Sexta-feira, 11 de Junho de 2021

Ainda no rescaldo do dia 10 de Junho, em que se comemorou «(…) o Dia de Portugal, da Língua Portuguesa, de Camões e da diáspora»

 

Não podia estar mais de acordo com o que JPG  diz no texto

10 de Junho, Dia da Língua Portuguesa

publicado no Apartado 53 - Um blog contra o AO90 e outros detritos, e o qual transcrevo mais abaixo.

 

«Esta é uma data a celebrar, efectivamente, e que nada tem a ver, pelo que em caso algum deve dar azo a quaisquer confusões, por lapso ou contaminação propagandística, com o dia da língua brasileira, a 5 de Maio; esta outra data, totalmente alheia a Portugal, aos portugueses e à sua Língua, consiste numa série de eventos artificiais patrocinados por brasileiros, pelo político profissional António Guterres, por uma organização brasileira (paga pelo erário público português) a que resolveram os implicados chamar “CPLP” e por uma pequena seita de fanáticos brasileirófilos misturados com alguns sôfregos capitalistas e um grupinho de rapazolas para ir apanhar as canas e servir umas caipirinhas.» (JPG)

 

Haja quem diga a verdade verdadeira, que se espelha neste texto, de leitura obrigatória. É que o que mais irrita nisto tudo é os actuais governantes, nomeadamente aquele que deveria defender e cumprir a Constituição da República Portuguesa, e não defende nem cumpre, pensarem que TODOS os Portugueses são parvos. Se ao menos houvesse vergonha e honra!!! 

 

Isabel A. Ferreira

 

ILCAOflag.jpg

 

«Comemora-se hoje, 10 de Junho, o Dia de Portugal, da Língua Portuguesa, de Camões e da diáspora.

 

Esta é uma data a celebrar, efectivamente, e que nada tem a ver, pelo que em caso algum deve dar azo a quaisquer confusões, por lapso ou contaminação propagandística, com o dia da língua brasileira, a 5 de Maio; esta outra data, totalmente alheia a Portugal, aos portugueses e à sua Língua, consiste numa série de eventos artificiais patrocinados por brasileiros, pelo político profissional António Guterres, por uma organização brasileira (paga pelo erário público português) a que resolveram os implicados chamar “CPLP” e por uma pequena seita de fanáticos brasileirófilos misturados com alguns sôfregos capitalistas e um grupinho de rapazolas para ir apanhar as canas e servir umas caipirinhas.

 

Por exemplo (se bem que nestes casos exista um dever de observar alguma espécie de gravitas e de dignitas, dado o estatuto de algumas das pessoas em causa), CavacoMalacaSócratesBechara, LulaReisSantana Canavilhas contribuiram — cada qual a seu modo e na medida das suas possibilidades políticas e das respectivas “influências” — não apenas para esgalhar o AO90, essa arma de destruição maciça da Língua Portuguesa, como também para inventar a festarola sambística do “5 de Maio“. Esta invenção ocorreu primeiramente em 2018 (caramba!, há três anos, mas que coisa antiga, vetusta, cheia de tradição e verdete) e no ano seguinte, 2019, a UNESCO, sabe-se lá por que bulas e a troco de quê, resolveu puxar o lustro àquela bota “proclamando” essa mesma data como “Dia Mundial” da língua brasileira.

 

Coisa estranha, esta suspeitíssima manobra diplomática junto da UNESCO, visto que parece ser esse “Dia Mundial” da língua brasileira, precisamente, um caso muito raro ou único. Existe naquele organismo supranacional o “Dia Internacional da Língua Materna”, o que consubstancia um conceito radicalmente diferente, por genérico e abrangente, mas qualquer pesquisa (interna ou via Google) por “Dia da Língua” (ou por “language day”) devolve apenas um resultado, no que respeita a línguas de países historicamente colonizadores: além do tal “5 de Maio”, o “Day” da “bambochata” do “pôrrtugueiss universáu”, não existe qualquer “Day” para qualquer outra Língua nacional. À excepção, evidentemente, dos dias dedicados às línguas de trabalho oficiais admitidas na ONU: Arabic (18 December), Chinese (20 April), English (23 April), French (20 March), Russian (6 June) e Spanish (23 April). Estes seis casos justificam-se por aquilo que representam (línguas de trabalho da ONU), mas o dia da língua brasileira é o único a fintar essa lógica formal.

