Subscrevo este texto de João-Afonso Machado, publicado no Blogue Corta-Fitas.
Por tudo o que conhecemos do carácter de Eça de Queiroz, ele jamais desejaria que a sua ossada repousasse no Panteão Nacional. Eça está acima dessa vã vaidade, além de que Tormes é o lugar ideal para acolher um corpo que deu guarida a um espírito que, se existisse nos dias de hoje, demoliria os que, para proveito político, pretendem desalojá-lo da paz da sua sepultura, varrida pelos ventos…
Contudo, como refere João-Afonso Machado, a derradeira palavra pertencerá à Família Eça de Queiroz.
Isabel A. Ferreira
Por João-Afonso Machado, em 19.12.20
«O grande Eça no Panteão Nacional?»
«Está na ordem do dia: os restos mortais de Eça de Queiroz, pretende o Governo de Costa trasladá-los para o chamado Panteão Nacional.
O grande Eça, caso não saibam - e muitos não saberão... - morreu em Neuilly, França, e foi o cabo dos trabalhos para o trazer para Portugal, onde foi sepultado nos Prazeres, Lisboa, e, posteriormente, levado para Tormes, em Santa Cruz do Douro.
Ali repousa na sua merecida paz, longe da política e de todos os Abranhos deste mundo.
Agora, manifesta o Governo a sua vontade em o levar para o Panteão Nacional. Onde jazem figuras várias, nenhuma com a sua visão da política, do mundo e da Arte. Aliás (sem procurar apoio historiográfico), arrisco dizer - quase todos os sepultos no dito Panteão, far-se-iam mais depressa em nada se Eça sobre eles escrevesse...
Eu suponho - e espero! - a derradeira palavra caiba à Família Eça de Queiroz. E contra a Família Eça de Queiroz, é óbvio nada tenho a contradizer. Tenho é algumas ideias na cabeça. Por exemplo:
- Os governantes da época de Eça não perderam muita atenção com a sua morte. Só devido aos esforços de alguns amigos dele, atribuiram uma "pensão de sobrevivência" (aliás, de extrema necessidade) à viúva, a Senhora Dona Emília de Castro, e aos Filhos;
- Os ditos Filhos perderam essa pensão em virtude das suas convicções monárquicas, pelas quais se manifestaram nas "Incursões" de 1911-12;
- Eça, monárquico que foi, é lido da frente para trás, assim se esquecendo os seus romances A Cidade e as Serras, e A Ilustre Casa de Ramires, entre outros escritos do maior significado;
- Eça, confrontado com esta III República morreria do primeiro mal que lhe desse. Calcula-se que esse mal seria a própria enunciação do termo - "III República". É só imaginar o grande Eça em conversa com o Eduardo (Dâmaso) Cabrita;
- Pensando em As Farpas, Ramalho acompanhá-lo-ia, também, em tal desterro no Panteão. Mas Ramalho, politicamente, não é tão sonante. Mais a mais, sobreviveu à Monarquia e (in Últimas Farpas) escreveu - «A República continua dando ao mundo o mais inacreditável espectáculo - existe»...
Costa quer popularidade. Eça, que na História vai imenso mais além deste batoteiro, quer sossego. Está bem em Tormes, e recomenda-se. Por isso... Vamos todos zurzir bengaladas nestes Palmas Cavalões (e cavalonas...) da sacanice governamental. Pelo inesquecível e inigualável Eça de Queiroz.»
Fonte:
https://corta-fitas.blogs.sapo.pt/o-grande-eca-no-panteao-nacional-7168155?view=35892891#t35892891
Nota: clicar no link para ler os comentários ao texto, porque vale a pena.
Origem da imagem:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1798039893542644&set=gm.2054571048120733&type=3&theater&ifg=1
Repescando um texto de 2018, cada vez mais actualíssimo, devido a uma estranha moda, que circula por aí, inventada por alguém (= um, uma) muito complexado/complexada (?) com uma necessidade urgente de afeminar a linguagem, porque acha (se ao menos pensasse!) que o Português é uma língua machista. Então há que feminizá-la, para que as mulheres possam garantir o seu lugar ao sol, igual ao do homem, na sociedade. E quem assim cisma, vergonhosamente, nada sabe de Português.
As mulheres ganham menos 14% do que os homens, mas se todos e todas começarem a falar deste modo, a que eles e elas chamam linguagem inclusiva, elas chegarão à almejada igualdade salarial, num piscar de olhos. Então, não?
O pior é que quando se começa um discurso neste registo, tem de se ser coerente do princípio ao fim, o que raramente acontece, por ser absolutamente inexequível, e o discurso inclusivo transforma-se, então, numa patetice pegada.
Um exemplo: no passado dia 6 de Novembro, num dos seus discursos à Nação, o presidente da República dizia que cada uma e cada um dOs portuguesEs deviam fazer qualquer coisa que não vem agora ao caso. Então, o cada uma integrou-se no masculino daquele dOs, e a frase ficou estéril. Para falar à inclusiva o senhor presidente teria de dizer: cada uma das portuguesas e cada um dos portugueses, para que o feminino e o masculino ficassem ali bem definidos, porque é essa a função da malnascida linguagem inclusiva, que é a maior parolice que poderiam ter inventado, para dar visibilidade ao género feminino que, visto pela óptica dos inclusivistas, afinal, pode ser masculino, porque não há maneira feminina de dizer género feminino.
Isto para dizer que o Português não é uma língua machista, mas simplesmente uma Língua muito mal ensinada, muito mal falada, muito mal escrita, muito mal estudada e muito mal tratada.
O texto que se segue mostra bem a patetice da tal linguagem inclusiva, usada inclusive, por pessoas que ocupam altos cargos da Nação e são candidatas ao cargo de Presidente da República.
Uma vergonha!
***
Um grupo de amigos e uma grupa de amigas, portugueses e portuguesas, da região norte do país, dirigiram-se a Lisboa, para que os administradores e administradoras da Daylight Lda. (não devo escrever “Daylit”? A professora Lúcia Vaz Pedro anda sempre a dizer no JN que as consoantes que não se lêem não se escrevem) escolhessem os secretários e as secretárias e os rececionistos e as rececionistas com entrada imediata, porque estão muito necessitados e necessitadas de novos e de novas empregados e empregadas.
Para quem não sabe, “rececionisto” é um novo posto de trabalho criado pelo governo português, para diminuir a taxa de desempregados e desempregadas… Não, desempregadas não, aqui não se aplica… É só desempregados. Ai o que faz o hábito!!!
Talvez o Senhor Presidente da República Portuguesa esteja a precisar de um rececionisto, para que este possa receber os cidadãos e as cidadãs, que estão fulos e fulas com o rumo que a Língua Portuguesa está a tomar, pois qualquer dia estamos todos e todas metidos e metidas num manicómio, por causa desta monumental idiotice que se apoderou de alguns homens e de algumas mulheres, do nosso pobre País, que escorrega vertiginosamente para um abismo de loucos e de loucas.
Isto só comigo, ou deverei dizer isto só comiga!!!!!
Isabel A. Ferreira
Repescando um actualíssimo texto de 2016, da autoria de João Pedro Forjaz Secca
Porque é preciso não deixar morrer a fogueira onde há-de ser queimado o AO90.
Bem sei que o tempo é de combate à Covid-19, e a todas as outras doenças que estão em banho-maria, morrendo-se mais por estas do que por aquelas.
Mas dizem-nos que a vida tem de continuar…
E da nossa vida também faz parte a nossa Língua, cada vez mais esmagada pelo AO90, pela ignorância dos que a escrevem mal, e pela indiferença dos governantes portugueses, que assobiam para o lado, como se nada tivessem a ver com isto. O que vale é que nenhum deles será candidato a nome de ruas ou a ser perpetuado em estátuas. Podem crer.
Isabel A. Ferreira
Origem da imagem (adaptada): http://pt.slideshare.net/galegaencarnada/recepo-alunos-prescolar
Por João Pedro Forjaz Secca
«Resolvi escrever um texto com as razões da minha discordância quanto ao famigerado AO90. Aqui fica:
Alguns argumentos contra o AO90
Infelizmente, deparamo-nos hoje com uma ortografia mutilada que não respeita a etimologia nem a fonética, já que as ditas consoantes mudas também lá estavam para abrirem a vogal precedente...
Este "aborto" ortográfico é baseado numa mentira - a da unificação da ortografia. De facto, que unificação é essa, se antes do AO a palavra "recepção", por exemplo, se escrevia do mesmo modo em Portugal e no Brasil e, após o acordo se escreve de modo diferente??? (e há muitos exemplos como este...). O critério fonético não pode servir de norma ortográfica, devido às variações regionais de pronúncia - senão a palavra "vaca" teria que ser escrita de modo diferente em Lisboa e no Porto, a palavra "assim" teria a grafia "achim" em Viseu, e a palavra "consciência" seria grafada "conciência" na Covilhã.
Ou então passamos a retirar também o H de homem, hoje, hospital, etc. ... O argumento da simplificação da escrita para facilitar a aprendizagem é absurdo. Como é que as criancinhas inglesas, coitadas, aprendem a escrever inglês, com aqueles F's e PH's e mais não sei quantas consoantes mudas...? Tudo isto me faz lembrar a "novilíngua" do romance de George Orwell, "1984", em que a língua vai sendo simplificada para se ir progressivamente dominando a população pela redução à estupidez. É preciso não esquecer que pensamos por associação de palavras e que a possibilidade de nos remetermos ao étimo é fundamental para uma correcta compreensão e elaboração de conceitos.
E o que este AO faz é ignorar completamente as questões etimológicas. É um absurdo, elaborado por um grupo de linguistas que teria na sua agenda interesses económicos (Malaca Casteleiro e Antônio Houaiss) para a venda de livros e dicionários em ambos os lados do Atlântico, e cujas consequências da aplicação resultaram num total caos ortográfico, como se pode ver pelas notas de rodapé que aparecem na tv, cheias de gralhas, e até no Diário da República, em que começam a desaparecer consoantes que nem com o infame AO teriam desaparecido - com "fato" por facto, ou "contato" por contacto... (também há o episódio de uma edição recente de um livro do Saramago, já com o AO, em que uma personagem aparece como tendo feito um "pato" com o diabo...)
As modificações ortográficas da reforma ortográfica de 1945 foram feitas por gente muito mais inteligente do que este grupo do Malaca Casteleiro. É preciso também não esquecer quais as tristes figuras políticas que foram responsáveis pela aplicação apressada do "aborto" - Santana Lopes, Cavaco Silva e, mais tarde, José Sócrates - tudo gente que não prima, propriamente, pela cultura que possui... Mais de 80% dos nossos linguistas e escritores são, obviamente, contra este atabalhoado AO90 (que até os próprios proponentes começam a reconhecer que apresenta muitas falhas).
Mais alguns argumentos:
- o absurdo de haver palavras que, por pertencerem à mesma família semântica e, consequentemente, deverem apresentar grafias concordantes, agora aparecerem escritas de modo diferente, como "Egito"/egípcio e "ótico"/optometrista (...e com os medicamentos que agora aparecem designados como soluções "óticas" ficamos sem saber se é para pôr as gotas nos olhos ou nos ouvidos... na dúvida coloque no nariz!).
