Obrigada, Professora Maria do Carmo Vieira, por mais este excelente texto.
Esperemos que a sua voz chegue aos decisores políticos, para que as nossas crianças, que não são imbecis, não tenham mais de responder, a propósito do estudo da invasão e conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos do Norte de África, no séc. VIIIa esta questão de escolha múltipla, na disciplina de História:
«Os Muçulmanos também deram a conhecer processos de rega até aí desconhecidos:
a) a tia, a picota e o açude;
b) a prima, a picota e o açude;
c) a sogra, a picota e o açude;
d) a nora, a picota e o açude.»
Isto só é aceitável, sendo uma anedota contada à mesa de um café.
Mas a Educação Escolar deve ser uma coisa muito, muito séria. Não podem brincar com a inteligência das crianças, usando estratégias tão básicas, tão ridículas, tão anedóticas, tão de gosto duvidoso...
«Assistimos de contínuo à banalização do impensável e do absurdo não só na política, externa e interna, mas também na cultura, sendo sobre este último aspecto que me debruçarei.
A Academia das Ciência é um exemplo flagrante, se lembrarmos a forçada implementação do Acordo Ortográfico de 1990, que persiste intocável apesar das suas «contradições, controvérsias e erros» que os próprios mentores admitiram. Somos com efeito confrontados com uma instituição que em lugar de pugnar sempre, sem tréguas, pelo Conhecimento, o desfigura e desvirtua, com um à-vontade
chocante, e penso, de novo, no AO. A inércia e a indiferença actuais perante a instabilidade ortográfica, causada pela imposição do famigerado, nomeadamente no ensino, pondo em causa a sua qualidade, são atitudes intoleráveis, tanto mais que envolve um património identitário. Mas esta Academia não está só, porque sofrendo do mesmo mal, acompanham-na duas associações de professores de Português que, na sua estreita cumplicidade com o Ministério da Educação, respiram livremente perante o aviltamento da ortografia da Língua Portuguesa, indiferentes ao sentido de responsabilidade que a sua função exigiria. Refiro-me à APP (Associação de Professores de Português) e de forma mais crítica à ANPROPORT (Associação Nacional de Professores de Português) porquanto, ao invés da APP, fervorosa apoiante do AO, desde o primeiro momento, a ANPROPORT propôs, entre os seus objectivos primeiros, lutar contra o acordo ortográfico, o que nunca aconteceu.
Foi sempre para mim incompreensível a aceitação acrítica da «Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» (1990), texto único que os defensores do AO invocam, muitos dos quais sem nunca o terem lido e creio que se alguns o fizessem corariam de vergonha perante os disparates. A própria Academia continua estranhamente a aceitar a argumentação aí desenvolvida, não discutindo com académicos críticos, antes pactuando com a ligeireza, a ignorância e até o ridículo evidenciados no texto.
A «teimosia lusitana» em manter as consoantes c e p não pronunciados, a defesa das crianças cuja memória é prejudicada pelo esforço em reter as tais consoantes ou «a pronúncia» como «critério científico» são alguns dos exemplos anedóticos que aí encontramos, num testemunho trágico sobre o que se perspectiva relativamente ao estudo e ao conhecimento. Os próprios alunos reagem criticamente à nova ortografia decretada não só pela falta de lógica em algumas situações, e lembramos o «Egito e o egípcio», como pelo facto de em lugar de evitar os equívocos os fomentar. «Pêlo», por exemplo, perdeu o acento e tornou-se igual a «pelo», o mesmo acontecendo com o verbo parar na 3.ª pessoa do sing. do Presente do Indicativo que, tendo perdido o acento, se confunde com a preposição «para» , «retractar», do latim retractare, tem novo traje, distorcendo a sua etimologia, ao escrever-se como «retratar» (fazer um retrato), «espectador» tornou-se «espetador» e o ridículo é tal que houve editoras que, mesmo cumprindo o AO, decidiram, neste caso, usar sempre «espectador».
Não é de mais repetir as palavras do Professor, António Emiliano, da Universidade Nova, a propósito da «aprendizagem de qualquer ortografia […] que não é tarefa fácil para ninguém nem é suposto ser: «A função de uma ortografia não é nem facilitar o ensino da escrita nem reflectir a oralidade; a ortografia serve para codificar e garantir a coesão da língua escrita normalizada de uma comunidade nacional.» Depois da implementação forçada do AO, à revelia da vontade dos portugueses (lembre-se também os 25 pareceres contrários) tudo tem acontecido como se a ortografia fosse a representação de um espectáculo em que cada um escreve para o «lado que lhe dá mais jeito», como galhofeiramente afirmou Pedro Santana Lopes. Compreender-se-á em parte a sua boa disposição porque este AO foi, na verdade, cozinhado e pretensamente discutido entre muita galhofa e gargalhada, como testemunham as actas da sua discussão, na Assembleia da República, na qual participou também Pedro Santana Lopes.
Este gosto pelo lúdico boçal, retrato da crescente falta de cultura e reflexo de uma crescente infantilização, expõe-se também exuberantemente na Escola através de muitos manuais, nos quais já encontrei, por várias vezes, a convivência entre «espetáculo» e «espectador», e «espetáculo» e «espetador», neste último caso em sintonia com o disposto no AO, tropeçando os alunos no «espetador», pela estranheza: «espetador?», perguntam.
Confirmando ainda o que escrevi, no início deste parágrafo, deixo-vos dois exemplos elucidativos que retirei de um manual do 2.º ciclo, de História, disciplina que, a par de Geografia, se encontra em vias de extinção. A propósito do estudo da invasão e conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos do Norte de África, no séc. VIII, os autores apresentam várias questões de escolha múltipla, onde a escrita obviamente não intervém, substituída por uma cruz. Transcrevo o primeiro exemplo: «Aos muçulmanos do Norte de África que invadiram a Península Ibérica os cristãos chamavam: a) Alás, b) Mouros, c) Andaluses, (*) d) Moçárabes; e o segundo: «Os Muçulmanos também deram a conhecer processos de rega até aí desconhecidos: a) a tia, a picota e o açude; b) a prima, a picota e o açude; c) a sogra, a picota e o açude; d) a nora, a picota e o açude.» Posso dizer que algumas alunas, perante o primeiro exemplo, acharam que a colega muçulmana da sua turma «ia ficar triste porque se sentiria gozada», reagindo também com estupefacção ao absurdo de «tias, primas e sogras». «O que é isto?, foi o que perguntaram incrédulas com o que viam escrito. Se os autores pretendiam suscitar o riso, nesse doentio e exasperante lúdico, a reacção foi precisamente a inversa porque as crianças não são imbecis, se bem que desde a Reforma de 2003 se tenha vindo a actuar para que assim aconteça, prejudicando o seu desenvolvimento e perigando o seu futuro.
Num ambiente tão propício ao riso e à brincadeira, nem a Academia das Ciências escapa, alastrando o pântano cultural, lamentavelmente perante a nossa indiferença colectiva.
Maria do Carmo Vieira
Lisboa, 18 de Outubro de 2024»
***
(*) É lamentável que o erros ortográficos, nos manuais escolares, sejam demasiado frequentes, tais como este: “adaluses”, que em Português se escreve andaluzes. As crianças merecem muito mais e muito melhor. (IAF)
«O novo acordo ortográfico representa o mais profundo desrespeito pela nossa língua. As alterações ortográficas implicam necessariamente alterações fonéticas. É impossível ler espectador se escrevermos “espetador”, pois a consoante obriga a abrir a vogal. Espetador é o que espeta, ao passo que espectador é quem especta. O património linguístico é um tema demasiado sério para ser alvo de experiências mal consolidadas. Os demais países de língua oficial portuguesa, e bem, continuam a usar as suas antigas grafias. Portugal, que deveria ser o garante e a reserva da preservação deste valiosíssimo património, foi a parte mais fraca de todos os países lusófonos. É natural que cada país tenha as suas diferenças, isso só valoriza a nossa língua, e não deve obrigar a uma unificação assente em pressupostos questionáveis. Estou do lado de Vasco Graça Moura ou de Pacheco Pereira. Sei que, infelizmente, dentro de algumas gerações, a língua portuguesa ficará definitivamente deformada em tantos dos seus vocábulos, porque a Escola passou a ensinar o novo acordo. Custa-me muito ver os meus filhos, sem culpa alguma, escreverem palavras decepadas e sem relação orgânica com os seus significados. É uma pena o que fizeram com a língua portuguesa. Mas enquanto for vivo escreverei correctamente.»
