«... Ah grita:
importa pouco se te escuta alguém,
no redemoinho tenso da surdez danada.
Porque há-de haver quem ouça, ainda há-de haver
quem ouça. ...»
(Jorge de Sena, "O grito do silêncio")
No ano em que celebramos o cinquentenário do 25 de Abril, que libertou o país da ditadura e nos trouxe a democracia, os partidos políticos, assim como os media, que lhes dão visibilidade, não podem, mais uma vez, por prepotência, cobardia ou ignorância, silenciar a questão da imposição política a Portugal do Acordo Ortográfico de 1990.
Cidadã portuguesa - professora de Português, em Paris e em Lagos, agora reformada - consciente da minha responsabilidade, dos meus deveres e dos meus direitos, num país democrático, permito-me chamar a vossa atenção para a imperiosa necessidade de zelarmos pela defesa da nossa língua, actualmente gravemente fragilizada e em risco, pela imposição política antidemocrática do Acordo Ortográfico de 1990, a Portugal.
O desinteresse do nosso país pela nossa língua, suporte essencial da nossa identidade e da nossa cultura, é algo que vem de longe e é totalmente incompreensível. Recordemos alguns aspectos do mesmo: a Academia das Ciências de Lisboa, fundada a 24 de Dezembro de 1779, levou 222 anos para publicar o seu primeiro e único dicionário (2001), agora com uma versão na 'net'; compare-se com a Real Academia Española, de 1713, que publicou, em Outubro de 2014, a 23.ª edição do seu dicionário! E, além da falta de investimento no estudo da língua, inclusivamente no nosso sistema de ensino, convém também lembrar o esquecimento e o desrespeito a que são votados os nossos emigrantes - imagem fora de portas da nossa língua e cultura - o que Carlos Reis justifica, por isso ter pouco a ver com a 'internacionalização' da língua portuguesa!...
A política de língua nacional tem-se sobretudo empenhado em fazer Acordos ortográficos com o Brasil, que desde 1907 decidiu - e está no seu direito - escrever a sua língua de forma própria.
Estamos em 2024, um ano particularmente assinalável no desenrolar da História nacional. Evoquemos três datas essenciais e recordemos o modo como o poder político as tem tratado:
1 - 500 anos do nascimento de Camões
«Este país te mata lentamente»
("Camões e a Tença", Sophia de M. B. A.)
Num artigo do "Público" de 20 de Dezembro de 2023, intitulado «Programa das comemorações dos 500 anos de Camões em 2024 está por fazer», podemos ler:
«Resolução em Conselho de Ministros que há dois anos e meio determinou realização das comemorações estabelecia criação de estruturas que ainda não existem, diz comissária nomeada para fazer o programa.
(...) Nada existe além do anúncio da intenção do Governo de comemorar este feito, disse à agência Lusa a catedrática Rita Marnoto, comissária designada para preparar o programa das comemorações, em coordenação com as estruturas previstas. (...)»
A propósito deste 'esquecimento' nacional, recordo Jorge de Sena:
«Se me centrei em Camões, numa das minhas direcções, é porque o admiro tremendamente, tenho pena de que tão grande poeta tenha nascido português e para pasto de raça tão ordinarizada, e porque, sendo o maior e o eixo da nossa literatura, é em relação a ele que tudo tem de ser feito.» (Carta a Eduardo Lourenço, 13 de Janeiro de1968, in "Eduardo Lourenço - Correspondência - Jorge de Sena", ed. Gradiva)
«Ignorar ou renegar Camões não é só renegar o Portugal a que pertencemos, tal como ele foi, gostemos ou não da história dele. É renegarmos a nossa mesma humanidade na mais alta e pura expressão que ela alguma vez assumiu. É esquecermos que Portugal, como Camões, é a vida pelo mundo em pedaços repartida.» ("Discurso da Guarda", Paris, 3 de Junho de 1977, in "Jorge de Sena, Rever Portugal - Textos Políticos e Afins, ed. Guimarães)
Ouçamos ainda Vasco Graça Moura: «As questões da identidade começam por estar relacionadas com a língua materna e esta deve a Camões a sua dimensão moderna. (...) A língua de Camões está irreconhecível. Se ele voltasse ao mundo, decerto pensaria em rasgar a sua obra. Deixámos de ser dignos dela.» (in "A língua de Camões?"- "Público", 09 de Junho de 2010)
2 - 50 anos do 25 de Abril
«Ou poderemos Abril ter perdido
O dia inicial inteiro e limpo
Que habitou nosso tempo mais concreto?»
