Observação: por ser do interesse de todos os que, com boa-fé, se entregam à luta anti-AO90, eu, como autora do Blogue «O Lugar da Língua Portuguesa», um lugar/repositório de quase, quase tudo o que tem sido publicado e realizado acerca da luta contra o AO90 e em defesa da Língua Portuguesa, considerei, por bem, reproduzir a entrevista que o site «Vidas e Obras» fez à Página do Facebook «Tradutores Contra o Acordo Ortográfico».
É preciso que exista em Portugal uma verdadeira e informada opinião pública, como refere a Professora Helena Carvalhão Buescu, e para tal é necessário ler o que se diz e o que se escreve acerca desta matéria.
Isabel A. Ferreira
Fizeram várias publicações no Facebook sobre a “Resistência ao Acordo Ortográfico”. O que é preciso para que a resistência consiga efeitos imediatos?
A resistência já vem de longe, desde 1986, quando a sociedade civil se mobilizou em peso contra uma proposta de acordo ortográfico cheia de bizarrias (como o famoso “cágado” sem acento). Ainda assim, esse plano não foi derrotado — com uns retoques, havia de redundar no Acordo Ortográfico (AO) de 1990. Desde Vitorino Magalhães Godinho e o Grémio Literário a Vasco Graça Moura e ao Público, passando por José Pacheco Pereira, Miguel Sousa Tavares, Teolinda Gersão, Maria do Carmo Vieira e tantas personalidades e cidadãos mais ou menos anónimos, a resistência sempre esteve viva, fosse sob a forma de artigos de opinião, petições, uma iniciativa legislativa de cidadãos, acções judiciais, cartas a deputados e governantes, audições parlamentares, grupos de trabalho no Parlamento, a tentativa de referendo, activismo nas redes sociais e em blogues, etc. Em 2012, porque a voz dos tradutores sobre a questão foi quase nula, esta página quis dar o seu contributo.
Para se ter uma ideia do nível de oposição que existe, nunca houve uma única sondagem ou inquérito de opinião favorável, com a rejeição do AO a ultrapassar sempre os 60 %. Por todo o país, inúmeros órgãos de comunicação social, entidades públicas e privadas, editoras e autores continuam a não aplicar a nova norma. Esse simples acto, juntamente com a renúncia à compra de determinados livros ou jornais, ou a correcção de grafias em placa/avisos, constitui uma poderosa forma de resistência ao alcance de todos, embora com o passar do tempo essa atitude vá esmorecendo. Chegou-se a uma fase em que enquanto não houver vontade política, seja da maioria dos partidos, do Governo ou da Presidência da República, as tentativas de anulação ou discussão do assunto ao mais alto nível estão votadas ao fracasso. A postura do facto consumado tem feito o seu caminho, mas como se costuma dizer, nunca é tarde para se corrigir um erro. Neste caso, vários erros, tantos quantas as bases do Acordo, que levaram a confusões ortográficas, semânticas e de pronúncia. Nenhuma reforma anterior levou a este estado de coisas, o que diz bem das deficiências técnicas e científicas do documento.
Têm uma fotografia duma manifestação intitulada “A Língua não é uma mercadoria. Não está à venda!”. A ortografia já foi alterada três vezes à revelia do povo, resultando neste novo acordo ortográfico. De que forma é possível que esta premissa de que a Língua não é uma mercadoria e que não está à venda seja cumprida?
As alterações ortográficas têm coincidido com mudanças de regime, fosse em 1911, com a instauração da República, em 1945, durante o Estado Novo, ou em 1990, na democracia. Daqui se depreende que têm sempre um grande cunho político, subalternizando-se a parte técnico-científica. Isto foi por demais evidente no caso do último Acordo, em que a vertigem do tema levou o então primeiro-ministro Cavaco Silva a mandar assinar logo o documento e o Governo de José Sócrates a fazer aprovar o Segundo Protocolo Modificativo, de acordo com o qual bastaria a ratificação de apenas três países para que o tratado vigorasse. Uma manobra de desespero e imposição a todo o custo, visto que o assunto estava engavetado e esquecido há vários anos.
