Não, não fui eu que inventei isto. Isto é o que dizem os estudiosos das Ciências da Linguagem.
E foi exactamente isto que aconteceu com a Língua Portuguesa, o Idioma Europeu que mais reformas ortográficas fez. E porquê?
Simplesmente porque tanto no Brasil, como em Portugal, o índice de analfabetismo era (e o pior é que continua a ser) de tal modo elevado que tiveram de simplificar uma ortografia que vinha do tempo do Rei Dom Dinis, que estabeleceu o Português como língua oficial de Portugal. Em 1290, concluída a reconquista portuguesa, o rei Dom Dinis de Portugal decretou que a “língua vulgar” (o galaico-português falado) fosse usada na corte, em vez do Latim, e nomeada Português. O Rei Trovador, neto e tradutor de Afonso X, O Sábio, adoptou assim, uma língua própria para o reino, tal como o seu avô fizera com o Castelhano. Em 1296 o Português foi adaptado pela chancelaria régia e passou a ser usado não só na poesia, mas também na redacção das leis e pelos notários, e depressa se espalhou entre os que tinham o privilégio de poder frequentar uma escola.
E esse Português, na sua forma grafada, manteve-se até 1911 quando, devido ao elevado índice de analfabetismo luso-brasileiro, se decidiu simplificar a grafia. No entanto, é de salientar que quem elaborou a Reforma de 1911, fê-lo com cabeça, tronco e membros, simplificando, sim, mas não destruindo a língua, nem a desenraizando, nem modificando a sua pronúncia.
Em 1943, contudo, o Brasil, ainda às voltas com o elevado índice de analfabetismo, decidiu, por moto-próprio, fazer uma outra reforma, mutilando aleatoriamente, sem o mínimo rigor científico, as consoantes que não eram pronunciadas, e aproximou a escrita da oralidade, que já se tinha afastado do Português, e aproximado do Castelhano.
Em 1945, Portugal e (novamente) o Brasil fizeram uma outra reforma, desta vez simplificando a grafia de 1911, continuando-se a não desenraizar a língua, ou modificando a sua pronúncia. Mas desta vez, o Brasil deu um passo atrás, mandou às malvas o AO45, e regressou ao seu simplificado Formulário Ortográfico de 1943.
Na reforma de 1945, a Língua Portuguesa foi lapidada, tal como se lapida um diamante, sem destruir o seu núcleo. O resultado ortográfico não se mostrou perfeitíssimo? Não, não se mostrou. Porém, atingiu-se a perfeição possível, mantendo-a ao nível das restantes Línguas Europeias: nem muito básica (como propuseram os acordistas), nem muito ataviada, como no tempo de Dom Dinis.
Chegados à década de 90, como com as reformas ortográficas já realizadas não se conseguiu baixar o índice de analfabetismo, nem no Brasil, nem em Portugal, dois “entendedores” de linguagem, Evanildo Bechara (pelo Brasil) e Malaca Casteleiro (por Portugal) decidiram usar de má-fé e tramar a Língua Portuguesa e, inspirando-se no formulário ortográfico brasileiro de 1943, retirando-lhe uns acentos e uns hífenes, para não parecer que o Brasil não tinha nada para mudar, toca a impingir-nos esse formulário, a que deram o nome de Acordo Ortográfico de 1990, ao qual os Portugueses e os restantes países de Língua Oficial Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde (agora fora deste grupo) São Tomé e Príncipe e Timor-Leste) teriam de se vergar adoptando a grafia brasileira, com o falso objectivo de unificar as grafias. Algo completamente absurdo e impraticável, como qualquer pessoa com apenas UM neurónio a funcionar, facilmente conclui. A isto somou-se um abstrusíssimo interesse económico-jurídico-político-diplomático, e a Língua Portuguesa, na sua forma grafada, mas também falada (para cada palavra “incurrêtamente” escrita, uma dicção também “incurrêtâ”) começou a circular por aí, lançando um verdadeiro caos ortográfico, nunca visto em país nenhum do mundo. Uma autêntica vergonha!
Com uma agravante: Portugal começou a escrever incorrectamente vocábulos que o Brasil escreve correctamente, apenas porque decidiram, aleatoriamente, pronunciar umas consoantes, que em Portugal não se pronunciam, e não pronunciar outras, que em Portugal se pronunciam, tornando ainda menos provável a tal unificação, e enchendo o belo Idioma Português de verdadeiros abortos ortográficos, como exceto (excêtu), aspeto (aspêtu), infeção (inf´ção), receção (rec’ção), respectivo (r’sp’tivu), entre muitos outros que tais abortos. E disto nasceu a maior mixórdia ortográfica, jamais vista, em todo o Planeta Terra e arredores.
Entretanto, os acordistas, sem um pingo de saber e sem conseguir raciocinar, atiram-nos à cara argumentos completamente impregnados de uma ignorância descomunal.
Num comentário, numa página, que se diz anti-AO90, do Facebook, encontrei este relambório que já cansa, de tanto ser dito e redito, sem saberem o que dizem.
«A língua portuguesa teve ao longo dos tempos ajustamentos e sempre houve quem fosse a favor e contra. Imaginemos que nos obrigavam a escrever português como há mais ou menos 100 anos: Gostava de ler os vossos pensamentos, dos que são prós e os que são contra.• Como se escrevia em Portugal há cem anos... antes do Acordo Ortográfico de 1911:
E que tal, se ainda tivéssemos de escrever assim?
