse o governo. Este ou outro. O que quer que o mantenha imóvel, impotente, teimoso ou distraído, nada tem que ver com a razão, as razões ou a ausência delas. Seja a vergonha de assumir a culpa, seja a insensibilidade ao valor da própria língua, seja algum outro inescrutável interesse. A sensatez dificilmente seria, aqui, reposta pela mão do poder.
Continuemos, pois, a fazer ouvir a consoante muda da nossa acção.
O autor não escreve segundo as normas do Acordo Ortográfico”
Fonte:
Sobre o acordo ortográfico de 1990
Um texto de 2013, como se fosse de 2017, o que significa que o atraso de vida continua…
Portugal na senda da ignorância…
Por Maria do Carmo Vieira
«Entranhou-se em nós este gosto mórbido de reverenciar a ignorância e assistir ao absurdo, amplamente apregoados por fervorosos militantes que defendem o indefensável e optam também por silenciar críticas, consideradas perigosas, porque capazes de despertar incautos ou resignados. Outros há que, usando um discurso oco e de características labirínticas, tendem a confundir os mais ingénuos e pouco habituados a reflectir. Passa-se isto não só no campo político, mas também cultural. O Acordo Ortográfico é um entre muitos exemplos. Vejamos apenas alguns aspectos:
De acentuar que ambos os discursos, o de Lula da Silva e o de Cavaco Silva, diferenciam-se pela sua sintaxe e pela sua ortografia, disso não resultando qualquer problema na compreensão do sentido do texto nem qualquer confusão relativamente às palavras escritas de maneira diferente. Convivem sem qualquer ruído «projetar, projeto, efetivo, ação, proteção, respetivo com projectar, projecção, projecto, actuação, protecção, respectivo». No entanto, querem fazer-nos demagogicamente crer que estas diferenças dificultam a compreensão e a aprendizagem da língua, constituindo «divergências sérias» que são «largamente prejudiciais para o prestígio do português no Mundo».
– «A continuação da língua portuguesa deve ser o nosso desafio e essa deve ser a medida das posições de todos os que se preocupam com o futuro da língua portuguesa, recusando seguir posições e posicionamentos que Camões tão bem retratou e deu a conhecer como de “Velhos do Restelo.”»
– Os portugueses devem abandonar a «vocação para isolacionismos», sabendo «ser os legítimos herdeiros de quem não temia o novo, de quem ousava descobrir novos rumos de progresso.»
– «[…] não podemos deixar de perguntar aos que questionam este Acordo o que têm feito, por exemplo, para defender a língua portuguesa que é tão maltratada nas nossas escolas?»
– «[…] respeitando as opiniões de autores, de cientistas, de especialistas de que uma ou outra solução técnica possa não ter sido a mais perfeita, não é isso que pode impedir um olhar político e uma perspectiva de futuro acerca da língua portuguesa».
– «Como já foi dito, a ninguém fica castrada a liberdade de criar segundo as regras da sua própria escrita.»
Talvez também por inovação, querem agora obrigar-nos a pronunciar «dáblio» (w) no alfabeto, tal como aparece no AO, base I, 1º, em vez de «dâblio» na norma ortográfica portuguesa.
. Ponto 4.2 («Justificação da supressão de consoantes não articuladas»), alínea c), em que sobressai a compaixão pelas crianças de 6-7 anos face ao uso das consoantes mudas: «É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes vem facilitar a aprendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam. […] Só à custa de um enorme esforço de memorização» poderiam as crianças fazê-lo o «que poderá ser vantajosamente canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua».
. Ponto 4.2 («Justificação da supressão de consoantes não articuladas»), alíneas d) e f), em que se refere a «teimosia lusitana em conservar consoantes que não se articulam» quando a «norma brasileira» já «há muito as suprimiu», acentuando-se o facto de não se dever tentar «impor a sua grafia àqueles que há muito as não escrevem, justamente por elas não se pronunciarem.»
. Ponto 4.4 («Casos de dupla grafia) em que erroneamente se afirma «Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa […]». (sublinhado nosso).