 

Dever-se-á talvez rever a definição do verbo “tresandar”. Isto já não é só uma história (muito) mal contada.

 

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Se a UNESCO e o próprio secretário-geral da ONU estão atolados em tão viscoso entroncamento de lamaçais, então estaremos não apenas perante uma das maiores burlas diplomáticas de sempre como vamos assistindo — muitos, com passividade ou indiferença — a um filme de encenação deprimente, péssimo guião, actores horríveis. Demasiado mau para ser verdade, de facto.

 

É hoje o único, o verdadeiro Dia da Língua Portuguesa. Eis uma certeza absoluta, séria e fiável.

 

Deixemos as alucinações para os imperialistas e os xenófobos, as mentiras para os desequilibrados e mitómanos, a verborreia para aqueles “intelectuais” em cuja cabeça apenas existe um preço escrito na testa.

JPG

 

MInha Patria.jpg

Público.png  A arte de transformar uma ILC-AO numa ILCalem-se

 

Imagine-se o ridículo: pedir à AR que recomendasse ao governo que pedisse à AR que revogasse uma resolução da própria AR!

 

Nuno Pacheco
“Público”, 10 de Junho de 2021

 

Não há inspiração camoniana (“Cale-se de Alexandre e de Trajano…”) no título deste texto, apesar de hoje, 10 de Junho, se celebrar Camões, a par de Portugal e das Comunidades. Não, o motivo é outro e nada tem de metafórico; pelo contrário, é literal. Expliquemo-nos: há um “cantinho” reservado aos cidadãos na Assembleia da República (AR); não para se sentarem, para isso há as galerias, mas para intervirem na actividade parlamentar. É um espaço virtual onde podem ser apresentadas três tipos de iniciativas: legislativas, petições e referendos. E ali se acolhe o que a lei e as regras (há um manual do utilizador, com 23 páginas) permitem. Dia 7, por exemplo, estavam lá três iniciativas legislativas de cidadãos (ILC, com 3393, 3101 e 543 assinaturas, respectivamente) e 36 petições. A mais “pesada”, de Abril, tinha 192.129 assinaturas (para afastar o juiz Ivo Rosa), a segunda 10.625 e a última apenas 3.

 

Mas, antes delas, uma outra ILC foi fazendo um longo e duro caminho até estar composta, aceite e pronta à votação. Se não tivesse esbarrado, antes, num muro. Falamos da ILC-AO, respeitante ao Acordo Ortográfico (AO90) e de que já aqui se falou mais do que uma vez (declaração de interesses: sou um dos subscritores). As raízes de tal iniciativa remontam a 2008 e centram-se no segundo protocolo modificativo do dito: “[o AO90] entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa.” Isto, que muitos políticos acharam natural, foi um golpe inadmissível. Um acordo que envolve oito países (depois de se lhes juntar Timor-Leste) não podia entrar em vigor só com o “sim” de três; ou melhor, só poderia se todos os oito tivessem ratificado essa alteração de fundo. Só que, de facto, quatro nem sequer ratificaram o acordo, quanto mais os dois protocolos modificativos; e os restantes fizeram-no com métodos e em datas bastante duvidosas, como também oportunamente aqui se demonstrou em Agosto e em Dezembro de 2019. Mas a verdade é que a Assembleia da República aprovou, pela Resolução n.º 35/2008, de 29 de Julho, esse inominável segundo protocolo. Objectivo da ILC-AO? Que a AR o revogasse.

 

Nestes muitos anos, e enfrentando mudanças de leis e regras, a ILC fez o seu caminho. Foi recolhendo assinaturas, entregou-as em Abril de 2019 (21.206 validadas, feitos os acertos) e foi transformada oficialmente em projecto de lei, com o número 1195/XIII. Datada de 30 de Outubro de 2019, a Nota de Admissibilidade concluía: “A apresentação desta iniciativa cumpre os requisitos formais de admissibilidade previstos na Constituição, no Regimento da Assembleia da República e na Lei sobre a Iniciativa Legislativa dos Cidadãos. Tudo certo?

