Os mortos têm o direito a ser respeitados, e os vivos têm o dever de fazer valer esse direito.
Os fundamentos apresentados nesta Carta Aberta, assinada pelos seis bisnetos do também nosso Eça, deveria ser suficiente para ganharem esta causa, que também é minha e dos milhares de Queirosianos espalhados pelo mundo.
É que Eça de Queiroz repousa ao lado da sua filha Maria, no cemitério de Santa Cruz do Douro, um lugar que era da sua predilecção, longe do fausto de um monumento, longe do ruído de multidões, perto daquela quietude, daquele silêncio e daquela paz que, ao morrer, todos almejam.
É inaceitável que, passados tantos anos (123) os restos mortais de Eça de Queiroz tenham de andar em bolandas, apenas por caprichos de quem nunca leu, ou não leu com olhos de ler, a sua obra, e nela viu o quanto o Panteão Nacional está longe de ser o lugar que o escritor escolhesse para o seu repouso eterno.
Eis os argumentos dos seis bisnetos que contestam a trasladação do bisavô, para o Panteão, baseados na realidade e não em vontades, os quais deviam ser levados em conta, para que Eça de Queiroz não seja forçado a ir para onde nunca desejaria ir, se, lá do além, pudesse dizer de sua justiça, ou se tal não ficasse bem patente na sua obra.
Cabe aos vivos ter esse discernimento.
Isabel A. Ferreira
«Carta Aberta aos Queirosianos, e não só...»
Nas vésperas da entrada no Supremo Tribunal administrativo do recurso interposto pelos bisnetos que se opõem à trasladação dos restos mortais de Eça de Queiroz, divulgam os mesmos uma "Carta aberta a Queirosianos, e não só..."
É um documento extenso, mas que explica todos os meandros desta polémica...
Mais de 123 anos após a sua morte, José Maria Eça de Queiroz, nosso bisavô, volta a ser incomodado no seu eterno descanso. Tendo este facto gerado polémica inesperada, pontuada por desinformação, alguns destratos e até referências caluniosas, a nosso ver escusadas e que apenas ficam com quem as fez.
Sobre isto cumpre-nos esclarecer alguns pontos importantes, mas pouco abordados.
Em 1⁰ lugar é preciso esclarecer de que a Fundação Eça de Queiroz (FEQ), sediada no Concelho de Baião, não representa nem nunca representou a família do escritor, sendo uma sociedade de direito privado conjunturalmente presidida por um trisneto de Eça a quem não compete sequer pronunciar-se sobre o assunto à luz da lei vigente. Fica pois claro que a FEQ não tem direitos de representação da família nem sobre os restos mortais do escritor que está enterrado junto à sua filha no cemitério de Santa Cruz do Douro – e de que a Fundação é apenas fiel-depositária.
Como é sabido, Eça de Queiroz morreu em Paris em 1900. Foi trasladado para Portugal onde ficou depositado no jazigo da família Rezende – família da sua mulher – aguardando a decisão de sua viúva sobre o local definitivo que seria a sua última morada.
Passou-se o tempo, a nossa bisavó morreu, e os filhos aceitaram que as coisas ficassem como estavam.
Em 1989, por razões que não nos dizem respeito, a família foi Informada pela Câmara de Lisboa de que o jazigo ia mudar de mãos, e onde se perguntava também que destino iriam ter os restos mortais do nosso antepassado.
Nessa altura, foram consultadas as netas sobrevivas, e oficiosamente o então Presidente da República Dr. Mário Soares , perguntou se aceitariam a trasladação para o Panteão Nacional – eram pois as herdeiras mais próximas – e por unanimidade a sugestão foi recusada, tendo então o corpo sido enviado para o cemitério de Santa Cruz do Douro, Concelho de Baião junto à quinta que Eça mitificou no seu romance “A Cidade E As Serras”, pelo que se pensou que o assunto tinha ficado resolvido por quem de direito e que não iria ressurgir inopinadamente mais de 30 anos depois.
A Fundação foi criada por Maria da Graça Salema de Castro, viúva de Manuel Pedro Benedito de Castro, neto de Eça, que cedeu a casa e toda a propriedade à FEQ, assumindo-se compreensivelmente como Presidente vitalícia, pois tratava-se da casa onde residia desde que casara. E assim, durante mais de 30 anos, Eça repousou sossegado nesse bonito lugar, pois todos sabiam que D. Maria da Graça jamais patrocinaria a sua trasladação.
Com a sua morte, em 2015, as coisas mudaram, e com a conivência do actual Ministro José Luís Carneiro, então Presidente da Camara Municipal de Baião, membro por inerência do Conselho de Administração da FEQ e de malas feitas para ocupar importante cargo partidário em Lisboa, a Fundação propôs à Assembleia da República a atribuição de honras de Panteão a Eça de Queiroz. Proposta esta que não tinha a competência legal para apresentar, pelo que o Parlamento votou algo que não estava de acordo com a lei e que nos soou a pagamento de favores – o que, a ser verdade, seria inqualificável.
Este é um relato factual, facilmente confirmável pelos factos dados à estampa pela imprensa de 1989.