São alguns dos exemplos sobejamente conhecidos, mas duvidando muitos da sua veracidade precisamente porque não se dão ao trabalho de ler a Nota Explicativa; outros, lamentavelmente, conhecem-nos, mas silenciam-nos tal como aconteceu com os vários pareceres contrários à aplicação do Acordo. Enquanto professora, não posso deixar de transcrever o parecer dado pela Direcção-Geral dos Ensinos Básico e Secundário: «Há acordos assináveis, sem grandes problemas e há outros que são de não assinar. O acordo recentemente assinado tem pontos que merecem séria contestação e é, frequentemente, uma simples consagração de desacordos».
Cansados certamente da falta de eficácia dos argumentos de influência «salazarista» e de «Velhos do Restelo», os defensores do Acordo iniciam agora nova estratégia, aproveitando-se da chaga que representa o desemprego. Com efeito, chegam ao desplante de afirmar que o AO virá aumentar as possibilidades de emprego e, no mesmo âmbito miserabilista, apontado às crianças africanas, alega-se «que o acordo facilita a alfabetização das crianças pobres dos países africanos, o que aumenta o número de falantes/escreventes».
Gostaria de salientar que se quisermos podemos alterar esta situação. Basta que resistamos à ignorância e que não aceitemos ser passivos perante o absurdo. Podemos intervir, assinando por exemplo a Iniciativa Legislativa de Cidadãos, no endereço www.ilcao.cedilha.net ; solicitando uma audiência ao Grupo de Trabalho para Acompanhamento do AO, criado recentemente pela 8ª Comissão de Educação, Ciência e Cultura; participando activamente em debates e fóruns, podendo também organizá-los com outros amigos, como o que irá realizar-se no auditório 1 da Universidade Nova (FCSH), Av. de Berna, em Lisboa, no dia 20 de Março pelas 18.00 horas, intitulado «Onde Pára e Para Onde Vai a Língua Portuguesa», sendo intervenientes o deputado Mota Amaral, a professora Maria Alzira Seixo, o jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares, o jornalista Nuno Pacheco do jornal Público, o jornalista António Guerreiro, a tradutora Hermínia Castro (ILC), a par de professores e alunos do ensino secundário e universitário.
Termino com Fernando Pessoa: O Estado nada tem a ver com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno […].
Lisboa, 17 de Março de 2013
Fonte:
http://ilcao.cedilha.net/?p=10212
O mixordês é a mistura do Português com o acordês, que dá uma linguagem que não se encaixa na Língua Oficial de Portugal, e que se encontra em vigor - a Língua Portuguesa.
Não é uma vergonha? Chego a duvidar que Portugal seja um país Europeu...
Os deputados dos restantes países Europeus também escreverão, nas respectivas línguas oficiais, assim tão mal?
«Num texto que cabe numa página, o espelho da actual situação ortográfica em Portugal: mistura das normas pré e pós-Acordo Ortográfico e erros por hipercorrecção que antes não se verificavam. O poder político, que instituiu o AO, é o primeiro a desrespeitá-lo, mas finge que nada se passa. Até quando irá durar esta cegueira voluntária que fustiga a língua portuguesa?» (Tradutores contra o Acordo Ortográfico)
Fonte:
Isabel A. Ferreira
Por que será que os governantes portugueses se recusam a ouvir as várias vozes da mais racional Razão?
Um excelente texto para reflectir o malfadado AO90.
Acordem ó governantes adormentados!
Texto de Nuno Pacheco
in Jornal Público
«Que se cheguem à frente defensores e detractores do acordo, porque já chega de conciliábulos mornos. Que volte tudo à mesa
Neste Janeiro pleno de sol, eis que regressam as acaloradas discussões sobre a Língua Portuguesa. Voltou à RTP, na passada terça-feira, o magazine Cuidado com a Língua!; foi lançado um novo livro do tradutor, revisor e professor Marco Neves intitulado A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Guerra & Paz); e o PEN Clube promoveu no Goethe Institut, em Lisboa, no dia 9 de Janeiro, mais um debate sobre o acordo ortográfico (AO90). Aliás, é este último que mais promete dar que falar, com o anunciado "aperfeiçoamento" que a Academia de Ciências de Lisboa prepara e de que já foram surgindo alguns tópicos: regresso à diferenciação de "óptico-ótico" e de "pára-para", clarificação do uso dos hífens, reposição de consoantes ditas mudas (pelo menos as que permanecem no Brasil, caso de recepção-receção); ou revisão do uso dos sufixos pan- e com-. Haverá conciliação? Arriscando uma metáfora marítima, esta tentativa de "aperfeiçoamento" arrisca-se a ser vista por uns como um inadmissível rombo no navio, e por outros como o lançamento de bóias de ferro aos náufragos.