O ritmo a que Portugal faz reformas ortográficas, já sem contar com ajustes pontuais, resulta em alterações a cada 35 anos, um caso sem paralelo na Europa, por exemplo. A ortografia é conservadora por natureza, dado que a estabilidade convém à compreensão e é uma forma de entendermos o ontem e nos fazermos entender no futuro. Não deve ser alterada a bel-prazer, com ligeireza e como uma cartada ideológica ou uma moeda de troca diplomática. Por alguma razão nada disto aconteceu com o inglês, que, apesar de “arcaico” na forma, é a língua franca internacional, da modernidade e do futuro, seja na Internet, nas aplicações, na programação informática, nas publicações científicas, etc. Também a ortografia cristalizada do francês, cheia de duplas consoantes, letras mudas e falta de correspondência entre escrita e fala, não obstou à sua aprendizagem e a que o idioma tivesse nível mundial e fosse veículo de conhecimento. Por conseguinte, deixe-se a língua em paz. O património maior de qualquer nação, por ser um bem intangível, não pode servir para mercadejar. Acresce que, volvidos quase 15 anos da adopção, nenhum dos objectivos do Acordo foi cumprido, fosse no intercâmbio entre países lusófonos, na uniformização, na projecção do português, na maior simplificação, nas actas únicas em fóruns internacionais e na abertura do mercado livreiro.
Têm um álbum no Facebook sobre: “Oposição em Portugal ao Acordo Ortográfico”. De que forma é possível aumentar a oposição ao acordo?
Páginas como esta e grupos no Facebook e noutros locais, blogues, artigos em jornais, reportagens específicas e emissões dedicadas ao AO constituem contributos valiosíssimos não só para a compreensão e o despertar para as questões da língua, mas também para desconstruir muitas das teorias do acordismo e expor o seu fracasso. A este respeito, o jornalista Nuno Pacheco tem sido um lutador incansável, divulgando não só os erros e o caos ortográfico, mas dissertando sobre a relação que a política e os costumes em geral têm com a língua e a sua forma escrita. Também o escritor e revisor Manuel Monteiro, nos seus livros e em entrevistas, nunca perde a oportunidade de denunciar os atropelos do Acordo, que nem estará vigente (o decreto da norma anterior não foi revogado), conforme explanou o embaixador Carlos Fernandes em livro.
Criou-se em relação à língua portuguesa a ideia de que pode ser diversa em tudo, menos na ortografia, o que não se passa em nenhuma das línguas com variantes fortes. Esta visão é completamente anacrónica nos dias que correm. Cada país deve seguir as suas próprias orientações em consonância com as especificidades da sua variante, gozando de soberania linguística. Os Brasileiros mandam na sua variante, nós na nossa e os Angolanos na sua. Esta perspectiva teria evitado tantos equívocos e verdadeiros atentados culturais. É divulgando estas ideias, que no fundo são de senso comum, que será possível chegar a mais pessoas e aumentar a oposição, seja do ponto de vista técnico, social ou até filosófico. É que o AO faz mesmo o pleno — é uma aberração científica, política, jurídica e diplomática.
Têm um álbum no Facebook sobre: “Caos ortográfico pós-AO”. Após vários anos de imposição ilegal do Estado, Presidência, escolas, universidades, revistas, canais de televisão e outros meios de comunicação em que medida o AO tem prejudicado quer a ortografia, quer a oralidade? E que impacto é que tem tido este este Caos Ortográfico nos alunos, quem lê na TV ou jornais e revistas? Em que medida as alterações desde a reforma ortográfica têm prejudicado a ortografia, e este caos tem prejudicado as traduções?
