Ainda no rescaldo do dia 5 de Maio, o “Dia Mundial da Língua Portuguesa”, que, de acordo com Rui Valente, «sabemos que é uma campanha publicitária em torno de tudo o que não interessa na Língua: os “milhões de falantes”, o “valor estratégico da Língua”, a “unidade” em torno do “Acordo Ortográfico», reflictamos nas palavras que a Professora Maria do Carmo Vieira escreveu, neste texto que hoje aqui reproduzo, e que é um verdadeiro monumento à lucidez e ao saber, algo que falta aos políticos portugueses, que mantêm a Língua Portuguesa cativa da estultícia que a esmaga.
(Os excertos a negrito são da minha responsabilidade)
Isabel A. Ferreira
Por Maria do Carmo Vieira
«Como num programa de televisão se demonstrou que o Acordo Ortográfico não era necessário»
Não pedimos, não queremos e não precisamos do Acordo Ortográfico.
António Emiliano, Apologia do Desacordo Ortográfico, 2010
A ortografia é um fenómeno da cultura, e, portanto, um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno (…).
Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa, edição Luísa Medeiros, 1997 edição Luísa Medeiros, 1997
O programa “É ou Não É?”, de dia 4 de Maio p.p., na RTP 1, moderado pelo jornalista Carlos Daniel, elucida flagrantemente as epígrafes escolhidas. Aliás, o que li e ouvi, em relação a intervenções, sobretudo no dia 5 de Maio, juntando os gurus oficiais do momento festivo, constitui um manancial de matéria que expõe, sem pejo, contradições, servilismo, arrogância intelectual, culto da ignorância, e porque não dizê-lo, estupidez, implicando lamentavelmente a Língua Portuguesa e a vil roupagem com que a mascararam, ridicularizando-a. Os versos do poeta Luís de Camões, que Augusto Santos Silva não aceita como figura para identificar e representar a Língua Portuguesa, traduzem bem a “surdez” e o “endurecimento” de uma “pátria” que não louva e favorece “o engenho”, mas “que está metida/ no gosto da cobiça e na rudeza/ de uma austera, apagada e vil tristeza” (Canto X de Os Lusíadas). Uma consciência reiterada, ao longo dos séculos, por muitos outros escritores e poetas – António Ferreira, Francisco Rodrigues Lobo, Francisco Manuel de Melo, António Vieira, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Vasco Graça Moura…
Se dúvidas houvesse sobre o facto de os cidadãos não encontrarem razão para o Acordo Ortográfico (AO) que foi decretado à sua revelia e, no caso português, contra todos os pareceres solicitados pelo Instituto Camões e estrategicamente escondidos do público, o programa da RTP 1, acima referido, demonstrou-o ao vivo: um moçambicano (Stewart Sukuma), um brasileiro (Arthur Dapieve) e um português (António Zambujo). Nenhum deles pensou alguma vez que esse acordo pudesse vir a acontecer, nem vislumbrou qualquer vantagem daí adveniente, muito pelo contrário. Eis as suas palavras:
Stewart Sukuma – “O Acordo Ortográfico foi mais usado a nível político e económico, mais do que a nível cultural. Os artistas acham mais piada continuar a cantar no seu português criado por via destes casamentos todos que existem. (…) é isto que faz a língua mais bonita. Pelo que sei, Moçambique nunca seguiu à risca o AO. (…) Não sentimos o Acordo em Moçambique”;
Arthur Dapieve – “Esse Acordo Ortográfico nasceu um pouco de uma tentativa de uma certa utopia de que se a gente escrevesse tudo exactamente da mesma maneira, nós nos tornaríamos mais próximos. Nesse sentido, ele fracassou. A riqueza da língua portuguesa é a variedade de falares. Não era necessário.”;
António Zambujo – “Exactamente o que ele disse. Subscrevo o que disse o Arthur. Não era necessário.” Naturalmente, não incluí, neste painel a três, os convidados que, directa ou indirectamente, representavam uma posição acordista ou não-acordista.
