«A ortografia é um fenómeno da cultura, e, portanto, um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno, como não tem direito a impor-me uma religião que não aceito.»
Fernando Pessoa, Escritor
«Tem sido um desastre a forma como os governos têm gerido a língua portuguesa. O Acordo Ortográfico é um desastre, ninguém o cumpre, uns escrevem assim e outros, assado. No Brasil, o acordo é diferente, é a variante brasileira. Isto é um absurdo! Só estamos a criar muros quando já existem tantos muros. O nosso problema não é obviamente ortográfico, muitas vezes, é semântico, sintáctico e vocabular. O que temos de fazer é publicar os autores como eles escrevem, em Portugal e no Brasil.»
Bárbara Bulhosa, Directora e fundadora das Edições Tinta-da-China
«1. Os opositores ao AO tinham razão quando argumentavam que as grandes diferenças entre o português de Portugal e do Brasil não eram ortográficas, mas sobretudo de sintaxe.
Ana Cristina Leonardo, Escritora e jornalista, em artigo de opinião, no jornal Público, em 29-11-2024
Muito próximo das festas natalícias, ocorreu um facto (e facto agora não é igual a fato, como disse um putativo candidato à Presidência da República) assaz curioso, que pode ter passado despercebido à maioria dos leitores. O DN (Diário de Notícias) publicou um artigo de opinião de José Sócrates, intitulado “Defesa mínima consentida”, constituído por nove parágrafos, terminando os dois primeiros com a interrogação “Compreendido?”.
Tendo em conta o passado, em termos de ortografia, do autor do dito artigo, esperar-se-ia que a sua opção recaísse na ortografia do AO90, mas, surpresa das surpresas, no final do referido escrito, aparece a nota: “Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.”
O leitor mais ingénuo pensaria, certamente, tratar-se de um acto de contrição, mais de um decénio depois. O leitor mais calejado optaria por querer ver, como São Tomé. Para que não fiquem dúvidas, consultou-se, na íntegra, o referido artigo, disponível na página da internet do jornal em
https://www.dn.pt/opiniao/defesa-minima-consentida
Analisando o escrito, parágrafo por parágrafo, conclui-se que é um objecto adequado para um jogo de “Verdadeiro ou falso?”. Expliquemo-nos:
Em conclusão, como muitos outros, José Sócrates embarca no comboio do faroeste ortográfico e usa uma mixórdia ortográfica (que por aí vai circulando), misturando duas normas completamente distintas. Compreendido?
Apetece perguntar, pela enésima vez: se é assim nos círculos cultos, como será com o cidadão comum?
Ah, como se pode ver nas imagens que acompanham este escrito e que foram retiradas de páginas de Facebook de grupos contra o AO90, a ribaldaria não levantou arraiais.
Ah, como Francisco Miguel Valada tem amplamente denunciado no blogue Aventar, no Diário da República, o espe(c)táculo continua.
Ah, a RTP e outros vão tendo umas saudáveis recaídas.
Ah, ainda existem uns comentadores com opções ortográficas coerentes.
Ah, quem pode resolver esta malaquice opta por assobiar para o lado.
João Esperança Barroca
No passado dia 29 de Novembro de 2024, Ana Cristina Leonardo publicou no Jornal Público uma crónica intitulada Outras guerras: a vitória dos “espetadores” que me deixou perplexa, logo no parágrafo em destaque no topo do texto: «Embora me custe, devo reconhecer que a batalha do Acordo Ortográfico foi perdida, um “espetáculo” triste onde venceram os “espetadores”.»
A Ana Cristina Leonardo é uma excelente prosadora. E o artigo está bastante bom, sob o ponto de vista literário.
Porém, Ana Cristina Leonardo aceita, publicamente, que a batalha contra o AO90 está perdida, e isso são violinos para os ouvidos dos acordistas, que não sabem, mas ainda não triunfaram, porque os trunfos maiores estão do lado dos desacordistas.
Não devemos, jamais, dar-nos por vencidos, neste combate entre o Saber e o Não-Saber, o qual ainda não terminou. Baixar as armas (leia-se as palavras) é admitir que não temos capacidade de vencer a mediocridade, ou seja, é admitir que o não-saber tem mais força do que o Saber.