Recordando os alertas dos saudosos José Pedro Machado e Vasco Graça Moura, entre tantos outros que se cansaram de argumentar contra os perigos do "monstro" que aí vinha, é possível olhar para a tentativa da ACL como a confirmação clara de um falhanço: se o AO precisa de emendas, e não serão poucas, nunca devia ter entrado em vigor no estado em que está. Os que lamentam a sorte das "pobres criancinhas" caso haja agora mudanças, deviam ter pensado na quantidade de disparates que as obrigaram a aprender para agora, aos poucos, terem de os desaprender. É por isso que os fautores do acordo não querem mudar uma só vírgula: para não ajudarem a sublinhar a sua incompetência.
É, pois, tempo de deixar a habitual lassidão portuguesa e enfrentar o problema. Que se cheguem à frente defensores e detractores do acordo, porque já chega de conciliábulos mornos. Que volte tudo à mesa, para que, "remendando" o AO ou deitando-o fora, não haja mais escolhas impensadas, baseadas em panaceias há muito desmentidas. É curioso que um defensor do AO (considerando-o, ainda hoje, "obra meritória", que "já não pode ser denunciado por Portugal, como país digno"), D’Silvas Filho, tenha publicado há dias no seu blogue e no Pórtico da Língua Portuguesa um texto onde condena, nos vocabulários ortográficos, "a sanha contra as consoantes não articuladas" por uma "obsessão no simplificacionismo. A língua é um complexo que traz consigo a herança de muitas gerações de falantes que a foram aperfeiçoando na comunicação. A língua é mais do que ortografia, mas esta tem interferência na linguagem, por exemplo, nos retornos sobre a fonia. Só se deve alterar a ortografia com pinças, com ciência, senão a fluidez da comunicação intergerações e o encanto das virtualidades da língua podem perder-se." Foi isto que foi feito com o AO90? Só um lunático responderá pela afirmativa.
Apesar da vã retórica, nenhum benefício foi ainda mostrado como resultante da imposição das regras do AO90. O silêncio dá jeito, porque encobre todo o tipo de más opções e desvarios. Mas na língua não há silêncios. Ela rodeia-nos a toda a hora, falada, escrita, viva, múltipla. Um exemplo: numa extensa entrevista que o escritor brasileiro Pedro Maciel fez a Mário Soares e que permaneceu inédita até a Folha de S. Paulo a publicar postumamente, no dia 9, a última questão foi sobre a língua. Perguntou Pedro Maciel: "Não é uma bobagem a reforma ortográfica da língua portuguesa, já que a língua é um organismo vivo, dinâmico e muda-se conforme as novas gerações?" Respondeu Mário Soares: "O que é admirável na nossa comunidade é a variedade, a riqueza e as diferentes contradições. Os brasileiros têm locuções, maneiras de escrever e de falar diferente dos portugueses que enriquecem extraordinariamente a nossa língua, da mesma forma que os africanos e os portugueses. Cada um dá o seu tributo. Eu não sou um grande purista da língua e acho que as línguas são organismos vivos e são os povos que fazem as línguas. Não sou pela uniformização, mas pela variedade e pela diversidade dentro de uma unidade."
Que siga a discussão.»
Fonte:
https://www.publico.pt/2017/01/19/culturaipsilon/noticia/acordemos-para-desacordar-de-vez-1758650
Não podia estar mais de acordo com o Fernando Proença, no que respeita ao AO90.
A Língua Portuguesa está em vias de extinção por conta deste AO90, da cegueira mental dos governantes, que não conseguem ver o óbvio, e da ignorância monumental dos que, sem o mínimo espírito crítico, o usam às ceguinhas e à balda...