Bruno Ferreira, Imitador de vozes, actor e locutor
«A verdade é que toda a imprensa e jornalistas em geral, que sempre tiveram a possibilidade de denunciar o Aborto Ortográfico, foram os primeiros a adoptá-lo! E agora o que se vê, diariamente, e em todos os meios? Erros de palmatória provocados pela natural confusão que o AO trouxe. E vai continuar a trazer. Uma língua em terra de ninguém…»
Rui Veloso, Músico e compositor
«Querem unificar o quê? A língua evoluiu de modo diferente em Portugal - falada por todos e escrita, há séculos - e no Brasil, língua oficial desde 1758, país gigantesco, com população diversa, e com cerca de 210 idiomas ainda falados no país. Querem unificar o quê? Ou querem mesmo destruir a nossa língua, que aqui nasceu e espalhámos pelo mundo?! Vergonha!»
Maria José Abranches, professora reformada no Blogue O Lugar da Língua Portuguesa, 27-02-2024
A habitual incursão em alguns órgãos da comunicação social que realizamos regularmente continua a demonstrar que o AO90 contribuiu (e continua a contribuir), como muito bem o expressa Rui Veloso, para o caos ortográfico que nos assola. Assim, na última revoada, vieram na rede algumas formas assaz curiosas:
(É sobremaneira curioso que o mesmo arrazoado seja grafado em duplicado em duas notícias diferentes).
“Dados da Fenprof indicam, que mais de 40.000 alunos continuam sem professor a, pelo menos, uma disciplina. O sindicato alerta para as desigualdades que este, fato pode ter em alunos que irão realizar exames.” I, 06-03-2024;
(O omnipresente fato que não é de vestir. Este tem desigualdades. Deve ser defeito do tecido).
(Antes do AO90, escrevia-se, indubitavelmente, nas escolas e por todo o lado, contactos directos; agora, é como calha. Contactos diretos, pelos que sabem aplicar o AO90; contactos directos pelos que rejeitam o AO90; contatos diretos, por aqueles que pensam que sabem aplicar o AO90; e contatos directos, pelos adeptos do AO90 em fatias. Alguém ouviu falar em unificação? E em simplificação?)
“Até agosto, a receita cobrada no valor de 226,7 milhões de euros é inferior em cerca de 8,2 milhões de euros à cobrada em período homólogo, avançou o vereador da Inovação e Ambiente. No campo das receitas correntes, o cenário de quebra é mais abruto. A redução, comparativamente ao período homólogo de 2019, foi de cerca de 30,2 milhões de euros. Porto (portal de notícias), 15-09-2020;
(Escrever à bruta deve ser isto).
Pois é, caro leitor, é este o estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.
Ah, felizmente, o Correio da Manhã, às vezes, vai tendo umas saudáveis recaídas.
Ah, quem se disponibiliza para ensinar que 25 de Abril se escreve com maiúscula? Sempre!
Ah, alguém pode avisar o senhor da meia hora de que houve ali um pequeno erro de cálculo?
«Custa ver Angola mais sensata do que Portugal num caso como o Acordo Ortográfico. Muito pouca gente quis este acordo. Na verdade, quem quis este acordo foram duas classes profissionais portuguesas que agiram por interesse próprio: a classe dos editores, que maravilha ter que [sic] substituir os dicionários e os livros escolares todos, e meia dúzia de académicos que tiveram aquele sonho clássico do intelectual, que é legislar.»
Pedro Mexia, Escritor e crítico literário
«Na história da nossa democracia, não há procedimento tão absurdo e tão próprio de um poder totalitário como este. Assistimos desde o início a manobras visando calar toda a contestação, mesmo a de um órgão de aconselhamento do Governo em matéria de língua, a Comissão Nacional de Língua Portuguesa, coordenada então pelo Professor Vítor Manuel Aguiar e Silva que, por ter elaborado um parecer bastante crítico do anteprojecto de 1988, foi impedido de ter acesso ao texto do AO assinado em 1990.»
António Guerreiro, Cronista e crítico literário
«Há-de haver um português de Angola, de Moçambique, de São Tomé, etc. Isso é uma forma de riqueza prodigiosa, não há que ter receio disso. Logo, é uma patetice completa este Acordo Ortográfico de 1990 e, mais, uma vigarice, porque não há unificação possível da língua. O que quiseram fazer foi uma mera unificação da ortografia e, mesmo para isso, foram agredir barbaramente a etimologia das palavras. Este acordo cheio de excepções é, portanto, mentiroso, criminoso, completamente inútil e, a meu ver, ilegal. Não percebo esta obstinação e precipitação de Portugal. Nós sujeitamo-nos à vergonha de Angola não aceitar o acordo porque tem demasiado respeito pela língua. E nós merecemos essaeugénio lisboa, bofetada.»
Eugénio Lisboa, Escritor e crítico literário
«Comparadas com as diferenças lexicais e sintácticas entre o português europeu e o brasileiro, as diferenças ortográficas são nada. Daí a inutilidade e a estultícia do Acordo Ortográfico de 1990.»
Helder Guégués, Tradutor, revisor e autor, no blogue O Linguagista, em 14-03-2024
«Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas e julgo que basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las.»
Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português (APP), em 2-09-2009, “Diário Digital”
Como tem vindo a ser habitual, nalguns dos anteriores escritos, a par de citações de personalidades ligadas à língua, damos a conhecer exemplos do que consideramos ser o caos ortográfico decorrente da aplicação do AO90. Uma breve investida por apenas dois órgãos da Comunicação Social trouxe na rede o que se segue:
1 - «As emissões de dívida obrigacionista continuam a beneficiar de um duplo contexto favorável: “Asexpetativas de que o Banco Central Europeu vá iniciar o ciclo de descida de taxas de juro em junho, aliado ao fato de Portugal ter visto revisões em alta, quer do seu rating quer das perspetivas para a sua economia, têm levado a uma ligeira descida dos prémios de risco nacional”, refere Filipe Silva, Diretor de Investimentos do Banco Carregosa.
Recorde-se que a notação da dívida faz, agora, o pleno das cinco principais agências de rating, no escalão A, mais favorável à ampliação dos investidores interessados na dívida portuguesa, e que as contas nacionais registaram um excedente de 1,2% do PIB, o maior desde o 25 de abril, e o segundo superávite alcançado pelos governos de António Costa.» Expresso, 10-04-2024.
Dando de barato a questão da dupla grafia de expectativa, chamamos a atenção do leitor para a profecia de Pedro Santana Lopes de que “facto é agora igual a fato”, como nos lembra, mais uma vez o jornal Expresso. Acrescente-se que o AO90, que tinha o objectivo de unificar a língua, veio dar-nos a obrigação de utilizarmos a forma abstrusa perspetiva, enquanto um brasileiro continuará a usar perspectiva. Unificação foi o que disseram? Além disso, à imagem de muitos outros, o Expresso e até as escolas (como se vê numa das imagens, retirada da página de Facebook dos Tradutores contra o Acordo Orográfico) parecem continuar a escrever sempre com minúscula os nomes dos meses, sem terem em conta o que estipula o AO90 no que se refere às efemérides. Chama-se aplicação fatiada!
2 - «Para os empresários, contactados pelo Expresso, estar presente no MIPIM é uma oportunidade única para estabelecercontatos, trocar ideias e explorar oportunidades de negócio e, por isso, um conjunto cada vez mais alargado de empresas nacionais repete, ano após ano, a sua presença no evento.
O sentimento partilhado é que [sic] os resultados dos contactos realizados na feira têm sobretudo efeitos no médio prazo, resultando daí a concretização de negócios e estabelecimento de parcerias com investidores.» Expresso, 18-03-2024.
Já cá faltava o omnipresente contato, acompanhado três linhas abaixo pela forma correcta contactos. Confuso? Ná, parece um texto escrito com os pés, em que a opção ortográfica é como calha.
3 - «Na carta, mostra-se solidária e até preocupada com os polícias portugueses e acrescenta ainda que vai apoiar os polícias e usar a rede de contatos que têm na Europa para lhes dar uma voz mais forte.» RTP, 19-02-2024.
Para não ficar atrás, também a RTP, qual Pai Natal, nos presenteia com este exemplo da mixórdia ortotrágica (como lhe chama Clara Ferreira Alves) que por aí vai circulando e da qual parece ser difícil livrarmo-nos de vez.
Ah, no novo governo há, pelo menos, três ministros que, no passado, tomaram posição clara na oposição ao AO90. São eles: Nuno Melo, Ministro da Defesa, Paulo Rangel, Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e Dalila Rodrigues, Ministra da Cultura.