Se atentarmos ao rigor científico, temos de concluir que este AO é uma desgraça. E quanto ao critério fonético, há tanta gente que pronuncia o P de Egipto...! Quem é que decide como é que a palavra se pronuncia? Essa história de as letras desaparecerem porque não se pronunciam... há muita gente que não pronuncia e muita gente que pronuncia as tais letras!
- o manual de Ciências Naturais do 9º ano da Porto Editora, Cientic, fala em doenças "infeciosas"... só muito raramente se ouve alguém pronunciar a palavra como "inféSSiosas", sendo a pronúncia habitual "inféQsiosas". Escrevi para lá (linhaderigor@portoeditora.pt) e responderam-me dizendo que é um caso de dupla grafia e que "na pronúncia comum da palavra na variante europeia do português a consoante é muda" (o que é totalmente falso...). Esta história das duplas grafias, ou das facultatividades, só veio aumentar, e muito, a confusão generalizada e tornar mais difícil a aprendizagem do português pelas crianças. Já havia, claro, algumas duplas grafias, anteriormente, como ouro/oiro e touro/toiro. Mas não era necessário introduzir mais outras tantas!
- a duplicidade de sentido que aparece em palavras que antes eram objectivas e inequívocas e agora passam a ser dúbias, como "espetador" (ficamos sem saber se estamos em presença de um espectador ou de alguém que espeta coisas, como um toureiro) e "detetar" (referem-se ao verbo detectar ou ao acto de tirar a teta ?). Ou, em vez de recepção, "receção", em que a tendência natural é para lê-la como "recessão"...
Finalmente, há ainda a considerar que o AO90 é ilegal e inconstitucional, já que não foi ratificado por todos os países proponentese "o governo não cumpriu os passos processuais que a sua aplicação implicava". Quanto a este ponto, têm toda uma argumentação muito bem fundamentada no livro: "O Acordo Ortográfico de 1990 não está em vigor", com o subtítulo "Prepotências do Governo de José Sócrates e do Presidente Cavaco Silva", do Embaixador Carlos Fernandes (Ed. Guerra e Paz, 2016).
Um dos argumentos disparatados dos defensores do acordo é que a língua tem que evoluir. Então, em vez de deixá-la evoluir naturalmente, toca a forçar a sua "evolução a todo o custo"! É o mesmo que um evolucionista querer provocar a evolução de seres vivos colocando-os em contacto com as radiações de Tchernobyl ou de Fukushima, para alterar o seu DNA... E depois dizer: "Mas os seres vivos têm que evoluir"...
Em jeito de conclusão deixo-vos três perguntas:
1 - Este AO era necessário? Não. Os vários países do mundo em que se fala inglês, francês, espanhol ou árabe nunca fizeram acordo algum entre si e, apesar das variantes regionais que cada um destes idiomas apresenta, entendem-se todos muito bem a nível linguístico.
2 - Este AO serviu para alguma coisa? Não. Absolutamente nada! Continuamos, e continuaremos, a escrever de modo diferente em Portugal e no Brasil, havendo até várias palavras que antes se escreviam do mesmo modo, como "recepção" e que agora têm grafias diferentes cá e lá. E continuarão a existir sempre enormes diferenças de vocabulário e de construção frásica entre o português de Portugal e o português do Brasil que nenhum acordo poderá jamais resolver (a não ser que o secreto objectivo por trás disto tudo seja mesmo ir transformando, aos poucos, o nosso português em brasileiro...).
3 - Trouxe vantagens? Foi positivo? Nem um pouco! Nunca se escreveu tão mal e com tantos erros ortográficos como actualmente, após a aplicação do AO (que ainda por cima, como já referi anteriormente, é ilegal e inconstitucional).
É por estas e por outras que eu me recuso, terminantemente, a escrever em acordês (prefiro o português)...»
Fonte: https://www.facebook.com/joao.secca/posts/10206780174495385
No seguimento do texto publicado ontem, onde se deu conta da análise do despacho de arquivamento da Intervenção Hierárquica, efectuado pelo DIAP (Lisboa) e que pode ser consultado neste link:
hoje, para apreciação dos que seguem a saga de uma tentativa de apanhar o AO90 nas malhas da justiça, publica-se o texto do Requerimento de Intervenção Hierárquica, efectivado por pessoa de nacionalidade portuguesa, devidamente identificada.
Requerimento de Intervenção Hierárquica
(…) Vimos, por este meio, dirigir-nos a Vossa Excelência, Senhora Directora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, na qualidade de denunciante com a faculdade de se constituir assistente no mencionado Processo, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º/1 ab initio e 278.º/2, ex vi artigo 68.º/e) do Código de Processo Penal (CPP), submetendo-lhe o presente Requerimento de Intervenção Hierárquica, nos termos seguintes:
1
Em confrontação com as notícias constantes da factualidade aduzida no texto da Denúncia Facultativa – vertida, resumidamente, na súmula da matéria de facto constante da página 1 do Despacho de Arquivamento do Processo in casu –, entendeu-se apresentar a citada Denúncia Facultativa, nos termos dos artigos 241.º in fine e 244.º ab initio do CPP, ao Ministério Público, na pessoa de Sua Excelência a Senhora Procuradora-Geral da República, Senhora Doutora Lucília Gago, através de comunicação electrónica encaminhada para os Serviços da Procuradoria-Geral da República (PGR), no dia 11 de Fevereiro de 2020.
2
No texto da referida Denúncia Facultativa, pediu-se ao Ministério Público que avaliasse o possível cometimento dos crimes de coacção contra órgão constitucional e de denegação de justiça, por parte de Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva, nos termos dos artigos 10.º/1 e 12.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos.
3
De igual modo, no articulado textual constante da Denúncia Facultativa, pediu-se ao Ministério Público que avaliasse a existência de possíveis irregularidades e/ou ilegalidades no processo de depósito dos Instrumentos Jurídicos de Ratificação, por parte dos Estados Signatários, da Convenção Internacional que aprovou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AOLP 90), talqualmente dos dois Protocolos Modificativos que se lhe seguiram, a fim de esclarecer:
a) se o processo de Depósito tem respeitado, para o efeito, as regras de Direito aplicáveis, assim como a publicidade do mesmo, nos termos constitucionais (artigo 119.º/1-b) in fine da Constituição [CRP]);
b) se, por consequência, na ordem jurídica nacional o AOLP 90 se encontra vigente ou não.
4
Da referida comunicação de notícia de crime, a título de Denúncia Facultativa, recebeu-se a comunicação electrónica, por parte dos Serviços da Procuradoria-Geral da República e nos termos do artigo 53.º/2-a) do CPP, a informar do reencaminhamento desta para o Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa (DIAP de Lisboa), em virtude das regras processuais de competência para a abertura e a prossecução da fase de Inquérito (artigos 53.º/2-a) in fine, 264.º/1 e 262.º/2 in fine do CPP).
5
No dia 13 de Março de 2020, recebeu-se a Notificação do Despacho de arquivamento do Processo em questão, nos termos do artigo 277.º/3 do CPP, reputando que a aludida Denúncia Facultativa “carece de relevância penal” (sic) e fundamentando um tal juízo ao abrigo do artigo 277.º/1 do CPP – como se comprova na folha 2 do Despacho de arquivamento mencionado.
6
Não obstante a circunstância de haver convicção da justeza dos argumentos esgrimidos naquela notícia de crime comunicada à PGR, por razões de índole particular o denunciante não vai constituir-se Assistente neste Processo (artigo 68.º/e) do CPP), para os efeitos do artigo 287.º/1-b) do CPP.
7
Todavia, conforme se indicou, por não haver convicção (i) da razoabilidade dos argumentos aduzidos nos autos de arquivamento, e muito menos (ii) da legalidade da decisão tomada, causa aduz-se o presente Requerimento, com ele pedindo a Intervenção Hierárquica, nos termos do artigo 278.º/1 ab initio e 278.º/2 do CPP, para os efeitos descritos no artigo 278.º/1 in fine do CPP – a saber, a prossecução das diligências de investigação, nestas contidas, as diligências de carácter probatório que para este desiderato se entenda por bem efectuar (artigos 262.º/1 e 267.º do CPP), a fim de que seja deduzida acusação pelos crimes elencados na Denúncia Facultativa e/ou por outros que, no decurso de tais diligências de investigação, reputem terem sido cometidos pelo agente em questão.
8
Assim, no que tange à questão da imputação do crime de infidelidade diplomática (artigo 319.º/1 do Código Penal [CP]), arguido no despacho de arquivamento (a folhas 2 do mesmo):
9
Não é verdade que se “entenda que a omissão do envio da documentação solicitada consubstancia a prática (…) do crime de infidelidade diplomática pp pelo artigo 319.º do Código Penal” (cfr. folhas 1 in fine e 2 do Despacho de Arquivamento).
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Tal conclusão apenas pode resultar de uma leitura, naturalmente equivocada, por parte da Senhora Procuradora da República titular do Inquérito, dos considerandos a propósito daquele ilícito-típico constantes do texto da Denúncia Facultativa.
11
Tais considerandos foram aduzidos ao texto da Denúncia Facultativa como forma exemplificativa de demonstração (i) do dever especial de cuidado e de zelo que deve ser imputado a um Membro do Governo em matérias de especial natureza e alcance – como aqueles de carácter diplomático e outras de reputada valorosidade constitucional –, atenta (ii) a imperiosa interdependência dos poderes constitucionais (não obstante a sua genética independência) de modo a permitir (iii) a sindicabilidade dos actos de tais Membros do Governo, como, bem assim, o reforço do dever de transparência e do reforço da confiança democrática existente entre os poderes político-constitucionais e a Comunidade em geral. Portanto, em contexto, transcreve-se o parágrafo da Denúncia Facultativa a ele respeitante:
«Donde, Ilustríssima Senhora Procuradora-Geral, entendermos colocar à doutíssima apreciação de Vossa Excelência a conduta produzida, no caso concreto, por Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva, porquanto humildemente consideramos que a atitude de um Ministro da República com especiais responsabilidades e atribuições deve igualmente pautar-se, quer formalmente, quer quanto à materialidade da mesma conduta, segundo um dever especial de cuidado e de zelo na observância da legalidade constitucional vigente. E isto, Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral, não só pelo perigoso precedente jurídico que a conduta concreta praticada pelo Senhor Ministro pode consubstanciar no regular funcionamento das relações entre os diversos poderes constitucionais – os quais, se é certo que vêem consagrada a sua independência, não menos certo é que a esta encontra-se incindivelmente associada uma necessária interdependência que permita ao sistema de controlo e de contrapesos democráticos uma acção concreta e eficaz (artigo 111.º/1 da Constituição): mas também pela imperiosa tarefa que hodiernamente se impõe na relação entre os diversos poderes do Estado e os cidadãos de preservação e de fomento da transparência dos actos daqueles primeiros, enquanto condição fundamental para uma relação de confiança salutar entre Governantes e Governados, ainda mais em matérias tão sensíveis como é o caso concreto da vinculação do Estado Português a uma Convenção Internacional com um objecto normativo de superior relevo (nomeadamente, a regulação jurídica dos cânones normativos da Língua Portuguesa).» (cfr. páginas 3 e 4 da Denúncia Facultativa).
