Assisti ao programa com todas as minhas “antenas” ligadas, e a primeira coisa que me surpreendeu foi a escolha dos convidados, para debater a importância e o futuro da Língua portuguesa: Ivan Lins (Brasil), Germano Almeida (Cabo Verde) e Pedro Mexia Portugal).
Ivan Lins, cantor, pianista e compositor, um dos artistas brasileiros de maior sucesso em todo o mundo, e de quem sou muito fã; Germano Almeida, um dos mais destacados escritores cabo-verdianos, Prémio Camões 2018, editor, portanto, fã do AO90; Pedro Mexia, distinto poeta, cronista e crítico literário português, e Assessor Cultural da Presidência da República. Três figuras relevantes da Cultura dita lusófona, escolhidas a dedo para serem “conduzidas” pelo guião predeterminado por Carlos Daniel, jornalista e moderador do debate.
E surpreendi-me porque esperava ver ali também um Linguista (dos sérios), um Jurista (dos sérios) e representantes de Angola e Moçambique, (que não aderiram ao AO90) para nos esclarecer o que não ficou esclarecido. Ivan Lins é um excelente músico; Germano Almeida, um escritor acordista, que, como editor, tem os seus interesses em expandir o AO90; quanto a Pedro Mexia, a sua intervenção foi morna, como assessor de um presidente da República que se está nas tintas para a destruição da Língua, e que viola a Constituição Portuguesa, que jurou defender, aceitando placidamente que o AO90 seja imposto a Portugal, ilegalmente; a Pedro Mexia talvez não conviesse ser muito explícito, numa crítica mais cáustica ao que está a passar-se em Portugal, a nível da Língua, no que diz respeito à ilegalidade desta imposição. E se isto não é verdade, peço, desde já, desculpa.
Carlos Daniel insistentemente ia dizendo que o Português está entre as seis línguas mais faladas do mundo. Do Brasil, a África, passando pela Índia, Timor-Leste ou Macau serão mais de 260 milhões aqueles que no mundo falam Português, dizem os dados oficiais. Mas serão mais de 260 milhões de pessoas no mundo a falar Português? Isto corresponderá à realidade? Se é em Português que nos entendemos, que estratégia existe para a língua e a sua afirmação no futuro? Quanto vale falar Português? Que património cultural arrasta? Que poder tem a nossa língua?
Perguntas cuja resposta é apenas uma: os Portugueses, ao darem novos mundos ao mundo, deixaram a sua Língua, a Portuguesa, que foi sendo assimilada, reformulada, e enriquecida com as diversas influências de línguas nativas e de povos que se foram fixando nos vários territórios colonizados pelos Portugueses (não se pretenda descolonizar o passado, não se queira destruir a História, porque jamais a História poderá ser destruída), criando uma nova linguagem e dialectos, que se afastaram da sua Matriz, criando uma riquíssima diversidade linguística que o Acordo Ortográfico de 1990 pretende destruir.
E o Português só terá PODER e durabilidade na sua diversidade, e não numa pretensa e impraticável uniformidade, que não serve os interesses de nenhum país dito lusófono/lusógrafo, excepto o Brasil.
Também se disse, falaciosamente, que o Português É língua oficial de nove países, quando não é bem assim. Ser língua oficial não significa que seja falada ou escrita por todo o povo, ou sequer aplicada. Poderá ser língua oficial junto com a Língua autóctone ou até outras línguas, existindo uma, predominante, que não é o Português. E isso ficou bem claro, quando Germano Almeida salientou que em Cabo Verde a Língua Oficial é o Crioulo Cabo-verdiano, oficializado passado pouco tempo de aquele país ter ratificado o AO90. O povo cabo-verdiano exprime-se em Crioulo, com toda a legitimidade, e a Língua Portuguesa está como segunda língua, ou língua estrangeira. O mesmo acontece na Guiné Equatorial, que Pedro Mexia disse e muito bem, ser um país que nem sequer fala Português. Foi introduzido no grupo dito “lusófono” pela CPLP, vá-se lá saber com que intenções, e tem o Português como língua oficial não aplicada. Em Timor-Leste a maioria do povo fala os seus dialectos, e o Tétum. O mesmo acontece em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. Em Macau a maioria do povo expressa-se em Mandarim. No Brasil, existe o dialecto brasileiro, que já se afastou, e muito, do Português.
Portanto, é falacioso dizer que o Português é falado ou escrito por esses milhares. Há que descontar, ainda, os milhares de analfabetos existentes em cada país, que não sabem escrever.
Disse-se que a Língua Portuguesa deixou vestígios em mais de uma centena de línguas e dialectos. É verdade. E essas línguas e dialectos não poderão ser chamados de Português, por já se terem afastado dele; assim como o Português não poderá ser chamado de Latim, língua que deixou vestígios em várias línguas e dialectos, porque se afastou dela.
A intervenção de Ivan Lins foi muito curiosa e elucidativa. Deixou bem claro que a Matriz da Língua é a portuguesa, e não a brasileira. Em Portugal canta-se em português, e no Brasil canta-se em brasileiro, e quando um português canta em brasileiro, e um brasileiro canta em português, as coisas não resultam. Eu, pessoalmente, detesto ouvir os nossos fadistas a cantar músicas brasileiras em português. Não é a mesma coisa. As composições brasileiras foram feitas para o brasileiro, e só em brasileiro são magníficas. O mesmo digo de os brasileiros tentarem cantar músicas portuguesas em português, ou cantar um fado em brasileiro. É um autêntico desastre! Não tentem, porque não dá certo. Cada país com a sua particularidade. É o mesmo que tentar cantar o Inglês em português, (kides) ou brasileiro (kidjis) por kids. Uma tragédia!