Ah, felizmente, quer o jornal A Bola, quer o canal SIC, às vezes, vão tendo umas saudáveis recaídas.
«Eu sou contra o Acordo Ortográfico. Por isso, até me prenderem ou me darem cacetadas, escrevo em português antigo. E mesmo depois de prenderem e de me darem cacetadas.»
Nuno Markl, Humorista, locutor e escritor
«O acordo ortográfico é uma merda. A Academia [Brasileira de Letras] é uma excrescência de velhos tempos.»
Millôr Fernandes, Humorista e escritor brasileiro
«A confusão entre gramática e convenção leva a muitos enganos — como defender o Acordo Ortográfico porque a língua muda (pois muda, mas a ortografia não tem de mudar à força) […]. O acordo ortográfico trouxe confusão à ortografia e, nesse ponto em particular, estamos pior do que estávamos há 10 ou 20 anos. É um dado objectivo, que pode ser atestado pelo número absurdo de “fatos” que aparecem no Diário da República.»
Marco Neves, Tradutor, escritor e professor universitário
«Contrariamente ao muito que se diz por aí, as alterações que vão ser introduzidas são muito poucas e julgo que basta uma meia hora para os professores aprenderem as novas regras. E depois é aplicá-las.»
Paulo Feytor Pinto, presidente da Associação de Professores de Português (APP), 02-09-2009 Diário Digital.
Em escritos anteriores, temos chamado a atenção dos caros leitores para todo o tipo de aberrações que têm visto a luz do dia, à boleia do inadjectivável AO90. Não será por acaso, como já o dissemos anteriormente, que Millôr Fernandes, numa das citações em epígrafe, tenha optado por um substantivo em detrimento de um adjectivo quando o seu propósito era o de caracterizar negativamente o dito acordo.
Neste escrito de Março, a nossa pesquisa centrou-se essencialmente no termo contato, que a par de fato, é uma verdadeira pedra-de-toque da cacografia. Limitámos, desta vez, a nossa pesquisa a um único órgão de comunicação social, o jornal O Minho, contra o qual nada nos move. Apenas queremos, mais uma vez, denunciar o infindável sem-número de atropelos, decorrentes da aplicação do AO90. Acrescentamos ainda que a maior parte das citações e das imagens são relativamente recentes, comprovando que vieram para ficar. É ainda imperioso mencionar que este tipo de erros não existia antes da aplicação forçada do inaplicável AO90.
Vejamos, então, os resultados de uma breve pescaria numa tarde de fim-de-semana:
«No dia da visita/teste à viatura o suspeito contata o legítimo proprietário, informando que não será ele a ver o veículo, mas sim outra pessoa, pedindo-lhe para não mencionar valores monetários. Após a visita efetuada, o suspeito informa o legítimo proprietário que quer comprar a viatura e que lhe irá efetuar uma transferência bancária, enviando-lhe um comprovativo de transferência bancária (não efetivada).» O Minho, 02-03-2024
«“A ambição para o novo escritório de Braga não se limita às 100 pessoas que pretende contatar nos próximos 12 meses, tendo objetivos de crescimento para a cidade acima das 500 pessoas num horizonte de quatro anos”, referiu o comunicado, enviado às redações no mês de outubro de 2023.» O Minho, 23-02-2024
«Os fundos esperam que os contatos para a venda comecem em breve, com o objetivo de finalizar a transação até (sic) o verão.
[…] As autoestradas geridas pela concessionária têm experimentado aumentos médios anuais no tráfego de 12% desde 2011, sendo impulsionadas pelo fato de servirem como uma alternativa ao congestionamento na VCI, no Porto.» O Minho, 22-02-2024
«Para a distrital, esta é “uma forma diferente de fazer política, com o contato directo e permanente com as pessoas e garantindo que tudo será feito para ir além do resultado histórico nas próximas eleições, e levar André Ventura a ser o próximo Primeiro-Ministro de Portugal”. O Minho, 03-02-2024
«Após vários contatos com diversas fontes, O MINHO sabe que tanto a comissão política distrital do Chega como a concelhia não confirmam Eduardo Teixeira a concorrer por aquele partido.» O Minho, 25-01-2024
«“A ambição para o novo escritório de Braga não se limita às 100 pessoas que pretende contatar nos próximos 12 meses, tendo objetivos de crescimento para a cidade acima das 500 pessoas num horizonte de quatro anos”, refere o comunicado.» O Minho, 11-10-2023
«Segundo a SIC Notícias, a jovem estava no festival pela Paz, que foi invadido pelas forças do grupo palestiniano no último sábado. A última vez que a mulher entrou em contato com a família foi ainda na sexta-feira. O Minho, 09-10-2023
«O programa também alerta que entre as espécies de gelatinosos que ocorrem em Portugal, esta é a que exige maior cautela, devendo ser evitado qualquer contato com os seus tentáculos urticantes, capazes de provocar fortes queimaduras.» O Minho, 21-08-2023
Ah, repare na semelhança entre as citações números 2 e 6. O erro atrai o erro, não é? Os revisores fazem falta, não é?
Ah, seguindo o conselho expresso na citação número 8, é de evitar o contacto com esses seres gelatinosos e com uma ortografia incoerente, ilógica, incongruente e desrespeitadora da sua etimologia.
Ah, quantas meias horas há em catorze anos?
Ah, além de se perceber que esta ortografia só pode ter tido origem em gente sem tacto, não podemos deixar de referir o fato que impulsiona aumentos de tráfego. Sabe o leitor onde se vendem tais fatos e semelhantes fatiotas? Que estes fatos custam caro, temos absoluta certeza!
Em jeito de introdução, se me permite, Professora Maria do Carmo Vieira:
- Um texto de leitura obrigatória para todos os Portugueses Pensantes, que rejeitam (ou, pelo menos, dizem que rejeitam, o AO90, e até para os que, acriticamente, aceitaram servir o Sistema.
- Um momento único para que o Presidente da Repúblicafaça um acto de contrição, por todo o mal que o seu silêncio, a sua indiferença, o seu distanciamento deste problema gravíssimo fez e continua a fazer a milhares de alunos, as maiores vítimas da irresponsabilidade dos governantes, até porque a Professora Maria do Carmo Vieira apresenta uma argumentação absolutamente irrefutável.
- Também aqui fica declarado que enviarei este texto para o presidente da República Portuguesa, pelas vias oficiais, para que não diga: «não vi, não li, não sei de nada, não tenho nada a dizer», porque já BASTA de andar a tentar fazer de parvos os Portugueses Pensantes. Já BASTA de subestimar a inteligência dos Portugueses Pensantes. Já BASTA de prejudicar milhares de alunos, a quem se deve um Ensino de QUALIDADE, a começar pela sua Língua Materna.É chegada a hora de acabar com este insulto à Cultura Linguística Portuguesa.
Isabel A. Ferreira
***
Opinião
Ortografia e “linguagem inclusiva”: um contínuo elogio da loucura
Senhor Presidente, certamente que verá e ouvirá os inúmeros erros decorrentes do uso do AO90 e por isso lamento que silencie essa situação.
Maria do Carmo Vieira
No seu filme O Destino (1997), Youssef Chahine (1926-2008), realizador egípcio, mostra-nos, a dada altura, o filósofo do Al-Andaluz, Averróis, em discussão com o filho mais novo do Califa, Al-Mansur, recém-fanatizado em dogmas forjados e fundamentalistas (numa associação às seitas jihadistas). Transcrevo as suas palavras, bem elucidativas da leveza com que se encara o estudo e da arrogância com que se impõe uma pseudo-sabedoria: “És tão vazio que repetes todos os disparates de que te enchem. Um poema e dois versos corânicos e julgas-te poeta e sábio? Que sabes de medicina e de astronomia, de matemática e de química e de filosofia? Sabes o suficiente do amor, da verdade, da justiça para afirmar-te capaz de espalhar a palavra de Deus? Responde!”
Certamente que a sua leitura nos remeterá simbolicamente para inúmeras situações que já presenciámos, desconhecendo contornos, ou vivenciámos directamente, conhecendo-as por dentro, resumindo-se a questão grosso modo à facilidade com que aprendizes de feiticeiro (ou popularmente “chicos-espertos”) se arrogam o direito de impor, e serei benévola no substantivo, o erro e divulgá-lo religiosamente como dogma, em nome de qualquer coisa que é sempre perspectivada como um bem. Uma atitude que não me coibirei de descrever como execrável. E não abdico do termo porquanto a acção das brilhantes mentes, habitualmente matizada pelo cinismo de um sorriso benevolente, nos impõe a ignorância, conseguindo, quantas vezes, apagar valores que considerávamos profundamente gravados em nós.