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Para, no caso concreto em apreço, submetido ao crivo normativo-processual do Ministério Público através da Denúncia Facultativa, concluir-se pelo seguinte:
«Basta-nos recordar a Vossa Excelência (…), que é o próprio Legislador a censurar, face a condutas de igual relevo em processos de vinculação internacional do Estado Português, os comportamentos que preenchem a norma incriminatória ínsita no crime de infidelidade diplomática, previsto e punível pelo artigo 319.º/1 do actual Código Penal – ainda que com a limitação presente na redacção do artigo 319.º/2 do Código Penal, compreensível face à exclusão dum igual tipo de responsabilidade quanto a conduta seja cometida por um membro do “Governo Português” (artigo 319.º/2 in fine do Código Penal), mas que não se acha imediatamente referenciado no elenco dos tipos de ilícito previstos pela Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos: o que, eventualmente, poderá consubstanciar uma inconstitucionalidade por omissão, nos termos do artigo 283.º/1 in fine da Constituição.» (cfr. página 4 da Denúncia Facultativa).
13
Ou seja: não houve imputação alguma da prática do crime de infidelidade diplomática (artigo 319.º/1 do CP) a Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva; antes, a conclusão de que os bens jurídicos protegidos e tutelados por esta norma do Código Penal estribam-se numa lisura, cuidado, zelo e absoluta correcção na condução dos negócios diplomáticos e bem assim nos processos de vinculação internacional do Estado Português – donde a alegação da existência de uma possível inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º/1 in fine da CRP), por não existir razoabilidade jurídico-normativa fundamentadora alguma, ante dos princípios jurídicos da congruência (como consequência da segurança e da certeza jurídica ínsitas no princípio do Estado de Direito – artigo 2.º da CRP) e da constitucionalidade dos actos do Estado (artigo 3.º/3 da CRP), que a um funcionário diplomático do Estado Português [“Quem, representando oficialmente o Estado Português…” – artigo 319.º/1 ab initio do CP] lhe seja imposto um maior dever de obediência à legalidade constitucional e, ratione materiae, à legalidade criminal, quando, para o mesmo efeito, a um Membro de um órgão de soberania como é o caso do Governo (artigo 3.º/1-d) da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos [Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, nos termos da redacção outorgada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril]) o mesmo tipo de ilícito-crime não esteja previsto na Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, por não se aplicar aos Membros do Governo tal disposição normativa do CP, conforme o disposto no artigo 386.º/4 do CP.
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E nem se diga (…) que não se verifica a existência de uma tal inconstitucionalidade por omissão diante da previsão normativa do crime de Traição à Pátria, no artigo 7.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos: pois bastará atentar no conteúdo das normas incriminatórias do citado artigo 7.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho e do artigo 308.º do CP para cristalinamente entender-se que os bens jurídicos tutelados são os mesmos e que naquele artigo 7.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos não cabe – nem pela letra, nem pelo espírito – o teor da norma incriminatória do artigo 319.º do CP.
15
Vale dizer, portanto: o que se suscitou, naquele passo do teor da Denúncia Facultativa, foi a possível existência de uma inconstitucionalidade por omissão, por exigir um menor cumprimento da legalidade constitucional, a respeito da vinculação internacional do Estado Português – e consequentemente da legalidade criminal –, a um Membro do Governo do que a um Funcionário diplomático do Estado (a minori ad maius) – inconstitucionalidade que, não podendo ser jurisdicionalmente arguida e sindicada num Processo-crime, sempre poderia ser comunicada pelo Ministério Público a Sua Excelência o Senhor Presidente da República, o qual, ao abrigo do disposto no artigo 283.º/1 ab initio da CRP, pode requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e verificação do não cumprimento da Constituição face à inexistência de um articulado normativo que juridicamente efective a responsabilidade criminal dos Membros do Governo, quando em causa estejam comportamentos conformadores do ilícito-típico de infidelidade diplomática, talqualmente gizado pelo artigo 319.º/1 do CP, que o artigo 196.º da CRP não exclui, como não poderia deixar de excluir, face aos princípios da obediência à legalidade constitucional (artigo 3.º/2 da CRP) e da constitucionalidade dos actos do Estado (artigo 3.º/3 da CRP).
16
Prova da não existência dessa imputação, no texto da Denúncia Facultativa, é o teor do período da primeira frase constante do parágrafo seguinte da Denúncia, aqui transcrito:
«Sem prejuízo disso, Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, entendemos que a citada conduta de Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva, quer face ao Senhor Deputado José Carlos Barros, quer face ao Senhor Jornalista Nuno Pacheco, registada de moto próprio no texto do Direito de Resposta oferecido no dia 28 de Junho de 2019 ao Jornal Público pelo Senhor Ministro, preenche os requisitos constantes da norma incriminatória do artigo 12.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, atinente ao crime de denegação de justiça – por Sua Excelência, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, “se negar (…) a aplicar o direito que, nos termos da sua competência lhe cabem e lhe foram requeridos”: o que, no caso da conduta do Senhor Ministro vertida na Resposta oferecida ao Senhor Deputado José Carlos Barros, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, cremos consubstanciar também o crime de coacção contra órgãos constitucionais, previsto e punível pelo artigo 10.º/1 da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos (…)» (cfr. página 4 da Denúncia Facultativa…)
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Isto é: o primeiro âmbito de imputações criminais que se pretendeu, pela Denúncia Facultativa, levar à processualmente competente e douta apreciação do Ministério Público foi aquela balizada nos crimes de denegação de justiça e de coacção contra órgãos constitucionais – não, em caso algum, o crime de infidelidade diplomática.
18
E que a este respeito a leitura da Denúncia Facultativa, feita pela Ilustríssima Senhora Procuradora Titular do Inquérito, foi manifestamente equivocada, descobre-se pela conclusão, redigida pela mesma Senhora Magistrada, de que “[n]o que respeita ao crime de infidelidade diplomática (…), o procedimento criminal depende de participação do Governo Português o que não ocorreu. Entende-se assim, que o MP carece de legitimidade para desencadear qualquer investigação com referência àquele ilícito” (sic) – cfr. folhas 2 do Despacho de Arquivamento em questão.
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Equívoco, portanto, na medida em que nunca da Denúncia Facultativa poderia constar uma tal notícia de crime, nomeadamente pelos facto em questão, de infidelidade diplomática a Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva: porquanto a actuação de Sua Excelência, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, queda-se excluída do âmbito incriminatório da norma do artigo 319.º/1 do CP, nos termos do artigo 386.º/4 do CP – haja vista, igualmente, a ausência um igual ilícito-típico previsto na Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos.
20
A respeito de uma conduta de Sua Excelência, o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, que eventualmente tenha preenchido o tipo de ilícito descrito no artigo 319.º/1-a) do CP – embora não justificadora de procedimento criminal para o específico crime de infidelidade diplomática, haja vista a falta de previsão legal deste na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho –, é que foram gizados os considerandos patentes da Denúncia Facultativa, os quais, num segundo âmbito de imputações criminais e estribados nas notícias tornadas públicas – e que foram abundantemente citadas e contextualizadas no texto da Denúncia Facultativa, em anexo ao presente Requerimento – sobre fundadas dúvidas quer (i) no processo de Depósito dos Instrumentos Jurídicos de Ratificação tanto da Convenção Internacional que aprovou o AOLP de 1990, como dos dois Protocolos Modificativos que se lhe seguiram, por parte dos Estados Signatários da mesma Convenção, quer (ii) no cumprimento do dever de publicidade de tais Instrumentos Jurídicos, em escrupulosa obediência aos artigos 119.º/1-b) e 119.º/2 ab initio da CRP: e isso, naturalmente, para que o Ministério Público, tomando oficiosamente conhecimento de tais factos e das dúvidas surgidas ante a incongruência das informações publicamente prestadas por Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, pudesse averiguar a existência de possíveis irregularidades ou ilegalidades susceptíveis de fundamentar tal actuação do Ministério Público. Nos moldes que, com a respeitável licença de Vossa Excelência, Senhora Directora do DIAP de Lisboa, se transcrevem:
«Por outro lado, Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, vem-se por esta mesma Denúncia Facultativa requerer a Vossa Excelência que averigúe se os factos elencados na matéria reportada pelas aludidas notícias do Jornal Público – quanto à actuação do Estado Português como Estado depositário dos instrumentos jurídicos relativos à ratificação e aos Avisos de entrega para depósito dos mesmos instrumentos de ratificação dos Estados Signatários da Convenção Internacional que adoptou o AOLP de 1990 para os quais entende o Estado Português encontrarem-se já vinculados à citada Convenção Internacional (vale dizer, a República Federativa do Brasil, a República de Cabo Verde e a República de São Tomé e Príncipe) –, se encontram conformes à verdade material e se, consequentemente, existem irregularidades naquele processo de depósito dos mencionados instrumentos jurídicos.
«Para que, em caso afirmativo, possa Vossa Excelência, Senhora Procuradora-Geral da República, desencadear – tanto nesta matéria, como diante dos ilícitos-típicos supra referidos na actuação de Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senhor Doutor Augusto Santos Silva, para com o Senhor Deputado José Carlos Barros e o Senhor Jornalista Nuno Pacheco – o respectivo procedimento criminal, nos termos do artigo 41.º ab initio da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos, contra Sua Excelência o Senhor Ministro, nos termos da legislação processual aplicável. Isto, sempre e claro está, depois da doutíssima análise e verificação da informação concreta por parte de Vossa Excelência e da Procuradoria-Geral da República: pois que, de minha parte pessoal, não sendo Jurista ou possuindo formação superior em Direito, muito menos me é possível aceder à documentação relativa aos mencionados instrumentos jurídicos, que nos termos legais se encontram à guarda, a título de Depósito, do Estado Português – impedindo-me naturalmente de produzir um juízo mais acertado, por conhecimento e ciência, de toda a documentação associada ao respectivo processo de vinculação. (cfr. página 5 da Denúncia Facultativa (…).
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Todavia, sobre um tal desiderato, do douto Despacho de arquivamento proferido pela Ilustríssima Senhora Procuradora da República Titular do Inquérito não consta, em nenhuma linha, que houvesse sido desencadeada uma qualquer diligência de investigação diante da factualidade descrita na Denúncia Facultativa: o que consubstancia (…) uma violação do dever de prossecução da Acção Penal por parte da Senhora Procuradora Titular do Inquérito, talqualmente do dever de defesa da legalidade democrática (artigos 48.º ab initio, 53.º/1, 53.º/2-b), 262.º/1 e 267.º do CPP, bem como os artigos 2.º in fine e 4.º/1-a), d) e e) ab initio do Estatuto do Ministério Público).
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Já no que diz respeito à presença, na conduta concreta de Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, dos elementos conformadores da norma incriminatória dos artigos 10.º/1 e 12.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos – scilicet, dos crimes de coacção contra órgãos constitucionais e de denegação de justiça (…) vem-se novamente sublinhar que no conteúdo da Denúncia Facultativa entende-se existirem “indícios suficientes” (artigo 277.º/2 do CPP) tanto (i) da verificação de crime, como (ii) sobre quem foram os seus agentes – com a concomitante e consequente “possibilidade razoável” de ser aplicada, por força deles e em sede de Julgamento, as penas previstas na normatividade legal in casu a Sua Excelência o Senhor Ministro, na qualidade processual de arguido.
