O que se segue é uma pequena amostra das várias centenas de comentários de brasileiros, dirigidos a mim e a mais uns tantos, no Google, no vídeo «TODOS em aCção contra o "acordo ortográfico"», e num outro, onde se fala de Portugal como o “novo Estado do Brasil”, e nos quais se desdenha da Língua Portuguesa, como se desdenha do lixo à porta da nossa casa, e muitos de nós somos obrigados a sair à liça, para a defender e mostrar aos menos cultos o que eles não sabem, uma vez que as escolas brasileiras não o fazem.
O que se segue, fruto do ENSINO brasileiro, e está disseminado como uma praga, serve de intróito para a terceira parte da “Génese do Acordo Ortográfico de 1990» que publicarei em breve.
(Peço desculpa, desde já, pelo vernáculo brasileiro).
«EU FALO BRASILEIRO COM MUITO ORGULHO MESMO, uma pena que tenho que falar esse idioma chato e ridículo que é o português. Mas o Brasil ta mudando e queremos muito se afastar de pessoas como você, e desse seu português correCto que não sei da onde tiraram esse c. Vai ficar com esse seu linguajar pra lá, com essa população que tem no menor ESTADO brasileiro. VOCÊS PORTUGUESES NÃO SÃO DONO DA LÍNGUA PORTUGUESA E NUNCA VÃO SER. O ACORDO VENCE ONDE SE TEM A MAIOR POPULAÇÃO DE FALANTES. 10 MILHÕES DE HABITANTES, UMA POPULAÇÃO QUE CABE DENTRO DE UM ÔNIBUS. O PORTUGUÊS BRASILEIRO É O MAIS FALADO DO MUNDO VOCÊS NÃO MANDAM MAIS NO ACORDO. SOMOS 200 MILHÕES DE PESSOAS!!! ACEITA».
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«A gente salva a língua deles da extinção (pois 10 de milhões de pessoas pode-se considerar ameaça de extinção) e ainda somos recriminados. Infelizmente, colonização não se escolhe. Todo brasileiro preferia mil vezes ter sido colonizado pela Inglaterra. Todos nós sabemos que os Estados Unidos não seriam o que é hoje se fosse colonizado por Portugal. Até na linha a gente deu azar, pois era para o Brasil falar uma língua universal que é a inglesa. Da onde vocês inventaram essa língua? Que 'presente* de grego para o Brasil».
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«+Isabel A. Ferreira E daí que você pertence a europa? TO POUCO ME LIXANDO PRA ISSO. vocês pertence a europa por localização mesmo, são o acre da europa. Brasil é a maior sétima economia do mundo. Brasil é muito superior a Portugal. Europa pra mim é França, Itália e etc... Se manque o Português Brasileiro vai dominar o mundo, nós ainda somos muito bons com vocês por dizermos que falamos português, se não fosse por isso o pt europeu seria esquecido no mundo. Na verdade, o pt europeu é invisível ao mundo kkkkkkk
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«Não sobrevive fora do Brasil????
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK Piada a essa hora, Só se for ai em Portugal que não. O PORTUGUÊS COM A VARIANTE BRASILEIRA TA SENDO APLICADO EM VÁRIAS ESCOLAS FORA DO BRASIL (América Latina, China, Estados Unidos, Italia e etc). DÁ UMA PESQUISADA NO GOOGLE E VER O QUANTO A LÍNGUA PORTUGUESA FICOU CONHECIDA NO MUNDO GRAÇAS AO BRASIL. TEM MUITAS PESSOAS APRENDENDO O PORTUGUÊS E NEM É DE PAÍS LUSÓFONO. O IDIOMA CRESCEU NO MUNDO E MUITAS PESSOAS QUEREM APRENDER. PORTUGAL É QUEM PERTO DO GRANDE BRASIL? VOCÊS NÃO SÃO OS DONOS E NEM OS PRINCIPAIS FALANTES DA LÍNGUA. TCHAU»
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«Que sotaque horrivel, acho que só o francês é mais horrivel que o português de portugal. uma ilhota de 10 milhões de habitantes não consegue nem mesmo manter a sua propria lingua. mercado de midia em Portugal = menos que 1 bilhão de dolares em 2014. mercado de midia no brasil = 35 bilhões de dólares em 2014. atenção: Foram os portugueses que destruíram a nossa língua DOS ÍNDIOS no brasil quando eles chegaram aqui. quem me dera que fossemos colonizados pelos INGLESES. SORTE TEVE OS ESTADOS UNIDOS.»