Opinião de Fernando Proença
«Tenho sido o rato do laboratório que todos temos cá dentro mas às vezes não sabemos. A esclarecer: quando tenho a hipótese de ir buscar um filme mais atrás (sob o manto diáfano da chamada box), estou com muito menos atenção ao que vejo. Não sei se estou a dar uma novidade a alguém, mas a extraordinária capacidade de podermos voltar a olhar e descobrir algo que nos escapou da primeira vez condiciona-nos sempre a forma como olhamos para a TV. Não sei se isto conta para os telemóveis, para as fotografias e em geral tudo o que mexe, mas afianço-vos que os livros que trazem no princípio, nome e características das personagens, levam-me a consultá-las desde a primeira até à última página, raramente conseguindo fixar nomes e parentescos. Não tenho nada contra a possibilidade de gravar programas e filmes. Conseguir-se ver, de uma assentada, todos os programas com Manuel Luís Goucha, seria só por si motivo de regozijo e satisfação. Escrutinar todos os noticiários lidos por José Rodrigues dos Santos, em pacote, vendo mais piscadelas de olho em três horas que qualquer ser humano está capacitado a suportar em três meses, é obra. Por isso gosto dos aparelhos de televisão com box associada. Mas que isso me relaxa, relaxa!
Involuntariamente também enfrento as duras provações do extraordinário acordo ortográfico (AO), que nos meus artigos tento deixar à porta. Hoje mesmo, Domingo, em que escrevo estas linhas, tive que voltar atrás na legenda que lia (outro benefício da utilização da box nas televisões), em três filmes diferentes. Nesses três filmes fiquei sem saber se o para que lá se via era para, ou o antigo pára. Numa das situações não tinha percebido mesmo e mudou completamente o sentido da frase. Para resolver esta intricada questão voltei atrás duas vezes e repeti de cabeça um diálogo, na terceira situação. Não sei o que quiseram com esta confusão. Mas que não foi boa coisa não foi.
A Imprensa Nacional Casa da Moeda, instituiu um prémio denominado Vasco Graça Moura. A questão, que tem sido publicamente contestada, é que no regulamento do concurso consta que os textos postos a concurso têm que estar escritos ao abrigo do actual acordo ortográfico. Não sei se a referida Imprensa Nacional Casa da Moeda podia ter instituído o mesmo prémio em nome de outro escritor qualquer, da nova ou velha guarda, daqueles que pensa que só a golpes destes a língua avança, ou uma treta dessas. Se podia, devia tê-lo feito. Mas dar o nome do escritor português que mais contestou o actual AO, a um prémio literário, em que é condição de aceitação que os textos sejam escritos segundo esse mesmo AO, é no mínimo uma enorme falta de respeito por quem dizem estar a homenagear. Agora discordo dos discordantes numa coisa: onde eles olham e percebem uma forma de manchar o nome de Graça Moura, eu vejo relaxe e indiferença. Quem pensou nas coisas, não lhe passou isto pela cabeça. Marimbaram-se e dormiram para o lado que se deitaram. Mas um povo que deu a um aeroporto o nome de Sá Carneiro, que morreu num desastre de avião, pode fazer qualquer coisa. Por este andar, um dia ainda dão o nome Maria Luís Albuquerque a um asilo para velhos com dificuldades económicas.
Fernando Proença»
Fonte: http://www.jornaldoalgarve.pt/avarias-curta-vida-ao-ao-e-o-que-eu-lhes-desejo/
«A (…) revogação (do AO) criará as condições para que o Acordo Ortográfico seja revertido e arquivado. É precisamente o que o Projecto de Lei da ILC-AO se propõe fazer, com a sua ajuda.
É isso o que a maioria quer, é isso o que a maioria pode ter. Basta mexer um dedo…»
(Rui Valente)
Leiam o texto que Rui Valente escreveu, por favor.
E no final, mexam um dedo.
Aqui: www.ilcao.com ou aqui online
É que não basta andar pelo Facebook a dizer mal do AO90. É preciso AGIR. Urgentemente. Por favor.
Texto de Rui Valente
01/10/2016 - 07:30
«Não se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua, seja lá isso o que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz.