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Contudo, uma vez mais, do teor das considerações produzidas a tal propósito pela Senhora Procuradora da República Titular do Inquérito não se vislumbra nem uma apreciação: antes, novamente, reproduzindo na sua fundamentação – como anteriormente fizera na descrição da matéria de facto em apreço (cfr. folhas 1 do Despacho de Arquivamento) – o mesmo erro jurídico patente no texto do Direito de Resposta do Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, sobre a normatividade jurídica aplicável ante os documentos referentes aos Instrumentos Jurídicos de Ratificação tanto da Convenção Internacional que aprovou o AOLP de 1990, como também dos dois subsequentes Protocolos Modificativos:
“nos termos do disposto no art. 3.º n.º 2 c) da Lei 26/2016 os documentos (sic) solicitados não são documentos administrativos. Como refere o MNE no uso do direito de resposta, são de acesso restrito ao contrário do estabelecido para os documentos de natureza administrativa” (cfr. folhas 2 do Despacho de arquivamento).
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Ora, como proficuamente se demonstrou na exposição da Denúncia Facultativa que se fez chegar ao Ministério Público, ainda que hipoteticamente tais documentos tivessem sido solicitados ao abrigo daquele disposto normativo, nunca, em caso algum, poderia Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros não divulgar a informação deles constante: não só (i) por não serem documentos classificados e de acesso restrito, nos termos da Lei de Segredo de Estado, como (ii) a própria Constituição impor a publicidade da informação de tais documentos em Diário da República (artigos 119.º/1-b) in fine e 119.º/2 ab initio da CRP), sancionando o não cumprimento desse dever com a inexistência jurídica de tais Instrumentos Jurídicos (artigo 119.º/2 in fine da CRP), em subordinação ao princípio da constitucionalidade dos actos do Estado (artigo 3.º/3 da CRP) assim como ao princípio da proibição das Convenções Internacionais Secretas (artigos 119.º/1-b) e 119.º/2 da CRP):
“Tais incongruências prendem-se com a entrada em vigor do AOLP de 1990, em função das disposições contidas no Segundo Protocolo Modificativo da citada Convenção Internacional. Conforme demonstrado pelo aludido artigo do Jornal Público, os esclarecimentos apresentados por Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros para além de se considerarem escassos, devido à alegação, por parte do Senhor Ministro, de não ser possível a sindicabilidade daqueles instrumentos jurídicos pelo Parlamento ou pelos Senhores Deputados – com fundamento em disposição legal atinente à confidencialidade dos instrumentos jurídicos de ratificação tanto da mencionada Convenção Internacional, assim como do Segundo Protocolo Modificativo, por se tratarem de instrumentos referentes a actos de natureza político-diplomática e não já de actos provenientes “da actividade administrativa do Governo” (sic) –, evidenciam, de igual modo, certas contradições do que respeita à entrega, para depósito junto do Estado Português, dos instrumentos jurídicos de ratificação acima indicados.
Por um lado, seja-nos permitido registar a Vossa Excelência que o argumento enunciado pelo Senhor Ministro do artigo 3.º/2-c) da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (Lei do regime de acesso à informação administrativa e ambiental), se não foi oferecido com manifesto e grosseiro lapso de interpretação jurídica, somente pode perspectivar-se como elemento probatório face ao cometimento do crime de denegação de justiça, previsto e punível pelo artigo 12.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos), na versão consagrada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril. Em abono da verdade, o objecto de fiscalização no texto do Direito de Resposta, da autoria de Sua Excelência o Senhor Ministro – o qual fora na parte transcrita, é importante sublinhá-lo, previamente remetido ao Senhor Deputado José Carlos Barros, do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, a título de Resposta a um Pedido de Esclarecimento por si endereçada ao Senhor Ministro, com base nos artigos 156/d) e 162/a) da Constituição (nomeadamente, quanto à fiscalização dos “actos do Governo”) – não pode ser subsumível ao objecto da citada norma do artigo 3.º/2-c) da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto. É que, estando em causa instrumentos jurídicos decorrentes da vinculação do Estado Português a uma Convenção Internacional – constituindo-se esta, talqualmente todos os actos jurídicos dela subsequentes ou a ela respeitantes, um acto jurídico constitucionalmente reputado por público (artigo 119.º/1-b) da Constituição), cuja eficácia jurídica depende imediata e inteiramente da sua publicação em Diário da República (artigo 119.º/2 da Constituição) –, cremos não ser suportável, à luz da normatividade constitucional vigente aplicável ao caso concreto, a asserção de que em causa estão documentos que requerem um tratamento jurídico especial quanto ao acesso à informação neles contida, considerada classificada e de acesso restrito pelo Senhor Ministro, a coberto pela Lei do Segredo de Estado.
Ora, para esse desiderato, note-se que a redacção da parte final do artigo 156/d) da Constituição não determina – como, em rigor, nunca poderia fazê-lo – que a informação decorrente das Convenções Internacionais, dos respectivos Avisos de ratificação e dos “restantes avisos a elas respeitantes” (artigo 119.º/1-b) in fine da Constituição) – como é o caso em mãos dos Avisos de entrega para depósito dos instrumentos jurídicos de ratificação (ou de outros pelos quais se efective a vinculação internacional dos restantes Estados ou Organizações Internacionais Signatários), quando o Estado Português se assume como Estado depositário de tais instrumentos – seja reputada pela Lei ordinária como de acesso restrito ou proibido e classificada, para efeitos de aplicação da Lei do Segredo de Estado. Está em causa, na verdade, o princípio constitucional da proibição das Convenções Internacionais Secretas, que eram apanágio de determinadas relações jurídico-internacionais entre Estados, mas que, à luz dos princípios do Estado de Direito Democrático e da constitucionalidade dos actos do Estado (artigos 2.º, 3.º/2 e 3.º/3 da Constituição), não são admissíveis: salvaguardado que fica, claro está, o regime jurídico de conservação, preservação e troca de informações sensíveis entre Estados e Organizações Internacionais, em função ratione materiae do alcance das mesmas, sempre numa relação de proporcionalidade e de cooperação entre as partes envolvidas e com escrupuloso respeito pelos Direitos Fundamentais dos cidadãos e da materialidade constitucional aplicável.
Desde logo, seja-nos consentido, Excelentíssima Senhora Procuradora-Geral da República, sublinhar que o escopo substantivo concretamente em causa certamente não cabe no elenco normativo dos “recursos afectos à defesa e à diplomacia” – artigo 2.º/2 da Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, ex vi artigo 2.º/1 da mesma (Lei do Segredo de Estado) – e muito menos no âmbito das informações “transmitidas, a título confidencial, pelos Estados estrangeiros ou por organizações internacionais” (artigo 4.º/b) da Lei do Segredo de Estado). Até porque, se tanto para o Estado Português, nos termos do artigos 119.º/1-b) e 119.º/2 da Constituição, como para os restantes Estados Signatários da Convenção Internacional que adoptou o AOLP de 1990, a publicidade de tais actos jurídicos – scilicet, do texto da Convenção Internacional, do articulado do Segundo Protocolo Modificativo a esta, bem como do exposto nos respectivos Avisos de ratificação e Avisos de entrega para depósito dos instrumentos jurídicos de ratificação – é condição sine qua non de eficácia jurídica dos mesmos, para além de manifesta incongruência estar-se-ia aqui ante a violação do disposto no artigo 162.º/c) ab initio da Constituição. Isto porquanto cabe à Assembleia da República, como “assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses” (artigo 147.º da Constituição), no quadro do exercício de representação constitucional do poder soberano do povo (artigos 3.º/1 e 108.º da Constituição), a sindicância jurídico-política daqueles actos jurídicos, na medida em que os mesmos igualmente dependem “da sua conformação com a Constituição”, em obediência ao princípio da constitucionalidade dos actos do Estado (artigo 3.º/3 da Constituição).» (cfr. páginas 1 a 3 da Denúncia Facultativa em anexo ao presente Requerimento).
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Donde, a tal respeito, a seguinte fundamentação aduzida pela Ilustríssima Senhora Procuradora Titular do Inquérito:
“O referido grupo [– hoc sensu, o Grupo de Trabalho para a avaliação do impacto da aplicação do AOLP de 1990 –] funcionou no âmbito da Assembleia da República sendo que os parlamentares não entenderam necessário [o] recurso aos meios administrativos e judiciais[,] o que inculca que não se verificou qualquer constrangimento ao seu funcionamento. É aliás, do domínio público que a Comissão findou sem resultados por via de dissidências políticas entre partidos” (cfr. folhas 2 do Despacho de arquivamento…).
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Tal conclusão é notoriamente de espantar, porquanto leva ínsita o seguinte pressuposto: se “os parlamentares não entenderam necessário [o] recurso aos meios administrativos e judiciais”, isso “inculca que não se verificou constrangimento ao seu funcionamento”. Ora então a pergunta: se os Senhores Deputados “não entenderam necessário” tal recurso, significa isso diante da factualidade em causa que não houve a prática de um crime? E pior ainda: será por os Senhores Deputados “não entender[em] necessário” tal recurso que o Ministério Público se encontra excluído da sua actuação, nos termos do artigo 41.º ab initio da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos?
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Ante a matéria de facto em questão, relativamente à conduta operada por Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros para com o Senhor Deputado José Carlos Barros, a propósito da missão daquele Grupo de Trabalho Parlamentar, é inegável que a mesma obstou ao livre exercício dos poderes de fiscalização do Senhor Deputado em questão, consubstanciando a prática do crime de coacção contra órgãos constitucionais: é certo que os actos consubstanciadores da conduta não “constranger[am]” o Parlamentar em apreço, mas não é menos verdade que objectivamente “impedir[am] (…) o livre exercício das funções de órgão de soberania” do mesmo Senhor Deputado (artigo 10.º/1 ab initio da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos), pois vedou aos membros daquele Grupo de Trabalho informação que, à luz da normatividade constitucional vigente”, é imperativamente de natureza pública (artigos 119.º/1-b) e 119.º/2 ab initio da CRP) – sendo igualmente certo que tal informação reputava-se por necessária de modo a esclarecer os Parlamentares (i) em que termos corria juridicamente a vinculação internacional do Estado Português ao AOLP de 1990 e (ii) como vinha desempenhando o Estado Português as suas funções de Estado Depositante da mencionada Convenção Internacional, bem como dos seus dois Protocolos Modificativos, nos termos dos artigos 16.º/b), 76.º/2, 77.º/1, 78.º e 79.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados, de 23 de Maio de 1969 (à qual o Estado Português aderiu na sequência da Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003).
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Já no que concerne à conduta operada por Sua Excelência o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros para com o Senhor Jornalista Nuno Pacheco, (…) há materialidade factual suficiente para afirmar que o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros “no exercício das suas funções se neg[ou] (…) a aplicar o direito que, nos termos da sua competência, lhe cabem e lhe foram requeridos”, assim preenchendo tal conduta o tipo de ilícito de denegação de justiça – e não de “prevaricação”, como equivocadamente referiu a Senhora Procuradora da República titular do Inquérito a folhas 2 do Despacho de arquivamento – previsto no artigo 12.º da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos.
