Inesperadamente recebo um e-mail.
Assunto: Acordo Ortográfico
«Sou estudante de letras (português e espanhol) em Pernambuco. Nasci em Recife. Li em teu blog uma crítica ao acordo ortográfico de 1990. Particularmente escrevo "óptimo", "Egipto", "facto", etc. No entanto, sei que algumas palavras com o "p" e o "c" não são pronunciadas em Portugal, apenas uma leve minoria de pessoas o faz. O que tens a dizer-me sobre isso? todas as palavras que têm o "p" e o "c" mudos devem ser pronunciadas?
Gabriel
Porque se trata de algo que interessa a Brasileiros e a Portugueses, decidi tornar público, o que escrevi em privado, salvaguardando, evidentemente, a identidade do cidadão que me escreveu.
Esta multiculturalidade não é interessante? Por que a querem destruir?
Caro Gabriel,
Agradeço o seu contaCto (vocábulo em que se lê o Cê, em Portugal, Moçambique, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Timor-Leste e Cabo Verde, à excePção (pronuncio o Cê) do Brasil, onde se lê “contátu” e escreve-se contato, vocábulo que não existe em Língua Portuguesa, tão-só no dialeCto (***) (pronuncio o Cê) brasileiro.
Fiquei muito surpreendida, por dizer que é brasileiro, e, apesar disso, escrever "óPtimo", "EgiPto", "faCto”, vocábulos que no Brasil se escrevem “ótimo, “Egito” e “fato” (ótchimu”, ”Igitu” e “fatu”) por não se lerem as consoantes não-pronunciadas, tal como em Portugal, sendo deste modo ensinados a escrever nas escolas brasileiras, onde aprendi a ler e a escrever, aos seis anos de idade, e aprendi-as já mutiladas, assim: ótimo, Egito e fato.
Mas não é pelo faCto (em Portugal lemos o Cê) de não se pronunciarem, que não se deva escrevê-las, para que os vocábulos mantenham o seu significado.
Se perguntar a um francês, ou espanhol, ou inglês, ou alemão, se identificam as palavras “ótimo”, “Egito” e “fato” (por faCto), escrito à brasileira, eles não saberão identificar as palavras. Se as escrever à portuguesa, eles, ainda que não saibam Português, identificarão imediatamente os vocábulos óPtimo; EgiPto (que em todas as outras línguas se grafam com o Pê, apenas no Brasil e os acordistas portugueses grafam Egito, mas egíPcio, o que não deixa de ser inconguente e incoerente). Assim como um português, ainda que não saiba Inglês, Francês ou Alemão, identificará esses vocábulos imediatamente, estando escritos com os cês e os pês nos devidos lugares, naquelas línguas.
Indo à sua questão: não são “algumas” as palavras com cês e pês não são pronunciados. São várias, várias centenas, ultrapassando o milhar, e se contarmos com os cerca dos dois mil vocábulos que se escrevem com H mudo, teremos milhares deles com consoantes mudas não-pronunciadas, o que não significa que não devamos escrevê-las, sob pena de estarmos a criar palavras sem sentido e desenraizadas da família Indo-Europeia, de que são originárias, que estarão “bem” para o dialecto brasileiro, mas não para uma Língua românica.
Uma vez que há tantos milhões de lusógrafos que não conseguem escrever as palavras com as consoantes não-pronunciadas (e apenas lusógrafos, porque os restantes povos europeus, que têm tantas consoantes mudas numa só palavra como, por exemplo em Auschwitz ou thought, e conseguem escrevê-las), para terminar de vez com esta aberração do acordo ortográfico, seria bem mais simples começar a pronunciar TODAS as consoantes não-pronunciadas (assim saberiam escrevê-las) do que mutilar as palavras e transformá-las em bisonhos vocábulos, sem sentido algum.
Diga-me, o que significam estas palavras (vou escrevê-las tal como se pronunciam sem as respeCtivas (pronuncio este Cê) consoantes mudas: ôbj’tivu; s’tor; fâtura; âção; isp’tâdôr (de isp’tar); dirêtu; r’c’ção; fâção, d’t’tár; rutura; p’rsp’tiva; conf’ção; corrêtu; incurrêtu; adutar; e centenas de centenas de outros vocábulos mais, que querem à força que os Portugueses escrevam incorreCtamente. Em Portugal estas palavras não têm qualquer sentido, nem significado. Ou as escrevemos correCtamente, com as consoantes mudas no seu devido lugar, até porque têm uma função diacrítica, ou passamos a pronunciá-las, como o fazem os Ingleses, os Franceses, os Espanhóis, para que as palavras possam ter sentido.
Ao escrevê-las sem as consoantes não-pronunciadas não podemos encaixá-las na Língua Portuguesa.