A pressão que se abate sobre quem tenta reagir é tão feroz que o facto de ter usado acima o termo, gramaticalmente correcto, de “substantivo”, poderá ser ajuizado, pelos criadores da TLEBS, que à revelia o transformaram em “nome”, como um acto de “resistência à mudança”, expressão acusatória para quem põe em causa “a nova ordem”. E até o facto natural de referir por Escola Primária o agora designado 1.º ciclo pode ser, para os fundamentalistas da “nova escola”, objecto de censura por ainda estarmos imbuídos, imagine-se, de um “saudosismo salazarista”.
E neste contínuo elogio da loucura que transparece nos actos e nas palavras de quem quer impor-se, arrastando os outros nas suas tortuosas experiências, vamos assistindo a uma miríade de situações que parecem não ter fim e que, ao invés de serem travadas ou avaliadas criticamente por quem de direito, recebem o apoio, de forma velada ou não, de quem abdicou de ser um advogado à altura. A este propósito penso no Presidente da República e no seu papel quer em relação ao Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) quer à dita “linguagem inclusiva”.
Comecemos pelo AO90, cujo processo inicial se deveu à vontade de um político, o presidente do Brasil, José Sarney, que, movido sabe-se lá por que razões, se lembrou de promover, em 1986, um encontro, no Rio de Janeiro, com todos os países de língua oficial portuguesa, e cujo texto resultante deste encontro – Acordo Ortográfico de 1986 – foi fortemente contestado pelos linguistas e nunca aprovado por eles nem pela sociedade civil.
É por demais conhecido o que se passou depois da paciente espera para uma melhor oportunidade de concretização, que surgiria em 1990, sendo a novidade justificada numa inimaginável e acientífica “Nota Explicativa ao Acordo Ortográfico de 1990”. Bastar-nos-á recordar o pretenso objectivo para este AO: a irrealizável “unidade ortográfica”, na diversidade das lusofonias. Amplamente divulgadas foram também as negociatas que adulteraram o conteúdo do Tratado Internacional, originando protocolos modificativos e ratificações que até agora não se fizeram. A discussão a seu tempo feita na Assembleia da República é também um exemplo flagrante de um elogio à loucura, ajustando-se igualmente ao teor das palavras de Averróis. Na verdade, a ignorância elevou-se e nem faltou a galhofa, entre os deputados presentes, até à insultuosa votação final. As actas podem ser consultadas.
Feita esta breve introdução, lembremos como o Presidente da República, no seu primeiro mandato, se mostrou interessado pelo tema do acordo ortográfico, polémica que ainda se mantém, parecendo, nessa altura, não tencionar abandonar essa preocupação. Nas palavras de Pedro Mexia, um dos seus assessores culturais, “havia a expectativa” de que o Presidente reabrisse o debate sobre a matéria, o que aliás lhe fora sugerido também pelo prestigiado Professor Artur Anselmo, então presidente da Academia das Ciências.
Anos mais tarde, o acordo, fruto de um qualquer truque de ilusionismo amador, tornou-se “um não-problema”. Em suma: a língua portuguesa deixou de ser um património cultural a defender, estando sujeita a jogadas políticas, e o seu ensino deteriorou-se no convívio com o caos determinado pela implementação do famigerado acordo, um caos que não só se verifica na ortografia, como também na pronúncia de “novas palavras” e nos equívocos que gera (retractar, agora sem “c” é disso um exemplo, entre tantos outros).
Lembrar-se-ão também da Associação de Professores de Português (APP) que solicitou recentemente ao ministro da Educação que os alunos brasileiros não fossem penalizados nos exames, devido às diferenças linguísticas que colidem com a norma portuguesa. Por estranho que pareça, não rebateram a absurda “unidade ortográfica” que justificou o AO e que a APP sempre apoiou. Afinal, a situação exposta pôs a nu o inegável: a impossibilidade de uma unidade ortográfica.
Senhor Presidente, certamente que verá e ouvirá os inúmeros erros decorrentes do uso do AO 90 e por isso lamento que silencie essa situação, que julgo não se adequar a um professor e a um Presidente que afiançou “ser de todos os Portugueses”. Lamento igualmente que os seus assessores culturais, alguns deles críticos do acordo, e amantes da palavra, não lhe tenham sugerido a imperiosa necessidade de um debate académico e científico sobre a matéria quando é por demais evidente a permanência da polémica, existindo livros que a analisaram em pormenor, nomeadamente os do professor António Emiliano, linguista da Universidade Nova. Os exemplos de erros são incontáveis e a sua ininterrupta proliferação vilipendia a Língua Portuguesa, mal falada e mal escrita, com a agravante de nem mesmo o que ficou registado no texto da Nota Explicativa se cumprir.
São inúmeros os professores que respondem a dúvidas dos alunos sobre o modo correcto de escrever algumas palavras, tal a confusão que reina. Um colega meu de Tomar, João Barroca, tem ao seu dispor centenas, senão milhares, de exemplos das confusões ortográficas no quotidiano e na comunicação social. Situação idêntica em instituições escolares, camarárias e outras (elevado número de Editoras, entre as quais a Fundação Francisco Manuel dos Santos, plataformas de streaming…) que deviam prezar pela correcção e a esquecem.
Lamenta-se igualmente a resignação de alguns intelectuais que traem, com o seu silêncio, a causa em que publicamente se movimentaram e empenharam, apresentando inclusive propostas, como aconteceu com o Professor António Feijó, da Faculdade de Letras de Lisboa, em relação a um referendo, sugestão com a qual não concordei, na altura, mas para a qual trabalhei arduamente, e em vão, com grande número de voluntários.
Não posso deixar de transcrever também as razões que assistiam ao então director e presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras (2013), agora presidente da administração da Fundação Gulbenkian, quando escreveu ao presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, José Ribeiro e Castro, a propósito do AO: “[…] Arrogar-se o Estado legislar sobre intangíveis como a língua, que na realidade o excedem, seria uma extensão abusiva das suas funções. Numa altura em que, em Portugal, se procura definir com parcimónia quais as funções do Estado, a sua extensão a um domínio como a língua é uma forma de cesarismo indesejável. É este o meu primeiro argumento contra o Acordo. […] Finalmente, alterar o modo como escrevo para o modo como o Acordo impõe que escreva é uma forma de violência sobre o que de mais visceral pode ser a identidade pessoal. É nesta visceral violação subjectiva, que é a de todos os que, escrevendo de um modo, se vêem coagidos a mudá-lo, que reside o meu segundo, e último, argumento contra o Acordo. Se se entender que esta posição não é ‘prática’, considere-se a desoladora pobreza conceptual deste termo no debate público, que ignora versões nocionalmente mais ricas e densas do que é ‘prático’. Eminentemente ‘práticas’ são noções como a de ‘direitos individuais’, a de ‘personalidade’, de ‘solidariedade’, ou de um valor demasiado rarefeito na história moderna e contemporânea de Portugal, à sombra do qual termino, a ‘liberdade’.”
Também na Gulbenkian, encontramos estranhas convivências determinadas pelo AO: “Egito”, “egípcios” e “egiptólogos”, a propósito de Faraós superstars – designação tão em moda, a fazer lembrar Oeiras Valley!
Os erros mais crassos, e que não têm fim à vista, dizem sobretudo respeito a vocábulos cujos “c” e “p” continuam a ser ceifados a torto e a direito, mesmo quando lidos. “Contato” e “Fato” atingem o top, sendo o jornal Expresso o campeão, mas não falta também o “inteletual”, o “abruto”, a “convição”, a “batéria” e tantos outros que o Senhor Presidente certamente encontrará no seu dia-a-dia. Não o preocupa esta situação? Não o preocupam os alunos que diariamente são confrontados com erros? Não o preocupa que os professores, na sua maioria contrários ao acordo, sejam forçados a cumpri-lo sob pena de lhes ser instaurado um processo disciplinar?
Reparei igualmente que o Senhor Presidente parece ser sensível à “linguagem inclusiva”, uma linguagem criada por quem faz tábua rasa da Gramática e da lógica da língua, pretendendo impor a sua verdade, tal dogma indiscutível. Devo confessar-lhe que a sua preocupação, recente no tempo, de se dirigir aos portugueses, referindo “Portugueses e Portuguesas” me causou estupefacção e creia que não me senti mais respeitada por isso.