(Sophia de M. B. A.)
A imposição política do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) a Portugal é um verdadeiro atentado contra a democracia que nos trouxe o 25 de Abril de 1974. Todo o processo político que conduziu à sua implementação no nosso país é antidemocrático.
Começo por dar a palavra a Vítor Aguiar e Silva:
"A língua, na sua existência profunda e multissecular, vive antes de nós e sobrevive depois de nós, não podendo ser objecto, no seu corpo e no seu espírito, de alterações ocasionais e circunstancialmente políticas, que desfiguram a sua «lei secreta», ou seja, o «seu génio», como aconteceu com o aberrativo «acordo ortográfico» que constitui um inominável crime imposto politicamente à língua portuguesa.» (in "Diário do Minho", 06/01/2019)
Convém recordar que a língua de Portugal - país independente desde 1143, Tratado de Zamora - que aqui nasceu, cresceu e se formou, é falada e escrita há séculos, em todo o território nacional. "A individualidade da língua portuguesa começou a desenhar-se no domínio do léxico e pode remeter-se para uma data próxima do século VI. (...) Os dois primeiros textos escritos em português - a «Notícia de Torto» e o «Testamento» de D. Afonso II - datam de 1214-1216." (Maria Helena Mira Mateus). Em 1296, no reinado de D. Dinis (1279-1325), esta língua foi adoptada pela chancelaria régia.
Quanto ao Brasil, onde chegámos em 1500, país gigantesco e de diversa população, no século XVIII, em 1758, a língua portuguesa tornou-se língua oficial, por imposição do Marquês de Pombal, em detrimento da 'língua geral', anteriormente forjada para os contactos com a população local. Actualmente, no Brasil, além da língua portuguesa, oficial, haverá mais de 210 idiomas, uns indígenas e outros falados por várias comunidades de imigrantes.
Pessoalmente sou contra o AO90 desde que o conheci, aquando da sua publicação no Diário da República. Desde 2008, tenho lutado contra este crime de lesa-pátria, por todos os meios ao meu alcance - textos publicados, contributos enviados para os grupos de trabalho sobre o AO90 da Assembleia da República, contactos diversos por correspondência, recolha de centenas de assinaturas para a Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO90, entregue na Assembleia da República (https://ilcao.com/ ), com 22.047 assinaturas, e que a Assembleia da República ostensivamente ignorou, etc.... Aliás, logo no início, em 2008, escrevi à Associação de Professores de Português (APP), e à FENPROF (sindicato dos Professores), insistindo na necessidade de promoverem o debate sobre o AO90, no sistema de Ensino... Não fizeram nada! Aceitaram a imposição do mesmo no ensino, esquecendo o esforço que, nas últimas décadas, tinha sido feito para combater o analfabetismo nacional...
Quando ainda estava a trabalhar, fui a Portimão ouvir Malaca Casteleiro, grande responsável pelo AO90, que defendia o dito, insistindo na vantagem da simplificação da aprendizagem da ortografia pelas criancinhas! Perguntei-lhe publicamente se as crianças portuguesas tinham algum atraso mental, visto que as crianças francesas, inglesas, italianas, alemãs, espanholas, etc., conseguiam aprender ortografias muito mais complexas do que a nossa!
Há muito que me preocupa esta espécie de - já antigo - desprezo pela língua de Portugal, assumido pela política, e também pela 'elite', nacional. O esforço feito, há décadas, para combater o nosso vergonhoso e tradicional analfabetismo está agora a ser substituído pela promoção do novo analfabetismo! Proliferam os disparates, inclusivamente nas legendas dos canais televisivos. E o corrector ortográfico ajuda fortemente...
Um dos argumentos dos defensores do AO90 é que seria difícil agora pô-lo em causa, uma vez que desde 2011 começou a ser ensinado aos mais jovens! Pasme-se: e não se preocuparam quando forçaram a sua imposição ao país e à população que, desde 1946, ortografava a nossa língua segundo o Acordo entre Portugal e Brasil (1945), que o nosso país respeitou e o Brasil rejeitou!