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Ora, se assim é, o juízo formulado pela Ilustríssima Senhora Procuradora da República titular do Inquérito de que “não se verificou qualquer constrangimento ao (…) funcionamento” daquele Grupo de Trabalho Parlamentar é incorrecto, já que a existência de impedimentos sobre o acesso a informação de natureza pública reputada como essencial para a avaliação e a determinação não só (i) do correcto e concreto estado da vinculação internacional do Estado Português ao AOLP de 1990, assim como aos seus dois Protocolos Modificativos, como também (ii) em que termos o AOLP de 1990 entrou em vigor e iniciou a sua vigência na ordem jurídica nacional – estes, aliás, constituindo-se como topoi fundamentais do âmbito e objecto do citado Grupo de Trabalho Parlamentar – configura, per se, seja aquele “constrangimento”, seja um tipo de “impedimento”, ambos perfeitamente cabíveis nos pressupostos do tipo de ilícito criminal sub iudice.
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Deste modo, então, ante o dever de sujeição dos Senhores Magistrados do Ministério Público à legalidade democrática e a critérios de estrita objectividade, outra coisa não se pode esperar da sua actuação como a prossecução processual da Acção Penal cabível para o efeito, em consonância com o artigo 41.º ab initio, ex vi artigo 35.º/1 ab initio da Lei de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos: e não um, more allegorico, “insípido” Despacho de arquivamento, com uma fundamentação jurídica de carácter lacónico e desprovida do dever de obtenção de “prova bastante” (artigo 277.º/1 do CPP) que possa balizar em que termos e com que razões jurídico-normativas a Senhora Procuradora titular do Inquérito aduz a conclusão de que “a factualidade denunciada carece de relevância penal” (cfr. folhas 2 do Despacho de arquivamento em apreço)…
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Termos pelos quais vem-se Requerer a Vossa Excelência, Senhora Directora do DIAP de Lisboa, a sua Intervenção Hierárquica, nos termos dos artigos 278.º/1 ab initio e 278.º/2 do CPP e para os efeitos constantes do artigo 278.º/1 in fine do CPP, a saber:
a) - a prossecução das diligências de investigação, nestas contidas as diligências de carácter probatório que para este desiderato Vossa Excelência entender por bem efectuar (artigos 262.º/1 e 267.º do CPP), a fim de que seja deduzida acusação pelos crimes elencados na Denúncia Facultativa e/ou por outros que, no decurso de tais diligências de investigação, Vossa Excelência e o Ministério Público reputem terem sido cometidos pelo agente em questão;
b) - que Vossa Excelência, Senhora Directora do DIAP de Lisboa, “determine” que, com a prossecução das investigações, seja averiguada junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros toda a informação referente (i) ao processo de vinculação internacional do Estado Português à Convenção Internacional que aprovou o AOLP de 1990, bem como aos subsequentes dois Protocolos Modificativos daquela Convenção Internacional, talqualmente (ii) à actuação do Estado Português como Estado depositário da mesma Convenção – por forma a esclarecer-se se as incongruências publicamente noticiadas e mencionadas na Denúncia Facultativa configuram ilicitudes de natureza criminal ou ilegalidades de outro substrato que juridicamente mereçam a actuação do Ministério Público.
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Nota: amanhã dar-se-á conta do despacho de Arquivamento do Requerimento de Intervenção Hierárquica
Os governantes pós-25 de Abril mataram a Revolução dos Cravos. Os sucessivos governos, desde então, sufocaram-na com as cordas da corrupção, das vigarices, da roubalheira, do desgoverno, das falsidades, do desleixo, de condutas terceiro-mundistas, de imposições ditatoriais.
E os cravos de Abril murcharam.
Portugal desconstruiu-se e, hoje, vive num caos (ainda mais acentuado com a invasão vírica), pendurado no abismo, por um fio de teia de aranha. É a chacota do mundo, que lhe finge amizade, por mero interesse, algo que a cegueira mental não permite vislumbrar.
É urgente uma mudança.
É urgente uma nova Revolução, desta vez, a sério. Sem cravos, sem armas, sem ilusões vãs.
É urgente uma Revolução inteligente, que devolva a Portugal a Dignidade e a Identidade perdidas.
Já não somos Portugal.
Em 25 de Abril de 1974, um grupo de ousados Capitães, que já estão na História como os Capitães de Abril, abriram uma porta para um futuro que se esperava promissor, sem correntes, sem pides, sem o regime opressivo do Estado Novo, sem mentiras, sem qualquer vestígio do passado, sem censura. Os Capitães de Abril abriram uma porta para as tão ansiadas Democracia e Liberdade.
Mas o Poder é uma célula cancerígena corrosiva, que ataca quem ambiciona o Poder apenas pelo Poder. E depressa a ilusão da Democracia e da Liberdade foi abafada pela ganância e pela incompetência dos que iam jurando, por uma honra que neles não habitava, cumprir a missão que lhes era confiada.
E Portugal, que se abriu para o futuro, em Abril de 1974, tem vindo a regredir a olhos vistos, e Abril ainda não se cumpriu.
O Povo que, por essa altura, estava unido e pensava que jamais seria vencido, foi sub-repticiamente sendo enganado e alienado pelas manobras de diversão que, entretanto, os governantes foram promovendo, com a ajuda de uma comunicação social servilista, até à alienação total.
Foi-se desenvolvendo a política do pão e circo, uma política que nasceu no Império Romano, e que consistia no modo como os imperadores romanos lidavam com o Povo, para mantê-lo subjugado à ordem estabelecida e conquistar o seu apoio. A designação panem et circenses, no original em Latim, tem origem na Sátira X de Juvenal, humorista e poeta romano que, no seu contexto original, criticava a falta de informação do povo romano, que não tinha qualquer interesse pelos assuntos políticos, e só se preocupava com o pão para a boca (hoje, dinheiro no bolso) e com o divertimento.
Os tempos são outros, mas a política romana mantém-se, e o Povo só sai às ruas por motivos ligados ao vil metal. Os bolsos mais ou menos cheios e o futebol, as novelas, os reality shows de má catadura, mantêm o Povo amansado, alienado, distante do que é essencial, cego aos jogos políticos que se jogam em São Bento, e nos vão afastando da evolução.
E com esta política, acolitada pelo mais poderoso veículo de comunicação social, a televisão, instalou-se de tal modo no País, que o Povo acabou por ser vencido, sem se dar conta, por um Poder fantasiado de uma “democracia”, que esconde uma prepotência pior do que a de Oliveira Salazar, porque esse, ao menos, fazia as coisas às claras, e sabíamos com que contar.
Sim, podemos dizer que muitas coisas mudaram, depois de 25 de Abril de 1974.
Por exemplo, podemos votar livremente e escolher quem queremos que nos desgoverne.
Porém, de que serve o voto livre, se a maioria dos votantes não faz a mínima ideia do que faz, porque não é esclarecida? O padre da freguesia diz na missa: votem naqueles, e eles votam naqueles, sem saberem que aqueles vão para o Governo gerir os interesses dos lobbies e não os interesses do Povo, os interesses do País. Por isso, Portugal é, hoje, o paraíso de povos de várias nacionalidades, que aqui se abancam, podem e mandam e têm mais privilégios do que os Portugueses, e os portuguesinhos aceitam isto passivamente, servilmente, humildemente, parvamente, achando que o que é estrangeiro é que é bom, é que é moderno, é que é bué fixe.
Para complicar ainda mais as coisas, o Zé Povinho é adepto dos partidos políticos, como se os partidos políticos fossem o clube de futebol dele, portanto, vota nas cores dos partidos da sua predilecção, ainda que os candidatos possam ser incompetentes, corruptos, mentirosos e vigaristas. Mas esta parte não interessa ao Povo.
E isto não tem nada a ver com Democracia, mas com cegueira mental, ignorância, alienação, seguidismo.
As Democracias só funcionam plenamente quando o Povo é maioritariamente esclarecido, informado, instruído, pensante, dotado de espírito crítico. E não estou a referir-me aos canudos, porque os canudos só dão conhecimento específico em determinadas matérias. Um analfabeto pode ser muito mais esclarecido e informado e educado e pensante e dotado de espírito crítico do que muitos doutores, que por aí andam de gravata ao peito, sendo a gravata a sua única medalha de mérito.
Em Democracia, os governantes são meros serviçais do Povo, que lhes paga o salário chorudo que ganham, para (des)governarem o País.
Em Democracia, os governantes, sendo nossos serviçais, têm o dever de responder às questões que o Povo lhes coloca, por escrito ou oralmente. Ora acontece que os governantes remetem-se ao silêncio, desprezando os apelos do Povo. Ignorando o Povo. E este desprezo não faz parte da Democracia que, se for verdadeira, o Povo é que é o detentor do Poder.
Daí a pergunta: o 25 de Abril entregou-nos uma Democracia a sério?
Os cravos de Abril murcharam, e Portugal não avançou para o futuro. Está prisioneiro de políticas retrógradas e de políticos (salvo raras excepções) incompetentes, corruptos, vigaristas, sem honra e sem brio, numa vergonhosa subserviência aos estrangeiros.
O Portugal hodierno limita-se a Lisboa, Porto, (e vá lá) Coimbra e ao Algarve, onde quem manda são os estrangeiros. O resto é território terceiro-mundista, nomeadamente o interior do País, onde ainda se vive sem água encanada, sem electricidade, onde ainda se passa fome, na maior miséria. Ao abandono total.
Eis o que temos para celebrar na passagem dos 46 anos (já dos 45 foi mais do mesmo) do 25 de Abril (que os servilistas grafam “25 de abril”):
- Um país, onde ainda se continua a viver em pobreza extrema, com crianças e idosos a passarem fome.
- Um país, que continua a ter a maior taxa de analfabetismo da Europa.
- Um país dos que menos gasta na Saúde, com um Serviço Nacional de Saúde caótico, onde falta quase tudo, e o aumento da Tuberculose diz do subdesenvolvimento, do retrocesso e da miséria que ainda persistem por aí.
- Um país que empurra para o estrangeiro os seus jovens mais habilitados: enfermeiros, médicos, engenheiros, investigadores, artistas.
- Um país com o terceiro pior crescimento económico da Europa.
- Um país com a 3ª maior dívida pública da União Europeia.
- Um país cheio de desigualdades sociais, onde os ricos são cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais pobres.
- Um país cheio de banqueiros e outros que tais ladrões.
- Um país cheio de berardos a jogar ao gato e ao rato com o dinheiro do Povo.
- Um país onde a Justiça ainda é extremamente cara, desigual, lenta e injusta.
- Um país que promove a violência contra animais não-humanos, o que por sua vez gera a violência contra os seres humanos.
- Um país com um elevado índice de violência doméstica.
- Um país com um elevadíssimo número de crianças e jovens em risco.
- Um país que atira crianças para arenas de tortura de animais, e permite que sejam iniciadas em práticas violentas e cruéis, roubando-lhes um desenvolvimento normal e saudável, o que constitui um crime de lesa-infância.
