Quinta-feira, 20 de Setembro de 2018

«OS MEADOS DO MÊS NÃO SÃO OS MIADOS DO GATO»

 

Mais um excelente contributo de Nuno Pacheco, redactor-principal do Jornal Público, para a causa da Língua Portuguesa.

 

E como faz bem à alma ler um texto escorreito e em Bom Português!

 

Por isso, não baixaremos os braços. Não desistiremos até que a lucidez triunfe, e o obscurantismo seja derrotado.

 

NUNO PACHECO.jpg

Nuno Pacheco

20 de Setembro de 2018, 7:30

 

Texto de Nuno Pacheco

 

«Bastam três, num assunto que diz respeito a oito? Não, não bastam. E esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos di-lo de forma clara.

 

Começou esta semana mais um ano lectivo sem que se tenha alterado uma vírgula nesse monumento à incompetência que é o acordo ortográfico de 1990 (AO90). Promessas de rectificações ou melhoramentos ficaram no limbo, a comissão parlamentar que andou a seguir o assunto ainda não apresentou o relatório final (e seria bom que o fizesse com a necessidade rapidez) e, apesar dos muitos erros detectados, registados, reconhecidos mas ainda assim repetidos de forma indecorosa em milhares de textos, tudo continua na mesma. Sem qualquer proveito, pelo contrário: com o incalculável prejuízo de estar a ser ensinado nas escolas um Português ortograficamente trapalhão e pobre a pretexto de uma simplificação que, para ser coerente com os seus princípios (o primado da fonética, o “escreve-se como se fala”, etc), teria de deformar a grafia a tal ponto que tornaria irreconhecíveis os milhões de textos até agora escritos nos mais variados suportes. A bem de quê? De nada, apenas da preguiça e da ignorância.

 

Ainda há dias um jornal titulava assim: “Bolsonaro segue sem sinais de infecção.” Um jornal português que não segue o acordo? Não, um jornal brasileiro, O Globo, no dia 10 de Setembro. Em Portugal, para “unificar” a grafia, passou a escrever-se “infeção”, quando antes escrevíamos como no Brasil, “infecção”. Casos destes há tantos que já cansa falar deles. Outro exemplo: há dias, no programa “Bom Português” da RTP, perguntava-se como se escrevia certa frase. “A polícia usou gás lacrimogéneo” ou “A polícia usou gás lacrimogénio”? Está correcta a primeira, como ali se concluiu e bem. No entanto, a fonética não as distingue. Os meados do mês e os miados do gato, sendo coisas tão diferentes, soam, ditos, da mesmíssima maneira. No entanto, são escritos de modo diferente (um com e, outro com i) devido a essa coisa que para muitos é um empecilho chamada etimologia, a origem das palavras. Curiosamente, mesmo com o acordo, e falando apenas de Portugal e do Brasil, há casos onde as diferenças gráficas trocam de país consoante as palavras. Em Portugal escreve-se quotidiano e no Brasil cotidiano, mas é em Portugal que se escreve catorze e no Brasil quatorze. Não difere muito do que sucede entre os Estados Unidos e a Inglaterra em palavras como counselor (só com um L nos EUA) e counsellor (duplo L em Inglaterra) ou fulfill (duplo L nos EUA) e fulfil (apenas um L em Inglaterra). Americanos e ingleses vivem bem com isto. Até ao acordo, os portugueses e os brasileiros também viviam.

 

Bom, como nada mudou, nem sequer nos países que ratificaram o acordo, mantendo-se isolados os quatro do início (dos oito países da CPLP que negociaram o AO só metade o ratificou, faltando Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste) foi reactivada uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC-AO) com um objectivo muito simples: revogar a resolução 35/2008 da Assembleia da República que validou o segundo protocolo modificativo do AO90, o tal que “define a entrada em vigor do Acordo com o depósito dos instrumentos de ratificação por três países signatários”. Bastam três, num assunto que diz respeito a oito? Não, não bastam. E esta ILC di-lo de forma clara. A recolha de assinaturas continua, aproxima-se das 20 mil necessárias (pode ser subscrita em papel ou online, no site respectivo), e tem tido boa aceitação dos que teimam em não se conformar com este amolecimento generalizado num assunto da maior importância.

 

Por insólito que pareça, na Feira do Livro do Porto a polícia municipal obrigou dia 12 à desmontagem da pequena banca da ILC, dizendo que o espaço onde estava (a Avenida das Tílias, nos Jardins do Palácio de Cristal) era um “espaço privado! Isto é” descrito com pormenor no site da ILC , mas é muito estranho que um banco de jardim, num espaço público da cidade do Porto e a alguma distância da feira propriamente dita, possa ser considerado interdito à recolha de assinaturas (com banca) para quaisquer iniciativas de cidadãos. Aliás, a lei que as regula (17/2003, de 4 de Junho) é clara, no seu artigo 5.º: “O exercício do direito de iniciativa é livre e gratuito, não podendo ser dificultada ou impedida, por qualquer entidade pública ou privada, a recolha de assinaturas e os demais actos necessários para a sua efectivação”. Por isso a recolha de assinaturas ali continuou, dizem os seus promotores, sem banca mas com o maior empenho. Que haja muitas!»

 

Fonte:

https://www.publico.pt/2018/09/20/culturaipsilon/opiniao/os-meados-do-mes-nao-sao-os-miados-do-gato-1844499

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 17:03

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