Situação confrangedora, e que elucidou igualmente em flagrante o porquê do caos linguístico instalado na escola e na sociedade portuguesas, após a imposição do AO, foi a da jornalista, professora e escritora Isabela Figueiredo. Efectivamente, ao afirmar, com uma surpreendente leveza, que usava uma “ortografia mista”, escrevendo à sua maneira (omissão das consoantes mudas, mas manutenção dos acentos) e deixando aos revisores a tarefa da uniformização, Isabela Figueiredo apontou a razão do caos que grassa na sociedade portuguesa, com cada um escrevendo à sua maneira; fez também, e infantilmente, papel de ignorante porque não se acredita que desconheça o carácter normativo da ortografia, que a sua “ortografia mista” põe em causa, bem como a estabilidade que aquela exige. Do alto do pedestal instável em que se posicionou, ao longo do debate, confessou ainda Isabela Figueiredo, com a mesma euforia e no final do debate: “Sempre senti ao longo da minha vida de estudante a necessidade de eliminar as consoantes mudas e o acordo ortográfico veio satisfazer este meu grande desejo de as assassinar, de as fazer desaparecer.”
Não justificou, porém, o porquê dessa sanha às ditas consoantes mudas, mas acreditamos que a causa esteja no facto de ter tido a pouca sorte de professor algum lhe explicar o significado e a função das referidas consoantes ou, facto menos aceitável, o de ela própria, sendo já estudante universitária, nunca ter tido essa curiosidade. E assim terá continuado a não compreender o porquê das consoantes mudas e a reprimir o intenso desejo de as “assassinar”, até que veio o desejado AO, tal D. Sebastião, resolver-lhe o problema, satisfazendo-lhe simultaneamente a liberdade de uma “ortografia mista” que, por coerência, permitirá certamente também aos seus alunos. Aliás, a sua resposta à pergunta do moderador, sobre “O que é que se ganhou com o AO?”, traduz uma total ausência de reflexão sobre o tema: “Eu… eu… sabe uma coisa, isto não me apaixona”, incapaz de apontar um único ganho que fosse, excepção feita ao “assassínio” das consoantes mudas que doentiamente a perseguiam, as mesmas consoantes que etimologicamente contam a história da palavra, a sua vertente cultural, o que levou Fernando Pessoa/Bernardo Soares, de forma tão expressiva, a escrever “A ortografia também é gente”. No mesmo sentido da pouca preocupação com o estudo, neste caso da Gramática, está a repetição que Isabela Figueiredo fez, por duas vezes, de “acórdos”, em lugar de “acôrdos”: “Os “acórdos” têm sempre cedências, há cedências nos “acórdos”. Por arrastamento, ou não, o ministro Augusto Santos Silva foi pelo mesmo caminho, ao afirmar: “Somos conhecidos por cumprir os “acórdos” que fazemos”. Não é prestigiante para a Língua Portuguesa!...
Há momentos em que o poder, seja ele qual for, se trai e isso aconteceu com o ministro Augusto Santos Silva quando afirmou, depois de referir que até 1990 a língua portuguesa tinha sido um condomínio luso-brasileiro: “Do ponto de vista de um Ministro dos Negócios Estrangeiros que é o único em que sou competente, enfim, modestamente, mediocremente, mas… competente porque para isso fui nomeado (…)” (2.ª parte do debate). Eis, na verdade o advérbio (“mediocremente”) que se adequa à actuação do poder político (PSD e PS, sobretudo) relativamente ao desenvolvimento do processo do Acordo Ortográfico e da sua violenta implementação, ao arrepio da vontade dos portugueses e de todos os pareceres solicitados.