Quem é que venceu o quê? Os espetadores (isp’tâdôr’s)? E quem são esses isp’tâdôr’s? Serão aqueles que andam por aí feitos analfabetos a falar e a escrever mal a Língua que desconhecem, sem ter a mínima noção da figura de urso que andam a fazer?
É dever dos que pugnam pelo Saber, contrariar essa ideia de derrota, e lutar pela vitória, porque apenas a vitória interessa a Portugal, e seja o que for que a cronista pensa que os espetadores venceram, é apenas uma miragem, no deserto cultural por onde os acordistas vagueiam...
Do que li, quanto ao Vómito, foi uma cacetadinha ao de leve.
Penso que anda por aí muita gente com medo de dizer o que realmente pensa acerca dos novilinguistas, que dizem e escrevem o que bem lhes dá na real gana, e vão espalhando a nova doutrina retrógrada, sob o olhar indiferente dos adeptos do que não presta, ou seja, dos não-pensantes.
Pelo que vemos, os decisores políticos estão-se nas tintas para o que os desacordistas pensam, dizem ou criticam. A força desses decisores políticos está precisamente na fraqueza e no medo dos que se dizem desacordistas, mas não são capazes de dizer as verdades em voz alta, por cobardia, por medo, ou outra qualquer coisa menos nobre.
O texto da Ana Cristina Leonardo entristeceu-me.
Isabel A. Ferreira
***
Do texto de Ana Cristina Leonardo, publicado no Público, destaco dois comentários, que me chamaram a atenção:
«Por vezes, os falantes de português de Portugal e de português do Brasil têm dificuldades em entender-se, mas é por razões de vocabulário e de sintaxe, não de ortografia. Nunca foi por uns escreverem “acção” e outros “ação”, mas pelo facto de uns chamarem “mesa-de-cabeceira” àquilo que outros chamam “criado-mudo”. Portanto, ir mexer na ortografia para resolver este problema, é como uma senhora ter a casa alagada pelos joelhos, começar a chorar, e chegar o prof. Malaca Casteleiro e dizer: “Minha senhora, não chore porque as lágrimas vão inundar a casa.”»
Ricardo Araújo Pereira, Humorista e cronista
«Nunca o permitirei, fica já aqui declarado. Nunca aceitarei este acordo. Óptimo sem “pê” não existe.»
Fausto, Cantor e compositor
«Todos se lembrarão que o dito foi imposto por decreto e depois à martelada […]. A caixa de Pandora foi aberta, para não dizer escancarada, e até os então mais ferozes defensores de Acordo Ortográfico refreiam os seus ímpetos inebriantes de modernidade contra o espartilho da ortografia. Os rodapés das televisões, os jornais, a publicidade, as páginas online, e até os livros tornaram-se uma floresta de horrores […]. Não seria com certeza preciso ser filólogo, bastaria uma réstia de bom senso, para se prever que decidir decapitar todas as consoantes mudas salvo o “h”, entregando em muitos casos a grafia à vontade do freguês, […] acabaria numa degola infernal, letras a rolar como cabeças no cadafalso […].»
Ana Cristina Leonardo, Tradutora, crítica literária e cronista
Continuando a mostrar o estado calamitoso a que chegou a ortografia, vejamos o que foi respigado numa breve incursão por alguns órgãos de comunicação social:
1 - “Eduardo Mauricio [sic] salientou que foram registadas, no processo de extradição, “diversas ofensas às garantias processuais, sobretudo ao devido processo legal, ampla defesa, contraditório, busca da verdade real dos fatos e descumprimento da Lei”, tendo o seu cliente sido “julgado e condenado no Egito à revelia e sem nunca ter sido notificado formalmente de nenhum ato processual”. Expresso, 28-06-2024. (O Egipto a quem decapitaram o pê, o que já levou à criação do aberrante termo egício, o ato, que parece uma forma do verbo atar e a cereja no cimo do bolo, os omnipresentes fatos, que, na maior parte das vezes, não servem para vestir, nem para doar a gente carenciada).
