Domingo, 31 de Julho de 2016

Inconstitucionalidades da Resolução n. 8/2011 (AO90)

 

Por

Francisco Rodrigues Rocha e Ivo Miguel Barroso  

30/07/2016 - 07:30

 

Francisco.jpeg

Francisco Rodrigues Rocha

IVO.jpeg

Ivo Miguel Barroso

 

Mesmo que a RCM n.º 8/2011 tivesse sido um regulamento executivo ou dependente, teria de ter sido precedida duma lei prévia (em sentido formal), não de um Tratado internacional.

 

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011 (= RCM) mandouaplicar” o “Acordo Ortográfico” de 1990 (= AO90) a quase toda a Administração Pública (directa, indirecta e autónoma), às publicações no Diário da República, antecipando o final do “prazo de transição” em 4 anos e 9 meses; bem como ao e a todo o sistema de ensino (público, particular e cooperativo).

 

A RCM aludida tem a natureza jurídica de um regulamento administrativo, uma vez que dos números 1, 2, 3, 4 e 6 da RCM resultam normas gerais e abstractas, dotadas de operatividade imediata, visando produzir efeitos externos.

 

No entanto, tal regulamento padece de inconstitucionalidades e ilegalidades totais evidentes, que geram o desvalor da nulidade, o que se passa a demonstrar (não abordaremos neste artigo de síntese as inconstitucionalidades parciais, de cada uma das normas da RCM).

 

  1. Inconstitucionalidade Total Formal e Orgânica, decorrente de Preterição de Indicação da Correcta Lei Habilitante.

 

Não se afigura possível que um regulamento, como a RCM n.º 8/2011 tenha como fonte habilitante um Tratado internacional (designadamente, o AO90).

 

Nesse sentido depõe claramente o princípio da precedência de lei perante os regulamentos, plasmado no segmento constante do art. 112.º, n.º 7, 1.ª parte, da CRP: “os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar”.

 

Assim, mesmo que a RCM n.º 8/2011 tivesse sido um regulamento executivo ou dependente, teria de ter sido precedida duma lei prévia (em sentido formal), não de um Tratado internacional.

 

Por outro lado, refira-se que, mesmo o sector minoritário da doutrina, que admitia poder um regulamento ter como base habilitante um Tratado internacional, sempre exceptuava, com ressalva expressa, os casos em que houvesse reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

 

  1. Inconstitucionalidade Total Orgânica e Formal, decorrente de a RCM n.º 8/2011 não citar nem se basear em nenhuma Lei Habilitante Prévia, que tenha fixado a Competência Objectiva e Subjectiva para a respectiva Emissão.

 

Ainda que se entendesse o contrário, nem o Tratado do AO90, nem o 2.º Protocolo Modificativo, nem tão-pouco o Decreto Presidencial de ratificação n.º 52/2008 definiram a “competência objectiva” (a matéria) e “subjectiva” (órgão competente) para a emissão de um regulamento independente, conforme expressamente exigido pelo art. 112.º, n.º 7, 2.ª parte, da Constituição da República Portuguesa (= CRP).

 

O art. 136.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (= CPA) de 2015 preceitua que “A emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante” (já neste sentido, o art. 29.º, n.º 1, do CPA de 1991).

 

Noutra linha de raciocínio, a RCM n.º 8/2011 nunca poderia ter sido um regulamento independente, uma vez que tal diploma não pode ter directamente como base habilitante o art. 199.º, al. g), da Constituição. Consequentemente, esta pretensa norma habilitante foi ali invocada sem qualquer fundamento.

 

  1. Inconstitucionalidade Total por Violação do Princípio da Precedência de Lei.

 

Um regulamento independente não pode ter como base habilitante uma norma da Constituição, tendo de ser precedido por lei em sentido formal que regule primariamente a matéria (assim já era entendido nos trabalhos preparatórios da Revisão Constitucional de 1982, no então art. 115.º da CRP; na doutrina dominante).

 

Se dúvidas houvesse, o art. 199.º, que é invocado como base habilitante da RCM, é dedicado à “Competência administrativa” do Governo.

 

Recentemente, também o art. 136.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPA de 2015 veio afastar, praticamente por completo, a tese minoritária, segundo a qual certos regulamentos administrativos independentes poderiam ser fundados na al. g) do art. 199.º da CRP, estabelecendo que, no caso de regulamentos independentes, devem ser indicadas “as leis que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão”.