O Acordo lançou a ortografia portuguesa num caos que é indigno de uma língua desta dimensão, como observou Bagão Félix. Não só continua a existir uma mistura permanente de grafias pré e pós-AO, como surgiram erros atribuíveis aos novos preceitos, como sejam “adeto”, “elítico” e “interrutor” (supressão do “p”), “espétaculo” e “desinfétar” (acentuação indevida pela retirada da consoante muda diacrítica), “inteletual”, “impato” e “fição” (ausência do “c”), “galático”, ”adição”, “contato” e “fato” (não perderam mesmo o “c”), “25 de abril” (mantém a maiúscula), “excessão” (a queda do “p” levou a uma deturpação ainda maior), etc. Grafias deste tipo aparecem com frequência no Diário da República e já constaram numa reprodução da Constituição Portuguesa no site da Assembleia da República. Além disso, um fenómeno inédito que ocorreu foi o retorno da escrita sobre a oralidade, como proferir “afêta” (devido à grafia “afeta”), em vez de “aféta” (“afecta”), ouvido a um jornalista há uns dias, ou “coâção” (“coação”) por “coàção” (“coacção”). Vocábulos noutras línguas têm surgido com consoantes truncadas, incluindo na imprensa. Depois, por via da supressão de hífenes, passámos a ter verdadeiras aberrações gráficas, tais como “conarrar”, “cocomandante”, “corréu”, “contraião”, “semirrei” ou “intrauterino”, além de confusões ortográfico-semânticas entre palavras que se tornaram demasiado parecidas, como são os casos de “conceção”/“concessão” e “interceção”/”intercessão”/”interseção”. Tudo isto, que está documentado em profundidade na página, e a que acresce o desmembramento de famílias de palavras, leva o falante a ter mais dúvidas do que certezas na hora de escrever. Houve uma dispersão ortográfica ainda maior do que antes, com a não-aplicação das novas regras pela maioria dos países lusófonos, com destaque para Angola e Moçambique, e nos próprios países que as aplicam devido às duplas grafias e à colagem da grafia à pronúncia, que será o aspecto da língua que mais variação apresenta. Toda a gente passou a escrever de uma forma ainda mais diferente.
Embora o objectivo fosse facilitar e simplificar a escrita, o que vemos é o inverso, porque a nova ortografia é pouco intuitiva. Temos recebido na página imagens de professores que se deparam com erros gritantes resultantes do Acordo em provas dos seus alunos, com os próprios a confessarem que não viam esse tipo de erros antes. Nas traduções, particularmente em filmes e séries, e inclusive em capas de livros, surgem vários tipos de anomalias, de que damos conta na página. Em sites de empresas de tradução, não é raro ler a indicação “Contatos”. Há tradutores que passaram a trabalhar para os mercados de Angola e Moçambique, a fim de contornar toda esta trapalhada.
Têm um álbum no Facebook sobre “Factos e propaganda anti-AO”. De que forma pode isso ajudar a esclarecer e levarem as pessoas a tomarem uma posição contra o acordo ortográfico?
É no esclarecimento que está a chave para que os cidadãos tenham consciência deste problema. Há pessoas que não tinham uma opinião definitiva ou eram a favor, mas perante as contínuas evidências foram obrigadas a reconhecer que não estavam a par de toda a realidade da questão. Em vez de bater no peito com o patriotismo lusitano, que em si não serve de muito para esta causa e pode prejudicá-la pelo desvio para outros campos, a solução é informar, explicar, educar. E convocar pessoas que nos outros países combatem este processo, incluindo no Brasil, onde existe uma oposição significativa entre académicos, personalidades de várias áreas e políticos.
O AO não é de esquerda nem de direita, tem apoiantes e detractores de ambos os lados, nem a norma de 1945/73 é «o português dos nacionalistas», como se escreveu por aí, e não presta porque é «do tempo da ditadura», segundo Santana Lopes. É apenas a norma estável, mais coerente e mais bem elaborada após as alterações de 1911.
Quais são os vossos sonhos para a Língua portuguesa e para Portugal?
É evidente que a língua portuguesa não se esgota no AO. Há quem afirme, como o professor Fernando Venâncio, outro antiacordista, que o idioma não está tão mau como muitos querem fazer crer e que esse sentimento é cíclico e já ocorreu noutras épocas. Pode ser verdade até certo ponto, mas é inegável que, somando-se ao AO, o português enfrenta desafios como o uso massificado e tantas vezes despropositado de anglicismos, o empobrecimento do ensino ou o afunilamento do vocabulário. Não podemos ser passivos e ficar à espera de que a língua sobreviva só por si própria, até porque, como se sabe, se extinguem línguas todos os anos com a morte do último falante e o avanço hegemónico do inglês a nível global ou de outras línguas mais poderosas a nível regional.
Por outro lado, não podemos estar dependentes do Brasil como o motor da língua e a olhar sempre para o outro lado do Atlântico. O Brasil faz o que lhe compete, faz avançar a sua variante, e tem algo que Portugal ainda hoje não tem, uma verdadeira política da língua, algo que o AO serviu para mascarar, sem nenhuns resultados práticos, como é notório. Será isso que falta a Portugal como um todo, mais iniciativa, mais capacidade de comando, menos atrelamentos, menos dependências, seja demográfica, económica ou culturalmente. Por vezes, dá a ideia de que temos um país ao contrário.
Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.
Projecto Vidas e Obras
Entrevista: Pedro Marques
Correcção: João Aristides Duarte
01 De Abril De 2025
Fonte:
«O novo acordo ortográfico representa o mais profundo desrespeito pela nossa língua. As alterações ortográficas implicam necessariamente alterações fonéticas. É impossível ler espectador se escrevermos “espetador”, pois a consoante obriga a abrir a vogal. Espetador é o que espeta, ao passo que espectador é quem especta. O património linguístico é um tema demasiado sério para ser alvo de experiências mal consolidadas. Os demais países de língua oficial portuguesa, e bem, continuam a usar as suas antigas grafias. Portugal, que deveria ser o garante e a reserva da preservação deste valiosíssimo património, foi a parte mais fraca de todos os países lusófonos. É natural que cada país tenha as suas diferenças, isso só valoriza a nossa língua, e não deve obrigar a uma unificação assente em pressupostos questionáveis. Estou do lado de Vasco Graça Moura ou de Pacheco Pereira. Sei que, infelizmente, dentro de algumas gerações, a língua portuguesa ficará definitivamente deformada em tantos dos seus vocábulos, porque a Escola passou a ensinar o novo acordo. Custa-me muito ver os meus filhos, sem culpa alguma, escreverem palavras decepadas e sem relação orgânica com os seus significados. É uma pena o que fizeram com a língua portuguesa. Mas enquanto for vivo escreverei correctamente.»
Bruno Ferreira, Imitador de vozes, actor e locutor
«A verdade é que toda a imprensa e jornalistas em geral, que sempre tiveram a possibilidade de denunciar o Aborto Ortográfico, foram os primeiros a adoptá-lo! E agora o que se vê, diariamente, e em todos os meios? Erros de palmatória provocados pela natural confusão que o AO trouxe. E vai continuar a trazer. Uma língua em terra de ninguém…»
Rui Veloso, Músico e compositor
«Querem unificar o quê? A língua evoluiu de modo diferente em Portugal - falada por todos e escrita, há séculos - e no Brasil, língua oficial desde 1758, país gigantesco, com população diversa, e com cerca de 210 idiomas ainda falados no país. Querem unificar o quê? Ou querem mesmo destruir a nossa língua, que aqui nasceu e espalhámos pelo mundo?! Vergonha!»
Maria José Abranches, professora reformada no Blogue O Lugar da Língua Portuguesa, 27-02-2024
A habitual incursão em alguns órgãos da comunicação social que realizamos regularmente continua a demonstrar que o AO90 contribuiu (e continua a contribuir), como muito bem o expressa Rui Veloso, para o caos ortográfico que nos assola. Assim, na última revoada, vieram na rede algumas formas assaz curiosas:
(É sobremaneira curioso que o mesmo arrazoado seja grafado em duplicado em duas notícias diferentes).
(O omnipresente fato que não é de vestir. Este tem desigualdades. Deve ser defeito do tecido).
(Antes do AO90, escrevia-se, indubitavelmente, nas escolas e por todo o lado, contactos directos; agora, é como calha. Contactos diretos, pelos que sabem aplicar o AO90; contactos directos pelos que rejeitam o AO90; contatos diretos, por aqueles que pensam que sabem aplicar o AO90; e contatos directos, pelos adeptos do AO90 em fatias. Alguém ouviu falar em unificação? E em simplificação?)
(Escrever à bruta deve ser isto).
Pois é, caro leitor, é este o estado a que isto chegou, como diria Salgueiro Maia.
Ah, felizmente, o Correio da Manhã, às vezes, vai tendo umas saudáveis recaídas.
Ah, quem se disponibiliza para ensinar que 25 de Abril se escreve com maiúscula? Sempre!
Ah, alguém pode avisar o senhor da meia hora de que houve ali um pequeno erro de cálculo?