Outra coisa que Ivan disse e até pode ser, mas na realidade não é, é que, no Brasil, faz-se muito pela a Literatura Portuguesa. Podem até fazer encontros, palestras, levarem lá escritores portugueses, mas a verdade é que a Literatura Portuguesa foi banida das escolas brasileiras, e o Português não se estuda nas escolas brasileiras, com a designação de Português. Estuda-se “Comunicação e Expressão”. E isto é que conta. Bem como em Portugal os alunos portugueses nada sabem de Literatura Brasileira. Sabem de novelas e actores de novelas brasileiros. Alguns saberão da música brasileira. Mas não sabem quem é Machado de Assis.
Ivan Lins abordou também a questão da pronúncia portuguesa, que os brasileiros não entendem. E não entendem porquê? Porque os portugueses pronunciam mal as palavras. Os alunos portugueses não são ensinados a pronunciar correctamente as palavras. Desde o berço que devemos falar com as crianças numa boa pronúncia, e não naqueles tátátás que deturpam a língua, para que elas possam crescer com a noção de que têm de pro-nun-ciar to-das as sí-la-bas.
E Ivan Lins deu como exemplo o termo OPERADO, que mal pronunciado soa a uprado, o que pode levar para a pastagem, ou Museu do Prado. No entanto se os portugueses pronunciarem bem a palavra, dirão ô (nem u nem ó) - p (fechado)- rá – du. E todos os que souberem Português entenderão.
Falou-se no caso dos fadistas, que engolem as consoantes, e ninguém os percebe. Eu também não os percebo, porque para se cantar também é preciso ter uma boa dicção. E o Gregório Duvivier brincou com isso, no vídeo apresentado. Mas há que dizer que, em Portugal, a esmagadora maioria dos portugueses pronuncia mal as palavras, porque até nem sabem o que é transcrição fonética. E agora com esta invasão acordista, as coisas pioraram bastante. Se antes se falava mal, agora fala-se mal e escreve-se ainda pior. O ensino do Português é ca-ó-ti-co.
Germano Almeida, por sua vez, disse que aprendeu a escrever quizesse com Z, e que um dia lhe chamaram a atenção para o erro, porque a palavra passou a grafar-se com esse (quisesse). O que os acordistas não sabem, é que as reformas ortográficas de 1911 e de 1945 não cortaram a raiz à história das palavras, como a reforma ortográfica unilateral do Brasil, em 1943, cortou.
Pronunciem alto as palavras quizesse e quisesse; pharmacia e farmácia, elle e ele. O que mudou? Apenas a grafia, que foi simplificada, porque não interferia com a pronúncia, e no caso de pharmacia, se tínhamos a letra F, porque haveríamos de grafar PH?
Agora pronunciem alto as palavras direto e directo; fatura e factura; adoção e adopção. O que mudou? Mudou a pronúncia direto (dirêtu); fatura (fâturâ); adoção (âdução); mutilou-se e desenraizou-se as palavras, deixando-as sem história e sem significado, ou com outro significado, como adoção, que pode interpretar-se como algo que levou muito açúcar.
É falácia dizer que a Língua Portuguesa é a 3ª mais usada nas redes sociais e a 5ª mais utilizada na Internet. Qual Língua Portuguesa? Será o Dialecto Brasileiro, derivado da Língua Portuguesa, porque os Brasileiros são em maior número. Mas não lhe chamem Língua Portuguesa.
Serão mais de 260 milhões de pessoas no mundo a falar Português? Já vimos que não serão. E este número continuará a subir, acompanhando a explosão demográfica no Hemisfério Sul, e atingirá os 395 milhões em 2050, estimados pela ONU, que tem como secretário-geral o acordista António Guterres, que não serve os interesses de Portugal?
Não, não continuará a subir, se insistirem em impor a mixórdia em que se transformou o Português grafado. Ivan Lins, que lê no nosso Português, deu o exemplo da árvore, com as suas raízes, caule, folhas, flores e fruto. A Língua Portuguesa é a árvore, a qual, se lhe cortarem as raízes, não terá caule, nem folhas, nem flores, nem frutos, e acabará por morrer. Desaparecer será o futuro da Língua Portuguesa, se insistirem em a mutilar, cortando as suas raízes latinas.
Origem da imagem: Internet
O programa trouxe-nos ainda a riquíssima diversidade das pronúncias nos diversos países ditos lusófonos. Ouvimos a pronúncia brasileira, com Ivan Lins; a pronúncia cabo-verdiana, com Germano Almeida; a pronúncia moçambicana, com Mia Couto, o Mestre dos neologismos que enriqueceram a Língua Portuguesa; a de Angola, com José Eduardo Agualusa (que é acordista, talvez devido à sua ascendência brasileira, e a dele não é a pronúncia típica angolana); e se formos aos restantes países, as pronúncias são diversificadas. E há que preservar esta diversidade oral.
Por fim, com a pressa de implementar a grafia brasileira nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, o Instituto (custa-me a chamar-lhe Camões, porque já não é Camões), andou a distribuir professores acordistas, por essas comunidades, ensinando-se aos estudantes a grafia brasileira, chamando-lhe portuguesa, e agora não sabem como hão-de descalçar esta bota.
Uma coisa é certa: as crianças aprendem e desaprendem com muita facilidade. Poderão até ficar a escrever nas duas versões (como eu fiquei quando andei cá e lá, a mudar as ortografias, e optar por uma), mas não lhes digam que o que estão a aprender é a grafia portuguesa, porque não é. A isto chama-se ludibriar, mentir, enganar.
Isabel A. Ferreira
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