Saberá que há quem acerrimamente defenda que a par de “camaradas”, se diga também “camarados” e certamente “camarades”, justificando-se a sequência com a dita inclusão. Assim sendo, surgiriam “crianças, crianços e criances” ou “colegas, colegos e colegues” e os exemplos seriam infinitos e a escrita um acto de demência, concordará. E o que fazer ainda no caso de “estudante”, de “presidente” ou de “personagem” ou como resolver o problema dos artigos definidos e indefinidos que se cingem a masculino e feminino? É o tipo de raciocínio chão, da leviandade que caracteriza toda a ignorância, da feroz mania de avaliar, de dissecar, de expor ostensivamente, de inovar por inovar.
Sem dúvida que a atitude miserabilista que tomou conta destas mentes alastrou a situações afins, determinando o clímax acontecido recentemente no Teatro de S. Luís. Uma insanidade, muito aplaudida, apesar de pôr em causa o Teatro, o acto de representar e a saída de cena. Um flagrante elogio da loucura, não concorda, Senhor Presidente?
Quero ainda acreditar que o AO tornará a ser um problema, na sua perspectiva, como aconteceu há uns anos, porque é intolerável o actual desrespeito pela Língua Portuguesa e pela sua ortografia. E porque ficou por satisfazer o pedido do Professor Artur Anselmo, cujo estudo aturado merece o respeito e a admiração de todos nós, porque não agora?
Por último, desejo felicitá-lo pelo seu abraço ao imigrante nepalês, cobardemente espancado, em Olhão, por quem segue os ditames da seita já conhecida. Também aqui será de acompanhar a situação do imigrante nepalês, que, no fundo, representa todos os que procuram trabalho em Portugal (e quanto lhes devemos!...) já que se multiplicam de norte a sul os lobos com pele de cordeiro. O seu abraço, senhor Presidente, não pode ser em vão. Tem de significar alguma coisa no futuro deste nepalês.
(Convido todos os Portugueses Pensantes a fazerem o mesmo)
«Ortografia e “linguagem inclusiva”: um contínuo elogio da loucura», um texto em jeito de Carta Aberta ao Presidente da República, pela Professora Maria do Carmo Vieira
Solicito a Vossa Excelência que leve em conta o conteúdo desta Carta Aberta da conceituada Professora Maria do Carmo Vieira, porque Portugal não pode ser o 28º Estado da República Federativa do Brasil , como pretendem os Brasileiros e as autoridades portuguesas.
Isto é um INSULTO ao MEU País e a todos os Portugueses Pensantes, porque os não-pensantes estão mais interessados em futebol, novelas e reality-shows.
Agradeço, desde já, todo o afeCto que possa dispensar a este que é um dos apelos mais veementes dos que pretendem viver num Portugal LIVRE e PORTUGUÊS. Os argumentos da Professora Maria do Carmo Viera são absolutamente irrefutáveis.
Pensamos que não fica bem ao presidente da República Portuguesa tentar fazer-nos passar por atrasados mentais. Estes erros pagam-se caro num futuro a vir. A História sempre foi implacável para com aqueles que não souberam cumprir as funções que lhes foram confiadas pelo Povo. Democracia NÃO é poder dizer alto e em público o que pensamos. Democracia é OUVIR o POVO e agir em conformidade com os seus direitos. E, neste caso, o nosso direito é termos o Direito à NOSSA Língua Materna - a Portuguesa.
Do fingimento à mais profunda hipocrisia: três histórias recentes
Como se revela o fingimento, intimamente ligado à mais profunda hipocrisia e falta de respeito pelo Outro? São três as histórias que contarei a esse propósito.
Foi um grande avanço no meu conhecimento, quando, pela primeira vez, a pobreza se me revelou na ignomínia do trabalho mal pago.[2]
Não se liam os livros de uma ponta à outra; habitávamos entre as suas linhas.[3]
Walter Benjamin (1892, Berlim – 1940, Portbou)
Como se revela o fingimento, intimamente ligado à mais profunda hipocrisia e falta de respeito pelo Outro, situação a que também não é alheia a Cultura e o Saber? São três as histórias que contarei a esse propósito. A primeira tem como figura principal o Ministro da Educação, João Costa; a segunda, a Associação de Professores de Português (APP); e a terceira, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi a Reforma de 2003, cujo espírito perdura, e na qual o professor João Costa (Associação Portuguesa de Linguística – APL) interveio arduamente, em parceria com a APP, e depois no Ministério da Educação, que ditou o descrédito relativamente às Humanidades, situação que se tem vindo a prolongar até aos nossos dias, tendo dado azo ao esvaziamento de programas e à quase destruição das disciplinas de Filosofia, de Geografia, de História e obviamente de Português. João Costa, a par de muitos outros ministros da educação, tem sido efectivamente um fervoroso adepto do colapso das referidas matérias, mas agora tenta dar uma imagem contrária. Imitando, sem brilho, António Damásio que afirmou “A matemática e as ciências não fazem cidadãos”, na Conferência da Unesco, em Lisboa, (Março 2006), João Costa referiu no seu discurso que “As grandes conquistas da humanidade não se fizeram com cálculos financeiros”, aconselhando ainda, e fingidamente condoído, a “não deixarmos o mundo nas mãos de quem para tudo faz contas e de quem para tudo desumaniza”. Ter-se-á esquecido da perseguição que instaurou aos professores alterando o Regime de Mobilidade por Doença e das consequências daí advenientes? Nesse sentido, leia-se o artigo do Professor Santana Castilho (Público, 12/10/2022) e compreender-se-á o grau de hipocrisia de políticos como João Costa, numa actuação que apregoa invariavelmente os “direitos humanos” e o “bem público”.
No seu surpreendente discurso de dia 14 de Novembro p.p., repleto de frases vazias ou absurdas como a que transcrevemos – “A escolha das humanidades não precisa de justificação, da mesmamaneira que a escolha pela poesia, pela literatura e pela arte não precisa de justificação” – lamentamos veementemente a triste sorte do Ensino entregue a gente deste calibre. Gente que pactuou com a sugestão de se retirar a Literatura dos programas de Português, tentando elevar a Linguística a matéria única e fazendo reinar o texto funcional; que pôs de parte, como sendo desmotivantes, os autores clássicos; que feriu o estudo dos que por conveniência tiveram de permanecer, somando-se decisões desastrosas como retirar da leitura de Os Lusíadas a “Dedicatória” porque, segundo colegas do Ministério, apoiando-se em argumentação APP, “os alunos faziam imensa confusão com o facto de Luís de Camões dedicar o poema ao rei D. Sebastião, narrando o poeta um evento acontecido no reinado de D. Manuel. Obrigá-los a decorar datas era desmotivante…” ou o episódio de “O Velho do Restelo” que, felizmente, grande número de professores continua a ler e a interpretar porque imprescindível para compreender o Humanismo, o mesmo Humanismo a que se refere o Ministro da Educação. Sem dúvida que é o Senhor Ministro “quem tem medo da democracia e da liberdade” e por isso também “dos escritores, dos poetas, da palavra e da arte”, palavras que igualmente proferiu no seu discurso. Explicar-lhe-ei mais em pormenor o porquê da minha afirmação.
Conhece certamente o teor dos exames ou das provas de aferição de Português, para adolescentes e crianças. Todos, sem excepção, superlativamente longos, repletos de páginas, a que se juntam diferentes textos para analisar, todos igualmente extensos, alguns dos quais com recurso a cruzinhas em que, por vezes, as várias hipóteses são puras ciladas. Junte-se-lhes uma avalancha estonteante de TLEBS e ainda a produção de textos. O senhor Ministro é contra os exames e eu sou a favor, mas eu sou totalmente crítica destas aberrações que impedem os alunos de tempo para pensar, de tempo para planear e organizar um texto escrito. A literatura e qualquer outra arte exige um diálogo com o que se lê, ouve ou olha e esse diálogo não pode ser impedido sob pena de se perder o contacto com o autor. Não será assim que se entusiasmará os alunos para a leitura e para a arte em geral. Na verdade, temos de “habitar” entre as linhas de um livro ou de uma pauta ou das cores. Porque adepto da rapidez, o senhor defende desde 2003 o funcional, se bem que inesperadamente na entrega deste prémio surja com um discurso enganador, mas tão facilmente desmontável. Dou-lhe conta de que não é com o funcional que “se formam cidadãos”, nem é com o funcional que se estimula a imaginação e a criatividade, sem as quais “não haveria evolução científica e tecnológica porque não haveria curiosidade”. (ainda António Damásio).
