«Celebrar o aniversário da nossa língua é um enorme atrevimento. E fazê-lo numa data precisa envolve obviamente algum grau de arbitrariedade; e de escolha. É, na verdade, uma escolha: escolhemos 27 de Junho de 1214. Não nos atrapalhemos, porém. Assumamos essa escolha dos 800 anos da língua portuguesa, que é a escolha de uma troika: nós, que subscrevemos o Manifesto 2014; Roberto Moreno, que inicialmente teve e apresentou esta ideia; e o rei D. Afonso II, que fez esse dia.
Fernando Pessoa
Quando festejamos um aniversário de alguém, não celebramos os anos – celebramos a pessoa. É a pessoa e não os anos que verdadeiramente festejamos. Assim é também aqui: ao celebrarmos oito séculos da língua, não celebramos os anos; festejamos, agradecemos e abraçamos a língua. É a língua portuguesa o objecto, o coração e o centro da nossa atenção. Por outro lado, é evidente que uma língua não nasceu num dia só. Ninguém disse: “Ó língua, nasce!” A língua formou-se de um longo processo social e cultural – e, a certa altura, já era.
Fernando Pessoa
A data que escolhemos, 27 de Junho de 1214, é a data do Testamento de D. Afonso II, o terceiro Rei de Portugal, que é tido pelos especialistas como o mais antigo documento régio, conhecido, escrito em português – e, portanto, o mais antigo texto escrito já na nossa língua ao mais alto nível de um Estado, precisamente o Estado que lhe deu o nome (Portugal) e, mais tarde, o estatuto.
Fernando Pessoa
É certo que são conhecidos outros textos anteriores ou coevos, que poderiam disputar a primazia: uma Notícia de Fiadores, datada de 1175; recentemente descoberto, um Auto de Partilhas dos irmãos Sanches, de 1192; a Notícia de Torto, em data incerta (1211? 1214? 1216?), contemporânea do Testamento de D. Afonso II; e alguns registos de poesia medieval, em cantigas de amor, de amigo ou de maldizer, cuja datação nem sempre é certa e uniforme, mas se situam na última década do século XII e no início do século XIII.
Camões
Porém, o Testamento de D. Afonso II, em 27 de Junho de 2014, cuja datação foi reverificada e está confirmada com todo o rigor, pode bem ser considerado, numa imagem, como a “carta de alforria” da nossa língua. Não pela sua exacta datação. Mas em razão de quatro factores: primeiro, já é considerado escrito em português e não galaico-portucalense; segundo, não é um texto particular, mas documento oficial; terceiro, não é documento oficial qualquer, mas um documento ao mais alto nível do Estado, um documento do soberano; e, quarto, é a primeira vez que tal acontece, arredando o latim, muito antes de, segundo aprendemos, D. Dinis, em 1290, ter tornado oficial e obrigatório o curso e o uso do português.
Camões
Ou seja, este Testamento de D. Afonso II é o marco que simboliza o momento em que a nossa língua se liberta e autonomiza das suas raízes e ascende ao mais nível do soberano: não é apenas uma língua com curso popular incerto; mas é já uma língua distinta, adoptada e usada pelo soberano e apta, portanto, a vir a tornar-se língua oficial. Assim foi, na verdade, com o português: viria a ser assumida como língua oficial e, mais tarde, séculos volvidos, na esteira de uma longa e rica evolução, uma língua global, uma das mais importantes línguas globais contemporâneas: nada mais, nada menos do que a terceira língua europeia global, terceira língua também nas Américas, língua crescente em África, a terceira língua do Ocidente, uma língua em crescimento na Internet e em todos os continentes, a quarta mais falada do mundo, a língua mais usada no Hemisfério Sul.