Não pode Augusto Santos Silva negar que foi o Brasil, através do seu presidente José Sarney, e não Portugal e os países Africanos de língua oficial portuguesa, quem quis concretizar um Acordo Ortográfico, promovendo um encontro entre os todos os países de língua oficial-portuguesa, em 1986, no Rio de Janeiro, acordo esse que foi amplamente contestado, não indo avante. Lembrar-se-ão da surreal ideia de acabar com a acentuação nas palavras esdrúxulas, entre outras aberrações, a maioria das quais transitou, como sabemos, para o AO. Nem em 1986 nem em 1990, os países Africanos estiveram verdadeiramente envolvidos nesta negociata, tanto mais que inteligentemente compreenderam que tinham problemas mais prementes a resolver e que o AO, que nem sequer haviam pedido, só iria desencadear gastos desnecessários, gastos que até agora nunca foram contabilizados e revelados, em Portugal! A verdade é que Brasil e Portugal, em “condomínio fechado”, mexeram os cordelinhos para impor o famigerado AO, encenando de contínuo a impensável e absurda “unidade ortográfica”. Os truques que fabricaram estão à vista:
. O Tratado Internacional de que Augusto Santos Silva se orgulha de saber cumprir, foi defraudado nos seus termos, porquanto expressava que o Acordo Ortográfico entraria em vigor no dia 1 de Janeiro de 1994 após “depositados todos os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo português”;
. Não se tendo cumprido o disposto no Tratado Internacional, realizou-se novo encontro entre os 7 países, em 1998, na cidade da Praia (Cabo Verde), assinando-se o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nele se anulava a data de entrada em vigor (1 de Janeiro de 1994), mantendo-se a obrigatoriedade de todos os países da CPLP ratificarem as normas do AO para que este entrasse em vigor.
. Brasil e Portugal, sobretudo o Brasil, exasperados com a falta de cumprimento do exigido no Tratado Internacional, promoveram uma reunião, em 2004, em Fortaleza (Brasil), com os restantes países da CPLP, onde foi forjada a aprovação de um Segundo Protocolo Modificativo que adulterava os termos do Tratado Internacional. Da exigência de os sete países da CPLP ratificarem o AO, passou-se apenas para três. Neste ano, Timor passou a integrar a CPLP.
. Em 2006, o AO entra em vigor com a ratificação de apenas três países: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Convenhamos que a matreirice (e ficamo-nos por este vocábulo) resulta normalmente em êxito. Destes truques subterrâneos não falou Augusto Santos Silva, focando apenas, para os incautos, a fidelidade de Portugal a um Tratado Internacional que, afinal, não foi cumprido nos seus termos. Neste momento, Angola e Moçambique ainda não ratificaram o AO e Guiné-Bissau e Timor-Leste, se acaso o ratificaram, não o aplicam. Por isso mesmo, Augusto Santos Silva foi parco em informação, ao referir que “o Acordo Ortográfico está em vigor porque há 4 Estados que terminaram o seu processo de ratificação”, não tendo esclarecido os seus nomes, muito menos abordado o truque que veio adulterar os termos do Tratado Internacional e que suscitou o aparecimento de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, entregue em Abril de 2019, com mais de 20.000 assinaturas e cujo tortuoso processo, na Assembleia da República, põe a nu a mediocridade da maioria dos deputados, a sua falta de Cultura e a sua falta de respeito pelos cidadãos e pela Democracia.
Regozijo-me pelo facto de Augusto Santos Silva ter compreendido finalmente que há várias lusofonias e que os portugueses também são donos da sua língua. Quanto ao verso escolhido – Sê plural como o Universo – de Alberto Caeiro, ele só se pode ajustar à Língua Portuguesa e à diversidade de variantes, se o famigerado Acordo Ortográfico não estiver implicado.
E a terminar, não poderia deixar de felicitar o jornalista Nuno Pacheco pela sua firme, fundamentada e inteligente argumentação (a que outros chamam “paixão”), que aliás não foi rebatida por Isabela Figueiredo e Augusto Santos Silva, ou seja, por quem aceita acriticamente este Acordo Ortográfico e silencia ou menospreza aspectos, no mínimo, controversos, do seu processo.
Professora
Nota 1: Transcrição integral de artigo publicado no jornal PÚBLICO na edição de terça-feira, 11 de Maio de 2021.
Nota 2: Já sabemos que o “Dia Mundial da Língua Portuguesa” é uma campanha publicitária em torno de tudo o que não interessa na Língua: os “milhões de falantes”, o “valor estratégico da Língua”, a “unidade” em torno do “Acordo Ortográfico”. Participar nesse evento, nem que seja como espectador, é sempre um exercício penoso, desde logo pelo risco de instrumentalização. Ainda assim, atrevo-me a dizer que as “cerimónias”, este ano, não correram bem. Por um lado, os defensores do AO90 e da estratégia “universalista” apresentaram-se a um nível que raia a indigência, exibindo uma confrangedora penúria de argumentos.