Por exemplo, escrevem-se cerca de duas mil palavras com H mudo.
Nunca entendi, por que os Brasileiros hão-de escrever “úmido” e “umidade” , mas homem e hora. Qual foi o critério, para esta mutilação? O porque-sim de políticos ignorantes? Isso não é critério, é imponderação. E por uma simples irreflexão se destrói uma Língua culta? É isto que eu combato.
Os Brasileiros reduziram a Língua Portuguesa a um dialeCto, ([dialeto (dialêtu)] como vocês falam e escrevem, o que significará algo num dialeCto, mas não numa Língua) na pronúncia, na sintaxe, na ortografia, na morfologia, no léxico, na acentuação, e que evoluirá naturalmente para Língua Brasileira, oriunda da Língua Portuguesa, mais dia, menos dia. Tal como o Crioulo Cabo-Verdiano, que já é língua oficial de Cabo Verde, mas ainda consta que é a Portuguesa, por motivos meramente políticos. Tudo bem. O Brasil é um país livre e soberano. Tem esse direito. O povo brasileiro pode fazer o que quiser com as palavras que usa para se comunicar entre si, e ter uma língua própria.
Mas não queiram que a Língua Portuguesa retroceda e se transforme em dialecto sul-americano, apenas para agradar a políticos ignorantes e a editores e livreiros mercenários, de cá e de lá, e unicamente de cá e de lá, porque os restantes países lusógrafos não escrevem incorreCtamente a Língua que herdaram do colonizador. Apenas o Brasil se desvinculou da Língua Portuguesa.
Última questão que pôs: «todas as palavras que têm o "p" e o "c" mudos devem ser pronunciadas?»
Quer saber o que penso? Muito sinceramente? Dada a dificuldade que os brasileiros e portugueses adultos (e apenas brasileiros e portugueses adultos, num universo de 194 países) têm em escrever os cês e os pês onde eles são necessários (aprende-se isto muito bem VISUALIZANDO as palavras, a ler muito, qualquer criança o faz sem a mínima dificuldade em TODOS os países do mundo, incluindo as portuguesas de todas as gerações anteriores e actuais, onde as consoantes mudas não são UMA, mas várias dentro da mesma palavra), mas como estava a dizer, dada a grande dificuldade que os brasileiros e portugueses ADULTOS têm em escrever as palavras com UMA consoante muda, só uma (um cê ou um pê) penso que seria óPtimo começar a pronunciar TODAS as consoantes não-pronunciadas, porque assim acabava-se de vez com a ignorância, e com o AO90, que não serve para nada.
Não concorda comigo, caro Gabriel?
Com as minhas saudações desacordistas,
Isabel A. Ferreira
***
«Isabel!
Muito obrigado pelas respostas contundentes e admiravelmente longas.
Particularmente consigo escrever as palavras com "p" e "c" havia muito tempo, ainda que as não pronunciasse em determinadas palavras. Apesar que soa mais belo por ser mais difícil pronunciá-las. Não só essas, mas também temos os exemplos de "omnipotente", "subtil", "amígdala", etc.
Vejo um empobrecimento para a língua falada e escrita esquecermo-nos dessas consoantes que advêm do latim.
Afirmo-te que sou um "peixe fora d'água" cá em Brasil, uma vez que sempre admirei a língua portuguesa e por aqui há um desprezo notório em todos os âmbitos por nossa língua. O português do Brasil é vulgar, com má eufonia e anti-gramatical. Aprendi a falar o português (conforme o padrão de Lisboa) com o livro de fonética de professor António Emiliano: "Fonética do Português Europeu - Descrição e Transcrição", além de ouvir muito fado. É facto que não posso falar dessa forma (com o sotaque lisboeta aqui) porque as pessoas não entenderiam, porém, traquejo livremente com meus amigos portugueses.
Brasil deveria aprender o português legítimo de Portugal, mas o que vejo é que Portugal está a subtrair-se pela ex-colónia. Tanto é verdade que em Lisboa algumas pessoa já dizem "vi ela", em vez de "vi-a" pela influência dos brasileiros que descaradamente vão morar em Portugal a levar os vícios para lá. É lamentável. Espero que isso possa reverter-se num futuro próximo.
Gabriel
***
Caro Gabriel,
Facto: o Brasil empobreceu muitíssimo a riquíssima Língua Portuguesa, herdada do ex-colonizador. Na altura da independência, em 1822, poderiam ter escolhido uma língua indígena, mas escolheram a Portuguesa, que não souberam acompanhar, rejeitando as evoluções que, entretanto, foram feitas, em 1911 e 1945, optando por fazerem uma reforma unilateral (1943) onde se decidiu aleatoriamente mutilar as palavras, desfeando-as, desenraizando-as, deslusitanizando-as, com um único propósito: afastarem-se o mais possível da Língua do colonizador, por motivações políticas. Isto é um facto.