No passado dia 20 de Julho a Assembleia da República aprovou, finalmente, três importantes alterações à Lei que regula as Iniciativas Legislativas de Cidadãos (ILC): o número de eleitor (que raramente temos à mão…) deixa de ser um dos requisitos, reduziu-se o número mínimo de assinaturas de 35.000 para 20.000 e torna-se finalmente possível subscrever este tipo de iniciativa cívica também por via electrónica.
A redução do número de assinaturas era uma reivindicação já antiga. É certo que estavam em cima da mesa propostas que apontavam para uma redução ainda maior mas o número a que se chegou tem, pelo menos, a vantagem de afastar qualquer cenário de "banalização" das ILC temido por alguns partidos: 20.000 assinaturas continuam a ser mais do dobro das que são necessárias para criar um partido político ou para a apresentação de um candidato à Presidência da República.
Mas o maior avanço será, sem dúvida, o que determina o fim das subscrições exclusivamente em papel. Em pleno Séc. XXI, com o exercício da cidadania a transferir-se cada vez mais para plataformas electrónicas, a obrigação de imprimir um formulário, assiná-lo e enviá-lo pelo correio era um anacronismo quase exclusivo das ILC. A figura da petição, por exemplo, já funciona há muito na base da subscrição virtual.
No seu conjunto, estas três medidas recentemente aprovadas vêm de facto devolver as ILC aos cidadãos. Até aqui, as operações de logística envolvidas na promoção, recolha e tratamento de milhares de assinaturas em papel deixavam as Iniciativas Legislativas de Cidadãos praticamente inacessíveis a grupos de simples cidadãos sem os complexos meios necessários.
As primeiras beneficiárias desta medida são, naturalmente, as ILC em curso. Para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação do Acordo Ortográfico (ILC-AO), em concreto, as perspectivas mudam radicalmente. Esta Iniciativa tem recolhidas, até agora, cerca de 15.000 assinaturas em papel. Segundo a norma anterior, a ILC-AO enfrentava um cenário adverso, em que teria ainda de recolher mais 20.000 assinaturas em papel. Com a alteração da Lei ficam a faltar "apenas" 5.000 assinaturas — com a vantagem de que poderão ser recolhidas tanto em papel como por via electrónica.
Vale a pena sublinhar que a dificuldade em reunirmos assinaturas em papel não pode, de modo nenhum, ser levada à conta de desinteresse pela nossa Causa comum. A rejeição do Acordo Ortográfico de 1990 pela maioria da população portuguesa sempre foi inequívoca. Tanto a petição/manifesto "Em defesa da Língua Portuguesa", de Vasco Graça Moura, já em 2009, como a página desta mesma ILC–AO na plataforma Causes ultrapassaram facilmente a marca dos 100.000 subscritores/seguidores. O facto de estes números não se traduzirem em subscrições em papel deve-se, apenas e só, ao desuso crescente desse suporte físico, preterido em favor do activismo online.
Sendo certo que o exercício da cidadania é muitas vezes um factor de identidade e de união entre as populações, também o é a Língua Portuguesa.
Faz todo o sentido, portanto, que seja a iniciativa cidadã a repor o statu quo anterior ao AO, em que duas variantes do Português coexistiam há décadas num ecossistema ortográfico perfeitamente estabilizado.
O AO90 limitou-se a lançar o Português Europeu no caos, corroendo os laços que o uniam à maior parte das Línguas neo-latinas europeias sem que daí adviesse qualquer espécie de vantagem. Não se vislumbra um aumento do prestígio internacional da Língua, seja lá isso o que for, nem a CPLP consegue tocar a uma só voz, com Angola e Moçambique a manter, e bem, o Acordo Ortográfico fora das suas preocupações ou prioridades.
É tempo de acabarmos com o amontoado de arbitrariedades a que se convencionou chamar “Acordo Ortográfico”, poço sem fundo de facultatividades que desmontam a própria noção de ortografia.
Permita-me que o convide, caro leitor, a visitar o sítio www.ilcao.com
e a subscrever a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pela revogação do AO90. Pode fazê-lo em papel, como sempre, ou, a partir de agora, preenchendo o formulário que se encontra online.