 

Sim e não. Porque depois o assunto emperrou. Em 6 de Novembro, baixou à Comissão de Cultura e foi como se tivesse baixado à terra, na acepção funerária do termo. Debateu-se, contrariou-se, pediram-se pareceres e… ignorou-se a Lei das ILC, a n.º 17/2003, que diz expressamente que o respectivo relatório e parecer devem ser elaborados no prazo de 30 dias e, esgotado tal prazo, a ILC deve ser agendada “para uma das 10 reuniões plenárias seguintes”. Ora o relatório/parecer só foi enviado ao Presidente da AR em 29 de Junho de 2020, com muitos 30 dias já gastos e só em 16 de Setembro de 2020 é que foi discutida em Conferência de Líderes, órgão ao qual cabe decidir a agenda do Plenário. E o que sugeriram os líderes em conferência? Que a ILC fosse transformada em petição. Imagine-se o ridículo: pedir à AR que recomendasse ao governo que pedisse à AR que revogasse a resolução da própria AR!

 

Como isto não tinha, nem tem, pés ou cabeça, a resposta foi “não”. Resultado: a ILC-AO continua lá, embalsamada, à espera, com as seguintes notas (claramente contraditórias): “Aguarda agendamento pela Conferência de Líderes”; e na linha abaixo: “Iniciativa não agendada por não estarem cumpridos os requisitos constitucionais, legais e regimentais para o efeito”. Tudo isto se resume a uma argumentação surreal: os cidadãos podem propor leis, mas leis não revogam resoluções; para isso, tinham de propor uma resolução; só que os cidadãos não estão autorizados, por lei, a propor resoluções; solução? A petição; que é pedir ao governo da nação que recomende a tal resolução que revogue a resolução. Há paciência?

 

Tudo isto é uma não-resposta. Lembra-me um conto de Hergé que li em miúdo, chamado O “Manitoba” não responde. O “Manitoba” era um transatlântico, silenciado por piratas. Terá o “Manitoba” encalhado em São Bento, transformando a ILC-AO numa ILCalem-se?

 

Nuno Pacheco

 

[Transcrição integral de artigo, da autoria de Nuno Pacheco, publicado no jornal “Público” de 10 de Junho de 2021. Destaques e “links” (a verde) meus. Cópia do artigo recebida por email.] (JPG)

 

Fonte:  https://cedilha.net/ap53/2021/06/10-de-junho-dia-da-lingua-portuguesa/#comment-area

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:37

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Quarta-feira, 14 de Abril de 2021

«A ILC ainda existe? – Um debate por haver»

 

«A ILC-AO aguarda, desde Dezembro de 2019, que a Assembleia da República se digne promover um debate que os mais de 20.000 subscritores desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos consideram fundamental. (…) Não tenhamos ilusões: o Acordo Ortográfico representa um problema grave, tanto na frente diplomática como no plano do ensino da Língua — e o nosso Projecto de Lei oferece à Assembleia da República uma oportunidade para começar a resolver esse problema. A Assembleia da República não pode ignorar este facto ou, pior ainda, colocar-se ao serviço de quem prefere continuar a fingir que estes problemas não existem.» (Rui Valente)

 

Se isto não é uma atitude ditatorial, o que será, então? Em que Estado democrático isto aconteceria? Em nenhum, obviamente.

 

Rui Valente explica todo enredo ao redor desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) contra o Acordo Ortográfico de 1990, à qual os governantes viram as costas, com o mesmo desprezo que os ditadores consagram aos povos que dominam, calando-lhes a voz.

 

Esta não é uma questão para as futuras gerações resolveremEsta é uma questão para a geração actual resolver, para que as  crianças e jovens portugueses possam ter um FUTURO  à portuguesa, como é do direito deles.

 

Isabel A. Ferreira

 

Parlamento.jpg

fonte: parlamento.pt

 

Recordamos que a ILC-AO foi entregue na Assembleia da República em Abril de 2019, tendo baixado à Comissão de Cultura e Comunicação no dia 6 de Novembro desse mesmo ano. Nos termos do n.º 1 do Art. 10.º da Lei n.º 17/2003, de 4 de Junho (Iniciativa Legislativa de Cidadãos), o respectivo debate e votação em Plenário devia ter sido agendado passados 30 dias sobre aquela data — ou seja, em Dezembro de 2019 — para uma das 10 reuniões plenárias seguintes.