A segunda história incide sobre a Associação de Professores de Português (APP)e a iniciativa de levar a uma reunião do IAVE o que considera ser a penalização dos alunos brasileiros nos exames, pelo uso da sua variante do português. Sem querer entrar nesta questão, porque seria matéria para um artigo, e desconhecendo se no Brasil aceitam que os alunos portugueses escrevam segundo a norma portuguesa, questiono a APP a propósito da defesa da aberrante “unificação ortográfica” que o acordo de 1990 traria, permitindo que as várias lusofonias espalhadas pelo mundo finalmente “se entendessem”, como se anteriormente isso não acontecesse. Afinal, a APP terá de concluir, engolindo um imenso sapo, que o acordo trouxe apenas desentendimento, penalização e caos, evidenciando simultaneamente uma imensa falta de respeito pela “diversidade das diversas lusofonias como património de uma comunidade de estados soberanos unidos por uma raiz histórica comum […].”[4]
Por ironia do destino, a APP, desde sempre fiel aliada do Ministério da Educação, irá reencontrar um antigo colega de trabalho, o actual Ministro da Educação, João Costa, dado necessitar certamente do seu aval para a resolução do problema dos exames e dos alunos brasileiros. Dever-se-á salientar, no entanto, que a APP abraçou desde o início a imposição do acordo ortográfico, não tendo promovido um debate sério com os seus associados, que nas palavras da direcção eram metade a favor e metade contra. Além disso, promoveu inúmeras acções de formação para difusão e “ensino” do acordo ortográfico, dentro e fora do país, quando até julgara poder ser o mesmo compreendido “em algumas horas”. Já João Costa, enquanto sócio da APL e seu Presidente, acompanhou o parecer desfavorável da direcção, solicitado, em 2005, pelo Instituto Camões, e no qual se concluía: “1. Que seja de imediato suspenso o processo em curso, até uma reavaliação, em termos de política geral, linguística, cultural e educativa, das vantagens e custos da entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990. 2. Que, a manter-se o texto actual do Acordo, Portugal não ratifique o Segundo Protocolo.” Este parecer, custará a acreditar, não foi divulgado pelo Instituto Camões (IC), e só em 2008 veio a público, porque a Direcção da APL em funções “manifestou a sua concordância com este parecer e, no exercício das suas competências enviou-o à Assembleia da República, por ocasião da Audição Parlamentar de 7 de Abril de 2008.” Mas será certo que a APP encontrará em João Costa um parceiro adequado, porque enquanto linguista já esqueceu o parecer da APL e a sua missão política não admite que recue na amnésia forçada.
A terceira e última história incide sobre oMundial de Futebol, encharcado em corrupção, crueldade e aviltamento dos direitos humanos, situações que a comunicação social e os países ditos democráticos, entre os quais Portugal, têm vindo veementemente a criticar e a acusar. No entanto, por um qualquer golpe de magia, e porque na verdade está na sua natureza (justificaria o “escorpião”) são os mesmos (e não quero generalizar porque haverá honrosas excepções) que se enfureceram tanto contra esta e outras injustiças afins que agora, em tom grave e paternalista, anunciaram ir deslocar-se ao Qatar para assistir aos jogos de Portugal, com o argumento de irem representar o país. É preciso dizer-lhes que quem nos representa num estádio estrangeiro é a equipa, são os nossos jogadores. Prova-o o entusiasmo com que adeptos de diferentes continentes envergam camisolas do equipamento português, ou hasteiam bandeiras portuguesas, tendo como justificação “Cristiano Ronaldo, o melhor jogador do mundo!”. Não caiamos, pois, em patranhas: quando alguma figura institucional decide assistir a um jogo, fá-lo exclusivamente por prazer, pelo gosto que tem em ver jogar futebol e torcer pela sua equipa (e lembremos o rodopio de políticos em viagens pagas ao estrangeiro para assistir a jogos de futebol ou quem foi forçado a demitir-se, desvendado o irresistível charme que atrai o futebol à política e vice-versa).
A acentuar o “exotismo” do país, onde certamente estes “representantes da nação” nunca iriam, está o imperdível prazer da viagem na mira das inimagináveis boas-vindas que “a representação” lhes proporcionará. Eles têm disso consciência e eles são o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, almas provincianas em procura de destaque e de colecção de “selfies” e histórias para contar. Causam igualmente dó e alguma repulsa o teor das justificações apresentadas, colidindo estas com as de outros países que politicamente não estarão presentes neste Mundial. Nesse sentido, Marcelo Rebelo de Sousa, Augusto Santos Silva e António Costa envergonham-nos. Digamos, usando as palavras de Séneca que “não são advogados à altura…”
Talvez o único bem deste mundial possa surgir da diversidade de povos e culturas que aí se juntam, resultando numa alegria que alguns jovens qataris entrevistados directamente testemunharam. Também os gestos que se têm vindo a manifestar, nos estádios, sejam os das equipas iraniana, inglesa ou alemã, sejam os das equipas dinamarquesa e belga que a FIFA proibiu, terão seguramente um qualquer efeito benéfico porque o Outro é, na verdade, essencial para um despertar. Neste momento, o Qatar, e usarei de novo as palavras de Walter Benjamin, é como um “bairro de proprietários” que ignora a “existência dos outros”.
[1]In Rua de Sentido Único e Infância em Berlim por volta de 1900, com introdução de Susan Sontag. Lisboa, Relógio D’Água, pág. 40
Desta vez por excepção, muito aocontrário do habitual, recebi não apenas o original em papel como cópias integrais do artigo por e-mail, Messenger e SMS. O que se segue é, portanto, uma transcrição feita — para variar — na maior das calmas, tecnicamente falando, mas não tanto assim no que ao texto diz respeito.
Na verdade, o aparente fait divers tambémaqui relatado, envolvendo a agremiação profissional dos professores de brasileiro (vulgo, APP), surge neste texto com um tom algo… subsidiário. A começar logo pela forma verbal “livrem-se” e da formulação “nem para isto serve”, ambas utilizadas no título e desenvolvidas no texto propriamente dito. Na óbvia presunção de que se trata daquilo que à Língua nacional respeita e, concretamente, em que medida o AO90 a afectou, com que indesculpável gravidade os professores traíram a sua missão, então seria mais do que legítimo que ao menos os bois fossem chamados pelos nomes.
Ao não apenas acatar sem a menor hesitação como ao promover a ignorância, os sindicatos da classe professoral, com a bovina anuência de grande parte dos próprios “mestres”, traíram não “apenas” a Língua Portuguesa, a Cultura e a identidade nacionais, como também a própria dignidade (e a finalidade) da classe docente. Traíram a Língua dos seus alunos, dos pais destes e de todos os seus antepassados; portanto, traíram a História, o que equivale a dizer que traíram o seu país. Traíram ao trocar o Português por um linguajar alienígena e, num acrescido assomo de malvadez, colaborando activamente na sua difusão e propaganda — ou seja, deixaram de dar aulas e passaram a fazer lavagens a cérebros em formação. Traíram com a sua cobardia e a sua impassibilidade (não existem nem passividade nem neutralidade nisto) e, em suma, acabaram por trair a sua própria consciência — ou, em última análise, traíram a si mesmos.
Pode parecer estranho, mas a Associação de Professores de Português resolveu acordar para um magno problema: o das variedades da língua e o seu impacto nas escolas. Seria mais adequado chamar-lhes variantes, embora neste caso a palavra variedades se ajuste melhor aos indecorosos espectáculos a que temos sido forçados a assistir, em nome do idioma. Umanotícia recente do PÚBLICOdeu-nos conta de que a Associação de Professores de Português (APP) resolveu propor ao Instituto de Avaliação Educativa (Iave) a criação de “um grupo de trabalho no seu conselho científico para discutir a aceitação das variedades linguísticas codificadas do português nos exames nacionais”. Isto devido a relatos de professores e alunos, queixando-se de que o exame nacional de português “penalizava quem usasse a variedade brasileira”.