 

De resto, a doutrina tem expressamente advertido que, sempre que a Constituição consagra, para certas matérias, uma reserva de lei – e, ademais, reserva de competência da AR -, o art. 199.º, al. g), da CRP, não pode nunca aplicar-se directamente.

 

  1. Inconstitucionalidade Total Formal devido a não assumir a forma de Decreto Regulamentar

 

Nos termos do art. 112.º, n.º 6, 2.ª parte, da CRP, os regulamentos independentes têm obrigatoriamente de ser aprovados por “decreto regulamentar”, devido a várias razões garantísticas de regime, pelo que a RCM n.º 8/2011 se encontra inquinada de inconstitucionalidade formal.

 

  1. Inconstitucionalidade e Ilegalidade Total por Violação do Princípio da Participação dos Interessados na Gestão Efectiva da Administração Pública

 

A RCM impôs deveres e sujeições (cf. art. 117.º, n.º 1, do CPA de 1991), através deste normativo regulamentar injuntivo e restritivo de direitos legalmente protegidos. Fê-lo sem ouvir os cidadãos, assim violando o direito destes de participação dos cidadãos nos assuntos públicos do país, previsto no art. 48.º, n.º 1, e reforçado pelo art. 267.º, n.os 1 e 5, da CRP; bem como as regras da fase de participação dos interessados, reguladas nos arts. 117.º ou 118.º do CPA de 1991, que deveriam ter sido cumpridas, assegurando-se a audiência dos interessados ou, em alternativa, uma consulta pública.

 

  1. Ilegalidade Total por Preterição de Formalidade Essencial, por Falta de Consulta da Academia das Ciências de Lisboa

 

Finalmente, regista-se ilegalidade total da RCM n.º 8/2011, geradora de vício de forma, uma vez que foi aprovada sem consulta, prévia e obrigatória, da Academia das Ciências de Lisboa pelo Governo, em violação do art. 5.º dos Estatutos da Academia das Ciências de Lisboa, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 5/78, de 12 de Janeiro, a que o Estado Português se auto-vinculara.

 

  1. Espera-se que os tribunais sejam céleres na apreciação de acções judiciais intentadas, de modo a evitar a continuação da prática de factos consumados gravemente inconstitucionais.

 

Nota - Adira ao Grupo do Facebook Cidadãos contra o “Acordo Ortográfico de1990” 

 https://www.facebook.com/groups/acordoortograficocidadaoscontraao90/ 

Docentes universitários; Juristas

 

Fonte:

https://www.publico.pt/politica/noticia/inconstitucionalidades-da-resolucao-n-82011-ao90-1739766?page=2#/follow

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:22

link do post | comentar | adicionar aos favoritos
partilhar

.mais sobre mim

.pesquisar neste blog

 

.Dezembro 2024

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31

.posts recentes

. «A língua e o sofá: o par...

. «Bicadas do Meu Aparo»: “...

. Em Defesa da Ortografia (...

. A batalha do AO90 não est...

. Maria José Abranches reco...

. Foi enviada, hoje, à Prov...

. «Coragem, Portugal!» text...

. Balão de oxigénio para a ...

. Os acordistas portugueses...

. «Eu [Isabela Figueiredo]...

.arquivos

. Dezembro 2024

. Novembro 2024

. Outubro 2024

. Setembro 2024

. Agosto 2024

. Junho 2024

. Maio 2024

. Abril 2024

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Agosto 2023

. Julho 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Maio 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Março 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Julho 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Abril 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Outubro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

.Acordo Ortográfico

A autora deste Blogue não adopta o “Acordo Ortográfico de 1990”, por recusar ser cúmplice de uma fraude comprovada.

. «Português de Facto» - Facebook

Uma página onde podem encontrar sugestões de livros em Português correCto, permanentemente aCtualizada. https://www.facebook.com/portuguesdefacto

.Contacto

isabelferreira@net.sapo.pt

. Comentários

1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome. 2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico. Argumente e pense com profundidade e seriedade e não como quem "manda bocas". 3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias.

.Os textos assinados por Isabel A. Ferreira, autora deste Blogue, têm ©.

Agradeço a todos os que difundem os meus artigos que indiquem a fonte e os links dos mesmos.

.ACORDO ZERO

ACORDO ZERO é uma iniciativa independente de incentivo à rejeição do Acordo Ortográfico de 1990, alojada no Facebook. Eu aderi ao ACORDO ZERO. Sugiro que também adiram.
blogs SAPO