 

No entanto, só passados mais de dez meses (!) a ILC-AO foi finalmente discutida em Conferência de Líderes, órgão que decide a agenda do Plenário. Ao contrário do que seria de esperar, em vez de finalmente promover o tão esperado debate, a Conferência de Líderes propõe-nos a transformação da ILC em “petição para que a Assembleia da República recomende ao Governo as medidas desejadas“.

 

Sendo as “medidas desejadas” a revogação de uma Resolução da Assembleia da República, seria difícil conceber um exercício mais absurdo: uma petição para que a Assembleia da República recomende ao Governo que este recomende à Assembleia da República a revogação de uma sua Resolução.

 

De imediato denunciámos este atropelo ao espírito e à forma de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Não nos parece sequer que tal metamorfose seja possível, do ponto de vista legal, tendo em conta que as assinaturas recolhidas para uma ILC só podem utilizadas para essa mesma ILC e não para outro efeito. A verdade é que, pelo menos do ponto de vista moral, uma tal transmutação seria sempre inaceitável: não foi para isso que os subscritores da ILC nos confiaram a sua assinatura. Em resposta à Conferência de Líderes, da qual foi dado conhecimento aos Grupos Parlamentares, deputados únicos e deputadas não-inscritas, insistimos no agendamento da ILC-AO tal e qual é, sem variantes absurdas ou “alternativas” inventadas.

 

Desde então, embora saibamos que pelo menos o PAN e o PCP consideram pertinente o agendamento da respectiva discussão, continuamos a aguardar uma resposta formal — e final — da Conferência de Líderes.

 

Mesmo tendo em conta o contexto de pandemia em que vivemos, nada justifica uma demora que em tudo se assemelha a um adiamento ad aeternum. Neste cenário em que um tema tão grave como a Língua Portuguesa se encontra parlamentarmente esquecido, cumpridos dois anos (!) sobre a entrega das assinaturas na AR, tomámos a liberdade de contactar novamente o Senhor Presidente da Assembleia da República, nos termos que transcrevemos abaixo.

 

Neste momento, mais do que o nosso Projecto de Lei, está em causa a própria figura da Iniciativa Legislativa de Cidadãos. Estamos perante uma ILC que não foi arquivada, rejeitada ou aprovada, encontrando-se numa espécie de limbo legislativo (ou terra de ninguém parlamentar). Se isto pode acontecer a uma ILC, é caso para perguntar: a democracia participativa ainda existe em Portugal?

 

Por todas as razões, é fundamental que este debate, tantas vezes adiado, possa finalmente acontecer.

 

Exmo. Senhor
Presidente da Assembleia da República
Doutor Eduardo Ferro Rodrigues

Exmo. Senhor Presidente,

  • A ILC-AO deu entrada na Assembleia da República no dia 10 de Abril de 2019 — há precisamente dois anos.
  • No dia 17 de Agosto de 2019, nos termos da Lei n.º 17/2003, solicitámos a sua tramitação para a Legislatura seguinte (a XIVª, em curso).
  • No dia 6 de Novembro de 2019 a ILC-AO baixou à Comissão Permanente de Cultura e Comunicação (12ª Comissão).
  • No dia 8 de Junho de 2020, estando já largamente ultrapassado o prazo previsto na Lei n.º 17/2003 para o agendamento das Iniciativas Legislativas de Cidadãos, solicitámos formalmente a V. Excia. o agendamento para debate e votação em Plenário desta Iniciativa Legislativa. Esta mensagem não obteve resposta.
  • No dia 16 de Setembro de 2020 a ILC-AO é finalmente debatida em Conferência de Líderes. Lamentavelmente, este órgão decide acatar o Parecer da 12ª Comissão sobre o nosso Projecto de Lei, ainda que este Parecer não tenha carácter vinculativo e se baseie em premissas, no mínimo, juridicamente controversas (como demonstrámos oportunamente). Para nossa surpresa, propõe-nos a Conferência de Líderes que esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos seja convolada em petição. Tivemos conhecimento desta decisão através do V. ofício XIV-1242, de 21 de Setembro.
  • No dia 8 de Outubro de 2020 respondemos à Conferência de Líderes declinando a possibilidade da convolação da ILC em petição e, acima de tudo, desmontando o equívoco da decisão tomada pela CL. No que ao agendamento diz respeito, insistimos na admissão pura e simples da ILC-AO a debate em Plenário ou, quando muito, na sua convolação em Projecto de Resolução, caso se queira prevenir um impedimento ditado por um tecnicismo que só os deputados-relatores conseguiram descortinar.