João Esperança Barroca
«Uma das consequências esperadas de um novo código ortográfico é a criação ou a manutenção da estabilidade da dimensão escrita de uma determinada língua. Infelizmente, no caso do "portuguez lingua escripta" (feliz expressão de Francisco Adolpho Coelho, criada no final do século XIX), apareceu o AO90 e, com ele, regressou a instabilidade ortográfica. A origem de tal desdita é política e deve-se ao desprezo pela opinião especializada, à propalação de erros crassos e à consequente invenção de teorias sem nexo. […] O "Diário da República" é uma montra crucial e privilegiada para se deduzir acerca do comportamento dos escreventes de português europeu em relação ao AO90. Crucial, porque, em última análise, foi uma verificação do caos ortográfico que reinava no (então) "Diário do Governo" que levou à criação, em 1911, de uma ortografia oficial do português europeu. Privilegiada, porque temos à mão de semear uma indicação real (e não uma ideia peregrina) daquilo que efectivamente se passa.»
Francisco Miguel Valada, linguista, em artigo do jornal Lusitano de Zurique edição de Dezembro
«Vivemos tempos em que o Acordo Ortográfico destrói dia a dia não apenas a ortografia, mas também a própria ideia de ortografia, fazendo o País regredir séculos.»
Maria Rueff, actriz, no programa Assim se faz Portugal, em 27-11-23
«A língua de Portugal, que há séculos nos define, nos molda e estrutura, está a ser ostensiva e visivelmente esfarrapada. É insuportável assistir a esta destruição da nossa língua, em tudo o que é texto escrito, inclusivamente na televisão, assim como nos atropelos à própria pronúncia abundantemente adulterada!
Claro que os políticos são responsáveis, por terem imposto o AO90 ao país, sem atenderem aos inúmeros pareceres que o condenam. Esse "mostrengo" NÃO «constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional», como lá expressamente se diz. Constitui sim o desmembramento da língua portuguesa, que tinha duas normas oficialmente reconhecidas, e tem agora, no país que lhe deu vida, uma nova versão, disparatada e ridícula!»
Maria José Abranches, professora reformada, no Blogue O Lugar da Língua Portuguesa
Uma das marcas identificativas da ortografia que por aí circula (expressão roubada a Manuel Monteiro) é a caterva de dislates, com os omnipresentes fatos e contatos à cabeça. Um olhar mais atento, centrado no que por cá se publica, traz à superfície inúmeros exemplos da cacografia imposta pelo AO90. Nesse levantamento sobressaem também as misturas de grafias, dando razão a quem afirma a inaplicabilidade do referido Acordo Ortográfico. Vejamos, então, com breves comentários, mais alguns casos ilustrativos da burundanga:
1 - «Outro aspecto que realça é o fato de na montanha se estar em total sintonia com a natureza e esta ser um equilibrador. Expresso, 28-11-23. Poupa-se uma consoante aqui para a desperdiçar ali.
2 - Chipre tem uma superpopulação de felinos na rua e, desde o início do ano, a chamada “ilha dos gatos” está a ser afetada de forma “anormal” por uma “combinação de um coronavírus felino e de um coronavírus canino”. O primeiro caso já foi identificado no Reino Unido e “existe a possibilidade” de a infecção se espalhar no país. O que está em causa? Expresso, 21-11-23. De novo, a mistura de ortografias.
3 - «Distinção sem grande impato nos mercados (vídeo).
Sem retirar importância à escolha da Madeira como melhor destino insular do mundo, os hoteleiros consideram que este prémio tem um impacto relativo junto dos mercados emissores. A região ganhou pela sétima vez o World Travel Awards.» RTP, 06-12-21. O impato tem sempre algum impacto.
4 - «O fato de Yesilgöz ser ela própria uma ex-refugiada, de origem turca, dá-lhe alguma vantagem argumentativa.Como a própria explicou ao Politico [sic]], "existe um influxo de demasiadas pessoas, não apenas em busca de asilo e estudantes internacionais, o que significa que não temos capacidade para auxiliar verdadeiros refugiados.» RTP, 22-11-2023. De quando em vez, o omnipresente fato que não é de vestir.
5 - «O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, lamentou hoje o espancamento do deputado Farid Fadul, vulgo Cuca, alegadamente por militares do palácio da República, mas esclareceu que aquele estava de fato a filmar aquelas instalações.» RTP 14-11-2023. Conclui-se, pois, que é expressamente proibido filmar de fato.