Dirijo-me especialmente aos pais com filhos em idade escolar: subscrever a ILC-AO é uma forma de exigir o acesso dos vossos filhos a uma ortografia racional, funcional, estável. É fundamental não ceder à chantagem emocional dos defensores do Acordo que nos dizem — agora — que andamos "a brincar com as nossas crianças" — quando foram eles os primeiros a dar início a essa brincadeira, de forma perfeitamente arbitrária e fútil.
Uma pequena "nota técnica" final: como saberão, o Acordo Ortográfico, sendo um tratado internacional, não é matéria do foro da Assembleia da República. O que é matéria do foro da Assembleia da República é a Resolução 35/2008, cuja aprovação pela AR foi um expediente que implicou a (ilegal) entrada em vigor do AO90 em Portugal. A sua revogação criará as condições para que o Acordo Ortográfico seja revertido e arquivado. É precisamente o que o Projecto de Lei da ILC-AO se propõe fazer, com a sua ajuda.
É isso o que a maioria quer, é isso o que a maioria pode ter. Basta mexer um dedo…
Comissão Representativa da ILC-AO»
Fonte: https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/cidadania-e-lingua-portuguesa-1745724?page=2#/follow
Origem da imagem (adaptada): http://pt.slideshare.net/galegaencarnada/recepo-alunos-prescolar
Por João Pedro Forjaz Secca
Resolvi escrever um texto com as razões da minha discordância quanto ao famigerado AO90. Aqui fica:
Alguns argumentos contra o AO90
Infelizmente, deparamo-nos hoje com uma ortografia mutilada que não respeita a etimologia nem a fonética, já que as ditas consoantes mudas também lá estavam para abrirem a vogal precedente...
Este "aborto" ortográfico é baseado numa mentira - a da unificação da ortografia. De facto, que unificação é essa, se antes do AO a palavra "recepção", por exemplo, se escrevia do mesmo modo em Portugal e no Brasil e, após o acordo se escreve de modo diferente??? (e há muitos exemplos como este...). O critério fonético não pode servir de norma ortográfica, devido às variações regionais de pronúncia - senão a palavra "vaca" teria que ser escrita de modo diferente em Lisboa e no Porto, a palavra "assim" teria a grafia "achim" em Viseu, e a palavra "consciência" seria grafada "conciência" na Covilhã.
Ou então passamos a retirar também o H de homem, hoje, hospital, etc. ... O argumento da simplificação da escrita para facilitar a aprendizagem é absurdo. Como é que as criancinhas inglesas, coitadas, aprendem a escrever inglês, com aqueles F's e PH's e mais não sei quantas consoantes mudas...? Tudo isto me faz lembrar a "novilíngua" do romance de George Orwell, "1984", em que a língua vai sendo simplificada para se ir progressivamente dominando a população pela redução à estupidez. É preciso não esquecer que pensamos por associação de palavras e que a possibilidade de nos remetermos ao étimo é fundamental para uma correcta compreensão e elaboração de conceitos.
E o que este AO faz é ignorar completamente as questões etimológicas. É um absurdo, elaborado por um grupo de linguistas que teria na sua agenda interesses económicos (Malaca Casteleiro e António Houaiss) para a venda de livros e dicionários em ambos os lados do Atlântico, e cujas consequências da aplicação resultaram num total caos ortográfico, como se pode ver pelas notas de rodapé que aparecem na tv, cheias de gralhas, e até no Diário da República, em que começam a desaparecer consoantes que nem com o infame AO teriam desaparecido - com "fato" por facto, ou "contato" por contacto... (também há o episódio de uma edição recente de um livro do Saramago, já com o AO, em que uma personagem aparece como tendo feito um "pato" com o diabo...)
As modificações ortográficas da reforma ortográfica de 1945 foram feitas por gente muito mais inteligente do que este grupo do Malaca Casteleiro. É preciso também não esquecer quais as tristes figuras políticas que foram responsáveis pela aplicação apressada do "aborto" - Santana Lopes, Cavaco Silva e, mais tarde, José Sócrates - tudo gente que não prima, propriamente, pela cultura que possui... Mais de 80% dos nossos linguistas e escritores são, obviamente, contra este atabalhoado AO90 (que até os próprios proponentes começam a reconhecer que apresenta muitas falhas).
