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16/10/2022
«Uma vez que há alunos brasileiros que têm sido penalizados na classificação de exames de Português por escreverem de acordo com a variante que aprenderam, a Associação de Professores de Português (APP) defende a criação de um grupo de trabalho para discutir aceitação de variedades de português em exames.
Não vejo mal nenhum em reflectir sobre o assunto, porque devemos defender o elo mais fraco, que, neste caso, é o aluno imigrante. Haverá várias questões a ponderar, mas a preocupação é legítima, embora não me pareça que o problema seja assim tão fácil de resolver. O que me traz hoje aqui, no entanto, é outra coisa.
Convém lembrar que a APP esteve sempre do lado da defesa do chamado acordo ortográfico (AO90), essa oitava maravilha do mundo que, segundo os seus diversos apóstolos, iria contribuir para a tão desejada «unificação ortográfica» que resolveria problemas que nunca existiram. Resolver problemas que não existem é, aliás, uma característica talvez tipicamente portuguesa.
Com o AO90, a ortografia passaria a ser única. Evanildo Bechara chegou a afirmar, na companhia de muitos, que em «qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.»
Somos obrigados a concluir, então, que o problema levantado agora pela APP não deveria existir, estaria resolvido pelo AO90. Pode haver quem queira disfarçar, desviando o assunto para as questões sintácticas e lexicais, mas a verdade é que continua a haver muitas diferenças ortográficas (repetindo a síntese: o AO90 extinguiu algumas diferenças, manteve diferenças e – maravilha da unificação! – criou diferenças que não existiam).
Nos últimos anos, as escolas portuguesas têm recebido muitos alunos brasileiros que, mesmo usando o AO90, escrevem com ortografia brasileira, léxico brasileiro, sintaxe brasileira. Nos exames nacionais a que são sujeitos, não existe nenhuma indicação para que os classificadores (ou correctores, como se costuma dizer) relevem essas diferenças (porque essas diferenças, de certa maneira, não existem, uma vez que temos, alegadamente, uma ortografia igual para todos).
Em resumo, saúda-se a iniciativa da APP. Só falta a esta associação a honestidade de reconhecer que este problema constitui mais uma prova de que o AO90 é um falhanço vergonhoso. Só falta, portanto, honestidade.
Fonte:
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Testemunho da autora do Blogue «O Lugar da Língua Portuguesa»
Permitam-me que dê o meu testemunho: aprendi a ler e a escrever no Brasil, já com as consoantes não-pronunciadas, mutiladas, conforme consta do Formulário Ortográfico Brasileiro de 1943, e na Base IV do qual o AO90 assenta.
Aos oito anos vim para Portugal com o modo de falar e escrever "à brasileira", o que me valeu levar uns valentes "bolos", de vez em quando. Tive de aprender, o mais depressa que pude, a escrever e a falar "à portuguesa", para não levar mais "bolos". E considero (à parte os bolos) esta exigência correctíssima.
Aos 13 anos regressei ao Brasil, e lá, novamente, tive de regressar à grafia e ao falar brasileiros.
Eles lá, não andam, nem têm de andar, a ver quem é quem ou de onde vêm ou que Língua Materna usam. Lá, nas escolas, se queremos estudar (portugueses ou qualquer outro estrangeiro) temos de falar e escrever "à brasileira". E concordo com isto plenamente.
Pergunto: porque haverá Portugal de fazer excepções para brasileiros, e não para chineses, ucranianos, russos, e outras nacionalidades, que as temos às dezenas? Não terão todos estes estrangeiros de escrever e falar "à portuguesa"?
Se formos estudar para Inglaterra (eu também já estudei numa escola inglesa) temos de falar e escrever "à inglesa". Obviamente.
Portanto, considero "a criação de um grupo de trabalho para discutir aceitação de variedades de português em exames”, um absurdo. Inapropriado, e só demonstra uma humilhante subserviência.
Isabel A. Ferreira
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