2 - “Em 2023, recebemos diversos contatos [sic] e mensagens de moradores com queixas relacionadas com o ruído provocado pelas novas esplanadas, incluindo muitas vezes já depois da sua hora de encerramento, com o aglomerado de pessoas que ali permaneciam até de madrugada, refere, em comunicado, a junta liderada por Madalena Natividade. Um argumento que tanto Ricardo Maneira como Miguel Leal afirmam estar a ouvir pela primeira vez.” Expresso, 27-06-2024. Os omnipresentes contatos, de que dificilmente nos livraremos, numa notícia do jornal Expresso, transcrevendo um comunicado da Junta de Freguesia de Arroios em Lisboa.
3 - “"Hoje, e após uma análise conscienciosa e aprofundada, é forçoso constatar que a ocorrência de um tal jogo na nossa capital, neste período particularmente preocupante, irá provocar incontestavelmente manifestações importantes e contra-manifestações, comprometendo a segurança dos espetadores, dos jogadores, dos habitantes de Bruxelas, mas também das nossas forças policiais", explicou o texto, publicado esta quarta-feira.
Para o jogo contra Israel, estamos em contato constante com os serviços de segurança, o município de Bruxelas e o governo federal. A situação de segurança está analisada e as evoluções são avaliadas atentamente", acrescentou aquele organismo, prometendo "para mais tarde" novas informações. “RTP, 20-06-2024. (O hífen, que, provavelmente, estava em reclusão, aqui a ser encaixado e o mais uma vez omnipresente contato. Além disso, a preocupação com os espetadores, que não deverá ser genuína, pois basta apreender os espetos para que os espectadores se sintam seguros. O que uma simples consoante pode fazer!).
Como vê, caro leitor, nos sítios do costume continuam a usar a ortografia do costume, aquela a que Miguel Esteves Cardoso, amplamente citado no nosso escrito de Junho, chama tortografia. Não será por acaso que o jornalista Pedro Correia afirmou, há dias, no programa “Prova Oral”, de Fernando Alvim, que, sem ferramentas tecnológicas, ninguém sabe usar a nova ortografia. Porque será?
Ah, já passaram mais umas quantas meias horas e o panorama continua igual.
Ah, a coerência ortográfica dos apoiantes e dos utilizadores da nova ortografia continua desaparecida.
Ah, a SIC, entre outros, vai tendo umas saudáveis recaídas.
João Esperança Barroca
João Esperança Barroca apresenta-nos mais uns exemplos entre centenas, e cada vez mais frequentes, de um inaceitável mixordês, na comunicação social, a maior divulgadora de disparates linguísticos, e que já estão a ultrapassar todos os limites.
E o que se vislumbra lá para as bandas de Belém e de São Bento, no sentido de acabar com esta VERGONHA NACIONAL?
NADA.
E este NADA diz bem do NENHUM INTERESSE em defender a Língua Portuguesa, e de não ter vergonha na cara de se andar por aí a fazer de conta que Portugal NÃO é um país, mas simplesmente um insignificante território de NINGUÉM, que nem um presidente da República tem para defender a alínea 3 do artigo 11º (Símbolos Nacionais e Língua Oficial) da Constituição da República Portuguesa, que diz o seguinte: «A Língua oficial é o PORTUGUÊS». Não consta que seja o MIXORDÊS, que vai nesta amostragem mais abaixo.