Em resposta a esta nossa contestação, enviada pelo Gabinete do Presidente aos Grupos Parlamentares, Deputados únicos Representantes de um Partido e Deputadas Não Inscritas, pelo menos o PAN e o PCP manifestaram a sua intenção de levar esta questão novamente à Conferência de Líderes — o que, até hoje, não aconteceu.

 

Estamos, desde então, a aguardar que a Conferência de Líderes se pronuncie em definitivo sobre este assunto. A página desta Iniciativa Legislativa no sítio do Parlamento
https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=43665

parece parada no tempo, sem que a ILC-AO seja aprovada, rejeitada ou arquivada.

 

Estamos conscientes de que a estratégia do Governo e dos principais partidos relativamente ao Acordo Ortográfico passa por tocar o menos possível no assunto, na esperança de que este se resolva “com o tempo”. Em entrevista recente à Raia Diplomática, Ana Paula Laborinho, directora da delegação portuguesa da Organização dos Estados Ibero-americanos para a Ciência, Educação e Cultura, dizia que o debate em torno do Acordo Ortográfico está “gasto” e será “resolvido pelas novas gerações”.

 

São declarações em linha com a tese de que as revisões constantes na ortografia são uma “inevitabilidade” e “causarão sempre estranheza”. Todas as críticas ao Acordo Ortográfico são levadas à conta de resistência à mudança, própria das gerações mais velhas, com as quais temos de ser pacientes.

 

Trata-se de um discurso lamentável, fruto de uma profunda e tripla ignorância.

 

Ignora-se, desde logo, que os prejuízos causados pelo Acordo Ortográfico à Língua Portuguesa são bem reais e afectam, em particular, o Português Europeu, ameaçado de extinção.

 

Ignora-se, também, a demografia da contestação ao Acordo. Que o digam todos os jovens cuja subscrição da ILC-AO tivemos de recusar por não terem ainda 18 anos.

 

Por fim, ignora-se ainda, ou finge ignorar-se, o falhanço da “unificação” da Língua, em que metade dos países envolvidos não ratificou ou não aplica o AO90 — uma contradição validada precisamente pela RAR 35/2008, que a ILC contesta.

 

Não tenhamos ilusões: o Acordo Ortográfico representa um problema grave, tanto na frente diplomática como no plano do ensino da Língua — e o nosso Projecto de Lei oferece à Assembleia da República uma oportunidade para começar a resolver esse problema. A Assembleia da República não pode ignorar este facto ou, pior ainda, colocar-se ao serviço de quem prefere continuar a fingir que estes problemas não existem.

 

Do ponto de vista formal, a ILC-AO representa um esforço enorme de centenas de pessoas e de milhares de subscritores que, ao longo de anos, recolheram assinaturas e mantêm um espaço de informação e uma presença constante nas redes sociais. Para todos os efeitos, estamos perante um conjunto de mais de 20.000 cidadãos que, nos termos da Lei, solicitam aos deputados que elegeram — e que os representam — que reconsiderem ou, no mínimo, debatam novamente uma resolução tomada por essa mesma Assembleia da República em 2008. Estes cidadãos não podem ser tratados como um estorvo ou como um “aborrecimento” — sob pena de se colocar em causa a própria figura da Iniciativa Legislativa de Cidadãos.

 

Do mesmo modo, o debate por nós solicitado não pode se entendido como uma perda de tempo ou como um simples sobressalto na marcha inexorável do “progresso”. Infelizmente, o tratamento a que esta Iniciativa Legislativa tem sido sujeita leva-nos a crer que também nessa casa se procura resolver a questão do Acordo Ortográfico “com o tempo”.

 

Para a Conferência de Líderes, tudo é prioritário relativamente à ILC-AO. Só assim se explicam os largos períodos de puro e simples esquecimento a que esta Iniciativa Legislativa tem sido votada. Propositado ou não, o congelamento desta Iniciativa Legislativa de Cidadãos por parte da Assembleia da República não é neutro e concorre para a manutenção da situação actual, em que um Acordo Ortográfico empobrecedor continua a vigorar sem qualquer escrutínio.