- Um país cheio de grupos e grupelhos de trabalho, de secretários, de secretários de secretários, de assessores, de secretários de assessores, de comissões, de subcomissões, que não servem absolutamente para nada, a não ser para ganharem salários descondizentes com os serviços que (não) prestam; e com ex-presidentes da República com gabinetes e mordomias.
- Um país que descura a sua Flora e a sua Fauna, mantendo uma e outra ao abandono e à mercê de criminosos impuníveis.
- Um país que mantém as Forças de Segurança instaladas em edifícios a caírem de podres, e com falta de quase tudo.
- Um país onde ainda existem Escolas com instalações terceiro-mundistas, sem as mínimas condições para serem consideradas um lugar de aprendizagem; e com tribunais, como o de Monsanto, que parece um galinheiro ao abandono.
- Um país onde as prisões são lugares de diversão, com direito a vídeos publicáveis no Facebook.
- Um país cheio de leis e leizinhas retrógradas, que não servem para nada, a não ser para servir lobbies dos mais hediondos, e proteger criminosos impuníveis.
- Um país que não promove a Cultura Culta, e para o qual apenas a cultura inculta conta, e é assegurada, contra tudo e contra todos.
- Um país, cujo Sistema de Ensino é dos mais caóticos, desde a implantação da República, com a agravante de se estar a enganar as crianças com a obrigatoriedade da aprendizagem de uma ortografia que não é a portuguesa, a da Língua Materna delas, estando-se a incorrer num crime de lesa-infância.
- Um país, que tinha uma Língua Culta e Europeia, e hoje tem um arremedo de língua, uma inconcebível mixórdia ortográfica, imposta ditatorialmente por políticos pouco ou nada esclarecidos e servilistas, que estão a fabricar, conscientemente, os futuros analfabetos funcionais, e a promover a iliteracia. E já sou poucos os que escrevem correctamente a sua Língua Materna.
- Um país onde, parvamente, se começou a dizer “olá a todos e a todas, amigos e amigas, portugueses e portuguesas”.
- Um país, com um presidente beijoqueiro e viciado em selfies, e um primeiro-ministro que não tem capacidade para ver o visível, muito menos o invisível, que qualquer cego, de nascença, vê à primeira vista.
- Um país, que em 2018/2019 foi marcado por uma constante contestação social, com o número mais elevado de sempre de greves em todos os sectores da sociedade portuguesa, número que continuaria a aumentar no corrente ano não fosse a invasão invisível do coronavírus.
- Enfim, um País que perdeu o rumo, e faz de conta que é um país. E amanhã, contra tudo e contra todos, e violando o Estado de Emergência em que Portugal está mergulhado, os governantes irão dar um mau exemplo ao País, com a ilusão de que estarão a celebrar o 25 de Abril, que ainda não se cumpriu inteiramente.
Enquanto tudo isto (e muito mais, que agora não me ocorre) não sair da lista do que não se quer para um País de Primeiro Mundo, evoluído e civilizado, o que há para comemorar neste 25 de Abril?
Há o facto de eu poder escrever este texto, sem ir parar ao Campo de Concentração do Tarrafal, o campo da morte lenta, para onde os médicos iam assinar certidões de óbito e não curar, criado pelo Estado Novo, na ilha de Santiago, Cabo Verde, num lugar ironicamente chamado de Chão Bom, de muito má memória.
Isabel A. Ferreira
***
Para complementar este texto, leia-se este outro, da autoria de Manuel Damas, publicado no Facebook, em 24 de Abril do ano passado, mas que poderia ter sido escrito hoje, e faço minhas todas as palavras que Manuel Damas escreveu.
45 anos depois...
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Todos os que estão atentos a esta questão, têm conhecimento dos graves (mas não irreversíveis) estragos que o AO90 provocou no Ensino em Portugal, que está um verdadeiro caos, com alunos e professores a grafarem em mixordês, que foi tudo o que restou da imposição ilegal de uma grafia estrangeira mutilada. E não resta qualquer dúvida de que todos aqueles que, por medo de represálias ou de perder o emprego ou por mero comodismo (sempre foi mais fácil ceder do que lutar) adoPtaram o AO90, já não sabem escrever correCtamente em Português e, consequentemente, ensinam incorrêtamente os alunos. E isto é inconcebível.
Também, como todos sabemos, em nenhuma escola de nenhum país do mundo (talvez só no Brasil, parceiro de Portugal, nesta aventura pelo obscuro reino do AO90) os alunos são (des)ensinados pelos professores (que desaprenderam) a grafar de um modo completamente incerto, ora com cês e pês, ora sem cês e pês, ora com acentos, ora sem acentos, ora com hífenes, ora sem hífenes, tudo num mesmo texto.
Para acabar com esta situação caótica, surrealista, irracional e altamente lesiva à aprendizagem de qualidade a que os nossos alunos têm direito e merecem, até porque a Linguagem é o veículo primordial dessa aprendizagem, que não lhes está a ser proporcionada adequadamente, António Vieira, professor reformado, numa troca de mensagens que tivemos, decidiu apresentar uma exortação aos seus colegas de profissão, os únicos que têm a faca e o queijo na mão, e que podem acabar com este atentado ao Ensino do Português, em Portugal.
É essa exortação que passo a transcrever.
«Vejo que este ano, que está a iniciar, é encarado com muito optimismo, por todos quantos se empenham nesta luta - a NOSSA LUTA - nomeadamente pelo "combatente" Nuno Pacheco, cujo livro (que li já) "AO90 -um beco com saída" preconiza esse desiderato com algum excesso de fé (infelizmente), suponho.
A boa notícia foi a da inclusão do Dr. António Bagão Félix na comitiva da ILCAO que foi recebida pelo PS; sempre é um "peso-pesado" da cena política nacional e eu julgo que o trabalho de bastidores ("lobbying") é um factor muito relevante e ele será sempre um bom expoente nesse domínio.
Outro: a ILCAO divulgou no final do ano um "balanço" muito elaborado em termos estatísticos sobre o quantitativo de assinaturas recolhidas, desdobrando aquele universo estatístico por categorias profissionais; torna-se, pois, possível estipular o número total de professores (de todos os níveis) aderentes e sabendo-se da existência de uma plataforma no Facebook de Professores anti-AO90, seria esse precisamente o núcleo despoletador nas Escolas da campanha pró-abolição da aberração em questão. O seu número deverá cifrar-se na ordem das centenas, os "pioneiros" não irão sentir-se desacompanhados (a união faz a força) e poderia ser a iniciativa que aqui estou a sugerir a tal "mecha chegada ao rastilho".
Reitero a minha convicção de que só por intermédio da acção de "pesos-pesados" da cena política nacional (alguns dos seus nomes são bem conhecidos), com as Editoras fiéis à causa e com a acção concertada através das redes sociais de grupos profissionais convictos (professores de todos os níveis, autarcas) que actuando em rede (e não isoladamente, a fim de não sentirem em perigo os seus postos de trabalho) é que alguma coisa se poderá arranjar de concreto. A azáfama com que o actual governo do PS se obstina em nem sequer querer abordar o assunto só se compreende pela teia de compromissos de que muitos dispõem junto da esfera do poder e de que não se querem afastar.
(…) Sabendo que há muitos Professores que não concordam com a aberração e como uma Associação de professores de Português - a Anproport - assume a sua não-concordância e em moldes bem firmes, penso que se deveria começar por aí. Mas não tenho muitas dúvidas que só com acções de "lobbying" através de "pesos-pesados" como o Dr. Bagão Félix, ou outras figuras conhecidas como o actual bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Menezes Leitão e outros do mesmo calibre, e em Lisboa - que é onde tudo se decide, dado que Portugal continua a ser Lisboa e o resto é paisagem (e assim irá continuar sempre) - é que poderão ser mexidos os cordelinhos indispensáveis.
Outra questão: tem que haver um interesse económico (diga-se: editorial) que sustente a iniciativa por que todos lutamos, pois de outra forma é "malhar em ferro frio". As Editoras "coladas" ao M. E. (…) estão muito bem "untadas": "mexeram-se" em tempo devido (é por esse motivo que o PS não quer "mexer" no assunto, (dado haver muitos interesses instalados e negociatas obscuras de que alguns usufruem e assim não haver interesse em mexer neste "status quo") e ocuparam o espaço editorial mais representativo no nosso panorama editorial escolar.
António Vieira
***
Pois aqui está o que o Professor (uma vez Professor, sempre Professor, quando se é um verdadeiro Professor) António Vieira propõe:
Unam-se, Professores de Portugal, e fiquem para a História como a geração de Mestres que ousaram enfrentar o Poder e salvaram a Língua Portuguesa da desgraça anunciada há tanto tempo, porque, como diz o Professor António Vieira, a união faz a força, e quem vai ter a cobardia de despedir os Professores em massa, até porque quem o fizesse incorria numa ilegalidade, a juntar a todas as outras?
E se houver Justiça em Portugal, como todos esperamos que haja, a Petição/Denúncia facultativa, que um cidadão de nacionalidade portuguesa, devidamente identificado, e que, no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado livre, enviou à Procuradoria-Geral da República, para que sejam investigadas as incongruências que envolvem o Acordo Ortográfico de 1990, e que pode ser consultada neste link
deverá seguir os trâmites legais, para que seja desnudado o que a olho nu parece estar revestido de ilicitudes.
A juntar a esta acção, e de acordo com o que se lê no Jornal Público, e pode ser consultado neste link:
«Vai ser discutida na AR uma iniciativa cidadã para repor a ordem ortográfica. Não bastam três países para validar um acordo: ou todos ou nenhum.»
Aguardemos, pois, que em breve, Portugal possa ver-se livre deste pesadelo que dá pelo nome de Acordo Ortográfico de 1990.
E que a união faça a FORÇA que o há-de derrubar!
Isabel A. Ferreira
«Diz-se que o VOC é “o recurso oficial de referência para a escrita do português”, elaborado por “um vasto corpo de especialistas de diferentes países.” Coisa séria? Não, é truque.» (Nuno Pacheco)
E que truque! E que fraude! E que vergonha! E que irresponsabilidade! E que desrespeito pelos escreventes de Língua Portuguesa! E que prepotência! E que tirania! E que falta de lucidez, de sensibilidade e de bom senso!
Novo texto de Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público, que denuncia os podres que envolvem esta negociata de beira de esquina, de fundo de beco, de subterrâneo desalumiado, mais conhecida por Acordo Ortográfico de 1990.
Isabel A. Ferreira
Texto por Nuno Pacheco
6 de Fevereiro de 2020, 7:30
«O exercício é penoso, mas instrutivo. Percorrer, com tempo, o Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (dito VOC), instrumento oficial do Acordo Ortográfico de 1990 (AO) e alojado no sítio do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), é entrar num universo surreal, onde cada novo absurdo parece suplantar o anterior. O que justifica tal atenção? Isto: esteve “morto” durante 14 dias, “ressuscitou” sem uma explicação em apenas quatro horas (bastou escrever “o VOC vai morto”) e regressou tal qual desaparecera: péssimo.