Isabel A. Ferreira
Fonte: https://www.facebook.com/photo?fbid=10224189935789452&set=gm.4702832613095408
Em Defesa da Ortografia (XL)
por João Esperança Barroca
«[…] neste ponto do inútil e inutilizável Acordo Ortográfico, ninguém sabe bem como se escreve ou pronuncia a língua portuguesa que, ao contrário das línguas anglo-saxónicas, cortou as suas raízes latinas na ortografia e na fonética e aderiu ao patois africano e brasileiro, países onde ninguém sabe bem o que é e para que serve o Acordo Ortográfico.» (Clara Ferreira Alves, Jornalista e escritora)
«De facto! Como é possível a crianças de língua inglesa conseguirem aos 6-7 anos aprender a escrever “egg”, “leg”, “science”, “scene”… ou de língua francesa, “scène”, “science”, “cousin”, “cousine”… sem ficarem traumatizadas para sempre? […] O chamado Acordo Ortográfico não decapitou apenas a eito as consoantes mudas, com os resultados conhecidos e prenhes de exotismo que fizeram brotar das pedras vocábulos como espetador, interrutor, receção, conceção, aceção, perceção, percetível, espetável, espectáculo, etc. O AO inventou também confusões onde estas não existiam, quando, por exemplo, decide incongruentemente retirar o acento diferencial a pára, mas o mantém no verbo pôr (para o distinguir, argumenta-se, da preposição por. […] Daí a alfaiataria em que se viu transformado o “Diário da República”, com fatos página sim, página não, os contatos para contactos, que passaram a encher as páginas online de Portugal, incluindo as das universidades, ou a invenção de uma espécie rara só existente entre nós: os inteletuais, alguns deles cultores de fição e ténicas apuradas.» (Ana Cristina Leonardo, Crítica literária e autora)
No último “Em Defesa da Ortografia XXXIX”, publicado em Setembro, apresentámos um conjunto de personalidades que, convictos (e não convitos, como também por aí se lê) de que aplicam o AO90, utilizam na verdade uma outra ortografia, com fatias do Acordo de 1945 à mistura com vocábulos nascidos com o AO90. São, pois, exemplos das multigrafias que este acordo potenciou, à imagem de um qualquer scriptorium medieval.
Como é infindável o número de erros a que o AO90 abriu portas, continuamos hoje a divulgar mais alguns exemplos dos que foram iludidos pelas lérias da unidade essencial da língua e da língua de trabalho da ONU, isto é, à imagem do BES, verdadeiramente lesados pelo Acordo Ortográfico:
- Maria Eduarda Gonçalves, investigadora, escreve adopção, contrariando a Base IV do acordo;
- Filipa Raimundo, professora, escreve Outubro, não respeitando a Base XIX;
- Miguel de Albuquerque, Presidente do Governo Regional da Madeira escreve projecção, prospecção, objectivos e perspectiva, não aplicando a Base IV;
- A Presidência da República utiliza, na sua página, proactivamente, reactivamente e Jardim-de-Infância, desrespeitando, respectivamente, as Bases IV e XV;
- Pedro Santana Lopes, Secretário de Estado da Cultura, em Dezembro de 1990, e responsável pela assinatura portuguesa no AO90, como já vimos num escrito anterior, recorre a uma ortografia mista, com os nomes dos meses em maiúscula (Janeiro, Abril, Maio, Julho, Agosto, Setembro e Dezembro), recta, cabeça-de-lista e anti-sistema, a par de redações, diretor, atuais, atualizados, diretas e perspetivas. O autor da tristemente célebre tirada “Agora facto é igual a fato” não respeita, pois, as Bases IV, XV e XIX.
Se nos meios académicos e nos actores políticos o panorama é este, como será com o cidadão comum?
Quando, caro leitor, deparar com este tipo de situação, em que os respectivos emissores caíram no logro e afirmam, sem rebuço, usar o AO90, desengane-os, por favor.
Apetece, pois, fazer a pergunta que já foi feita: «[…] O que pode levar indivíduos de reconhecida qualidade científica a propor, e tornar a propor, medidas que um exame crítico, mais ou menos aturado, demonstra serem descabeladas, irresponsáveis, quando não idiotas?» (Fernando Venâncio, escritor e crítico literário)
Faz bem à alma ler textos escritos com lucidez e num Português escorreito.
Obrigada, Nuno Pacheco.
Possam eles, os governantes e seus acólitos, entendê-los (aos textos)…
Chamaram ao livro O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas regista o que vê com um “nervo” auditivo.