Poderá perpassar pela ideia de alguém de que esta polémica não passa de uma mera querela familiar, mas na realidade é muito mais do que isso. Trata-se de uma questão de fundo que representa um aproveitamento político para nós intolerável, tal como o facto de alguns bisnetos considerarem mais importantes as suas ambições pessoais do que a memória do seu bisavô, que com esta trasladação, seria enterrado pela 4ª vez nos últimos 123 anos.
Terminamos afirmando que nos sentimos orgulhosos com as honras de Panteão Nacional, seja através de lápide ou cenotáfio, desde que não envolvam de forma alguma a saída dos restos mortais do escritor de Santa Cruz do Douro.
Como sempre o dissemos, a obra de Eça de Queiroz pertence aos Portugueses, mas não os seus restos mortais.
Não nos movem quaisquer intenções que não sejam respeitar o que resta do Homem, e dado que nada disto é uma Sociedade Anónima, tudo o que seja contrário ao seu pensamento e escritos consistirá numa irreparável ofensa à sua memória.
Assinam:
José Maria Eça de Queiroz
Francisco de Paula Queiroz de Andrada
António Benedito Afonso Eça de Queiroz
Maria Teresa Eça de Queiroz Cortez
Isabel Maria Afonso Eça de Queiroz
Ana Leonor Queiroz de Andrada
Fonte: https://www.facebook.com/antonio.ecadequeiroz
Subscrevo este texto de João-Afonso Machado, publicado no Blogue Corta-Fitas.
Por tudo o que conhecemos do carácter de Eça de Queiroz, ele jamais desejaria que a sua ossada repousasse no Panteão Nacional. Eça está acima dessa vã vaidade, além de que Tormes é o lugar ideal para acolher um corpo que deu guarida a um espírito que, se existisse nos dias de hoje, demoliria os que, para proveito político, pretendem desalojá-lo da paz da sua sepultura, varrida pelos ventos…
Contudo, como refere João-Afonso Machado, a derradeira palavra pertencerá à Família Eça de Queiroz.
Isabel A. Ferreira
Por João-Afonso Machado, em 19.12.20
«O grande Eça no Panteão Nacional?»
«Está na ordem do dia: os restos mortais de Eça de Queiroz, pretende o Governo de Costa trasladá-los para o chamado Panteão Nacional.
O grande Eça, caso não saibam - e muitos não saberão... - morreu em Neuilly, França, e foi o cabo dos trabalhos para o trazer para Portugal, onde foi sepultado nos Prazeres, Lisboa, e, posteriormente, levado para Tormes, em Santa Cruz do Douro.
Ali repousa na sua merecida paz, longe da política e de todos os Abranhos deste mundo.
Agora, manifesta o Governo a sua vontade em o levar para o Panteão Nacional. Onde jazem figuras várias, nenhuma com a sua visão da política, do mundo e da Arte. Aliás (sem procurar apoio historiográfico), arrisco dizer - quase todos os sepultos no dito Panteão, far-se-iam mais depressa em nada se Eça sobre eles escrevesse...
Eu suponho - e espero! - a derradeira palavra caiba à Família Eça de Queiroz. E contra a Família Eça de Queiroz, é óbvio nada tenho a contradizer. Tenho é algumas ideias na cabeça. Por exemplo:
- Os governantes da época de Eça não perderam muita atenção com a sua morte. Só devido aos esforços de alguns amigos dele, atribuiram uma "pensão de sobrevivência" (aliás, de extrema necessidade) à viúva, a Senhora Dona Emília de Castro, e aos Filhos;
- Os ditos Filhos perderam essa pensão em virtude das suas convicções monárquicas, pelas quais se manifestaram nas "Incursões" de 1911-12;
- Eça, monárquico que foi, é lido da frente para trás, assim se esquecendo os seus romances A Cidade e as Serras, e A Ilustre Casa de Ramires, entre outros escritos do maior significado;
- Eça, confrontado com esta III República morreria do primeiro mal que lhe desse. Calcula-se que esse mal seria a própria enunciação do termo - "III República". É só imaginar o grande Eça em conversa com o Eduardo (Dâmaso) Cabrita;
- Pensando em As Farpas, Ramalho acompanhá-lo-ia, também, em tal desterro no Panteão. Mas Ramalho, politicamente, não é tão sonante. Mais a mais, sobreviveu à Monarquia e (in Últimas Farpas) escreveu - «A República continua dando ao mundo o mais inacreditável espectáculo - existe»...
Costa quer popularidade. Eça, que na História vai imenso mais além deste batoteiro, quer sossego. Está bem em Tormes, e recomenda-se. Por isso... Vamos todos zurzir bengaladas nestes Palmas Cavalões (e cavalonas...) da sacanice governamental. Pelo inesquecível e inigualável Eça de Queiroz.»
Fonte:
https://corta-fitas.blogs.sapo.pt/o-grande-eca-no-panteao-nacional-7168155?view=35892891#t35892891
Nota: clicar no link para ler os comentários ao texto, porque vale a pena.
. «Carta Aberta aos Queiros...