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«Manca Mulas Merda é seu país de bosta, se não fosse o Brasil, o português só seria mais uma língua entre muitas outras. Ainda com essa crise somos a 7° economia mundial, temos indústrias nacionais. O Brasil é um país recente. AINDA BEM QUE NÃO SOU DESCENDENTE DE PORTUGUÊS, povo atrasado.
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«+Isabel A. Ferreira Chora mais por favor. Todo idioma evolui, só o idioma mais adaptado e com mais falantes sobrevive, como o Latin que entrou em extinção des da queda de roma. Pode ser o caso de Portugal. Agora, chore mais portuga, vocês não representam nada.»
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«+Isabel A. Ferreira Mas os países aprendem o Português Brasileiro. Se toca senhora.»
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«Miguel Fernandes em uma ilha pequena e com população de cidade, claro que a violência é menor, né?. mas, nos demos uma forcinha para vocês construindo um avião em Portugal. o kc-390. só assim Portugal se inseri no mapa mundi. escrevemos com as nossas gírias e bordoes e vocês entendem. isso sim é ser colônia nossa. fui..»
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«Este abaixo assinado visa à mudança do nome da língua portuguesa falada no Brasil, para “língua Brasileira”, visto que possuímos características que diferem do Português Europeu, construídas por falas das três etnias o Índio, Branco e o Negro, que formaram nosso Brasil, deixando praticamente nulo a existência de uma imagem de colônia que ainda fala Língua de seus colonizadores. Sendo impreterivelmente necessária nomeá-la como “língua Brasileira”, no que se refere a uma Sociedade ou Nação e no falar de seus cidadãos. Sua autonomia! Assim como ilustres Visconde de Pedra Branca, Varnhagen, Paranhos da Silva, Machado de Assis, Mário de Andrade e os românticos como Gonçalves Dias, José de Alencar que defendiam nossa autonomia propugnando por uma língua nossa, a “língua brasileira”. E á revogação do projeto de ortografia unificada da Língua Portuguesa, que elimina os acentos o novo acordo entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009, sendo assim acabando com a identidade brasileira naquilo que se diz mais autentico sua fala e gramática, caracterizando ainda mais como Colônia subdesenvolvida e semianalfabeta. Exemplos de pronuncias e escritas sem acentos. Avó - Avô / Avo Língua / Lingua Coração / Coraçao Céu / Ceu Etc.
http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR71343»
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«+Isabel A. Ferreira Vocês são tão inteligente que nem tecnologia própria conseguem ter, vocês são uma raça ignorante mesmo, são tão burros que não OLHAM para o fato de que Portugal é MUITO mais antigo que o Brasil e tem uma população insignificantemente, já o Brasil tem apenas pouco mais de 500 anos, e em menos de 5 séculos o Brasil conseguiu fazer mais que Portugal. Podem falar oque quiser, pode chorar até, que não dou ouvidos a um bando de iludidos. Sem essa merda falida de União Européia vocês seriam mais interessante do que já são e PONTO FINAL.»
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Ponto final, não. Há muitos mais comentários como estes em vários vídeos, na Internet. Mas penso que esta amostra dá para ter uma ideia do que se passa no Brasil, no que respeita ao desrespeito pela Língua Portuguesa e ideias subjacentes.
Para finalizar, farei completamente minhas, as palavras sábias da Marina e do Cristiano, apenas para que não se diga que apenas eu implico com isto…
(E já agora confira-se a diferença entre a versão inculta e a versão culta da língua).