O Iave, claro, mostrou “disponibilidade para discutir o assunto” e lá teremos, neste país de comissões, mais uma. Veio à baila, como convém, o “carácter pluricêntrico da língua portuguesa”, que o ministro João Costa, à data ainda secretário de Estado, já brandira num artigo seu na revista Palavras, da APP (n.º 4, 2021). Alguns excertos: “A ideia de que alguma língua no mundo não apresenta variação não passa de um mito”; “Todos têm lugar na escola, os que cresceram a falar português europeu, os que não têm o português como língua materna ou os que falam outra variante”; “Isto significa, antes que seja mal interpretado, que – na competência que a escola tem de ensinar a norma portuguesa – não podemos fazer de conta que a diversidade não existe ou que não está lá, na aula concreta e no aluno concreto. Não defendo que os erros não se corrijam, como é óbvio. Mas isso não se faz sem o desenvolvimento de uma consciência de que nem sempre o erro é o que julgamos.” Como se vê, a APP e congéneres têm muito com que se entreter, no tal grupo de trabalho – onde hão-de esbarrar com o tal elefante.
Expliquemo-nos. Aqui há uns largos anos, vieram convencer-nos de que o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 vinha criar uma norma única no espaço universal do idioma. Tal miragem teve paternidade dupla, e assumida, de dois académicos, o português João Malaca Casteleiro (1936-2020) e o brasileiro Evanildo Bechara (n. 1928, hoje com 94 anos). Ora este último, numaentrevista ao jornal Estadão, em 12/11/12, dizia coisas como estas, em favor da sua “dama”: “Em qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma”; ou: “Uma língua que tem uma só ortografia circula no mundo com mais facilidade.”
A entrevista estava pejada de declarações ligeiras e falsas, prontamente analisadas e denunciadas em Portugal porJoão Pedro Graça, tradutor, então no espaço da ILCAO (a 14/11) e porAntónio Fernando Nabais, professor de Português e de Latim, no blogue Aventar (15/11). Este, no mesmo blogue,não resistiu agora a comentara recente iniciativa da APP: “Convém lembrar que a APP esteve sempre do lado da defesa do chamado acordo ortográfico (AO90), essa oitava maravilha do mundo que, segundo os seus diversos apóstolos, iria contribuir para a tão desejada ‘unificação ortográfica’ […]”, concluindo: “Só falta a esta associação a honestidade de reconhecer que este problema constitui mais uma prova de que o AO90 é um falhanço vergonhoso.” Pois, a par das normas existentes, ainda inventou uma outra, desajeitada e inútil: o “acordês”. O elefante.
Se fosse num conto do Mário-Henrique Leiria, o elefante ia com ele “tomar uns gin-tonics” ao Bastilha, reaparecida a múmia (in “Desabamento”, Contos do Gin-Tonic, págs. 97-99). Mas como se trata da língua portuguesa, o elefante anda de braço dado com as múmias a fingir-se útil e a atormentar-nos a existência. Não, a APP não reconhecerá que errou, nem os ministros que engoliram as patranhas do dito “acordo” voltarão com a palavra atrás, como já se viu. Bem pode Marcelo Rebelo de Sousa garantir, como fez nas celebrações do 5 de Outubro, que “nada é eterno em democracia”, porque nos impuseram uma excepção (aliás, uma “exceção”) a essa verdade universal: o acordo ortográfico. Ora, citando João Costa, como “não podemos fazer de conta que a diversidade não existe”, que tal livrarem-se de vez desse empecilho que a ninguém beneficia (a não ser os poucos que dele já tiraram proveito) e aceitarem que o português tem variantes, também ortográficas? E que é conhecendo-as e sabendo conviver com elas que se fará o nosso futuro? O resto é poeira, que insistem em atirar-nos para os olhos.
Não vejo mal nenhum em reflectir sobre o assunto, porque devemos defender o elo mais fraco, que, neste caso, é o aluno imigrante. Haverá várias questões a ponderar, mas a preocupação é legítima, embora não me pareça que o problema seja assim tão fácil de resolver. O que me traz hoje aqui, no entanto, é outra coisa.
Convém lembrar que a APP esteve sempre do lado da defesa do chamado acordo ortográfico (AO90), essa oitava maravilha do mundo que, segundo os seus diversos apóstolos, iria contribuir para a tão desejada «unificação ortográfica» que resolveria problemas que nunca existiram. Resolver problemas que não existem é, aliás, uma característica talvez tipicamente portuguesa.
Com o AO90, a ortografia passaria a ser única. Evanildo Bechara chegou a afirmar, na companhia de muitos, que em «qualquer área em que seja usada, tanto no Brasil, como em Portugal ou na África, a língua portuguesa será grafada de uma só maneira. Isso significa que um livro editado em português pode correr todos esses países, porque a ortografia é a mesma.»
Somos obrigados a concluir, então, que o problema levantado agora pela APP não deveria existir, estaria resolvido pelo AO90. Pode haver quem queira disfarçar, desviando o assunto para as questões sintácticas e lexicais, mas a verdade é que continua a haver muitas diferenças ortográficas (repetindo a síntese: o AO90 extinguiu algumas diferenças, manteve diferenças e – maravilha da unificação! – criou diferenças que não existiam).
Nos últimos anos, as escolas portuguesas têm recebido muitos alunos brasileiros que, mesmo usando o AO90, escrevem com ortografia brasileira, léxico brasileiro, sintaxe brasileira. Nos exames nacionais a que são sujeitos, não existe nenhuma indicação para que os classificadores (ou correctores, como se costuma dizer) relevem essas diferenças (porque essas diferenças, de certa maneira, não existem, uma vez que temos, alegadamente, uma ortografia igual para todos).
Em resumo, saúda-se a iniciativa da APP. Só falta a esta associação a honestidade de reconhecer que este problema constitui mais uma prova de que o AO90 é um falhanço vergonhoso. Só falta, portanto, honestidade.
Testemunho da autora do Blogue «O Lugar da Língua Portuguesa»
Permitam-me que dê o meu testemunho: aprendi a ler e a escrever no Brasil, já com as consoantes não-pronunciadas, mutiladas, conforme consta do Formulário Ortográfico Brasileiro de 1943, e na Base IV do qual o AO90 assenta.
Aos oito anos vim para Portugal com o modo de falar e escrever "à brasileira", o que me valeu levar uns valentes "bolos", de vez em quando. Tive de aprender, o mais depressa que pude, a escrever e a falar "à portuguesa", para não levar mais "bolos". E considero (à parte os bolos) esta exigência correctíssima.
Aos 13 anos regressei ao Brasil, e lá, novamente, tive de regressar à grafia e ao falar brasileiros.
Eles lá, não andam, nem têm de andar, a ver quem é quem ou de onde vêm ou que Língua Materna usam. Lá, nas escolas, se queremos estudar (portugueses ou qualquer outro estrangeiro) temos de falar e escrever "à brasileira". E concordo com isto plenamente.
Pergunto: porque haverá Portugal de fazer excepções para brasileiros, e não para chineses, ucranianos, russos, e outras nacionalidades, que as temos às dezenas? Não terão todos estes estrangeiros de escrever e falar "à portuguesa"?
Se formos estudar para Inglaterra (eu também já estudei numa escola inglesa) temos de falar e escrever "à inglesa". Obviamente.
Portanto, considero "a criação de um grupo de trabalho para discutir aceitação de variedades de português em exames”, um absurdo. Inapropriado, e só demonstra uma humilhante subserviência.
Vou recuar até ao ano de 2016, quando andaram por aí a correr umas notícias que, apesar de parecerem boas, não soaram bem… E, como desde então para cá, nada mudou, e continua-se a insistir nesses erros, trago à liça o que se disse, que é o que ainda se diz sobre o malfadado, o malparido e o mal-amanhado AO90.
Seria da racionalidade, os partidos políticos discutirem este tema na campanha eleitoral, em curso. Mas qual quê?
Que jornalista se atreve a pôr em cima da mesa tal assunto?
Origem da imagem: Internet
A ACL (Academia das Ciências de Lisboa) veio a público dizer que queria apresentar, ainda nesse ano, um “estudo para aperfeiçoar o AO90”, como se o AO90 seja algo que possa ser aperfeiçoado!
A APP (Associação de Professores de Português) veio logo dizer que aceitava uma “revisão ligeira” do AO90, mas não a sua anulação. Revisão ligeira de algo que não tem pernas para andar, não será dar tiros nos pés?
A ANPROPORT (Associação Nacional de Professores de Português) por sua vez diz que a “revisão do AO90 é bem-vinda”.
Nenhuma revisão é bem-vinda. Apenas a anulação deste abortográfico é bem-vinda.
Tudo isto seria interessante se o AO90 tivesse alguma ponta por onde pegar.
Mas, como sabemos, o AO90 é a maior fraude política de todos os tempos, e assenta em interesses político-económicos obscuros, e numa atabalhoada e aparvalhada visão do que é uma Língua culta e íntegra, e na ignorância de quem o aplica cegamente.