6 - «A DGAV apelou ainda a que todos os detentores de aves que cumpram as boas práticas de produção, evitem contatos entre aves domésticas e selvagens e a que se reforcem os procedimentos de higiene nas explorações e equipamentos.» Jornal I 14-11-2023. Conselho de amigo: Os contatos são sempre de evitar.
Ah, pára por aí um grupo significativo de acérrimos defensores do AO90 que se espalha de cada vez que escreve. Usa a nova ortografia, mas só numa determinada fatia.
Ah, há dias, ao consultar a página de uma empresa de fisioterapia, encontrei o que se segue: «Em certas ocasiões, pode mesmo surgir uma dor torácica mais intensa com irradiação para a grade costal ou mama esquerda, a qual se confunde incorretamente com um problema cardíaco. Nestas situações, é possível distinguir a azia, não só pelo ardor/queimadura, como também por outros sintomas que muitas vezes a acompanham: erutação (arrotos), aumento da salivação ou gosto amargo na boca, correspondente ao refluxo do ácido do estômago que sobe para o esófago.» Erutação? É arroto sem cê!
João Esperança Barroca
«Agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa).»
Pedro Santana Lopes
«De facto, de que nos serve um acordo ortográfico que apenas os muito ignorantes servilistas portugueses aplicam?»
Isabel A. Ferreira, em 1 de Novembro de 2021, no blogue O Lugar da Língua Portuguesa
«Na forma de escrita, há muitas, muitas diferenças [entre o português de Portugal e o português do Brasil], e é por esse motivo que eu acho que não faz muito sentido um acordo ortográfico. Há muitas palavras que, mesmo com o acordo, se escrevem de forma diferente. Nós vamos continuar a divergir na língua.»
Pedro Almeida Vieira, escritor, jornalista e engenheiro biofísico
«O novo acordo ortográfico saiu da cabeça de um idiota que queria ficar para a história. Não faz o menor sentido. Discordo em absoluto.»
António Rocha Pinto, ex-candidato à Câmara Municipal de Santarém
(...) Ah, acabou de sair o novo livro de Manuel Monteiro, O Mundo pelos Olhos da Língua.
(…)
Como o leitor, certamente, já terá reparado, hoje, abordaremos os fatos que não são de vestir.
Uma breve pesquisa deu-nos a conhecer os seguintes espécimes: a) “Cônjuge ou pessoa com quem viva em união de fato”, Regulamento das Bolsas de Estudo do Ensino Superior do Município de Albufeira, de 28 de Setembro do corrente ano, publicado em Diário da República, em 17 de Outubro; b) “Todos sabem do valor que o Cris e todos nós damos ao fato de representar o nosso País.” (A Bola, 23-11-2022); c) “No entanto, ainda não é possível saber se o melhor desempenho cognitivo leva a mais jogar, ou se é o fato de jogar mais que melhora esse desempenho,” (Expresso, 25-10-2022); d) “De fato, as emissões médias anuais de gases de efeito estufa de 2010 a 2019 foram as mais altas da história da humanidade.” (Expresso, 13-10-2022); e) “Embora não seja possível calcular a data da introdução da ameixeira ‘Rainha Cláudia’ na região do Alto Alentejo, não restam dúvidas da origem francesa do material vegetal inicial, nem do fato da (sic) cultura se ter expandido a partir da zona de Elvas para as regiões vizinhas.” (Expresso, 14-10-2022); f) “Andy Burnham, prefeito da Grande Manchester, disse que era importante que todos os fatos fossem estabelecidos, mas acrescentou: ‘Com base no que vi, quero deixar claro que nunca é aceitável que manifestantes pacíficos sejam agredidos.’” (Expresso, 18-10-2022); g) “Mas os advogados de Trump argumentaram, no pedido ao Supremo Tribunal, que era essencial que especialista (sic) tivesse acesso aos registos classificados como ‘confidenciais’ para determinar se os documentos com marcações de confidencialidade são de fato classificados e, independentemente da classificação, se esses registos são registos pessoais ou registos presidenciais.” (Expresso, 11-10-2022, TSF, 13-10-2022, SIC Notícias, 13-10-2022); h) “Os dados de agosto revelam que o alojamento e restauração e os transportes são os setores com menores percentagem de empresas cumpridoras, apenas com 11,7% e 10,6%, receptivamente (sic), o que a consultora associa ao fato de terem sido dos mais atingidos pela pandemia.” (Expresso, 29-09-2022); i) “Na newsletter (sic) divulgada pela estrutura de missão Recuperar Portugal, o gestor da ‘bazuca’ destaca o fato de 17% do PRR já estar executado.” (Expresso, 30-09-2022); j) “Depois, saber como integrá-lo num plantel que Xavi Hernández tem sob construção — o fato de serem amigos pode ter algum peso — e ter de aceitar um papel secundário em função das escolhas do treinador.” (A Bola, 24-09-2022); k) “O fato de nenhum país de maioria muçulmana no Conselho ter feito qualquer menção ao relatório foi surpreendente, apesar de este denunciar ataques sistemáticos das autoridades chinesas a povos com esse credo, na região de Xinjiang, incluindo os uighures.” (Expresso, 13-09-2022); l) “O fato das pessoas estarem a falar de mim deixa-me feliz. Já joguei no Valência. Fui treinador no PSG e no Milan, dois clubes onde também joguei.” (O Jogo, 18-06-2022); m) “Compartilhamos totalmente essa preocupação e, de fato, as consequências seriam radicais, não apenas para os Estados Unidos, mas globalmente, continuou Dombrovskis.” (Sol, 08-06-2022); n) “E parece evidente que o argumento de que isso reduziria o acesso — uma vez que as urgências das especialidades estariam concentradas em menos locais — é falacioso e meramente retórico, dados os fatos das últimas semanas.“ (Expresso, 21-06-2022); o) “Outro motivo que torna o tema pertinente é o fato de que a transição ambiental deve ser necessariamente justa, logo, aplicável a todos os setores.” (Sol, 22-02-2022); p) “É um fato bastante contraditório que a ideologia fascista da máfia de Biletski tenha sido financiada pelo oligarca judeu Ihor Kolomoyskyi, que já foi auxiliado na sua actividade (sic) criminosa por ‘forças de segurança seleccionadas (sic) entre adeptoss (sic) dos oito clubes de futebol que ele e vários oligarcas menores possuem.” (Sol, 19-04-2022).
Depois desta pequena amostra (os leitores assinantes ainda têm direito a fatos suplementares), ilustrativa do caos a que se chegou, apetece perguntar: Se é assim na Comunicação Social (nos jornais ditos de referência), como será com os cidadãos comuns?
Pedro Correia, na série “Acordo Burrográfico”, no blogue Delito de Opinião, mostrou claramente a incoerência, a ilógica e a inconsistência do AO90. Em homenagem a essa excelente série, e satisfazendo a exigência de um amigo, aqui fica um pequeno texto da nossa autoria:
— Tenho cera nos ouvidos.
— Estás com um problema ótico, não é?
— Sim. Também tenho uma conjuntivite na vista direita.
— Estás com um problema ótico, não é?
— Já não percebo nada. Estás a brincar comigo?
— Não. Estou a brincar com a língua.
João Esperança Barroca
P.S.: Ah, acabou de sair o novo livro de Manuel Monteiro, O Mundo pelos Olhos da Língua.
As imagens que acompanham este escrito foram respigadas de páginas anti-AO do Facebook.
No dia 27 de Março de 2019, o MPLP, publicou um Comunicado que pode ser consultado neste link:
para informar não só os seus membros, mas também todos os portugueses que continuam a lutar contra a destruição da Matriz da Língua Portuguesa, ou seja, contra a imposição brutal, ilegal e inconstitucional da grafia brasileira em Portugal, através de um pseudo-acordo ortográfico (AO199), que na verdade é um Tratado Internacional, e como tal é regido pela Convenção de Viena, a qual foi igualmente violada.
Recapitulando e informando
1)- Por carta endereçada à Directora-Geral da UNESCO com data de 7 de Setembro 2018, cuja versão portuguesa foi publicada na Imprensa
https://www.publico.pt/2018/09/27/opiniao/opiniao/carta-a-unesco-pela-salvaguarda-da-lingua-portuguesa-como-patrimonio-cultural-imaterial-1845511, o MPLP formalizou uma queixa contra o Estado Português [e os sucessivos governos desde a famigerada Resolução em Conselho de Ministros 8/2011 do governo de José SÓCRATES], junto da UNESCO, por violação de vários artigos da Convenção de 17 de Outubro de 2003, para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial (CSPCI).