Mais alguns argumentos:
- o absurdo de haver palavras que, por pertencerem à mesma família semântica e, consequentemente, deverem apresentar grafias concordantes, agora aparecerem escritas de modo diferente, como "Egito"/egípcio e "ótico"/optometrista (...e com os medicamentos que agora aparecem designados como soluções "óticas" ficamos sem saber se é para pôr as gotas nos olhos ou nos ouvidos... na dúvida coloque no nariz!).
Se atentarmos ao rigor científico, temos de concluir que este AO é uma desgraça. E quanto ao critério fonético, há tanta gente que pronuncia o P de Egipto...! Quem é que decide como é que a palavra se pronuncia? Essa história de as letras desaparecerem porque não se pronunciam... há muita gente que não pronuncia e muita gente que pronuncia as tais letras!
- o manual de Ciências Naturais do 9º ano da Porto Editora, Cientic, fala em doenças "infeciosas"... só muito raramente se ouve alguém pronunciar a palavra como "inféSSiosas", sendo a pronúncia habitual "inféQsiosas". Escrevi para lá (linhaderigor@portoeditora.pt) e responderam-me dizendo que é um caso de dupla grafia e que "na pronúncia comum da palavra na variante europeia do português a consoante é muda" (o que é totalmente falso...). Esta história das duplas grafias, ou das facultatividades, só veio aumentar, e muito, a confusão generalizada e tornar mais difícil a aprendizagem do português pelas crianças. Já havia, claro, algumas duplas grafias, anteriormente, como ouro/oiro e touro/toiro. Mas não era necessário introduzir mais outras tantas!
- a duplicidade de sentido que aparece em palavras que antes eram objectivas e inequívocas e agora passam a ser dúbias, como "espetador" (ficamos sem saber se estamos em presença de um espectador ou de alguém que espeta coisas, como um toureiro) e "detetar" (referem-se ao verbo detectar ou ao acto de tirar a teta ?). Ou, em vez de recepção, "receção", em que a tendência natural é para lê-la como "recessão"...
Finalmente, há ainda a considerar que o AO90 é ilegal e inconstitucional, já que não foi ratificado por todos os países proponentes e "o governo não cumpriu os passos processuais que a sua aplicação implicava". Quanto a este ponto, têm toda uma argumentação muito bem fundamentada no livro: "O Acordo Ortográfico de 1990 não está em vigor", com o subtítulo "Prepotências do Governo de José Sócrates e do Presidente Cavaco Silva", do Embaixador Carlos Fernandes (Ed. Guerra e Paz, 2016).
Um dos argumentos disparatados dos defensores do acordo é que a língua tem que evoluir. Então, em vez de deixá-la evoluir naturalmente, toca a forçar a sua "evolução a todo o custo"! É o mesmo que um evolucionista querer provocar a evolução de seres vivos colocando-os em contacto com as radiações de Tchernobyl ou de Fukushima, para alterar o seu DNA... E depois dizer: "Mas os seres vivos têm que evoluir"...
Em jeito de conclusão deixo-vos três perguntas:
1 - Este AO era necessário? Não. Os vários países do mundo em que se fala inglês, francês, espanhol ou árabe nunca fizeram acordo algum entre si e, apesar das variantes regionais que cada um destes idiomas apresenta, entendem-se todos muito bem a nível linguístico.
2 - Este AO serviu para alguma coisa? Não. Absolutamente nada! Continuamos, e continuaremos, a escrever de modo diferente em Portugal e no Brasil, havendo até várias palavras que antes se escreviam do mesmo modo, como "recepção" e que agora têm grafias diferentes cá e lá. E continuarão a existir sempre enormes diferenças de vocabulário e de construção frásica entre o português de Portugal e o português do Brasil que nenhum acordo poderá jamais resolver (a não ser que o secreto objectivo por trás disto tudo seja mesmo ir transformando, aos poucos, o nosso português em brasileiro...).
3 - Trouxe vantagens? Foi positivo? Nem um pouco! Nunca se escreveu tão mal e com tantos erros ortográficos como actualmente, após a aplicação do AO (que ainda por cima, como já referi anteriormente, é ilegal e inconstitucional).
É por estas e por outras que eu me recuso, terminantemente, a escrever em acordês (prefiro o português)...
Fonte: https://www.facebook.com/joao.secca/posts/10206780174495385
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