E o Brasil distanciou-se, deste modo, dos restantes sete Países lusógrafos, que mantêm uma unidade ortográfica, até aos dias de hoje.
Veja bem, nenhum outro povo no mundo, mutilou as palavras com consoantes mudas, até porque, além da etimologia, temos a estética da linguagem: adota (âdôtâ) não tem a graciosidade de adoPta. Sem o P, o vocábulo está nu, e os nus nem sempre são formosos.
Por que é que os Brasileiros dão uma no cravo, outra na ferradura, na questão de palavras com consoantes mudas ou pronunciadas?
Na Lusofonia, todos dizem dirétu e escrevem direCto, (não se pronunciando o C); aMnistia (pronunciando o M); suBtil (pronunciando o B); amíGdala (pronunciando o G); r’céção (recePção - não se pronunciando o P), e o Brasil nestas e noutras palavras distanciaram-se dos restantes SETE países lusógrafos. Porquê?
Os grandes clássicos brasileiros produziram belas obras literárias, escritas num Português mutilado, que sim, é vulgar e antigramatical. No entanto, não deixam de ser obras fabulosas na essência, mas não na forma.
Estando no Brasil, falo e escrevo à brasileira. Como sempre fiz. Andei cá e lá, na infância, adolescência e juventude. Em Portugal, falava e escrevia à portuguesa. No Brasil, falava e escrevia à brasileira. Nunca me senti um peixe fora d’água, nesse tempo.
Hoje, é que me sinto um peixe fora d’água, no meu próprio País.
Estou em Portugal, e o que leio por aí está à brasileira, e já se começa a falar à brasileira, graças à enxurrada de telenovelas, umas seguidas às outras que as televisões passam. Vê quem quer. Eu não vejo. Mas o Povo, que não lê e não tem outros interesses, afunda-se nas telenovelas, e é como diz: já se diz “vi ela”, “alô” “né”, econômico, enfim… estamos a ser colonizados pela ex-colónia, através da Língua. E agora sim, sinto-me um peixe fora d’água: não estou nem no Brasil, nem em Portugal. Estou numa fronteira entre um país e outro.
Para acabarmos de vez com esta DESUNIÃO, o Brasil é que tinha de reaprender a ortografia, porque é o único que escreve e fala diferentemente de todos os outros países lusófonos.
E não diga que os Brasileiros vêm descaradamente morar em Portugal. Se vêm em busca de uma oportunidade de ter uma vida melhor, não vejo mal nenhum. Se vêm com objectivos políticos obscuros, condeno, e são descaradados, sim. A multiculturalidade é bem-vinda, na minha óPtica (com P, se não tiver P, falamos de ouvidos). Considero bonito e bom conviver com múltiplos povos e “beber” da sua cultura, desde que não se destrua a essência da nossa Cultura. Os Portugueses são fruto de uma mescla de povos desde os tempos pré-históricos, e sofremos a influência das culturas dos Iberos, Celtas, Lusitanos, Romanos, Vândalos, Suevos, Visigodos, Muçulmanos. De todos temos um pouco: na linguagem, nos costumes, na arte, na cultura. E isso é bom.
Com esta nova invasão chinesa, brasileira, africana e povos vindos do Leste, talvez a nossa Cultura sofra outras influências, e num futuro, que pode não ser assim tão longínquo, deixemos de ser Portugueses, para sermos outra designação qualquer. Talvez sino-brasileiros. Tudo se encaminha para tal. Mas esta transformação já não será para o meu tempo.
O que espero, Gabriel, é que os políticos portugueses tomem vergonha na cara e não se submetam a políticas obscuras, que transformarão Portugal no quintal dos estrangeiros, conforme já vem a contecendo.
Se querem acabar com a Língua Portuguesa e com o Povo Português está-se no bom caminho.
Com as minhas saudações desacordistas,
Isabel A. Ferreira
(***) Porquê Dialecto? Língua que deriva ou é “filha” de outra. Todas as línguas românicas são dialectos do Latim. O dialecto é uma forma particular de uma língua em determinado domínio. Define-se por um conjunto de particularidades tais, que dá a impressão de ser um falar distinto do falar (ou falares) em que está integrado, apesar do parentesco que tem com os outros.
O dialecto passa a ser língua, quando adquire independência total. Foi o que aconteceu com as línguas novilatinas. Dialecto é uma variante linguística constituída por características fonológicas, sintácticas, semânticas e morfológicas próprias. E esta é a situação da linguagem brasileira.
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