Por outro lado, e por reacção, produziram-se bons textos e/ou depoimentos denunciando mais uma vez a “política da Língua” em geral e o Acordo Ortográfico em particular. Este artigo de Maria do Carmo Vieira é disso exemplo, e faz sentido reproduzi-lo nestas páginas, tanto mais que a ILC-AO é citada no texto.
Mas vale a pena consultar as restantes intervenções. A maior parte encontra-se já convenientemente compilada (e dissecada) no sítio do costume:
• Debate É ou Não É, na RTP1
• Antena 1 “Espaço das 10:00h”
• “Ainda a Língua: uma dimensão universal ou paroquial“, artigo de Nuno Pacheco no PÚBLICO
• “Lusofonia, adeus!“, elucidativo texto de Sérgio Rodrigues no jornal “Folha de São Paulo”
• “O cheiro a consoantes mudas assassinadas pela manhã“, artigo de António Jacinto Pascoal no PÚBLICO de 12 de Maio
Fonte:
Assisti ao programa com todas as minhas “antenas” ligadas, e a primeira coisa que me surpreendeu foi a escolha dos convidados, para debater a importância e o futuro da Língua portuguesa: Ivan Lins (Brasil), Germano Almeida (Cabo Verde) e Pedro Mexia Portugal).
Ivan Lins, cantor, pianista e compositor, um dos artistas brasileiros de maior sucesso em todo o mundo, e de quem sou muito fã; Germano Almeida, um dos mais destacados escritores cabo-verdianos, Prémio Camões 2018, editor, portanto, fã do AO90; Pedro Mexia, distinto poeta, cronista e crítico literário português, e Assessor Cultural da Presidência da República. Três figuras relevantes da Cultura dita lusófona, escolhidas a dedo para serem “conduzidas” pelo guião predeterminado por Carlos Daniel, jornalista e moderador do debate.
E surpreendi-me porque esperava ver ali também um Linguista (dos sérios), um Jurista (dos sérios) e representantes de Angola e Moçambique, (que não aderiram ao AO90) para nos esclarecer o que não ficou esclarecido. Ivan Lins é um excelente músico; Germano Almeida, um escritor acordista, que, como editor, tem os seus interesses em expandir o AO90; quanto a Pedro Mexia, a sua intervenção foi morna, como assessor de um presidente da República que se está nas tintas para a destruição da Língua, e que viola a Constituição Portuguesa, que jurou defender, aceitando placidamente que o AO90 seja imposto a Portugal, ilegalmente; a Pedro Mexia talvez não conviesse ser muito explícito, numa crítica mais cáustica ao que está a passar-se em Portugal, a nível da Língua, no que diz respeito à ilegalidade desta imposição. E se isto não é verdade, peço, desde já, desculpa.
Carlos Daniel insistentemente ia dizendo que o Português está entre as seis línguas mais faladas do mundo. Do Brasil, a África, passando pela Índia, Timor-Leste ou Macau serão mais de 260 milhões aqueles que no mundo falam Português, dizem os dados oficiais. Mas serão mais de 260 milhões de pessoas no mundo a falar Português? Isto corresponderá à realidade? Se é em Português que nos entendemos, que estratégia existe para a língua e a sua afirmação no futuro? Quanto vale falar Português? Que património cultural arrasta? Que poder tem a nossa língua?
Perguntas cuja resposta é apenas uma: os Portugueses, ao darem novos mundos ao mundo, deixaram a sua Língua, a Portuguesa, que foi sendo assimilada, reformulada, e enriquecida com as diversas influências de línguas nativas e de povos que se foram fixando nos vários territórios colonizados pelos Portugueses (não se pretenda descolonizar o passado, não se queira destruir a História, porque jamais a História poderá ser destruída), criando uma nova linguagem e dialectos, que se afastaram da sua Matriz, criando uma riquíssima diversidade linguística que o Acordo Ortográfico de 1990 pretende destruir.
E o Português só terá PODER e durabilidade na sua diversidade, e não numa pretensa e impraticável uniformidade, que não serve os interesses de nenhum país dito lusófono/lusógrafo, excepto o Brasil.