Na entrada, com nove bandeirinhas coloridas, diz-se que o VOC é “o recurso oficial de referência para a escrita do português”, elaborado por “um vasto corpo de especialistas de diferentes países.” Coisa séria? Não, é truque. Leia-se esta conversa, logo na apresentação:
“Apesar de ser um instrumento uno, um único vocabulário, o VOC procura representar o léxico em uso em cada país e as suas especificidades. Seguindo uma metodologia comum e princípios compatíveis, uma instituição nomeada em cada país cria e gere o vocabulário nacional (VON) representativo da sua variedade, que quando inserido na base de dados do VOC permite gerar um todo único (o VOC) que consolida tanto o léxico comum quanto as especificidades de cada país. O inventário de formas validadas para cada país pode ser consultado clicando na sua bandeira; o todo pode ser obtido através do logo do IILP.”
Já se disse aqui, na semana passada, que os ditos vocabulários nacionais são decalcados de uma mesma base, praticamente igual para Portugal, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Timor-Leste, os únicos existentes (Angola, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe faltam). O truque, diz-se na introdução, é olhar os sinais: se uma palavra tiver um quadradinho azul a antecedê-la, está “atestada” nesse país; se não tiver, pode ser usada na mesma (porque “nada desaconselha ao seu uso”); e se a busca não der nada, é porque não é válida.
Vamos experimentar. Procuremos “machimbombo”. Está em todos os vocabulários nacionais (VON). E o quadradinho azul? É preciso clicar em Vocabulário e folhear os VON. Aí está: na sexta folha de cada um (e cada folha tem 100 palavras), há quadradinho azul em Moçambique e no Brasil, não há nos restantes. Mas no de Moçambique, e bem perto de “machimbombo”, há três outras palavras que chamam a atenção e não têm quadradinho: Machimano, Machindo, Machine. Serão de que país, adivinham? Moçambique. Localidades. Mas, mal se clica nelas, vamos parar a um mundo ainda mais estranho: o da Toponímia. Onde, para “engordar” os vocabulários, todos os topónimos inventariados integram também todos os VON e o VOC.
E isto dá coisas bem curiosas. “Aeroporto”, por exemplo. Há seis, dados como “localidades”, “lugares” ou “bairros”. Dois de São Tomé, dois de Portugal (Lisboa e Açores, o de Santa Maria), um de Moçambique (Chamanculo, que está duplicado numa entrada própria) e um de Cabo Verde (Fogo). Nenhum do Brasil, que tem largas dezenas. Não devem ser “lugares”.
Estranharam? Há melhor: “Urbanização”. Aparecem duas, uma em Murça (como “local”), outra em Maxaquene, Moçambique (como “bairro”). Só duas, em todo o espaço lusófono? É problema que não têm “topónimos” como “Aldeia”, “Estrada”, “Rua”, estas às dezenas e atribuídas às mais variadas localidades. Com uma particularidade curiosa: multiplicam-se. “Rua”, atribuída a Ponte de Lima, tem 5 entradas iguais, seguidas; “Aldeia”, atribuída a Barcelos, tem 6, também seguidas; “Taberna”, dado como lugar de Santiago, Cabo Verde, tem nada menos do que 8 entradas, absolutamente iguais, e em linhas consecutivas! Com tão “vasto corpo de especialistas”, devem ter-se esquecido de contratar um simples revisor…
Mas não se esqueceram do Condomínio Colmeia Village! Vá-se lá saber porquê, é o único condomínio registado no VOC e na Toponímia em todo o espaço lusófono, onde há uns larguíssimos milhares deles. Não aparece à primeira, é preciso escrever “condomínio” no espaço de busca e, na caixa à esquerda, escolher “começa com” (não “igual a”). Também há aldeamentos: 16, no total, dois são-tomenses e 14 portugueses. Só falta a carta turística.
Exemplos destes há às centenas. A base de tudo isto? Um palpite: o Houaiss antigo ou o Vocabulário da Academia Brasileira de Letras (ABL). Foram os únicos onde encontrei – e agora chegamos às palavras picantes – “manusturbação”, que por “acaso” consta de todos os VON e do VOC, mas não vi em mais nenhum dicionário ou vocabulário (Porto Editora, José Pedro Machado, Rebelo Gonçalves, Priberam, ACL, ILTEC, nem no Houaiss ATUAL, já com o acordo de 1990!). Com uma curiosidade: o Houaiss diz que é uma palavra “formada sobre uma etimologia equivocada”, de uso desaconselhado (a correcta será “masturbação”), mas nos VON e no VOC, ignorando tal aviso, até lhe atribuem plural (“manusturbações”)!
Outra palavra picante: “cacto”. Foi varrida de todos os VON e substituída por “cato”, menos no do Brasil e no VOC, onde até lhe arranjaram o insólito feminino “cacta”, quando até a ABL regista apenas “cactal”! Mas as palavras “cactáceo”, “cactáceas”, “cactiforme” ou “cactoide” (agora sem acento, era “cactóide”) lá estão, em todos, como derivadas de “cacto” (Brasil) ou de… “cato” nos outros todos. Não é mesmo uma maravilha, esta fraude geral?»
Fonte:
«Se isto acontece a uma profissional experiente, o que acontecerá à população que não tem nem uma constante exposição à palavra escrita nem responsabilidades profissionais relacionadas com a língua portuguesa?»
Mais um texto de Francisco Miguel Valada,a juntar a tantos outros, que nos falam das incongruências de um “acordo” que nunca foi acordo.
Texto de Francisco Miguel Valada
«Quem nunca saiu de Lisboa viaja no infinito no carro até Benfica, e, se um dia vai a Sintra, sente que viajou até Marte.»
Bernardo Soares
1 - Horas antes de me ter embrenhado nos trabalhos de 2020, fiz um apanhado da correspondência em atraso das férias de Natal e encontrei uma pérola futebolística relacionada com a base IV do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) – mais concretamente, com a tão importante e tão ignorada função grafémica da letra ‘c’. Como é sabido, as letras ‘c’ e ‘p’ têm função grafémica (cf. PÚBLICO, 28/1/2016). Todavia, como tem sido público e notório, o Governo português adora relações públicas e detesta publicações científicas.
Debrucemo-nos sobre essa pérola. Na RTP, confrontaram o treinador e comentador Manuel José com declarações do presidente do FC Porto sobre factores externos que alegadamente influenciam os resultados dos jogos de futebol. A frase, disponível no oráculo, foi lida em voz alta pela jornalista presente no estúdio: “O futebol português ainda é muito condicionado por *fatores que são alheios ao mérito”. A jornalista proferiu a vogal da primeira sílaba de *fatores como se esta fosse igual à de amores, Açores ou dadores. Depois, corrigiu-se e proferiu a palavra completa *fatores, com a primeira vogal semelhante à primeira de actores e tractores e à segunda de infractores e redactores. Ou seja, como se de factores efectivamente se tratasse.
Fruto deste episódio actualíssimo, uma hipótese antiga a desenvolver é a de a ausência da letra ‘c’, que fixa grafemicamente o ‘a’ de factores (e de actores, tractores, infractores, e redactores) ter de facto consequências na consciência fonológica dos falantes, com essas consequências a serem evidenciadas à superfície, isto é, no momento da prolação. É verdade que a jornalista rapidamente detectou o erro e imediatamente reformulou. No entanto, a pergunta impõe-se: se isto acontece a uma profissional experiente, o que acontecerá à população que não tem nem uma constante exposição à palavra escrita, nem responsabilidades profissionais relacionadas com a língua portuguesa (oral ou escrita), nem o consequente traquejo para se desenvencilhar num apuro semelhante, nem bagagem teórica para reflectir sobre o assunto?
Tendo em conta que a RTP determinou a adopção do AO90 há nove anos, tudo isto assume contornos muito interessantes. Continua por explicar a razão pela qual os poderes públicos não acautelaram estes problemas. Os responsáveis por esta situação que abram os ouvidos, já que não lêem os estudos.
2 - Recentemente, alguns académicos brasileiros rasgaram publicamente as vestes. Algures no Twitter, Abraham Weintraub, o ministro da Educação do Brasil, escreveu *imprecionante em vez de impressionante e houve reacções nas redes sociais. Aliás, fiquei a saber que este erro fora o mais recente episódio de uma monótona novela, durante a qual Weintraub já fizera as delícias dos pescadores de pérolas ortográficas, com *paralização e *suspenção, em vez de paralisação e suspensão.
Por cá, curiosamente, tudo bem. Porventura por distracção minha, nunca detectei vestes rasgadas pelos negociadores, promotores e amigos do AO90, devido aos erros ortográficos cometidos pelos autores do AO90. Não me refiro aos grosseiros erros conceptuais de autores do AO90, como quando escreveram que olho e óculo areia e arena, entregado e entregue ou imprimido e impresso eram exemplos de dupla grafia (cf. PÚBLICO, 14/6/2017). Refiro-me concretamente ao erro ortográfico dos autores do AO90, quando escreveram *insersão em vez de inserção, no título do ponto 7.1 da Nota Explicativa do AO90 (cf. PÚBLICO, 20/12/2010). Exactamente: um erro ortográfico num texto que prescreve regras ortográficas e bastante apreciado na Assembleia da República e arredores.
Convém recordar que o ministro da Educação do Brasil é economista, não sendo obrigado a ter nem as competências linguísticas nem as responsabilidades metalinguísticas esperadas dos autores do AO90. Por isso, relativizemos o rasgar de vestes do outro lado do Atlântico e tomemos nota das vestes por rasgar onde soa o sino da aldeia de Fernando Pessoa. Sim, Pessoa está na moda. Perguntai ao ministro Mário Centeno, que evoca Pessoa na Assembleia da República, enquanto apresenta um Orçamento do Estado escrito num português vergonhoso (cf. PÚBLICO, 24/12/2019).
Fonte:
Repesquei este texto, com o título supracitado, publicado no Jornal Público, em 26 de Fevereiro de 2012, pelo docente e investigador Paulo Jorge Assunção.
O debate era sobre a Língua Portuguesa e o Acordo Ortográfico.
Todos já sabemos que o AO90 não passa de uma fraude, a qual todos os organismos de Estado incluindo os que se dizem independentes, varrem para debaixo do tapete, como se tal lixo (ortográfico) pudesse ser contido debaixo do que quer que fosse, sem se evidenciar.
E porque anda por aí muita gente a optar pela ignorância, e recusa a informação, nunca é demais acenar-lhes com textos, que embora escritos há algum tempo, continuam actuais, porque em Portugal, já se sabe: não se avança, não se evolui, opta-se pela estagnação ou, pior do que isso, pelo retrocesso, e o que se escreveu no século passado, continua actual, no século seguinte. E isto, infelizmente, não diz só respeito à Língua.
Porém, como água mole em pedra dura tanto dá até que fura, todos, os que resistem, não desistiram, nem desistirão de lutar pela nossa Língua Mátria, aquela que nos identifica como Pátria, esperam que a Racionalidade bata à porta dos palácios de São Bento e Belém, e as pedras furem, para deixar passar a luz que anula o obscurantismo, que por lá grassa como uma maldição.
Isabel A. Ferreira
Texto de Paulo Jorge Assunção
«Debate A Língua Portuguesa e o Acordo Ortográfico»
«O 18.º Governo entendeu, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, de 25/1 (RCM), pôr em vigor o acordo ortográfico de 1990 (AO90), tornando obrigatória a sua aplicação "em todos os actos, decisões, normas, orientações, documentos, edições, publicações, bens culturais ou quaisquer textos e comunicações, sejam internos ou externos, independentemente do suporte, bem como a todos aqueles que venham a ser objecto de revisão, reedição, reimpressão ou qualquer outra forma de modificação", lê-se no preâmbulo.