2)- Por carta de 7 de Janeiro de 2019, o MPLP forneceu à Directora-Geral da UNESCO vários outros documentos suplementares e informações relevantes para a devida instrução dessa queixa contra o Estado Português.
3)- Por carta com data de 22 de Março de 2019, a UNESCO respondeu ao MPLP. O núcleo coordenador do MPLP, com o apoio do seu assessor jurídico, Dr. Carlos Borges, decidiu estudar atentamente esta carta que lhe pareceu deveras interessante e prometedora para a continuação da luta contra a imposição ilegal e inconstitucional de um pseudo-acordo ortográfico (AO1990), calcado sobre a grafia da "Língua Brasileira", contribuindo assim para a destruição da Matriz da Língua Portuguesa. A UNESCO comunicou-nos claramente que «tomou nota da nossa inquietação no que respeita à autenticidade da Língua Portuguesa”.
4)- Por carta datada de 10 de Abril de 2019, o MPLP, enviou uma carta à Directora-Geral da UNESCO agradecendo a resposta da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Nesta carta o MPLP confirmou e consubstanciou a sua queixa relativa a vários outros artigos da CSPCI que foram também manifestamente violados. O MPLP decidiu igualmente pedir agora uma “intervenção vigorosa” da UNESCO, assim como uma clarificação jurídica e técnica necessária.
5)- Com efeito, o artigo 2º/7 da Lei de Bases do Património Cultural (Lei nº 107/2001 de 8 de Setembro) estatui que o “ ensino, a valorização e a defesa da Língua Portuguesa e das suas variedades regionais no território nacional, bem como a sua difusão internacional, constituem objecto de legislação e de políticas próprias” (…) Essa legislação, prevista na CSPCI, não existe. (Dr Carlos Borges).
“O governo não procedeu à salvaguarda e à valorização do Património Cultural - maxime da Língua Portuguesa - , antes promovendo a sua mutilação e incoerente reformulação das regras orientadoras da grafia e ortografia “ (Dr Carlos Borges), ao impôr ilegal e inconstitucionalmente um “acordo” ortográfico que, de maneira irresponsável e autoritária, pretendia UNIFICAR a grafia da Língua Portuguesa nos 8 Países de Língua Oficial Portuguesa [o que é IMPOSSÍVEL].
O MPLP referiu, portanto, na sua queixa contra o Estado Português, que este objectivo, fantasista, FALHOU TOTALMENTE, como era de esperar.
6)- A declaração de 6 de Abril de 2019 de Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República Federativa do Brasil, para assuntos internacionais, expressando a intenção de o Brasil revogar o “acordo“ ortográfico AO1990 (citação : “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas eletrônicas inauditáveis e do acordo ortográfico”), levou o núcleo coordenador do MPLP, a ter de informar a Directora-Geral da UNESCO que, depois da publicação em 1943 do “Formulário Ortográfico", o Brasil separou-se objectivamente da Matriz da Língua Portuguesa e começou na realidade, de maneira soberana, o longo processus de formação da sua própria língua.
Mais tarde, esse processo de “libertação” linguística foi confirmado pelo facto de o Brasil ter denunciado unilateralmente a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de Dezembro de 1945 , significando claramente o seu desejo de seguir o seu próprio caminho, enveredando pela formação da sua própria língua, isto é, a “Língua Brasileira”.
Isto é um facto, e está na altura certa de o Brasil assumir plenamente e oficialmente o seu novo grito do IPIRANGA, desta vez, LINGUÍSTICO, depois do seu grito inicial, no dia 7 de Setembro de 1822, que lhe deu a independência política, e já lá vão 196 anos !
Qual será o Dirigente Brasileiro que deixará o seu nome gravado para sempre na História do seu País, proclamando urbi et orbi que a língua oficial do Brasil é a “Língua Brasileira”?
Aqui fica a questão ! Espera-se a resposta do POVO Brasileiro e dos seus representantes democráticamente eleitos .
7)- Informações mais completas e outros documentos serão publicados, na devida altura, no Blogue “O Lugar da Língua Portuguesa”.
Os Coordenadores do MPLP
Francisco João Da Silva e Isabel A. Ferreira
. «Entrevista Á Página – Tr...
. Em Defesa da Ortografia (...
. «Em Defesa da Ortografia ...
. «Em Defesa da Ortografia ...