Também se disse, falaciosamente, que o Português É língua oficial de nove países, quando não é bem assim. Ser língua oficial não significa que seja falada ou escrita por todo o povo, ou sequer aplicada. Poderá ser língua oficial junto com a Língua autóctone ou até outras línguas, existindo uma, predominante, que não é o Português. E isso ficou bem claro, quando Germano Almeida salientou que em Cabo Verde a Língua Oficial é o Crioulo Cabo-verdiano, oficializado passado pouco tempo de aquele país ter ratificado o AO90. O povo cabo-verdiano exprime-se em Crioulo, com toda a legitimidade, e a Língua Portuguesa está como segunda língua, ou língua estrangeira. O mesmo acontece na Guiné Equatorial, que Pedro Mexia disse e muito bem, ser um país que nem sequer fala Português. Foi introduzido no grupo dito “lusófono” pela CPLP, vá-se lá saber com que intenções, e tem o Português como língua oficial não aplicada. Em Timor-Leste a maioria do povo fala os seus dialectos, e o Tétum. O mesmo acontece em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe. Em Macau a maioria do povo expressa-se em Mandarim. No Brasil, existe o dialecto brasileiro, que já se afastou, e muito, do Português.
Portanto, é falacioso dizer que o Português é falado ou escrito por esses milhares. Há que descontar, ainda, os milhares de analfabetos existentes em cada país, que não sabem escrever.
Disse-se que a Língua Portuguesa deixou vestígios em mais de uma centena de línguas e dialectos. É verdade. E essas línguas e dialectos não poderão ser chamados de Português, por já se terem afastado dele; assim como o Português não poderá ser chamado de Latim, língua que deixou vestígios em várias línguas e dialectos, porque se afastou dela.
A intervenção de Ivan Lins foi muito curiosa e elucidativa. Deixou bem claro que a Matriz da Língua é a portuguesa, e não a brasileira. Em Portugal canta-se em português, e no Brasil canta-se em brasileiro, e quando um português canta em brasileiro, e um brasileiro canta em português, as coisas não resultam. Eu, pessoalmente, detesto ouvir os nossos fadistas a cantar músicas brasileiras em português. Não é a mesma coisa. As composições brasileiras foram feitas para o brasileiro, e só em brasileiro são magníficas. O mesmo digo de os brasileiros tentarem cantar músicas portuguesas em português, ou cantar um fado em brasileiro. É um autêntico desastre! Não tentem, porque não dá certo. Cada país com a sua particularidade. É o mesmo que tentar cantar o Inglês em português, (kides) ou brasileiro (kidjis) por kids. Uma tragédia!
Outra coisa que Ivan disse e até pode ser, mas na realidade não é, é que, no Brasil, faz-se muito pela a Literatura Portuguesa. Podem até fazer encontros, palestras, levarem lá escritores portugueses, mas a verdade é que a Literatura Portuguesa foi banida das escolas brasileiras, e o Português não se estuda nas escolas brasileiras, com a designação de Português. Estuda-se “Comunicação e Expressão”. E isto é que conta. Bem como em Portugal os alunos portugueses nada sabem de Literatura Brasileira. Sabem de novelas e actores de novelas brasileiros. Alguns saberão da música brasileira. Mas não sabem quem é Machado de Assis.
Ivan Lins abordou também a questão da pronúncia portuguesa, que os brasileiros não entendem. E não entendem porquê? Porque os portugueses pronunciam mal as palavras. Os alunos portugueses não são ensinados a pronunciar correctamente as palavras. Desde o berço que devemos falar com as crianças numa boa pronúncia, e não naqueles tátátás que deturpam a língua, para que elas possam crescer com a noção de que têm de pro-nun-ciar to-das as sí-la-bas.
E Ivan Lins deu como exemplo o termo OPERADO, que mal pronunciado soa a uprado, o que pode levar para a pastagem, ou Museu do Prado. No entanto se os portugueses pronunciarem bem a palavra, dirão ô (nem u nem ó) - p (fechado)- rá – du. E todos os que souberem Português entenderão.