Quanto ao argumento de que 'as línguas evoluem', brandido pelos defensores do AO90, neste contexto linguisticamente indefensável, convém reflectir sobre os seguintes aspectos:
1.º as línguas evoluem naturalmente e não em função da imposição política de um qualquer decreto;
2.º a evolução verificada numa língua poderá exigir uma 'reforma' ortográfica, tendo em conta as características dessa língua, e não um 'acordo' ortográfico entre variantes da língua que evoluíram visível e audivelmente de maneira diferente, como é bem notório no caso da norma portuguesa e brasileira da língua portuguesa;
3.º as diferenças entre estas duas normas, no que toca a todos os aspectos da língua - vocabulário, morfologia, sintaxe, fonética - não podem ser escamoteadas com uma pretensa 'uniformização' ortográfica, via AO90 que, aliás, propõe inúmeras duplas grafias, facultatividades, numa negação aberrante do próprio conceito de ortografia;
4.º no AO90 ("Anexo II - Nota explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa") refere-se que o Brasil não respeitou o Acordo de 1945, porque seria obrigado a repor as "chamadas consoantes mudas"- que entretanto tinha já eliminado, por conta própria - e a aceitar a acentuação gráfica de Portugal, com acento agudo em vez de circunflexo, em palavras como António/Antônio; em consequência, aí se conclui também que "não é possível unificar por via administrativa divergências que assentam em claras diferenças de pronúncia, um dos critérios, aliás, em que se baseia o sistema ortográfico da língua portuguesa";
5.º Assim, justificando a recusa do Acordo de 1945 pelo Brasil, com as "diferenças de pronúncia", o AO90 impõe a Portugal a supressão das "consoantes não articuladas" (Base IV), já adoptada pelo Brasil, num total desrespeito pela referência etimológica (o que apaga a história da nossa língua e nos afasta das outras línguas europeias), e pela pronúncia portuguesa, em que a manutenção dessas consoantes preserva a abertura das vogais pretónicas, em Portugal ensurdecidas, e mantém a unidade da grafia entre palavras da mesma família; ex.: óptimo/ optimismo; directo/direcção; adoptar/adopção; recepção/recepcionista; espectáculo/espectacular; lectivo/leccionar; colecção/ colectivo/ coleccionar, etc. Aliás, podem constatar-se já as alterações na pronúncia portuguesa que esta supressão das consoantes mudas está a provocar...
6.º No essencial, o AO90, que segundo o próprio texto "constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional", impõe a Portugal as opções brasileiras: supressão das consoantes ditas mudas, assim como do hífen, nas formas monossilábicas do verbo 'haver' seguidas da preposição 'de' (ex.: há-de); supressão 'facultativa' do acento agudo nos verbos em -ar, no pretérito perfeito simples (ex.: cantámos) e do acento circunflexo no verbo 'dar', no presente do conjuntivo (dêmos), suprime-se ainda o acento circunflexo, nas formas verbais como leem, veem, deem, etc....
Convém não esquecer que a norma portuguesa, e a sua ortografia consolidada, (norma euro-afro-asiática) constituía a referência linguística da língua portuguesa considerada por Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Goa, Timor, Macau, fruto da expansão planetária que a nossa História outorgou à nossa língua.
Quanto ao referido "prestígio", talvez a língua do Brasil esteja a usufruir dele, mas não a nossa língua, de dia para dia mais desfigurada, menosprezada, ridicularizada, e repetidamente mal pronunciada e mal escrita.
3 - 10 de Março - Eleições legislativas
«É em função de um conhecimento do essencial, daquilo que não podemos abandonar sem mutilação próxima e futura, que as escolhas decisivas para o nosso destino devem ser feitas.»
(in "O Labirinto da Saudade", Eduardo Lourenço)
Todos nós, cidadãos portugueses, em idade de votar, sendo Portugal um país democrático, somos chamados a participar nestas eleições legislativas. Entre os múltiplos aspectos da vida nacional a considerar, a imposição política ilegítima do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) ao nosso país tem obrigatoriamente de ser posta em causa e discutida publicamente, contrariamente ao que tem sucedido nas inúmeras eleições anteriores, desde 1990!
Ainda não vi abordar esta questão, nem pelos políticos, nem pelos jornalistas, nos vários debates que a televisão nos tem proposto, numa atitude que só confirma a fragilidade da nossa democracia, assim como a cegueira e a ignorância nacionais, fruto do tradicional analfabetismo!
