Para que se entenda minimamente o processo de neo-colonização invertida, incluindo os diversos meios envolvidos na intoxicação da opinião pública e nos apoios políticos que suportam ideologicamente tal perversão da História, conviria ao menos atender a alguns pressupostos elementares.
Do ponto de vista dos brasileiros, em geral e em particular, a premissa básica reside numa espécie de silogismo — que seria absolutamente risível se não fosse miseravelmente triste:
- Primeiro — Portugal “invadiu” o Brasil (que, por mero acaso, não existia na época) no ano da graça de 1500 e por ali se entreteve até 1822 “roubando o ouro brasileiro” e “escravizando” e “exterminando” os brasileiros.
- Segundo — Portugal vive ainda hoje à custa do “ouro roubado ao Brasil”, ao que acresce a fortuna constituída pelos fundos provenientes da União Europeia.
- Logo, portanto — o Brasil tem toda a legitimidade “histórica” não apenas para se vingar da exploração desenfreada a que os brasileiros “foram” sujeitos pelos tugas, como também para que Língua e Cultura do antigo colonizador sejam agora substituídas pelas do (coitadinho do) povo anteriormente colonizado.
Além da reposição da “justiça” histórica (com efeitos retroactivos) temos, por conseguinte, o dever de ficar para sempre gratos — há dívidas que jamais prescrevem porque nunca poderão ser liquidadas — pelo facto de o Brasil exportar para Portugal, quase integralmente grátis, além de jogadores de futebol e telenovelas, também o seu “fálá”, o seu “isscrêvê” e, de resto, todo o seu sambístico circo. Trata-se, segundo esta arrepiante lógica, de uma tomada de posse sumária, nada mais do que mera recuperação por perdas e danos, em simples exercício do seu deles direito natural.
Do programa oficial de ensino da disciplina de História do lado de lá:
《A colonização portuguesa no Brasil teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar.》
《A partir de então, já sabemos de uma coisa, que o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, pois afirmando isto, estaremos negligenciando a história dos indígenas (povoadores) que viviam há muito tempo neste território antes da chegada dos europeus.》[“Brasil Escola”]
Por amostras deste calibre poderá julgar alguém que não é normal a política “educativa” do Estado brasileiro servir o objectivo político de disseminar — desde o ensino básico — a lusofobia, levando os brasileiros a detestar o tuga, colonizador, “ladrão” e “imbéciu”?
E, já agora, aproveitando o ensejo de estarmos a falar de imbecis, mai-las suas alarvidades, seria avisado atendermos também àquilo que move alguns portugueses coniventes — ou, em rigor, detentores de passaporte português –, os brasileiristas empedernidos, os bajuladores, subservientes e lacaios, os pategos deslumbrados com o pretenso gigantismo do “país-continente”.
Evidentemente, o primeiro factor a considerar para explicar esse fenómeno inexplicável é o chamado complexo do colonizador. O qual só por si não explica grande coisa (pois, naturalmente, daí o termo “complexo”) mas contribui para que entendamos as reacções de coitadismo militante que resulta de um outro complexo decorrente do primeiro: o complexo de culpa. Sintetizando em extremo uma série de processos mentais… complexos, o cidadão de um país que foi em tempos potência colonial sente imensa culpa não apenas por isso mesmo, a priori, como ainda mais pelos putativos maus-tratos e violências que os seus antepassados terão exercido sobre o (coitadinho do) indigenato das colónias, e portanto cabe às gerações actuais expiar as culpas, sejam elas reais ou imaginárias, mas tendo de passar necessariamente por reais, dos seus maldosos, sanguinários antepassados.
É certo, se bem que simultaneamente absurdo, que ainda hoje, para alguns portugueses, mesmo não tendo absolutamente coisa alguma a ver com qualquer das ex-colónias portuguesas (e, por maioria de razões, até porque já lá vão dois séculos de independência, quanto ao Brasil), o complexo de culpa implica um sentimento — apenas latente ou claramente expresso — da necessidade de uma punição, um correctivo urgente; a qual punição bem depressa trepará da esfera meramente pessoal para o plano colectivo. Ou seja, se o tuga “acha” que os brasileiros foram todos brutalmente violentados, salvo seja, pelo (maldito) colono dos séculos XVI a XIX, então todo o povo português deve “pagar” por isso — e pagar com língua de palmo, que nestas coisas terríveis não há cá borlas nem pechinchas.
Portanto, vá de “ceder”. E conceder. E ceder de novo. E as vezes e o que mais for preciso. Para pagar a “dívida” histórica não existem infelizmente empresas ou serviços especializados em cobranças difíceis, portanto o plano prestacional será para todo o sempre e a ele ninguém poderá escapar. “Nós” (ou seja, eles, mas, como sabemos, para eles, eles são “nós”), e isto já sem contar com os mercenários, vendidos, políticos, agentes, jornalistas e outros “intelectuais” por conta, temos obrigatoriamente de abrir mão de tudo — mas de tudo mesmo, sem a mais ínfima reserva, nem sequer a de carácter — e de “lhes” dar tudo aquilo que a “eles” apetecer.
Venha de lá então a CPLB, dado o “valor económico da língua“ brasileira, a ver se os “índios” se estabelecem em minas de Angola e de Moçambique, por exemplo, coitadinhos. E, de caminho, venha o #AO90, claro, porque a língua univérsáu é deles e afinal o Português é “muito complicado”, tem “letras a mais”, “só atrapalha”. Bom, e já agora venham de lá também o Acordo de Morbililidade e o Estatuto de Igualdade, pois claro, ao fim e ao cabo os “cara” têm carradas de razão, Portugal só vive de chular a UE, assim com’assim mais vale abrir-lhes de par em par a “porta dos fundos” para a União Europeia.
Dos dois posts anteriores (1, 2) sobre o Tratado de Igualdade de Direitos, não consta uma única referência a esse Estatuto de Igualdade, expressa ou mesmo subentendida, que tenha alguma vez surgido na imprensa ou em qualquer outro meio de comunicação (rádio, televisão, Internet); não existe também, realce-se de novo, uma só menção àquele Tratado internacional em qualquer dos acordos subsequentes (#AO90, Acordo de Mobilidade, Estatuto de Igualdade etc.). Realmente, é muito estranho tanto silêncio sobre um tema que fornece respaldo legal a todos os demais acordos entre os dois Estados.
Depois de muito pesquisar, encontrei apenas duas únicas excepções ao blackout geral de 22 anos; ambas no jornal “Público”, uma de Agosto de 2019 e a outra de Junho de 2022.
Os documentos de carácter legislativo acumulam-se e outro tanto sucede com outros tipos de registos, uns formais, outros nem por isso, mais as notícias, umas reais e outras meramente propagandísticas, com as inerentes e decorrentes consequências… práticas.
Até ver, a coisa vai correndo pelo melhor, tudo nos conformes, para os interesses geoestratégicos e económicos de uma das partes e para as contas bancárias de alguns traficantes da outra. Veremos então se Portugal já é de facto — porque jamais o será de direito — o 28.º estado brasileiro.
Fonte:
https://apartado53.wordpress.com/2022/12/06/igualdade-e-ao90-o-todo-e-as-partes/?fbclid=IwAR26PZjRpC04bGx2GSuVM-sHkp_bknQLYZpfND4FwQ2cVbZQNkZYtyZynac