Falou-se no caso dos fadistas, que engolem as consoantes, e ninguém os percebe. Eu também não os percebo, porque para se cantar também é preciso ter uma boa dicção. E o Gregório Duvivier brincou com isso, no vídeo apresentado. Mas há que dizer que, em Portugal, a esmagadora maioria dos portugueses pronuncia mal as palavras, porque até nem sabem o que é transcrição fonética. E agora com esta invasão acordista, as coisas pioraram bastante. Se antes se falava mal, agora fala-se mal e escreve-se ainda pior. O ensino do Português é ca-ó-ti-co.
Germano Almeida, por sua vez, disse que aprendeu a escrever quizesse com Z, e que um dia lhe chamaram a atenção para o erro, porque a palavra passou a grafar-se com esse (quisesse). O que os acordistas não sabem, é que as reformas ortográficas de 1911 e de 1945 não cortaram a raiz à história das palavras, como a reforma ortográfica unilateral do Brasil, em 1943, cortou.
Pronunciem alto as palavras quizesse e quisesse; pharmacia e farmácia, elle e ele. O que mudou? Apenas a grafia, que foi simplificada, porque não interferia com a pronúncia, e no caso de pharmacia, se tínhamos a letra F, porque haveríamos de grafar PH?
Agora pronunciem alto as palavras direto e directo; fatura e factura; adoção e adopção. O que mudou? Mudou a pronúncia direto (dirêtu); fatura (fâturâ); adoção (âdução); mutilou-se e desenraizou-se as palavras, deixando-as sem história e sem significado, ou com outro significado, como adoção, que pode interpretar-se como algo que levou muito açúcar.
É falácia dizer que a Língua Portuguesa é a 3ª mais usada nas redes sociais e a 5ª mais utilizada na Internet. Qual Língua Portuguesa? Será o Dialecto Brasileiro, derivado da Língua Portuguesa, porque os Brasileiros são em maior número. Mas não lhe chamem Língua Portuguesa.
Serão mais de 260 milhões de pessoas no mundo a falar Português? Já vimos que não serão. E este número continuará a subir, acompanhando a explosão demográfica no Hemisfério Sul, e atingirá os 395 milhões em 2050, estimados pela ONU, que tem como secretário-geral o acordista António Guterres, que não serve os interesses de Portugal?
Não, não continuará a subir, se insistirem em impor a mixórdia em que se transformou o Português grafado. Ivan Lins, que lê no nosso Português, deu o exemplo da árvore, com as suas raízes, caule, folhas, flores e fruto. A Língua Portuguesa é a árvore, a qual, se lhe cortarem as raízes, não terá caule, nem folhas, nem flores, nem frutos, e acabará por morrer. Desaparecer será o futuro da Língua Portuguesa, se insistirem em a mutilar, cortando as suas raízes latinas.
Origem da imagem: Internet
O programa trouxe-nos ainda a riquíssima diversidade das pronúncias nos diversos países ditos lusófonos. Ouvimos a pronúncia brasileira, com Ivan Lins; a pronúncia cabo-verdiana, com Germano Almeida; a pronúncia moçambicana, com Mia Couto, o Mestre dos neologismos que enriqueceram a Língua Portuguesa; a de Angola, com José Eduardo Agualusa (que é acordista, talvez devido à sua ascendência brasileira, e a dele não é a pronúncia típica angolana); e se formos aos restantes países, as pronúncias são diversificadas. E há que preservar esta diversidade oral.
Por fim, com a pressa de implementar a grafia brasileira nas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, o Instituto (custa-me a chamar-lhe Camões, porque já não é Camões), andou a distribuir professores acordistas, por essas comunidades, ensinando-se aos estudantes a grafia brasileira, chamando-lhe portuguesa, e agora não sabem como hão-de descalçar esta bota.
Uma coisa é certa: as crianças aprendem e desaprendem com muita facilidade. Poderão até ficar a escrever nas duas versões (como eu fiquei quando andei cá e lá, a mudar as ortografias, e optar por uma), mas não lhes digam que o que estão a aprender é a grafia portuguesa, porque não é. A isto chama-se ludibriar, mentir, enganar.
Isabel A. Ferreira
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