Talvez valha a pena reler - ou ler - os textos essenciais (ver abaixo) para o desenrolar de todo este processo, a começar pelo próprio Acordo: 1. Resolução da Assembleia da República n.º 26/91 - "Aprova, para ratificação, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa"; e também pela "Rectificação" (2.) de que foi objecto (pequeno parêntese: a Assembleia da República não se tinha apercebido de que o texto do AO90 já estava escrito com o dito, e não na correcta ortografia da nossa língua!...).
Recordemos também atitudes e decisões de responsáveis políticos que conduziram a língua de Portugal à indigna situação em que agora se encontra.
Começo por esta extraordinária declaração de Cavaco Silva, então Presidente da República Portuguesa, na Feira do Livro em Díli, a 22.05.2012: «Quando fui ao Brasil em 2008, face à pressão que então se fazia sentir no Brasil, o Governo português disse-me que podia e devia anunciar a ratificação do Acordo, o que fiz.» (in "Público")
O Governo à época era socialista, sendo José Sócrates o Primeiro-Ministro. Dessa época data a - "3. Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 (que aprova o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico)", "Protocolo" que determinou que a ratificação do Acordo por três países (da CPLP) bastava para a sua entrada em vigor!
É também do mesmo Governo a "4. Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011", que decidiu a aplicação do AO90 no sistema de ensino e na administração pública.
Entretanto o Governo socialista caiu e o Governo seguinte, com Passos Coelho, Paulo Portas e Nuno Crato, decidiu aplicar submissamente, e sem discussão, as decisões do governo anterior. Seguiram-se dois governos socialistas, sendo António Costa Primeiro-Ministro, e tendo no primeiro a participação do BE e do PCP: o tabu manteve-se e o AO90 continua, sem discussão, a generalizar-se e a caricaturar a nossa língua!
A terminar, dou a palavra a António Emiliano:
«Falar da ortografia portuguesa, um bem que levou 700 anos a estabilizar-se, como se fosse coisa pouca (a estabilização da nossa fronteira política continental levou cerca de 100 anos), e falar de uma mudança ortográfica como uma simples alteração cosmética do sistema linguístico padronizado de uma nação multissecular dotada de um património literário e textual imenso, é simplesmente não se saber do que se está a falar.» (in "O primado da escrita")
«O calibre dos erros e deficiências encontrados no texto do Acordo Ortográfico e da Nota Explicativa, bem como a falta de sustentabilidade razoada de várias das suas disposições - constituindo um todo que, em vez de ser apresentado de forma inatacável, como se esperaria, é passível da crítica negativa que desenvolvi, e virá afinal a ter consequências 'disortográficas' - levam-me a concluir que esta reforma causará "lesões" irreparáveis na língua portuguesa no plano da escrita, da oralidade, do ensino e do progresso científico.
Por atentar contra a estabilidade do ensino, a valorização da língua e a integridade do seu uso, valores que a Constituição consagra e protege, entendo que esta reforma não serve o interesse de Portugal e deve, em consequência, ser impugnada e rejeitada.
Lisboa, 30 de Maio de 2008»
(in "Uma reforma ortográfica inexplicável: comentário razoado dos fundamentos técnicos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) - (Parecer) - EXCERTOS - António Emiliano, Universidade Nova de Lisboa)
N.B.: Para aceder aos textos fundamentais:
https://ciencias.ulisboa.pt/sites/default/files/fcul/institucional/legislacao/rar_26_91.pdf
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/resolucao-assembleia-republica/26-1991-403301
https://ciencias.ulisboa.pt/sites/default/files/fcul/institucional/legislacao/dr_19_91.pdf
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/rectificacao/19-1991-331594
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/resolucao-assembleia-republica/35-2008-454814
https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/resolucao-conselho-ministros/8-2011-280944
https://files.diariodarepublica.pt/1s/2010/09/18200/0411604117.pdf
Maria José Abranches Gonçalves dos Santos
***
Considerações ao redor da Língua Portuguesa, que está na berlinda, por ser a única Língua do mundo abandonada à sua má sorte.
Nenhuma outra Língua foi tão açoitada como a Língua Portuguesa, que anda por aí mal-tratada, mal-ensinada, mal-escrita, mal-falada, graças ao mal-parido AO90, assente maioritariamente na grafia brasileira, e na falácia dos milhões de falantes, contra os milhares que a escrevem e falam correCtamente.
(Alusão ao belíssimo poema do poeta José Gomes Ferreira, Acordai! musicado por Fernando Lopes Graça, um hino à inércia de um povo que, placidamente, aceita a sua má sorte).
