Um texto de M. Moura Pacheco, professor universitário aposentado, que nos fala da “unidade” linguística que o AO90 veio acrescentar à nossa escrita, à escrita da Língua Portuguesa que, obviamente, é a de Portugal, ou não fosse Portugal o berço desta Língua, que gerou uma Variante, a brasileira, que está no cerne da “pentaortografia” aqui esmiuçada.
Isabel A. Ferreira
Por M. Moura Pacheco
«Quando eu aprendi a escrever, havia duas ortografias: a certa e a errada. Agora há, pelo menos cinco. E todas auto-consideradas certas – é a pentaortografia.
1 – Primeiro a ortografia clássica ou ortografia antiga, como alguns lhe chamam (e muito bem) (*). Foi com essa que aprendi a escrever e é com essa que escrevo este e outros textos, sempre da forma o mais ortodoxa possível, isto é, fiel à norma e evitando os erros. Estes, se acontecerem, são involuntários.
2 – Depois há a ortografia do chamado «acordo ortográfico» que, por sinal, nunca foi acordado.
Esta, por sua vez, comporta algumas variantes consoante os vários pais do «acordo». Porque esta ortografia é filha de muitos pais, desde filólogos que se sentem pais e donos da língua, até políticos que julgam que a língua evolui por decreto. Por sua vez, estes pais são quase todos bígamos, cada qual casado com a sua opinião e com a sua presunção.
Esta é a ortografia dos devotos do «acordo».
(Não há aqui espaço nem tempo – nem esse é hoje o meu intuito – de tratar do acerto ou desacerto do «acordo» que nunca foi acordado).
3 – Há ainda a ortografia do «super-acordo» ou dos fanáticos do «acordo». São aqueles que não podem ver uma consoante antes de outra sem que, zelosamente, a façam cair.
O «acordo» estabeleceu que as consoantes mudas devem cair (**), como, por exemplo, é o «p» de «baptismo» ou o «c» de «actual». Mas os fanáticos super-acordistas vão mais longe e entendem que não só as consoantes mudas devem cair, mas também as falantes. Fazem cair o «c» de «contacto» ou de «facto» e escrevem «contato» e «fato». Como cair fazem o «p» de «criptogâmica» ou de «abrupto»» e escrevem «critogâmica» e «abruto». Ao fazer cair aquele «c» e aquele «p», esta ortografia permite-se o desplante de também querer «acordar» a pronúncia!!!
4 – A quarta ortografia (possivelmente a mais corrente) é uma mistura das três anteriores, em doses e proporções ao gosto de cada um, em «cocktails» sortidos de um extenso cardápio.
Basta ler qualquer revista ou jornal, ou, de preferência, aquelas notas de rodapé que as televisões passam todos os dias, para nos apercebermos da imaginação criadora destes novos «barmen».
5 – A quinta ortografia é a que não se integra em nenhuma das anteriores, que está errada à luz de qualquer delas, que desvirtua a fonética, atraiçoa a etimologia, ofende a morfologia e atropela a sintaxe. Uma espécie de sublimação da anterior. Mas é, talvez, a mais popular de todas.
Das duas velhas ortografias, o «acordo» que ninguém acordou conseguiu fazer cinco – a pentaortografia. É o que se chama produtividade cultural!!!
*Professor universitário aposentado.
Nota: por decisão do autor, este texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.
Fonte:
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(*) Neste ponto, permita-me discordar do senhor Professor. A ortografia que está vigente em Portugal, desde 1945, a nossa ortografia, não deve ser chamada de “ortografia antiga”, porque ela não é antiga, mas actual. A “antiga ortografia” é a de 1911. E a ortografia preconizada pelo AO90 é a de 1943, implementada apenas no Brasil. É que nem sequer o AO90 está em vigor, como os governantes nos querem fazer crer. O AO90 está em vigor apenas para os servilistas e desinformados, os comodistas e acomodados, e claro, para os que optaram pela ignorância, porque uma Resolução do Conselho de Ministros não faz lei, e apenas uma LEI pode pôr em vigor alguma coisa.
(**) Aqui permita-me o Professor M. Moura Pacheco, acrescentar o seguinte: não foi o AO90 que estabeleceu que as consoantes mudas devem cair. Esse estranho propósito, existe no Brasil desde 1943, por isso, eles escrevem teto, arquiteto, fatura, setor, adoção, direto, etc., etc... Antônio Houaiss e, mais tarde, Evanildo Bechara, ao convidar Malaca Casteleiro para se unir aos Brasileiros, no sentido de elaborarem um “acordo ortográfico” entre os dois países, já tinham na mira a Base 4, do Formulário Ortográfico de 1943, estabelecido unilateralmente pela Academia Brasileira de Letras, para vigorar apenas no Brasil, e que dizia o seguinte: Consoantes mudas: extinção completa de quaisquer consoantes que não se proferissem, ressalvadas as palavras que tivessem variantes com letras pronunciadas ou não, a base usada na formulação do AO90, com o intuito de “unificar” as grafias brasileira e portuguesa, esquecendo-se os obreiros de tal (des)acordo que os Brasileiros não pronunciam, por exemplo, o Cê de contaCto e de faCto, e os Portugueses pronunciam; e que os Brasileiros pronunciam o Pê de percePção e recePção e suas variantes, e os Portugueses não pronunciam. Daí que essa unificação teria de passar por esta coisa simples: ou os Brasileiros começavam a pronunciar o Cê de contacto e facto, e a não pronunciar o Pê de percepção e recepção, ou instalar-se-ia, como se instalou, a tal pentaortografia de que nos fala o Professor, e a qual não interessa a ninguém. Mas como os portugueses servilistas sempre tiveram a mania de ser mais papistas do que o papa, e como a ordem emanada das mentes alienadas acordistas é para cortar, seja torto ou a direito, os cês e os pês, que lhes aparecerem pela frente, até quando eles se lêem, como é o caso dos exemplos apresentados pelo Professor, temos a inconcebível escrita analfabeta que, desavergonhadamente, anda por aí a envergonhar Portugal e os Portugueses, numa atitude única e inconcebível, em todo o mundo, que é a de fazer recuar uma Língua (a Portuguesa) à variante de si própria (a brasileira).
Jorge Calado diz que dá-lhes jeito pensarem que somos todos criancinhas, mas até as crianças já se aperceberam de que algo vai mal na Língua que lhes estão a impingir nas escolas, e fazem perguntas inteligentes, exigindo respostas também inteligentes. E mais: elas, porque são muito mais perspicazes do que os que lhes ensinam a escrever incorretamente (incurrêtâmente) a Língua Materna delas, apercebem-se imediatamente quando as respostas são estúpidas, e o que eu ouço as crianças dizerem acerca dessas respostas dava para escrever um tratado sobre «Como afastar as crianças do gosto pela Língua, pela Escrita e pela Leitura».
Isabel A. Ferreira