O autor Monteiro Leite (escrevendo contra a reforma ortográfica de 1911):
(Convido os leitores a lerem em voz alta os excertos que se seguem, e a certificarem-se de que se suprimirem as consoantes duplas, ou os fonemas gregos PH, TH, RH e o grego Y, com correspondência no alfabeto LATINO (*), que é o nosso, F (PH), T (TH), R (RH), I (Y), a pronúncia das palavras será exactamente a mesma, e este foi um critério racional para a supressão dessas consoantes (que não faziam falta) e da substituição dos fonemas e caracteres gregos, pelos caracteres latinos. Afinal, o alfabeto português é o latino e não o grego).
... «A escripta, como expressão graphica do pensamento, é um assumpto muito melindroso e delicado da grammatica scientifica da lingua portugueza.»
Páginas à frente, outros argumentos:
«As palavras com o digramma, por exemplo, ph, th (phothographia), rh (rheumatismo) o y (hyperbole) attestam uma physionomia de nação grega. As palavras com duas consoantes eguaes são o caracteristico principal de que procedem de origem latina como: acceitar, adduzir, affecto, aggravo, illustre, annexo, pressão, etc. Quaes são os signaes physicos ou materiaes que distinguem e separam as raças humanas umas das outras? São evidentemente os desenhos, os traços, os signaes variados, differentes, da physionomia. Quaes são os signaes physicos ou materiaes que assignalam e attestam a origem da nacionalidade d'uma palavra? São com certeza as consoantes e grupos consonantaes, que se
empregam na fórma orthographica. Portanto, supprimir, alterar, augmentar lettras na orthographia d'uma palavra é apagar, é extinguir, é assassinar um organismo vivo d'uma nacionalidade, o qual emprestou o valor do seu significado á vida e á convivencia social da lingua portugueza.»
No mesmo livro, o autor dá outro exemplo contra uma das alterações feitas nesta reforma:
«Certas palavras portuquezas escrevem-se com h, sem que seja pedido pela etymologia da palavra em que elle se emprega, mas é para evitar a união de duas vogaes formando um diphthongo: ahi, bahia, bahu cahir, sahir, etc., por aí, baía, baú, caír, saír. Impressiona mais a vista do leitor a graphia do h que o microscopico desenho do accento agudo sobre as vogaes d'essas palavras.»
Todas as consoantes que não se pronunciam nestes textos e foram suprimidas não têm função diacrítica, ou seja, não servem de sinal gráfico, que abre as vogais que as antecedem. O resto foi adequado segundo as regras das Ciências da Linguagem, e não porque sim ou porque fica mais fácil escrever assim do que assado. Um Idioma não é um pedaço de carne que se corta daqui e dali, para fazer picadinho. Não é.
Esquecem se os acordistas do seguinte:
Devido ao elevado índice de analfabetismo da época em que foi realizada a reforma de 1945, que não é perfeita, conforme já foi referido, mas é a que mais facilita a escrita, se se aprender as regras gramaticais, como em todas as outras Línguas Europeias, que foram fixadas a partir de UMA só reforma, os linguistas que a elaboraram, elaboraram-na sem segundas, nem terceiras, nem quartas nem quintas MÁS intenções, nem com o fito de negociatas obscuras, nem sequer para seguir vontades de políticos pouco esclarecidos (para não dizer ignorantes) e com um enorme complexo de inferioridade (eles acham que uma língua falada por milhões confere GRANDEZA a essa Língua, ainda que ela seja RUDIMENTARMENTE escrita e falada, tendo por base a Língua Mãe.
Em 1945, os linguistas pegaram nas palavras e fizeram o seguinte raciocínio:
Para que este Povo, a quem calhou uma Língua riquíssima, uma das mais prestigiadas Línguas europeias, possa escrevê-la minimamente bem, como os outros povos escrevem as deles, sem necessitarem de simplificações, há que dar uma volta à ortographia portugueza, sem, no entanto, afastá-la das suas raízes etimológicas ou dar-lhe outros significados.
Não esquecer que Fernando Pessoa escrevia pharmacia com PH, mas Fernando com F. Nunca se perguntaram porquê? Porque nesse tempo no Alfabeto Latino, que era o nosso, existia (e ainda existe) a letra F pronunciada do mesmo modo que o fonema grego PH. E ora se escrevia com F (à latina), ora com PH (à grega). Se tínhamos a letra F, não precisávamos do PH, sendo a pronúncia a mesma.
Termino com este pequeno texto, que repesquei no Facebook, da autoria de José Sousa Dias, e com o qual concordo em absoluto:
«(…) [No dia] 5 de Maio (…) [tivemos] o primeiro Dia Mundial da Língua Portuguesa. Quarta língua em número de falantes de língua materna. É urgente reverter a ortografia, pois o acordo ortográfico de 1990 não está em vigor, segundo a melhor doutrina jurídica. Não foi revogado o Decreto que pôs em vigor a ortografia de 1945. Como tratado internacional, só o teríamos de cumprir se fosse ratificado pelos oito países de língua oficial portuguesa, o que não aconteceu. Cientificamente constitui uma manta de retalhos, está carregado de ilogicidades e recebeu parecer negativo de 25 linguistas e académicos num total de 27 recebidos. Espalhou o caos ortográfico. Finalmente, se milhões poderiam mudar e aceitar o pretenso acordo, muito mais facilmente escassos milhares de alunos podem reaprender a ortografia de 1945, muito mais próxima das restantes línguas europeias.»
E só não vê isto quem é muito, mas muito, mas muito ceguinho mental. E também surdíssimo, para não ouvir as vozes de todas as RAZÕES. E mudo, para silenciar este insulto a Portugal e aos Portugueses.
Isabel A. Ferreira
(*) Alfabeto Latino: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V, W, X, Y, Z.
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