Carlos Reis, ensaísta e professor português, “especialista” em estudos queirosianos [?)] e defensor acérrimo do AO90, em 2015 (*) disse esta verdade de la palisse: "não temos de falar como os brasileiros". Na verdade, não temos. Mas também não temos de ESCREVER como eles. Ou temos?
Num artigo publicado no PÚBLICO, no passado sábado, sob o título «Académicos no Reino Unido debatem descolonização da língua portuguesa» (**), Luís Gomes, co-organizador e professor de Português na Universidade de Glasgow, diz o seguinte: «Em certa medida, ainda há uma sensação de que Portugal é o dono da língua portuguesa, quando, na verdade, a maior parte dos países que falam português têm mais falantes do que Portugal, salvo algumas excepções. É uma questão que está muito presa na língua portuguesa, mais do que noutras línguas, como o inglês”».
Contudo, o que é ser “dono” da Língua? Todas as línguas têm um berço: são filhas dos Países onde foram geradas. A Língua é como aquele filho que, apesar de solto no mundo, e de ter gerado os seus próprios filhos, noutros lugares, não deixa de pertencer aos Pais que o conceberam, os quais não sendo os “donos” dele, são a sua raiz, a sua origem, a sua fonte, a sua alma, em suma, a sua genetriz.
Portanto, esta coisa de dizer que Portugal não é o dono da Língua, nem sequer se põe. Portugal não será o dono da Língua, mas a Língua Portuguesa é pertença de Portugal, o seu berço. O berço da Língua Portuguesa não é, pois, nenhuma das ex-colónias portuguesas que ao adoptarem a Língua Portuguesa, como língua oficial, geraram as suas próprias variantes (filhas), e não há nada que possa mudar a circunstância genética da Língua, porque foi em Portugal que ela nasceu, como Língua Portuguesa, pela mão de Dom Dinis. E isto é um facto que não pode ser desprezado. Daí que cada país deva ficar com a Língua ou variante da Língua que gerou.
Porém, por conveniências político-jurídico-económicas, surge a ideia peregrina e delirante de que lá por existirem o tais milhões de falantes, que se apoderaram da Língua e a destruíram (porque de destruição se trata não tendo sequer esse direito), por serem muitos, há que impor aos milhares que a escrevem e falam correCtamente, nos quatro cantos do mundo, um mal-engendrado acordo ortográfico, que apenas Portugal, cega e servilmente, tenta cumprir.
Os milhares de Ingleses, ou Espanhóis, ou Franceses, que também espalharam pelo mundo as suas respectivas Línguas, jamais permitiriam que elas fossem desenraizadas e destruídas, apenas porque também é falada por milhões.
Como diz José Saramago (cuja memória está a ser insultada, com a acordização da sua obra) «Uma língua que não é defendida, morre».
Sabemos que a Língua Portuguesa está a morrer, e que a intenção é matá-la e enterrá-la de vez.
Estas são as vozes contra a extinção da Língua Portuguesa
O que andam a fazer todas estas vozes, que não as ouço gritar bem alto, contra esta infame tentativa de assassinato do nosso mais precioso património identitário?
***
Nota marginal:
Há quem ande no Facebook a dizer (porque serve os interesses acordistas) que quem acredita, como eu, que um Acordo Ortográfico (mesmo que mal-amanhado, como foi este de 1990) consegue EXTERMINAR a Língua Portuguesa, não sabe nada de idiomas; e até me mande escrever poesia ou romances de terror, mas que não fale do que não sei.
Coitado, o que pretende, quem assim fala, é que eu não fale do que SEI, porque não lhe convém, nem a ele, nem aos que ele serve, sem a mínima cultura crítica.
A Língua Portuguesa terá os dias contados, sim, nas mãos daqueles que acham que nada sei de idiomas. Na verdade, nada sei dos idiomas que desconheço. Mas sei da Língua Portuguesa e do que os seus predadores são capazes de fazer e de dizer para acabar com ela.
ACORDEM, Portugueses!
Isabel A. Ferreira
(*) ver notícia aqui
https://expresso.pt/sociedade/2015-05-12-Carlos-Reis-um-defensor-do-Acordo-Ortografico.-Nao-temos-de-falar-como-os-brasileiros
(**) ver notícia aqui
. Sobre o AO90: «Carta aber...
. A questão não é quem é o ...