Esmiucemos o que disse a APP:
«A presidente da Associação de Professores de Português (APP), Edviges Antunes Ferreira, afirma que aceita uma “revisão ligeira” do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), “para não trazer tantos prejuízos, mas nunca anular o AO90”.»
Para não trazer tantos prejuízos a quem? Os prejuízos já são mais que muitos e continuarão a crescer até ao infinito, se AO90 não for anulado urgentemente.
«Relativamente ao regresso de algumas consoantes mudas, Edviges Ferreira foi clara: “nós não concordamos; é muito mais simples escrever conforme falamos do que estarem a perceber ou a decorar, principalmente depois de ter abolido e estar a escrever de uma determinada forma, estar a voltar atrás”.
Não admira que o Português ande tão de rastos. Se a senhora disse isto assim tal e qual, não estará tudo dito?
Vamos lá a ver, senhora Edbiges (é assim que se fala no Porto, logo deverei escrever assim), se é mais simples escrever conforme falamos, deitemos ao lixo as gramáticas, e ensinemos às crianças o alfabeto, depois a juntar as letras e depois que escrevam conforme falam. E teremos uma Torre de Babel no nosso minúsculo país, que de terra, para terra, fala-se de modo diferente.
Cá para os meus lados diz-se ceboles e batates.
Mais ao sul, dizem se nan qerem ir nan van.
Ao norte, bai-se de calqer jeitu.
Em Lisboa paceiase à bâira riu.
A senhora Edbiges parece não ter andado na escola, e não aprendeu a decorar. Todos nós decorámos tudo e cantávamos todos os rios e seus afluentes e linhas de comboios, e montanhas e mais tantos outros saberes, apenas com 8/9 anos. Só os menos dotados intelectualmente é que se atrapalhavam.
Não é desse tempo a senhora Edbiges.
A senhora referiu ainda que «observando as contestações ao AO90, o nível etário das pessoas é bastante elevado, em média, o que significa que há sempre aquelas vozes, que são os ‘Velhos do Restelo’, que tudo que seja mudança, não a vêem com bons olhos».
Como disse senhora Edbiges?
«Velhos do Restelo»?
Não sei se a senhora ensina crianças, se ensina, pobres crianças.
A senhora conhece a expressão “Velhos do Restelo”, mas não sabe o que significa.
Nesta jornada anti-AO90, existem muitos jovens, que de velhos do restelo nada têm. O que têm é bom senso e amor à sua Língua Materna, e sabem distinguir o trigo (a Língua Portuguesa) do joio (a ortografia abrasileirada e amixordizada pelos acordistas portugueses, a qual dá pelo nome de AO90).
É mais fácil dizer às crianças: escrevam como falam, do que lhes ensinar as regras gramaticais. Não é? Ensinar dá muito trabalho. Mas se ganhamos salários é para ensinar, não é para fazer-de-conta-que-ensinamos.
Defensores da anulação do AO90 rejeitam propostas de revisão
Os defensores da anulação (não se diz “revogação” porque não podemos revogar algo que não existe, que é ilegal) do Acordo Ortográfico de 1990, entre eles o jurista Ivo Miguel Barroso, consideram que as posições “revisionistas” do AO90 “são de rejeitar”.
Porquê?
As razões jurídicas apresentadas por Ivo Miguel Barroso:
«O destino adequado para o AO90 é o caixote do lixo.
Quem conhece o Direito dos Tratados sabe perfeitamente que, se o AO90 é para ser revisto, é necessário que haja uma alteração do teor do Anexo I e II (Bases e Nota Explicativa). Ou seja, tal implicaria um novo Tratado ou uma revisão do mesmo entre todos os Estados da CPLP, no sentido de alterar o Anexo I do AO90.
Ora, para que isso suceda, é necessário que todos os Governos dos Estados assinem; e que, depois, o novo Tratado seja ratificado internamente. Por outro lado, tal propósito de revisão significaria que pelo menos parte das normas do AO90 não seriam para cumprir».
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Outras razões razoáveis:
Não queiram atribuir às crianças a PARVOÍCE dos adultos.
Utilizam as crianças como escudo, para não terem de retroceder e anular o abortográfico.
No entanto é preciso ter em conta o seguinte: se as crianças conseguem aprender facilmente o Inglês, cujo léxico inclui tantas consoantes mudas, e o Castelhano, poderão mais facilmente aprender o Português que tem algumas, mas não tantas, como a língua de Shakspeare (ou deverei escrever Xeikcepiâr, e a de Cervantes, Cerbantes à moda do Puârto.
Se elas conseguem aprender a escrever THOUGHT, mais facilmente aprenderão a escrever ACTO ou ACÇÃO. Porque sem o CÊ, estas palavras terão de ser escritas assim: ÁTO e ÁÇÃO, ou então atirem com a Gramática ao lixo.
Está provado cientificamente que o cérebro das crianças é como uma esponja: absorve tudo com muita facilidade, porque ainda está vazio de conhecimentos (isto dito assim para que todos entendam). Aprendem e desaprendem com uma perna às costas, sem a mínima dificuldade.
Para as que já aprenderam a língua mutilada, vai ser muito simples desaprendê-la, e reaprender a verdadeira Língua Portuguesa, acompanhada pela Gramática, até porque, muitas estão também a aprender a Língua Inglesa e a Língua Castelhana e para elas é estranho escrever-se, em Inglês e Castelhano, por exemplo direCtor e em português diretor (e atenção, que neste caso deve ler-se dir’tor). O CÊ abre o E, se no há CÊ deve escrever-se dirÉtor.
Vou aqui repetir algo, que já escrevi muitas vezes, para que se saiba que uma criança não é a estúpida que os adultos, nomeadamente os professores menos dados a “esforços extras”, dela pretendem fazer: Eu viajei para o Brasil com dois anos, e aos seis, lá aprendi a ler e a escrever o “Português” mutilado; aos oito anos tive de regressar a Portugal, e cá tive de reaprender a língua culta (era o que me diziam) tal como deve ser. E simplesmente APRENDI, sem a mínima dificuldade. Aos catorze anos, de volta ao Brasil, tive de DESAPRENDER a minha Língua Materna e regressar à língua mutilada. Sem problemas.
Aos vinte anos deixei o Brasil definitivamente e fui estudar para Coimbra, e lá tive eu de abandonar a língua mutilada, e fixar-me na minha adorada Língua Materna, que aprendi a amar com a leitura dos nossos clássicos, e hoje defendo-a com as garras de fora.
E por aqui me fico, dizendo que o AO90 nada tem para rever.
É lixo ortográfico que deve ser incinerado como lixo altamente tóxico.
Isabel A. Ferreira
(Os textos completos das notícias, em que me baseei, podem ser lidos nestes links):
«Demonstra bem até que ponto o tal "acordo" contribui para a estupidificação das massas: duas consoantes seguidas, corte-se a primeira... Tristeza! Já há muito que a iliteracia é apanágio da sociedade portuguesa, mas, desde o AO90, ela tem estado nos píncaros. O exercício de pensar parece ser cada vez mais raro.» - Elisabeth Henriques
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Acordem PROFESSORES!
Não estará na hora de se REVOLTAREM?
Recusem-se a ser cúmplices desta miséria linguística.
Unam-se como se fossem um exército.Está nas vossas mãos extinguir o AO90.
Nenhum Governo, por mais ditatorial que seja, pode despedir ou penalizar um EXÉRCITO de Professores, que têm a RAZÃO do lado deles.
Nenhuma Lei vos obriga a ser incompetentes, ao ponto de em vez de ensinar aos alunos a Língua Portuguesa, optaram por uma língua de farrapos.
Tenham espírito de MISSÃO.
Como Mestres do Ensino, não se demitam da vossa RESPONSABILIDADE quanto ao estado caótico em que se encontra a prática da linguagem escrita, mas também falada, em Portugal.
Vós sois PROFESSORES! Não sois paus-mandados!
Devolvam ao ENSINO a dignidade perdida. Porque a Língua não abrange apenas uma disciplina. A Língua é o pilar de TODAS as disciplinas.
Não cedam a chantagens! Ergam as vossas vozes, porque é urgente acabar com esta pobreza linguística, e só vós o podereis fazer. Tenho certeza de que terão o apoio de todos os desacordistas portugueses.
A autora deste Blogue não adopta o “Acordo Ortográfico de 1990”, por recusar ser cúmplice de uma fraude comprovada.
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