A escritora argentina María Gaínza (nascida em Buenos Aires, em 1975) estreou-se na novela com uma obra a que deu o nome de El Nervio Óptico. O livro, lançado em 2014, não teve ainda edição no Brasil; mas, se a tivesse, chamar-se-ia O Nervo Óptico. Editado em Portugal, pela D. Quixote, puseram na capa a fotografia de uma sala de museu com uma senhora a olhar para uma parede com quadros e este título em letras garrafais: O Nervo Ótico. Ou seja: a senhora vê com os olhos mas, pelo título, regista o que vê com um “nervo” auditivo. Consulte-se o dicionário Priberam brasileiro, numa edição recente, e o que lá vem é isto: “ótico adj. 1. Relativo ou pertencente ao ouvido. 2. Diz-se do medicamento que se emprega contra doenças do ouvido.” Nenhuma dúvida. E com P? “óptico [ót] adj. 1. Relativo à óptica ou à visão. = OCULAR, VISUAL (…).” [Portugal] Grafia de ótico antes do Acordo Ortográfico de 1990.” Para os brasileiros parece não haver aqui dúvidas quanto à escrita ou quanto à fala. Repare-se que escrevem “óptico” e, à frente, indicam que se deve ler “ót”, “ótico”, não “ópt”, “óptico”. Ora, se bem se lembram, um dos mais fortes argumentos para banir as ditas “consoantes mudas” em Portugal era que não se liam; e “o que não se lê não se escreve.” Verdade? Mentira. O “óptico” brasileiro prova-o de forma categórica: não lêem o P mas escrevem-no. Porque entendem que não se pode ser surdo dos olhos e cego dos ouvidos.
Ou pode? Em Portugal pode. Com o acordo ortográfico (AO), a palavra é a mesma, ouvidos e olhos tudo misturado, numa lamentável miscelânea pós-cubista que nada deve à arte. “Óptico” ou “ótico”? Vai-se aos vocabulários oficiais do acordismo (os do IILP) e lá está: nos vocabulários nacionais de Portugal, Cabo Verde, Timor-Leste e Moçambique (até neste, que nem ratificou o AO), ao inserirmos a palavra “óptica” recebemos por resposta: “A forma óptica não se encontra atestada neste vocabulário”. Mas está no do Brasil; neste e no chamado “vocabulário comum”, que mistura tudo sem critério só para fingir que há unificação na escrita.
Há alguma vantagem neste inominável disparate, que ainda por cima foi inventado aqui, para consumo interno e para imposição colonial a terceiros pelas áfricas e orientes? Nenhuma vantagem. Um exemplo: os ingleses pronunciam “no” e “know” da mesma exacta maneira, tal como “night” e “knight”, ou “right” e “wright”. Imaginam alguém a sugerir que tais palavras passem a ser escritas da mesma forma porque têm o mesmíssimo som? Não, loucos desses só existem por cá. O que se passa com “óptico” e “ótico”, ou “acto” e “ato” é similar: lêem-se da mesma maneira mas são palavras diferentes, com raízes diferentes e sentidos diferentes. Custa muito entender coisa tão simples?
Hoje é Dia da Mulher e provavelmente esta crónica devia falar de outras coisas. Mas já que o livro aqui citado (devido ao assassinato do seu título) foi escrito por uma mulher, juntemos-lhe textos recentes de duas escritoras, ambos a propósito. No Expresso de 3 de Março, numa crónica intitulada “Ninguém para o AO (lê-se à vontade do freguês)”, escreveu Ana Cristina Leonardo: “Continuamos a não conseguir distinguir ‘óptica’ (vista) de ‘ótica’ (audição), palavras que se tornaram homónimas em nome da uniformização da língua, mas só em Portugal, já que no Brasil a distinção se mantém e também em nome da uniformização da língua. Confused?” Não, que ideia, é tudo claro como água! No dia anterior, 2 de Março, já Alexandra Lucas Coelho escrevera, no Sapo24, um texto revoltado e notável, intitulado “Este país partido ao meio pela própria língua”. Um pequeno excerto: “Supostamente este acordo era para aproximar os países de língua portuguesa. Mas o que separa os países de língua portuguesa são muitas outras coisas, muitas delas de facto políticas, muitas delas de facto incómodas, muitas delas de facto sistematicamente ignoradas, ou menosprezadas, enquanto um acordo totalmente desnecessário, supostamente a bem da lusofonia, nos mói o juízo há 28 anos.”
Diz-se que água mole em pedra dura… O resto já sabem. Mas não há água, mole ou dura, que lave tais misérias e nos deixe definitivamente em paz. Só mesmo uma enorme vaga, temível como as da Nazaré, será capaz de arredar tanto disparate do nosso quotidiano, deixando a língua viver e respirar como lhe compete. Tardará muito? Talvez não.
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