Não, isto não me diz respeito. Talvez um dia isto possa acontecer-me, mas só quando Portugal já não tiver a mínima hipótese de ser um país digno e independente. Então não me restará outra opção senão render-me ao invasor. Por enquanto ainda há esperança.
Recebi este texto via e-mail. Traduzido por M. Helena Damião e Isaltina Martins, e partilho-o para que todos os que se dignarem a lê-lo possam reflectir sobre o modo como os adultos e os governantes estão a contribuir para o aniquilamento de uma sociedade que se quer moralmente, intelectualmente e culturalmente saudável, e a comprometer, de um modo insano, o futuro das nossas crianças e dos nossos jovens. (Isabel A. Ferreira)
Leonardo Haberkorn
Origem da imagem:
https://www.eldia.com/nota/2016-9-14-renuncio-a-dar-clase-vencido-por-el-celular
Leonardo Haberkorn, jornalista e escritor uruguaio, era professor numa universidade de Montevideo. Corre na Internet um artigo seu publicado em papel, em 2015, com o título "Me cansé... me rindo...", onde declara ter deixado o ensino, que antes o apaixonava, e explica porquê.
Tomámos a liberdade de o traduzir, pois, por certo, ele tocará muitos professores e directores de escolas portuguesas. Desejável é que tocasse instâncias superiores e, de modo mais alargado, a sociedade.
"Depois de muitos e muitos anos, hoje dei a última aula na Universidade.
Cansei-me de lutar contra os telemóveis, contra o whatsapp e contra o Facebook. Ganharam-me. Rendo-me. Atiro a toalha ao chão.
Cansei-me de falar de assuntos que me apaixonam perante jovens que não conseguem desviar a vista do telemóvel que não pára de receber selfies.
Claro que nem todos são assim. Mas cada vez são mais.
Até há três ou quatro anos a advertência para deixar o telemóvel de lado durante 90 minutos, ainda que fosse só para não serem mal-educados, ainda tinha algum efeito.
Agora não. Pode ser que seja eu, que me desgastei demasiado no combate. Ou que esteja a fazer algo mal.
Mas há algo certo: muitos desses jovens não têm consciência do efeito ofensivo e doloroso do que fazem. Além disso, cada vez é mais difícil explicar como funciona o jornalismo a pessoas que o não consomem nem vêem sentido em estar informadas.
Esta semana foi tratado o tema Venezuela. Só uma estudante entre 20 conseguiu explicar o básico do conflito. O muito básico. O resto não fazia a mais pequena ideia. Perguntei-lhes (...) o que se passa na Síria? Silêncio. Que partido é mais liberal ou que está mais à 'esquerda' nos Estados Unidos, os democratas ou os republicanos? Silêncio. Sabem quem é Vargas Llosa? Sim!
Alguém leu algum dos seus livros? Não, ninguém! Lamento que os jovens não possam deixar o telemóvel, nem na aula. Levar pessoas tão desinformadas para o jornalismo é complicado.
É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde não existem vegetais. Num exercício em que deviam sair para procurar uma notícia na rua, uma estudante regressou com a notícia de que se vendiam, ainda, jornais e revista na rua.
Chega um momento em que ser jornalista é colocar-se na posição do contra. Porque está treinado a pôr-se no lugar do outro, cultiva a empatia como ferramenta básica de trabalho.
E então vê que estes jovens, que continuam a ter inteligência, simpatia e afabilidade, foram enganados, a culpa não é só deles. Que a incultura, o desinteresse e a alienação não nasceram com eles.
Que lhes foram matando a curiosidade e que, com cada professor que deixou de lhes corrigir as faltas de ortografia, os ensinaram que tudo é mais ou menos o mesmo. Então, quando compreendemos que eles também são vítimas, quase sem darmos conta vamos baixando a guarda.
E o mau é aprovado como medíocre e o medíocre passa por bom, e o bom, as poucas vezes que acontece, celebra-se como se fosse brilhante. Não quero fazer parte deste círculo perverso. Nunca fui assim e não serei assim.
O que faço sempre fiz questão de o fazer bem. O melhor possível. E não suporto o desinteresse face a cada pergunta que faço e para a qual a resposta é o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Eles queriam que a aula terminasse.
Eu também."
Tradução: M. Helena Damião e Isaltina Martins
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