Para quem não sabe, chamo à liça o soneto “Língua Portuguesa”, do poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918) que, no primeiro verso, escreve «Última flor do Lácio, inculta e bela» referindo-se ao idioma Português, a última língua derivada do Latim Vulgar falado no Lácio (Lazio, em Italiano, Latium, em Latim) uma região situada no centro da Itália, na costa do Mar Tirreno, sendo Roma a sua principal cidade.
No Brasil, Flor do Lácio passou a ser uma expressão que designa a Língua Portuguesa. O termo "inculta", usado pelo poeta, refere-se ao Latim Vulgar falado por soldados, camponeses e camadas populares, aquele que deu origem à nossa Língua. O Latim Vulgar era diferente do Latim Clássico, utilizado pelas classes mais altas. Para Olavo Bilac, a Língua Portuguesa continuava a ser "bela", ainda que originária do Latim Vulgar.
Posto isto, fiquemos com o texto de escritor Valério Mesquita.
Isabel A. Ferreira
Por Valério Mesquita
10/02/2021
CATARSE VERNACULAR
«Completei setenta e oito anos e não pretendo jogar fora os meus livros por causa da despropositada reforma ortográfica. Ela me parece altamente predadora, levando ao prejuízo milhares de bibliotecas públicas e privadas dos países de língua portuguesa. Novos acentos, tremas e hífens nos são impostos, sem necessidade. Para unificar o idioma português? Que tipo de parceria ou dependência cultural liga o Brasil aos países de língua lusitana, à exceção apenas de Portugal, onde tal reforma foi também amplamente criticada. Hoje, os poetas, contistas, ensaístas, historiadores, economistas, professores, juristas, escritores, enfim, os que escreveram milhares de compêndios como se sentirão diante dela ante a obrigação de abandonar seus autores preferidos para consultas e releituras?
Sejam bem-vindos ao alfabeto e à escrita o K, o W e o Y. Era hipocrisia não inseri-los no contexto. Mas, o problema educacional dos povos de língua e linhagem camoniana não reside na ortografia. E sim na fome, no desemprego, na violência, na corrupção, nas diferenças sociais e raciais. As nações que falam o português lidam com o subdesenvolvimento econômico. Portugal, ainda se salva, porque integra a comunidade europeia. Contudo, dela ainda é o primo pobre. Quanto ao Brasil, de todas as carências que já ouvi falar, ao longo do tempo, nunca soube que o gargalo estava na ortografia. No vernáculo de palmo e meio dos muitos políticos pode até ser verdade. As academias brasileiras de letras, habitadas majoritariamente de sexagenários a octogenários, todos iniciarão, em breve, o lento e fatigante retorno às aulas para a competente reciclagem.
Será que o mesmo acontece nas ortografias do alemão, do francês, do inglês, do espanhol ou do italiano, só para ficar por aqui? Ou o que ocorre com os compatrícios são frutos das estações, das safras e entressafras (tem hífen?). Será que a língua portuguesa, tão antiga, ainda não atingiu a plenitude como ciência? A tal ponto que a gramática viva precisando de reparos, como se tudo aquilo escrito e publicado, anteriormente, esteja errado?
Por isso, entendo inócua e pífia, essa minirreforma ortográfica na escrita do já tão difícil idioma pátrio. Foi no governo de Luiz Inácio. O então presidente, que não escreve porra nenhuma, não estava nem aí! Jamais cometerá erros ortográficos. Os seus tropeços acontecem exclusivamente na oralidade. O melhor, é que o povo gosta. E também não vai dar a mínima para acento, trema e hífen [únicas alterações que os Brasileiros tiveram de fazer na grafia brasileira, com o AO90].
Acima do efeito purificador ou purgador do vernáculo, a minirreforma ortográfica parece mais uma trama bem urdida para faturamentos imediatos. A Última Flor do Lácio vai ficar inculta e feia...»
Fonte:
https://www.potiguarnoticias.com.br/colunas/post/3860/catarse-vernacular
***
Soneto "Língua Portuguesa"
de Olavo Bilac
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
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