«Vejo aqui nos comentários uma grande confusão entre o número de falantes de uma língua e outras funções que ela pode ter. Uma dessas funções é a identidade de um povo: Bem se importam os bascos, ou os catalães, ou os da Córsega, ou o grupo romanche da Suíça de serem poucos; eles exigem falar e escrever a sua língua e que ela seja ensinada nas escolas. Em Espanha é frequente ver o nome de cidades bascas (na estrada, mas ainda longe do país basco) indicado em castelhano e em basco, só para dar um exemplo que conheço. E já agora: devem estar convencidos de que o inglês é mais internacional por ter um maior número de falantes no mundo. Pois não tem: a língua mais falada é o mandarim chinês. Alguém aqui a conhece? E o inglês nem sequer é internacional pelo nº de falantes, já que tem pelo menos 18 variantes, sendo algumas bem diferentes (podem ver num corrector ortográfico do Word), portanto muitas mais que o português. É internacional pelo poder ECONÓMICO dos EUA, que já começou a sua decadência. Deixem-se de achar que o Brasil é importante por ser grande em território. Afinal não é tão rico como os EUA ainda são, e no aspecto cultural é o que se vê, até aqui nos comentários. E se se querem afirmar, seja por que motivo for, digam que falam BRASILEIRO e não Português. Nós continuaremos a falar Português, pouco importando se somos poucos ou muitos, ricos ou pobres. Somos um país com identidade própria, um dos mais antigos da Europa, e isso é suficiente.»
«Pelos comentários de alguns brasileiros incomodados parece que este vídeo fere a sensibilidade dos mesmos. Vá lá, deitem cá para fora essa frustração de séculos, contida nessas mentes complexadas de inferioridade intelectual. Despejem essa raiva contra o país que chegou primeiro a essas paragens. Vá lá, aceitem e embrulhem o facto de que foi Portugal, o país que mais marcas culturais deixou enraizadas nesse território. Mentalizem-se e aceitem a vossa incapacidade em perceberem, falarem e escreverem uma língua milenar como a Portuguesa. Antes de criticarem cultivem-se, leiam e só depois venham para aqui atacar os portugueses. Pois, até ao momento, só conseguiram mostrar o rancor e a raiva que sentem pelo facto de ter sido este pequeno país europeu a deixar um legado cultural e arquitectónico nesse vasto território, hoje em dia, habitado por cerca de duzentos milhões de almas, aparentemente, frustradas por não saberem utilizar a maior ferramenta que um povo pode legar a outro, a sua cultura e, por conseguinte, a sua língua. Vá, de uma vez por todas, façam-nos um favor e designem esse linguajar por "brasileiro".»
Isabel A. Ferreira
Fontes dos comentários:
https://www.youtube.com/watch?v=F1RYDsWsh0c&t=2s
https://www.youtube.com/watch?v=hSQJ77W0yE0
Em 2009, escrevi um texto a propósito destas humilhações, às quais os portugueses se vergam com muita deferência, o que me deixa perplexa.
Vou recuperar este texto para servir de Introdução ao que pretendo divulgar sobre a Génese do AO90, que tem tudo a ver com o que se escreveu no livro «O Português que nos Pariu», objecto deste meu texto.
Quando os Portugueses são humilhados e ninguém se insurge contra essas humilhações... (Parte II)
Continuando com o tema dos maus-tratos a que o povo português tem sido sujeito por parte de gente preconceituosa e que ignora o que fomos e o que somos, hoje debruçar-me-ei sobre o livro da jornalista brasileira Angela (sem circunflexo) Dutra de Menezes, intitulado «O Português Que Nos Pariu», publicado no Brasil, no ano 2000, pela Relume-Dumará, e editado em Portugal pela Civilização Editora, em 2007.
Quando me foi sugerida esta leitura, disseram-me: «Se ficou indignada com o livro «1808», de Laurentino Gomes, ao ponto de escrever a sua «Contestação», então com este ainda terá mais motivos para se indignar».
Confesso que fiquei curiosa.
Tratei imediatamente de adquirir o livro. E de facto fiquei estupefacta. Alguns autores portugueses vêem-se rejeitados pelas nossas editoras, com obras válidas, com qualidade literária e que respeitam a Língua Portuguesa. São rejeitados como lixo. Contudo essas mesmas editoras aceitam publicar tudo o que vem de fora, sem qualquer pejo, ainda que maltratando a nossa Língua e o nosso Povo.
É injusto. Muito injusto!
O Português Que Nos Pariu é um livro híbrido. Nem peixe, nem carne.