 

Uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos não pode estar dependente do maior ou menor mediatismo do seu objecto, tal como não pode estar dependente da boa vontade dos partidos com assento na Conferência de Líderes que, eventualmente, queiram dedicar parte do seu precioso “tempo de antena” a este assunto.

 

Não estado a Comissão Representativa da ILC-AO, naturalmente, representada na Conferência de Líderes, acreditamos que cabe ao Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República o dever de cumprir e fazer cumprir a Lei n.º 17/2003. Neste contexto, não podemos deixar de solicitar a V. Excia. que a questão da ILC-AO/Projecto de Lei n.º 1195/XIII seja em definitivo apreciada pela Conferência de Líderes, com o consequente agendamento do debate desta Iniciativa Legislativa em Plenário.

 

Atenciosamente,

A Comissão Representativa da ILC-AO
Hermínia Castro, Luís de Matos, Isabel Coutinho Monteiro, Nuno Pacheco, Olga Rodrigues, Henrique Lopes Valente, Rui Valente, Maria do Carmo Vieira

 

Fonte:

https://ilcao.com/2021/04/12/a-ilc-ainda-existe/?fbclid=IwAR3BI2d_QZoEEWsQBVi6v0l3jrbeefoOvuQwWLAUfl3-75A0HCWIRGkrRvU

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:05

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Quinta-feira, 4 de Março de 2021

Um debate por haver: «De que falamos quando falamos de “Acordo Ortográfico”?»

 

Por Rui Valente 

 

Gandhi.jpg

 

O entendimento mais comum é o que associa o “Acordo ortográfico” às alterações introduzidas na ortografia — as célebres XXI bases do AO90 e respectiva “nota explicativa“. Esta é, digamos assim, a definição “ortográfica” do AO.

 

Mas, como vimos no “post” anterior, o AO90 pode e deve ser visto sob outro prisma, numa leitura que pouco ou nada tem que ver com ortografia.

 

O “Acordo Ortográfico” é, de facto, um Tratado Internacional em que oito países manifestam a intenção de “unificar” uma norma, definindo prazos e condições para esse objectivo. Estamos, neste caso, a falar do AO90 enquanto instrumento político.

 

Infelizmente, seja qual for a abordagem escolhida, o AO90 é um acto falhado. Como é costume dizer-se, o “Acordo Ortográfico” não é “acordo”, nem é “ortográfico”.

 

Não é “ortográfico” porque as regras introduzidas, supostamente “facilitadoras”, são absurdas na sua deriva fonética e na criação de facultatividades que desafiam o próprio conceito de ortografia.

 

E não é “acordo” porque prima por não reunir o consenso e não envolver cedências entre todos os países envolvidos ou partes contratantes. No espaço da CPLP existem agora três normas e um caos inqualificável na sua aplicação. Mais de metade dos países de expressão oficial portuguesa não ratificaram o AO90 e/ou não o aplicam.

 

Perante este cenário, ocorre perguntar: se há países que não ratificaram o AO90 nem o aplicam, como é possível que em Portugal o AO90 esteja em vigor?

 

A resposta a esta questão tem um nome: II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico. Graças a essa alteração à letra do Tratado original, o AO90 passou a poder entrar em vigor em todos os oito países com a ratificação de três deles somente.

 

O AO90 obriga-nos — literalmente — a escrever torto. Com o II Protocolo Modificativo escrevemos torto por linhas tortas.

 

Em Portugal, o “truque” do II Protocolo Modificativo foi validado pela Assembleia da República através da RAR (Resolução da Assembleia da República) n.º 35/2008. Com a aprovação desta Resolução, no dia 16 de Maio de 2008, a Assembleia da República aceitou o princípio de que três países podem de facto decidir por oito, numa matéria que a todos diz respeito.

 

O nosso Projecto de Lei incide, precisamente, sobre esta questão. Partindo do princípio de que um Tratado Internacional que pretenda “unificar” o que quer que seja não pode ser posto em prática sem a concordância de todos os envolvidos, propomos a revogação da referida RAR n.º 35/2008.

 

Devemos salientar que a nossa ILC não propõe (nem podia fazê-lo) a revogação do Acordo Ortográfico. E não propõe sequer a revogação do próprio II Protocolo Modificativo, tal como foi concebido em 2004.

 

Na apreciação da nossa Iniciativa Legislativa em Plenário, duas coisas podem acontecer.

