Este é um episódio da realidade portuguesa, numa universidade.
Mafalda (nome fictício), estudante na UL, solicitou os meus serviços para lhe rever o texto da sua dissertação. Aceitaria se não estivesse acordizado. Estava, porque era obrigada, embora não concordasse, informou-me ela. Então, a minha resposta foi não. Não corrijo textos acordizados. Se os corrigisse, teria de os “passar” a limpo, para a grafia portuguesa. A legítima. A única. A que se encontra em vigor.
Aguardei quase uma semana pela resposta da Mafalda:
«Peço desculpa por só lhe estar a responder agora, mas só hoje consegui ter uma resposta definitiva à minha última tentativa para não utilizar o novo AO.
A resposta não foi a que eu desejava, mas foi aquela que estava a prever. O que me disseram foi que sou mesmo obrigada a utilizar o novo acordo ortográfico. Isto porque, por um lado, a UL adoptou o novo AO e, por outro, existe legislação nacional, actualmente em vigor, que obriga as escolas a utilizarem o novo acordo ortográfico e a imporem a sua utilização aos seus alunos.
Quando disse à Isabel que a minha orientadora me disse para utilizar o novo AO, expliquei-me mal. A orientadora também é contra o novo AO, mas quis defender os meus interesses. Mesmo que ela fizesse de conta que não reparou, a dissertação não iria passar da secretaria após a entrega. E mesmo que na secretaria também não reparassem, do dia da defesa iam dizer-me para alterar e entregar novamente.
Como não estou a fazer o mestrado para ter esta graduação só porque sim e preciso mesmo dele por motivos profissionais e com urgência, e como também, embora sendo contra o novo AO, não estou tão acerrimamente envolvida nesta causa como a Isabel, não vou fazer mais nada e vou mesmo entregar a dissertação escrita com o novo AO.
Tenho pena de não poder contar com a sua colaboração (e também já nem vou contactar mais ninguém para fazer a revisão), mas entendo perfeitamente a sua postura e dou-lhe os meus sinceros parabéns pela sua coerência.
Pedindo-lhe desculpa pelo tempo que lhe tomei…»
***
Esta resposta deixou-me perplexa. A UL obriga os alunos a escreverem mal a Língua Materna? Por alma de quem?
Cara Mafalda,
Doeu-me a alma ao ler esta sua mensagem. Por si, que está a ser ENGANADA, e NÃO É OBRIGADA a aplicar o AO90 na sua dissertação, porque não existe nenhuma legislação nacional (não existe) que a obrigue a aplicá-lo.
E também me faz doer a alma, pelas mentiras que o sistema apregoa, ignorando e desrespeitando a Constituição da República Portuguesa.
A UL até poderia ter adoptado o AO90, por ignorância ou por interesses duvidosos, só que a UL NÃO PODE EXIGIR que os alunos apliquem esta aberração. E se a Mafalda apelasse para a Justiça, teria ganho de causa.
A falta de informação ou a ignorância optativa, é que “obriga” as escolas a imporem uma norma ilegal.
A sua orientadora, desculpe que lhe diga, deveria informar-se melhor, e não induzir a Mafalda em erro. Fica mais fácil dizer «É obrigada» do que «Não é obrigada, mas isso implicaria algum incómodo, e os professores (hoje transformados em serviçais do ensino) optam por não se incomodarem».
Saiba que existe muitos alunos do Ensino Superior que se recusam a entregar as suas dissertações em AO90 e não lhes acontece nada.
Saiba também que existem alguns professores que não aplicam o AO90 nas escolas e não lhes acontece nada, porque legalmente ninguém pode fazer nada contra quem se recusar a escrever com erros ortográficos.
São poucos. E é nisso e no medo que alunos e professores têm de perder “algo” (ainda que hipoteticamente), que os políticos incompetentes e subservientes ao lobby político-editorial apostam, para impingir uma ortografia mutilada.
Se a sua dissertação não passasse na Secretaria, a Mafalda tinha todo o direito de apresentar uma queixa, porque a aplicação do AO90 é ilegal e inconstitucional (já lhe tinha dito e enviei-lhe um link, mas vou deixar aqui um outro para demonstrar-lhe o que digo:
http://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/em-portugal-a-imposicao-do-ao90-e-18730
Compreendo a sua situação. O sistema vale-se da necessidade dos jovens, para impor uma “coisa” ilegal, de lesa-língua e lesa-pátria.
Sim, eu estou empenhadíssima em defender a Língua Portuguesa, e aproveitarei este seu exemplo para agitar as águas estagnadas do ensino da Língua Portuguesa, em Portugal.
Estes casos têm de ser desmascarados, porque são ilegais. E a UL não pode obrigar ninguém a cometer uma ilegalidade. É ilegal.
Sinto muito, por si.
Gostaria que não pensasse que estou a “pressioná-la” por interesse.
Eu até estaria disposta a abdicar da minha remuneração pelo trabalho, se a Mafalda tivesse a coragem de romper as amarras. Essa seria a minha maior recompensa.
Mas compreendo que não queira arriscar. Mas se arriscasse, nada poderiam fazer contra si.
Sinto muito por si, pelo seu dilema e pela Língua Portuguesa, que está a ser atirada ao caixote do lixo, e os grandes culpados são os professores que deviam ser os primeiros a rejeitar esta aberração ortográfica, e não o fazem por medo, por ignorância, por comodismo, por ser mais fácil acomodarem-se e por subserviência.
Não pense que me fez perder tempo.
Obrigada, por ter-me escolhido. Valeu a pena, porque poderei ajudar a desmascarar todos os que obrigam os alunos a escrever incorrectamente a própria Língua, induzindo-os a cometer uma ilegalidade».
***
Esta foi a minha resposta à Mafalda.
A Mafalda entregou a sua dissertação de mestrado cheia de erros ortográficos.
E este é o exemplo perfeito da miséria educativa em que se encontra o ensino da Língua Portuguesa em Portugal.
***
E nem Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, que jurou defender e cumprir e fazer cumprir a Constituição defende a Língua Oficial do País que representa.
Não é uma vergonha?
Isabel A. Ferreira
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