O presente escrito (o 84.º da série “Em Defesa da Ortografia”), na linha dos recentes antecessores, apresenta, exactamente, as mesmas características.
A aposta continua a ser a de apresentar diálogos, por vezes absurdos, de teor humorístico que exemplificam o rotundo falhanço do AO90, pondo a nu todas as suas fragilidades, as suas incoerências e a completa ausência de lógica.
Os termos a vermelho indicam formas alteradas pelo AO90. As formas a verde, quando ocorrerem, referem grafias do Acordo Ortográfico de 1945, que, nalguns casos se mantêm como duplas grafias. A azul, temos as situações de hipercorrecção, potenciadas pela aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.
XXXVII
— O meu amigo Manuel enviou-me duas imagens que ilustram o caos ortográfico que se instalou após a aplicação do AO90.
— Que imagens são essas?
— São imagens em que o órgão oficial do PS, numa delas, se denomina Ação Socialista e noutra Acção Socialista.
— O que pensas disso?
— Acho que o Ação Socialista não passa no controlo de qualidade.
XXXVIII
— Neste texto, aparece o termo convição. Será uma gralha?
— Não! Nada disso! É só uma crença menos firme.
— Como se fosse alguém a sofrer de disfunção erétil?
— Exactamente.
XXXIX
— Aqui na nossa rua vivem dois eletricistas.
— Calma aí. Vive um electricista e um eletricista.
— Mas isso não é a mesma coisa?
— Claro que não! O electricista é muito mais confiável.
XL
— Já escreveste no teu currículo que és actor?
— Não. Escrevi que sou ator. É a mesma coisa, não?
— És mesmo parvo. Se fores actor, podes ser protagonista, pá!
XLI
— Quando tinha 12 anos, estive à beira da morte.
— Como foi isso?
— Tive febre tifoide.
— Tiveste muita sorte. Se tivesses contraído febre tifóide, os sintomas seriam mais exacerbados e, provavelmente, não terias escapado.
XLII
— Hoje, portei-me mal na aula, o professor marcou-me falta disciplinar e comunicou esse facto à Diretora de Turma.
— E retractaste-te?
— Para quê?
— Para convenceres o professor de que estavas arrependido, é óbvio, não?
— Como é que uma simples fotografia tem esse poder?
— Quem falou em fotografias? És mesmo estúpido!
XLIII
— Ando em baixo.
— Porquê?
— Tive uma deceção amorosa.
— E isso deitou-te abaixo?
— Claro!
— E quando tiveres uma decepção? Suicidas-te?
XLIV
— Estou preocupado com o meu filho.
— Tem algum problema grave?
— O professor diz que ele tem pouca capacidade de abstração.
— E estás preocupado com isso? Isso não tem importância nenhuma. Grave seria se tivesse pouca capacidade de abstracção. Uma consoante a mais ou a menos faz muita diferença.
XLV
— Estou em apuros.
— Porquê?
— O médico de família disse que o meu filho sofre de anorexia.
— Queres dizer que é anoréctico?
— Pior, muito pior. É anorético.
XLVI
— O meu neto é um crânio!
— Porque dizes isso?
— Tem vinte e três anos e é um especialista conceituado em biotaxia.
— Biotaxia é uma palavra curiosa. Qual será o adjectivo da mesma família desse nome?
— O adjectivo deve ser biotáctico. Se fores menos competente e perfeccionista, contentas-te com biotático.
XLVII
— Ó pai, há aqui, neste exercício, uma coisa que não percebo.
— Vamos lá ver se te sei explicar. Qual é a tua dúvida?
— Por que razão a palavra bóia deixou de ser acentuada?
— Boa pergunta. Talvez tenham pensado que com o acento ficava mais pesada e deixava de flutuar.
— Ó pai, essa explicação é só estúpida.
— Pois é, filho, mas não há outra. Tamanha estupidez é inadjectivável.
— Boa, pai! Contribuíste para a sobrevivência de mais uma consoante!
XLVI
— Rafael Alexandre, o teu professor faz auto-avaliação?
— Não.
— Tens a certeza?
— Tenho! O que ele faz é autoavaliação.
— E isso não é a mesma coisa?
— Não. É uma coisa mais rápida, menos perfeita, sem a interrupção do tracinho.
— Como se fosse contrafacção?
— Exactamente!
Ah, como se vê na imagem que acompanha este escrito, com muita frequência, os jornais que dizem aplicar o AO90 têm recaídas e voltam à ortografia de 1945.

João Esperança Barroca
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