Terça-feira, 4 de Setembro de 2018

A “semirrêta" (***)

 

Um delicioso e escorreito texto em Bom Português de A M Pires Cabral, publicado no Facebook.

 

Sou das que tenho o dedo no ar.

 

rectas-2-728.jpg

 Acordistas, aprendam, em Bom Português...

 

Texto de A M Pires Cabral

 

«Em 2011 publiquei na imprensa regional a crónica infra. Hoje calhou emergir lá das insondáveis profundezas do computador. Reli-a. Achei-lhe alguma piada. E republico-a, sacudido o pó de 7 anos, em fé de que não me rendi nem me renderei jamais ao AO90. Quem concorda comigo e também se recusa à rendição, que ponha o dedo no ar.

 

A SEMIRRETA

 

O “Expresso”, um dos primeiros jornais portugueses a avalizar a vergonhosa almoeda da nossa língua, adoptando pressurosamente o assim-chamado Acordo Ortográfico, distribuiu há tempos um cadernozinho dedicado ao enxalmo. Folheando-o em busca de um norte para o uso do hífen, descobri coisas mirabolantes. Descobri por exemplo que se deve escrever ‘bem-falante’ e ‘bem-visto’, mas ‘benfazejo’ e ‘benfeito’. Descobri que se deve escrever ‘cor de laranja’ (sem hífenes), mas ‘cor-de-rosa’ (com hífenes).

 

Procurava eu encontrar alguma réstia de lógica nisto, quando me cai debaixo dos olhos a palavra ‘semirreta’. Dou-lhes a minha palavra de honra: poucas vezes me tenho rido tanto como com o estafermo da ‘semirreta’. Entre gargalhadas quase espasmódicas, tive de pôr de lado a brochura, mas o riso continuou a visitar-me ao longo de todo o dia. Mesmo à noite, já à boca de dormir, lembrou-me outra vez a ‘semirreta’ e rompi a rir desabaladamente, causando não pequena perplexidade a minha Mulher, que, por contágio, acabou por rir também.

 

Semirreta’!

 

Aqueles fulanos nem as pensam. Geram assim mostrengos do calibre da ‘semirreta’ e não lhes dói a consciência nem lhes dá rebate o bom-senso nem o bom-gosto. De qualquer modo estou-lhes agradecido, pois, acabrunhado como ando com tantas más notícias e prenúncios de notícias ainda piores, proporcionaram-me um dia de desopilação do fígado por interposta ‘semirreta’.

 

Mas estou se calhar a ser injusto. Não se ouvem já por todos os areópagos internacionais hossanas e bem-hajas pela unificação ortográfica do Português? Os participantes em fóruns e congressos dão graças a Deus porque já não ficam confundidos por em Portugal se escrever ‘actor’ e no Brasil ‘ator’. (Não obstante este grande e notável avanço, continua a haver quem não perceba por que é que em Portugal se escreve ‘receção’ e no Brasil ‘recepção’. Mas nada é perfeito, não é verdade? Lá chegaremos.)

 

Mas não se trata apenas de uma questão de prestígio internacional. A coisa tem também implicações económicas e financeiras. Consta mesmo que a Moody’s, a Fitch e a Standard and Poor’s ponderam já subir numa data de níveis (supõe-se que para o ansiado Triplo A: Ah! Ah! Ah!) a notação de Portugal, considerados os grandes benefícios para a redução do défice que se espera venham a resultar da aplicação do acordo.

 

Então, senhores acordo-cépticos: valeu ou não valeu a pena haver uns quantos sujeitos que queimaram as pestanas para nos dar de presente este primor do acordo?

 

E volta-me à ideia o enxovedo da ‘semirreta’. Céus! O que eles fizeram da «nossa portuguesa casta linguagem» de que falava, se não erro, Cruz e Silva!

 

A M Pires Cabral

 

(***) A palavrinha “semirreta”, lê-se “semirrêta”, e quem a ler “semirrétaestará a ler incorreCtamente. E então já serão duas patacoadas: a escrever e a pronunciar.

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 11:17

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comentários:
De Gonçalo a 5 de Setembro de 2018 às 14:42
Eu fico de boca aberta com comentários como o seu aqui e o próprio artigo do A M Pires Cabral. É essa xenofobia tão característica de nosso amado e triste Portugal. Triste como o nosso fado. É por isso que ainda evoluimos pouco e talvez nunca cheguemos ao que sonhamos ser como país: um país moderno. As diferenças entre o Português de Portugal e o Português do Brasil são dialetais. Existem, mas não justificam de maneira alguma a consideração do Português do Brasil como língua diferente. O resto é isso mesmo, xenofobia. É algo que tem acontecido entre vizinhos, como na Sérbia e na Croácia. Como se diz moeda no Brasil? Moeda. Em espanhol Moneda. Como se diz Lua no Brasil? Lua. Em Espanhol Luna. Como se diz Engraçado no Brasil? Engraçado. Como se diz em Espanhol: Gracioso. O Espanhol é uma língua diferente. O PortuguÊs do Brasil NÃO é. É uma variedade dialetal da mesma língua. Como o Flamengo e o Holandês. E tantos outros exemplos. A ignorância do povo, que é incapaz de aceitar mudanças positivas, por essa alergia que as pessoas fechadas têm às mudanças é a verdadeira causa dessa reação em Portugal ao Acordo Ortográfico. Unificar a ortografia da nossa língua favorece o aprendizado por parte de estrangeiros (que até hoje não entenderam essa parvoíce de ter duas ortografias para a mesma língua). Favorece o comércio. Favorece o intercâmbio cultural. Só os retrôgrados que não conseguem sequer se adaptar a mudar como escrevem 1% DAS PALAVRAS(!!! Oh meu Deus, que enorme sacrifício) são contrários a isto. As crianças aprenderão a ortografia atual e nem mais vão lembrar daquela velha ortografia, que é desnecessária. Como quando Portugal mudou a ortografia de palavras como producto para produto e não aconteceu ABSOLUTAMENTE NADA. Então, querida, velha um pouquinho além do seu nariz. A vida não é apenas sobre VOCÊS. Viram outras geração e usufruirão este Acordo Ortográfico. Enquanto isso, seria bom se darem conta do antiquados e rabugentos que vocês são. Estamos fartos de tanta parvoíce.

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