Comecemos pelo título, nitidamente conotado com aquela outra expressão vulgaríssima, que se usa para insultar a mãe dos outros (neste caso o pai). Um título infeliz e que diz muito sobre o conteúdo do livro.
Na contracapa lê-se que a escritora, «propõe uma nova maneira de encarar a História (...) lançando mão de uma linguagem bem-humorada e sem a rigidez dos livros didácticos. (...) A perspectiva da História que nos apresenta é um “olhar índio”. É como se (...) um audaz grupo de índios pegasse numa piroga e desembarcasse nas margens do Tejo para ver de onde (...) tinham surgido aqueles homens brancos e de hábitos estranhos que foram desinquietar as suas vidas».
Fiquei ainda mais curiosa. Um olhar índio. Eu, que quando estudei nas escolas brasileiras a parte da História comum aos dois países, sempre considerei que os indígenas brasileiros, esses sim, tinham muitas razões de queixa contra aquele povo que, um certo dia, entrou no seu território e se apossou das suas terras, transformando-as no quintal deles, e as suas crenças e a sua cultura foram tidas como coisas do “diabo”, que deviam ser banidas e substituídas pelos valores ocidentais da Cristandade.
No entanto, que desilusão! O “olhar” não foi de índio, mas de uma ex-colonizada que ainda não “encaixou” o facto de aquele território ter sido dado a conhecer ao mundo por um povo pequeno, mas de alma grande (à parte os despautérios perpetrados contra os indígenas e mais tarde contra os escravos vindos de África, o que não tem perdão à luz da razão, mas pode ser admitido à luz dos archotes que então ardiam, por todo o mundo, ainda pouco iluminado, naquele tempo).
Devo dizer que em questão de contextualização, o livro da Angela (não sei o que me parece escrever este nome sem acento circunflexo) é mais correcto do que o «1808», do Laurentino Gomes, que disse as coisas fora do seu contexto, o que retirou credibilidade à narrativa. No entanto, O Português Que Nos Pariu contém algumas imprecisões históricas, e é todo escrito num tom nitidamente escarnecedor (não de humor, humor é outra coisa), ao jeito do vídeo da Maitê Proença, uma brincadeirinha... que acabou com uma cuspidela na fonte (e os imundos somos nós!).
Já agora posso igualmente fazer uma referência ao filme da brasileira Carla Camurati, intitulado Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, uma pretensa comédia, que faz uma caricatura pavorosa da coitada da Dona Carlota e do Dom João VI, se bem que a interpretação dos actores seja admirável. Porquê esta aleivosia contra um povo que até nem foi dos piores, no que respeita ao desempenho colonizador?
Antes de entrar propriamente nos meus comentários, devo dizer que fiz uma breve pesquisa na Internet, sobre este livro, e deparei-me com dois textos que me deixaram perplexa.
Um deles, numa página que suponho ser da editora Relume-Dumará, que inclui um texto não assinado, diz o seguinte (os sublinhados são meus):
Além de um casal luso, alguém sabe fazer um português?
«A receita está no livro O português que nos pariu - Uma viagem ao mundo dos nossos antepassados, de Angela Dutra de Menezes. Junto com a receita, o leitor leva, de brinde, "estórias" da História portuguesa. Fatos que, de um jeito ou de outro, marcaram o caráter brasileiro.
Tudo narrado com bom humor, já que a história oficial é insossa e arrastada. Por que não jogar na mesa que o grande Afonso Henriques provavelmente amargava um insolucionado Complexo de Édipo? Que dom Henrique, o Navegador, não sabia navegar? Que dom Sebastião, o tal do messianismo, não passaria em psicotécnico de nenhum Detran da vida? Descontração não anula a verdade dos fatos. Se o livro dá um "jeitinho" de colorir a História é porque nosso "jeitinho" também é herança lusa.
Nossos antepassados portugueses foram grandes e audazes. Inventaram o Estado-Nação, descobriram novos mundos e, um dia, olhando o mar, concluíram filosoficamente que aquilo era um caminho – para além havia terras. Lá se foram eles; aqui estamos nós.
