(Texto publicado no JN em 22/04/2023)
O “VENCIDO DA MORTE” (farsa em três actos)
por António Eça de Queiroz
Devo iniciar este desabafo com uma declaração íntima: preferiria nunca ter escrito este texto: sempre fui amigo dos familiares aqui envolvidos, e sempre defendi a Fundação Eça de Queiroz (FEQ) dentro das minhas possibilidades. Mas, na verdade, fui sempre contra a trasladação dos restos mortais do escritor, meu bisavô, para o Panteão Nacional – desde o dia em que esta me foi comunicada como facto a consumar.
Três razões me levam a ser contra aquilo que considero uma farsa político-cultural: uma é de ordem técnica, outra de ordem, digamos, filosófica, e, por fim, uma de ordem prática.
A razão técnica refere-se ao exercício do facto consumado, pois a FEQ decidiu tudo sem perguntar nada a ninguém. Tal exigência formal ficou-se pela informação. Ora tanto quanto sei a Fundação não é, nem remotamente, dona de cadáver nenhum. Foi dito que a petição velozmente apresentada pelo então deputado e ex-presidente da Câmara de Baião, José Luís Carneiro, à Assembleia da República, tinha sido requerida pelos representantes da família de Eça de Queiroz – o que é falso, pois nem o meu primo Afonso Eça de Queiroz Cabral, nem o seu filho, e menos ainda a FEQ, representam a família, que é constituída por vinte e dois bisnetos do escritor ainda vivos e com filhos, de que o meu irmão mais velho, José Maria, é o decano.
Seguidamente vem a questão filosófica – a mais importante no que se refere às “Honras de Estado” que é suposto a “cerimónia” inscrever. Sejamos um pouco empáticos com o escritor falecido há quase 122 anos – embora empatia a respeito dumas vetustas ossadas só pareça possível na mente desse urbano enfastiado que Eça enjaulou no corpo de Jacinto. Depois de dizer cobras e lagartos dos políticos portugueses, de escaqueirar várias governanças, de ridicularizar o grosso das instituições do Estado, que prazer sentiria agora ele ao ser instado a remover os próprios ossos do cemitério onde jazia finalmente em paz, ao lado da sua filha mais velha, bem perto da sua surrealística “Tormes”, para ir aturar o papaguear duns neo-Abranhos, dúzias de neo-Acácios e no mínimo trinta neo-Pachecos? Mais a fanfarra da Armada, um provável bispo e os sineiros da República? Alguém no seu perfeito juízo pensa que a modéstia pública do escritor apreciaria tamanha parolada? Pode-se dizer que os políticos de hoje não são os mesmos que Eça conheceu, que até mudam de meias todos os dias e por aí fora – além das raras excepções que nunca entrariam neste rol, ontem como hoje. Mas que diria ele dos compadrios político-bancários, das cunhas atomizadas, das trapalhadas aero-marítimas, da venda do país a retalho?… Não, não é o escritor quem vai ser honrado pelo Estado. É o Estado que inchará de orgulho pelo brilhante troféu – como o milionário que comprou uma cabeça de leopardo e a pendura agora na sala, por cima da lareira, para depois poder contar aos seus convivas de ocasião, entre charutos e conhaques, “a tremenda luta” que lhe dera a terrível fera, “onde quase morri!”.
Este troféu não será certamente pendurado por cima de um qualquer fogão de sala, mas no currículo político de alguém terá lugar certo – e assim será utilizado.
Finalmente, a natureza prática das coisas. Alguém irá a Santa Engrácia visitar as ossadas de Eça? Não, pois elas estarão num escondido “ossário de adidos”. E se em vez desta farsa tivessem decido colocar lá a magnífica escultura de Teixeira Lopes, hoje semi-perdida num tal Museu da Cidade que poucos visitam? Dariam destaque a dois génios, e o monumento seria certamente objecto de muitas e interessantes visitas de estudo. Que razão terá levado os familiares de Zeca Afonso e de Salgueiro Maia a enjeitar as ditas “Honras de Estado”? É simples: porque não quiseram misturar alhos com bugalhos cerimoniosos. Qual a razão para que a família de Aristides de Sousa Mendes tenha aceitado tais honras, mas sem a remoção dos restos mortais do justamente célebre cônsul, trocando-os por um funcional cenotáfio alusivo? Porque esses mesmo restos mortais representam um núcleo polarizador para os visitantes da sua futura casa-museu em Cabanas de Viriato e uma mais-valia para os seus habitantes. Parece que alguém se esqueceu disso na FEQ – ou isso ou outra coisa qualquer…»
. «"Aderi ao acordo ortográ...
. É esta intolerável mixórd...
. Na cimeira luso-brasileir...
. Ao que me obriga o AO90: ...
. Em Defesa da Ortografia (...
. «ATO com faca» só prova a...
. «Learn Portuguese as a Se...
. «Quando não defendemos os...
. O que faço no meu dia-a-d...
. O AO90 é um fracasso. Tod...