Ora, para que se perceba, de modo sumário (portanto, redutor), o que está em causa, convém examinar o texto dessa RCM.
Lê-se, ainda no preâmbulo, que o AO90, "assinado em Lisboa em 1990, (...) incide apenas sobre a ortografia, mantendo-se a pronúncia e o uso das palavras inalteráveis" e, mais à frente, "Esta resolução adopta, ainda, o Vocabulário Ortográfico do Português, produzido em conformidade com o Acordo Ortográfico, e o conversor Lince (...) ambos desenvolvidos pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) com financiamento público do Fundo da Língua Portuguesa".
No n.º 1 surge a determinação curiosa de que as entidades visadas ("o Governo e todos os serviços, organismos e entidades sujeitos aos poderes de direcção, superintendência e tutela do Governo") "aplicam a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 43/91, ambos de 23 de Agosto", o que pressupõe que essa grafia é conhecida e pode ser consultada e utilizada. E, de curiosidade em curiosidade, chegamos ao n.º 6 da RCM, onde se lê que o Governo resolve "adoptar o Vocabulário Ortográfico do Português e o conversor ortográfico Lince, disponíveis no sítio da Internet www.portaldalinguaportuguesa.org e nos respectivos sítios da Internet dos departamentos governamentais".
Conclui-se, então, que a aplicação do AO90 consiste na adopção de qualquer coisa que não o próprio acordo, e que se designa por "Vocabulário Ortográfico do Português" e "conversor ortográfico Lince".
O mistério adensa-se. Buscando a verdade oculta, percebe-se que tais designações são de trabalhos elaborados por empreitada, por umas pessoas (certamente, financiadas) a quem o Governo alienou a incumbência da criação de uma suposta norma! O Estado "legisla" por encomenda!
Portanto, à pergunta "o que é que diz o Acordo Ortográfico?", o Estado responde, com secular sabedoria, "não faço a mínima ideia, mas vou ali perguntar a umas pessoas que eu conheço e já venho".
Para quem não esteja a perceber nada, por não ter lido o AO90, esclareço. O texto publicado no Diário da República de 23-8-1991 não contém, realmente, a nova grafia das palavras. O que se lê, num Anexo, é apenas um conjunto de regras gerais (muito mal feitas), para serem mais tarde concretizadas (artigo 2.º do AO90) através do estabelecimento de um vocabulário ortográfico comum a todos os países signatários (ou seja, por via de outro acordo, específico), que nunca foi feito.
Isto significa que o AO90 ficou (nos seus próprios termos) inaplicável, suspenso de facto futuro. Não sou eu quem o diz. É o texto do AO90 que é explícito.
E, no meio do absurdo, tem lógica que assim seja, pois ninguém sabe ao certo explicar o que significa "escreve-se quando se pronuncia", porque isso retira o "h" ao verbo "haver", por exemplo, e deixa a dúvida acerca do "p" em "excepto", porque o João não diz o "p", mas a Maria diz o "p". Se o Estado se comprometera, com os demais signatários, a elaborar o vocabulário comum, não poderia entregar a mãos incertas aquilo que nem sequer é seu: a Língua Portuguesa.
Postos à solta, os legisladores por contrato andaram a inventar. Já que estavam "com a mão na massa", moldaram (com os pés?) o próprio acordo (que não lhes pareceu suficientemente mau...), cortando consoantes a granel, como se não houvesse amanhã!
O acordo, na Base IV, prevê duplas grafias?! Nada disso! O acordo prevê, mas eles não deixam! Com a legitimidade democrática do recibo verde e a sensibilidade linguística da retroescavadora, esta troika oculta reinventou a Língua, segundo o insondável critério do "acho que fica melhor assim". No entusiasmo, aproveitou o facto de o AO90 ser aberto e impreciso e, milhares de euros mais tarde, eis que pariu esta malformação inviável, a que chamam VOP e LINCE. E é como estamos. Porém, num Estado de Direito, de onde a certeza e a segurança não devem ausentar-se, as coisas não são assim.
Por isso, sem norma técnica com valor jurídico que as defina, as regras gerais do AO90 não vigoram.
Como se entende, pois, esta desenfreada imposição do disparate? É simples. A maioria das pessoas não leu o texto do acordo. Diz-se que aquilo é obrigatório. Os impostos pagam as acções de (de)formação nos serviços públicos e nas empresas. Começa a usar-se o barbarismo de modo generalizado. E pronto! A mentira torna-se verdade e não se fala mais nisso.
Mas, "há sempre alguém que resiste". Por isso, se as iniciativas em curso prosseguirem, designadamente a Iniciativa Legislativa de Cidadãos que visa suspender a asneira (v. http://ilcao.cedilha.net/), bem como as políticas e judiciais, além da legítima desobediência civil, ainda veremos os de sempre, já virados do avesso de modo politicamente correcto, berrando nos púlpitos "não fui eu! eles obrigaram-me! eu estive sempre do lado certo!".
Pena o imortal Eça de Queiroz não estar cá para escrever o 2.º tomo de O Conde d’Abranhos!
(Este texto sintetiza, com as adaptações ao registo escrito, o essencial da intervenção do autor, no Goethe Institut, em 9/1/2012).
Fonte:
https://www.publico.pt/2012/02/26/jornal/o-ao90-esta-em-vigor-onde-24062644
(Nota: os excertos a negrito são da responsabilidade da autora do Blogue)
Mais um excelente texto de Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público, e que nos fala de uma novela, já com demasiados capítulos. É urgente anular o AO90 nas escolas (e não só nas escolas) por motivos mais do que óbvios, e aproveito para acrescentar que os pactos de silêncio não dizem respeito apenas ao gravíssimo caso de Tancos, também se estendem ao igualmente gravíssimo caso do «acordo ortográfico” de 1990. Mas lá chegaremos. (Isabel A. Ferreira)
«Oito dos programas ou manifestos eleitorais são escritos com o Acordo Ortográfico e oito sem ele. Dois partidos propõem revê-lo e um quer “anulá-lo nas escolas”.» (Nuno Pacheco)
Texto de Nuno Pacheco
«No sábado, dia 28, os lisboetas vão ter a enorme alegria de poder brincar às línguas. Nada que os políticos não façam já, e com bastante inconsciência, mas ali será mais como num recreio escolar ou numa feira. Eles explicam: “Haverá, por exemplo, a possibilidade de jogar a versão finlandesa do jogo da malha, assistir a uma representação teatral multilingue de uma cena da obra Romeu e Julieta, ver a exibição cénica Os 100 gestos da língua italiana, assistir a música coral ou visitar exposições croatas e polacas.” “Eles” são a EUNIC Portugal, que quis assinalar o Dia Europeu das Línguas em Lisboa, no Jardim do Campo Grande, com uma imensa farra plurilinguística que, das 14h às 19h, dará “a possibilidade aos participantes de contactarem com 14 línguas europeias: alemão, checo, croata, espanhol, finlandês, francês, georgiano, grego, italiano, inglês, irlandês, polaco, português e romeno e ainda com a língua gestual portuguesa.” Há melhor do que isto?
Há. Porque cinco horas a brincar com 14 línguas não são nada comparadas com os muitos anos e dias em que andam a brincar com a nossa. E as brincadeiras são cada vez mais divertidas. Há dias, na televisão, na sinopse de um filme na Fox Movies (Companheiros) escrevia-se isto: “Um traficante de armas sueco e um bandido mexicano formam uma patrulha com a missão de salvar um inteletual revolucionário.” Assim mesmo, de “inteleto” e “inteletualidade”, não conhecem? Talvez conheçam esta: num anúncio ao espectáculo que Dechen & The Jewel Ensemble darão em Outubro, a Viral Agenda garante que se trata de “algo realmente novo e impatante para o público.” Não conhecem? Do verbo impatar? Eu impato, tu impatas? Em que escola andaram? No mesmo texto, a Ticketline pôs “impactante”, mas não deve conhecer as novas ortografias. Quem as conhecerá bem é o anunciante da nova série televisiva Hot Zone, estreada no dia 22 no National Geographic. Pois escreveu, a toda a largura do ecrã: “baseada em fatos verídicos.” Não, não é uma série brasileira e a estreia foi mesmo aqui, onde os “fatos” ainda são factos, até ver.
Mas não é só na cultura que a ortografia inova com tal requinte. Até nos lugares mais simples, como uma mercearia, se pode ler este anúncio: “Netarinas”. Não são netos de lamparinas, nada de confusões, é mesmo um fruto, uma variante de pêssego. Mas sem C, talvez sem caroço. É que a criatividade, nesta matéria, já não tem limites, dando-nos todos os dias belos exemplos da nossa capacidade de modernizar o nosso vetusto idioma.
Caso de estudo é um normal acréscimo a sinais de trânsito, aquele onde se indica: isto é válido, excepto para (residentes, universidade, transportes públicos, etc). O “excepto” original (que indicava excepção) já passou por “exceto”, “exeto”, “excepo” e “execto”. Estas variantes permitem oscilar entre palavras, confundindo-se já excepção com exactidão ou coisa que o valha. Ainda veremos escrito “exto”, “expo” ou “xpto”. Mais: há dias, numa legenda, dizia-se que alguém “respondeu ao reto” que lhe lançaram. Uma bela forma de confundir um desafio (repto) com um orifício humano (recto). E tudo isto sem que os que assim escrevem pensem um só segundo em tais disparates, julgando-se até modernos.
E os políticos, pensam? Os que deram aval ao CDT, ou Culpado Disto Tudo, que é o tristemente célebre Acordo Ortográfico de 1990 (AO)? Pensam muito pouco ou quase nada. Dos programas ou manifestos às actuais legislativas, não se tira muito. Lendo-os, ficamos a saber que oito são escritos seguindo o Acordo Ortográfico, mas com as derivas do costume (PS, PSD, CDS, BE, PEV, Aliança, Livre, Iniciativa Liberal, JPP) e oito sem ele (PCP, PAN, Chega, MAS, Nós Cidadãos, PCTP-MRPP, PNR e RIR). Coisas concretas em relação ao AO, só existem em três destes programas. No do PSD, que “entende que importa avaliar o real impacto do novo Acordo Ortográfico – que se tornou obrigatório em 2015 – e ponderar a respetiva revisão face ao evidente insucesso da sua generalização entre os países de língua oficial portuguesa e mesmo entre os autores portugueses”; no do CDS, que afirma taxativamente: “Não podemos falar da Língua Portuguesa sem assumir que a ideia central do Acordo Ortográfico de 1990 – uma ortografia unificada – falhou. Pela nossa parte, pode e deve ser avaliado quanto aos seus efeitos e problemas, tanto no uso da Língua como a nível internacional”; e no do PNR, de extrema-direita, que escreve isto: “Anular o ‘Acordo Ortográfico’ nas escolas e repor o Português correcto”. À margem, André Silva, do PAN, disse num debate radiofónico que “faz sentido” rever o AO. Já da Língua Portuguesa, e do que fazer com ela, falam vários. Mas isso fica para a semana.»
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