Cinco séculos se passaram. Sobrou tempo para os portugueses inventarem a palavra saudade, enquanto se esbaldavam no estupro e no saque. Entre a ternura e a porrada, descobriram o Brasil, colonizaram o Brasil e inventaram um país mestiço, miscigenado e sofrido: mas cheio de graça. (...)»
Devo dizer que, de repente, pareceu-me regressar aos meus maus velhos tempos de estudante, quando ouvia estes e outros descalabros sobre a nossa História, nas escolas brasileiras (eu que já havia estudado História, em Portugal).
E fiquei triste, porque verifiquei que nada mudou, e já lá vão tantos anos! As mentalidades continuam preconceituosas. Mesquinhas. Complexadas. Continua a ensinar-se disparates. Como hão-de os Brasileiros ter uma ideia correcta da sua própria História? Do seu passado? Do que são e do que foram?
Reparem nos adjectivos: a história oficial é insossa e arrastada... Dito mais desditoso! Depende de quem a conta e de como a conta, nenhuma História é insossa e arrastada. Isto depende da inteligência e da sensibilidade de quem ensina História. E o que se diz de Afonso Henriques, do nosso Infante D. Henrique e de D. Sebastião! Quanta ignorância!
O livro não dá um jeitinho de colorir a História. A História que nele se conta está completamente enfarruscada pela fuligem negra que se despega das palavras.
E perdoem-me, mas o “jeitinho” brasileiro de que se fala neste texto, não é, de modo algum, herança portuguesa; é simplesmente o “jeitinho” daqueles que, depois da independência, se tornaram genuinamente brasileiros, mas não souberam “libertar-se” do que eles consideram o “estigma” português. Sim, porque hoje, no Brasil, nada sobra do que foi verdadeiramente português, a não ser as obras de arte, os palácios, a arquitectura que, por exemplo, transformou a cidade de Ouro Preto em Património Mundial da UNESCO. Nem sequer a Língua, que apesar de parecer, já não é mais a Portuguesa.
Fixemo-nos no último parágrafo do texto reproduzido: aquilo é de quem renega o seu passado e vive frustrado com o peso de uma ignorância, que não tem graça nenhuma.
Como se isto não bastasse, vagueei mais um pouco pela Internet e deparei com o Blogue do jornalista português Antunes Ferreira, antigo Chefe de Redacção do Diário de Notícias (1975-1991) e escritor.
Este senhor diz: «Êta livro fascinante. A Civilização Editora que o publica em Portugal merece um muito obrigado, à vontade. Firme. Sentido. Permitiu aos Portugas a leitura de um texto primoroso, cheio de graça, ironia (...) Falo de uma obra, neste caso perfeitamente prima, vinda de quem vem, 189 páginas magníficas (...)»
Sempre respeitei a opinião dos outros, e esta opinião merece todo o meu respeito, mas não a minha concordância: em primeiro lugar porque um Português que se preze não devia encontrar tanto fascínio numa obra que, de certo modo, e camufladamente, nos amesquinha, com base numa colossal ignorância dos factos. Em segundo lugar, a linguagem utilizada no livro é de uma vulgaridade tão pobre e podre, tão nua e crua, que não pode ser (no meu entender) qualificada de primorosa e magnífica.
Um exemplo: «A arqueologia prova que os pré-históricos ibéricos já se assemelhavam aos gajos pós-modernos – ora, pois».
A autora dá-nos a receita de como se faz um português: misturam-se vários ingredientes (a que ela chama povos) e lá mais para diante diz: «Cuidadosamente misture os revoltosos (refere-se aos lusitanos), os romanos e as tribos que se lixaram para a invasão romana».
Diz também que «A cidade DO Faro, no Algarve, última em poder dos muçulmanos, voltou a pertencer a Portugal». Seria a cidade do faro do cão de água português, que tanto cativou Barack Obama?
Apenas mais uma: «Até hoje, Portugal acredita que os gajos (refere-se aos portugueses emigrados) se esfalfaram de trabalhar em uma pobreza bíblica, desprezados pelos brasileiros, infelizes, desgraçados, maltratados. Só que voltar para lá quase ninguém voltou».