Países de Língua Oficial Portuguesa
Ao escolhermos a data de 27 de Junho de 1214, não estamos a excluir nada. Pelo contrário, estamos a incluir tudo, a convocar tudo, a gerar uma saborosa oportunidade para conhecer e divulgar tudo isso. E não só conhecer; estimar! Todos sabemos que nós, quando nascemos, já éramos antes. Já existíamos e já éramos nós mesmos antes do dia do nascimento; e até nos enternecemos e deliciamos com os pontapés por dentro da barriga da mãe de cada criança antes de nascer. Já é; e já mexe. Comparando, digamos, pois, que esses outros textos da nossa língua, coevos ou anteriores – Notícia de Fiadores, Auto de Partilhas, Notícia do Torto, Cantigas de poesia trovadoresca –, são os “pontapés na barriga da mãe” da nossa língua em processo final de gestação, de afirmação e de ascensão.
Língua Portuguesa: os 32 idiomas de origem portuguesa espalhados pelo mundo
Sabia que existem 32 idiomas de origem portuguesa espalhados pelo mundo? A época das navegações e da expansão e colonização portuguesas foi propícia ao contacto linguístico e à formação de crioulos. As situações sociolinguísticas decorrentes dos diferentes tipos de contacto entre a língua portuguesa e as outras línguas africanas, asiáticas e americanas, estiveram na origem de manifestações linguísticas também diferentes.
Os primeiros contactos favoreceram, naturalmente, a formação de pidgins, para efeitos de comunicação imediata, sobretudo quando as línguas veiculares tradicionalmente usadas para o mesmo fim, como o árabe, deixavam de ser funcionais. Estes pidgins perduraram como línguas de comércio na África e na Ásia até ao século XVIII.
Pidgin ou pídgin, também chamado de língua de contacto, é o nome dado a qualquer língua que é criada, normalmente de forma espontânea, de uma mistura de outras línguas, e serve de meio de comunicação entre os falantes de idiomas diferentes.
Crioulos de Base Portuguesa: África
Os crioulos de base portuguesa são habitualmente classificados de acordo com um critério de ordem predominantemente geográfica embora, em muitos casos, exista também uma correlação entre a localização geográfica e o tipo de línguas de substrato em presença no momento da formação.
Em África formaram-se os Crioulos da Alta Guiné (em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (em S. Tomé, Príncipe e Ano Bom).
Crioulos de Base Portuguesa: Ásia
Classificam-se como Indo-portugueses os crioulos da Índia (de Diu, Damão, Bombaim, Chaul, Korlai, Mangalor, Cananor, Tellicherry, Mahé, Cochim, Vaipim e Quilom e da Costa de Coromandel e de Bengala) e os crioulos do Sri-Lanka, antigo Ceilão (Trincomalee e Batticaloa, Mannar e zona de Puttallam). Quanto a Goa (na Índia), é discutível se aí se terá formado um crioulo de base portuguesa.
Theban (1985) e Tomás (1995) consideram, contrariamente a Holm (1989) e Clemens (1996, 2000), que a pressão muito forte do português, língua oficial e de instrução, teria impedido a formação de um crioulo em Goa.
Na Ásia surgiram ainda crioulos de base portuguesa na Malásia (Malaca, Kuala Lumpur e Singapura) e em algumas ilhas da Indonésia (Java, Flores, Ternate, Ambom, Macassar e Timor) conhecidos sob a designação de Malaio-portugueses. Os crioulos Sino-portugueses são os de Macau e Hong-Kong.
Crioulos de Base Portuguesa: América do Sul
Na América encontramos ainda um crioulo que se poderá considerar de base ibérica, já que o português partilha com o castelhano a origem de uma grande parte do léxico (o Papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire, nas Antilhas) e um outro crioulo no Suriname, o Saramacano, que, sendo de base inglesa, manifesta no seu léxico uma forte influência portuguesa.
Alguns autores referem-se a variedades de um semi-crioulo de base portuguesa no Brasil e a variedades dialectais afro-brasileiras que corresponderiam a uma fase avançada de descrioulização de antigos crioulos, como a de Helvécia.
Relativamente a Helvécia, infelizmente muitas das características da língua crioula da região foram perdidas por causa da tardia decisão de estudar esta variante dos crioulos de base portuguesa no Brasil.