Domingo, 12 de Fevereiro de 2017

Quando o termo "unificar" significa "cada um para o seu lado"…

 

Um dos argumentos de quem defende o AO90 é o delírio de se pretender unificar o que eles chamam de Português de Portugal e Português do Brasil, para que todos se entendam debaixo do mesmo “toldo” …

Dizem que o Acordo Ortográfico de 1990 se propõe a unificar a grafia das duas variantes da Língua Portuguesa (e as variantes africanas, não contam?) criando uma ortografia comum aos países lusófonos (entenda-se apenas Brasil e Portugal).

Isto é o que dizem quanto à grafia made in Brasil que nos querem impingir.

E por que não a grafia made in Portugal, como seria mais natural, uma vez que a legítima Língua Portuguesa (de Portugal) é a Matriz, é a Geratriz de todas as suas variantes, e os Africanos de expressão portuguesa usam-na com elevado nível, apenas o Brasil se afastou dessa matriz?

 

UNIFICAÇÃO2.png

 O que vemos na imagem é um dos entraves à impossível unificação

 

Mas não é apenas a ortografia mutilada que está em causa, nesta negociata fraudulenta e obscura do AO90.

 

Existem aquelas outras palavras (e são às centenas) que os brasileiros dizem e escrevem e os Portugueses e Africanos de expressão portuguesa não dizem, nem escrevem.

 

E se é para haver unificação, a unificação deveria ser total, ou o objectivo dos negócios estrangeiros não se concretizará jamais…  

 

Ora vejamos esta situação: escanção ou sommelier?

 

Ontem, numa reportagem da SIC, sobre vinhos alentejanos, que estão a ser promovidos no Brasil, fiquei a saber algo que desconhecia por completo, simplesmente porque de vinhos percebo o mínimo.

 

Mas sei que em Portugal existe o vocábulo escanção, oriundo do francês antigo eschanson, que por sua vez tem origem no Latim medieval scantio, e que significa profissional especializado em vinhos, ou aquele que nos banquetes antigos deitava o vinho nas taças dos convidados, ou ainda o oficial da corte que estava encarregado de servir o vinho na taça e oferecê-lo ao rei nas refeições.

 

E qual não foi o meu espanto, quando o jornalista aplica a palavra sommelier, e explica que no Brasil, os brasileiros utilizam esta palavra francesa, para designar o que em Português é escanção.  

 

Ora se a Língua Portuguesa tem um termo específico para designar profissional especializado em vinhos, haveria necessidade de se ir buscar um vocábulo francês?

 

Talvez sim… Talvez para esnobar (termo brasileiro)a Língua do colonizador… É uma hipótese.

 

E agora das duas uma: com esta unificação pretendida pelo AO90, ou passamos nós e os Africanos de expressão portuguesa a dizer sommelier, ou passam os brasileiros a dizer escanção. Ou a unificação é apenas restrita à ortografia?

 

É que existem outras questões.

 

Aqui há tempos, um editor brasileiro pretendeu que eu traduzisse para brasileiro, um livro que escrevi em Língua Portuguesa, porque disse ele, no Brasil ninguém sabe o que é um quarto de banho (entre muitos outros termos usados cá, mas não lá). Eles lá dizem banheiro, que em Portugal significa um vigilante ou instrutor de natação, nas praias.

 

Neste caso, mais depressa um português se baralharia com banheiro, do que um brasileiro, minimamente instruído, com quarto de banho, uma vez que, estando-se a falar de uma casa, de um lar, de uma habitação, de um palácio, um quarto de banho não seria entendido como um compartimento para dormir… Ou seria?…

 

O livro ficou por traduzir e por editar, obviamente.

 

Se cada um diz a sua, como fica a unificação para que todos se entendam debaixo do mesmo “toldo”?  

 

O pior é que como esta do sommelier, há centenas (milhares?) de outras palavras que os brasileiros americanizaram, afrancesaram, italianizaram e castelhanizaram, com a intenção de se afastarem do Português (?). E então, ou eles lá, abdicam dessas palavras estrangeiradas e começam a utilizar o léxico Português, ou nós cá, abdicamos do nosso Português e adoptamos essa estrangeirice, em prol da tal pretendida unificação, para que todos se entendam, e perdeemos a nossa identidade como Nação… 

 

Agora pergunta-se: por que é que cada país não fica com a sua própria diversidade linguística na oralidade e na escrita?

 

É que nós cá, também temos regionalismos, e nem por isso alguém se lembrou de unificar o Português, em Portugal.

 

É que no Norte existem termos que os do Sul desconhecem ou não usam, e vice-versa. Como por exemplo: estrugido e refogado; garoto e pingo; imperial e fino; bica e cimbalino. Lá para o Sul é mais oiro, loiro, toiro, moiro… No Norte é mais ouro, louro, touro, mouro… Por que não deixar o léxico brasileiro ser brasileiro, e o léxico português ser português, e o léxico africano ser africano, na grafia e nas diversas pronúncias e nos preciosos regionalismos?

 

Os regionalismos brasileiros são riquíssimos (não estou a referir-me à estrangeirice) mas não estou a ver os Portugueses (ou os Angolanos ou Moçambicanos) a usá-los nem na escrita, nem na oralidade.

 

Na diversidade é que está a riqueza de uma Língua partilhada por oito países. Não na unicidade, que é redutora e anti-cultural.

 

Para se adoptar uma ortografia comum unificante, teria de se adoptar um léxico comum também unificante.

 

Que interesse terá Portugal (e o Brasil) em escrever teto, arquiteto, direto, setor, convição, rutura, invita, mas os Portugueses desconhecerem o que é um curumim ou uma cumbuca, e os Brasileiros não saberem o que é um brindeiro ou um bisalho?…

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:43

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