Sou testemunha de que sim, os emigrantes portugueses, no Brasil, menos privilegiados do que eu, esfalfaram-se a trabalhar e eram desprezados pelos brasileiros, obviamente, incultos.
Não regressaram a Portugal aqueles que apesar de trabalharem arduamente, não conseguiram juntar dinheiro suficiente para tal. Outros, mais afortunados, ficaram ricos e não regressaram, porque constituíram lá família e posição social privilegiada. Outros, ainda mais afortunados, embora não enriquecessem, puderam regressar à pátria (o meu caso), por se recusarem a viver cercados de preconceito, e de uma lusofobia doentia, e porque as várias estadias no Brasil foram sempre provisórias, por razões do foro privado.
Ao contrário, os emigrantes brasileiros em Portugal são tratados como iguais. São respeitados como seres humanos que são. Os Portugueses não costumam escrever livros a escarnecer dos ex-colonos: nem dos do Brasil, nem dos de África, nem dos do Oriente. Aliás, os Portugueses não costumam escrever livros que firam a honra de um povo. Qualquer povo. Apenas os brasileiros incultos e complexados o fazem.
Os Portugueses são um povo civilizado (há excepções, certamente, como em todos os povos). Passada a era dos archotes, evoluíram, e não lhes interessa humilhar ninguém, especialmente aqueles que, por infortúnio da vida, não são belos, cheirosos e ricos.
Voltando ao livro: se a obra é prima, então não sei de mais nada!
Além da linguagem vulgar (não a considero nem irónica, nem bem-humorada) é simplesmente vulgar, no sentido mais inferior da palavra, e gramaticalmente imperfeita, há várias imprecisões históricas e piadinhas que mostram (ainda) o desprezo que o brasileiro (é preciso frisar) inculto tem pelos portugueses.
A Angela ao dizer que Portugal deve ao infante alguns mil quilómetros quadrados, embora naquela época, ninguém falasse em quilómetros, principalmente quadrados não fez mais do que aludir (rodeando a questão) à tão incómoda (para eles) “ignorância” dos portugueses, uma vez que o termo quadrado tem essa conotação.
Para terminar, gostaria apenas de deixar aqui uma sugestão aos brasileiros que escrevem sobre os Portugueses, e também aos editores portugueses:
Aos jornalistas brasileiros que escrevem sobre História, antes de se aventurarem a abordar o que quer que se seja, a esse propósito, sugiro que leiam os bons livros de História, já não digo os da autoria dos historiadores Portugueses, mas, por exemplo, os de um prestigiado historiador brasileiro, Manoel de Oliveira Lima, para aprenderem a não se envergonharem do seu passado português. Procurem ler também algumas obras de escritores portugueses, e os vossos maravilhosos clássicos (como Machado de Assis, Jorge Amado, Olavo Bilac, Monteiro Lobato, José Mauro de Vasconcelos, entre muitos outros) para não perderem o jeito da Língua Portuguesa. Não se limitem a ficar com o que aprendem nas escolas. Nas escolas aprende-se o preconceito, eivado de uma lusofobia patológica. E isso é mau. É péssimo.
Aos que publicam em Portugal estas escritas preconceituosas, aconselho a terem mais brio profissional, e a defenderem a Língua Portuguesa e o Povo Português.
Ao contrário do que muitos proclamam, defender a Língua e o Povo não é um conceito rançoso, de antanho, dos tempos das mariquinhas e dos manézinhos e dos chás das caridadezinhas. Essa é uma visão empalada da questão. Quem assim pensa, ficou parado na vida e no tempo.
Defender a Língua e o Povo, hoje, é simplesmente defender a própria dignidade, a honra, aquilo que fomos e que somos. O EU colectivo.
Dizer sim aos que nos humilham é negar-nos como povo. Não podemos dar razão a quem nos vê como uma gentinha ainda porca, ainda feia, ainda má, ainda ignorante, e deixar que isso corra mundo como uma verdade, nos filmes que os outros filmam, ou nos livros que os outros escrevem...
Basta de estimular as mentes deformadas!
Já não vivemos no tempo dos archotes. As luzes hoje são outras...
Isabel A. Ferreira
in
http://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/24702.html
21 de Outubro de 2009
. «O Português Que Nos Pari...