 

Por um lado, a Assembleia da República pode, muito simplesmente, rejeitar o Projecto de Lei n.º 1195/XIII, o que equivale a reafirmar a decisão tomada — por evidente equívoco e desconhecimento da maioria dos deputados de então — em 2008. Por outro lado, mesmo que o Plenário decida revogar a RAR n.º 35/2008, o II Protocolo Modificativo continua a existir. Perante esse cenário, uma das opções à disposição do Governo é a da submissão à Assembleia da República de um novo Projecto de Resolução no mesmo sentido. Esperamos, naturalmente, que não seja essa a opção tomada, mas é bom que se saiba que essa possibilidade existe — as acusações de condicionamento da margem de manobra do Executivo são manifestamente exageradas.

 

Em resumo, o que os cidadãos eleitores e subscritores desta Iniciativa Legislativa pretendem é que a Assembleia da República reconsidere a aprovação, no mínimo, precipitada, da RAR n.º 35/2008.

 

Dito isto, reconhecemos que não é fácil debatermos de forma estanque as duas vertentes — política e ortográfica — do Acordo Ortográfico, e isto se dermos de barato e ignorarmos uma terceira vertente, a jurídica. Basta pensarmos que, se as XXI bases do Acordo Ortográfico fossem boas, a resistência à sua aceitação não teria existido e o II Protocolo Modificativo não teria sido necessário.

 

Esperamos, sinceramente, que o lado “ortográfico” desta questão não acabe por prevalecer, empurrando o debate para uma discussão apaixonada mas pouco frutuosa em torno das “incoerências”, dos “constrangimentos” e das opções entre “revogar” ou “corrigir o que está mal” (vulgo, “revisão do AO90“). Devemos ser muito claros neste ponto: ainda que a ILC-AO possa abrir a porta a estas questões num futuro próximo, a discussão em torno do nosso Projecto de Lei não é o momento mais apropriado para esse debate.

 

Ainda assim, muitas questões estão desde já em causa e é bom que os deputados tenham consciência desse facto.

 

Infelizmente, a recente discussão em torno de um Projecto de Resolução sobre esta matéria não pressagia nada de bom. Assistimos, no passado dia 15 de Janeiro, a um diálogo de surdos, em que as partes debitaram mecanicamente os mesmos argumentos de sempre sobre o Acordo Ortográfico.

 

Para que a ILC-AO possa escapar a essa lógica trituradora apresentamos aqui alguns contributos quer para o agendamento do debate, quer para o debate propriamente dito.

 

À atenção da Conferência de Líderes


É certo que, repetimos, o nosso Projecto de Lei não incide especificamente sobre ortografia — questiona “apenas” a decisão, tomada pela AR, de aceitar como válido o princípio de que um Tratado desenhado para unificar a ortografia de oito países possa vigorar sem ser ratificado por todos.

 

Trata-se de uma questão fundamental, que deve ser encarada com a máxima seriedade, sem tergiversações ou manobras de bastidores para desviar atenções. Sem prejuízo das restantes matérias debatidas em Plenário, deve ser atribuído à ILC-AO o tempo dado às grandes questões de fundo (e fôlego), isto é, aos temas que de alguma forma têm que ver com a identidade nacional ou o património identitário português. Trata-se de um assunto que afecta toda a comunidade e a totalidade dos portugueses, onde quer que residam. Não faz sentido agendar o debate sobre a nossa Iniciativa cidadã no meio de uma maratona de discussões que, pese embora a sua importância relativa, caso a tenham, incidem geralmente apenas sobre um segmento restrito da população e sobre assuntos parcelares, circunscritos. Pelos mesmos motivos, deve ser assegurada aos deputados a liberdade de voto. Esta não é uma matéria em que os líderes dos diversos grupos parlamentares, sete “chefes de bancada”, possam votar em nome de todos os deputados do seu grupo.

 

À atenção dos deputados


No debate sobre o Projecto de Resolução do PEV percebemos que os velhos argumentos a  favor do AO90 continuam a ser desfiados sem qualquer espírito crítico. “O objectivo de uma aproximação gráfica […] é reconhecido como positivo num mundo global.” (Beatriz Dias, BE) ou “É importante sublinhar a relevância do acordo para a literacia, a facilitação da aprendizagem da escrita e da leitura” (Pedro Cegonho, PS), ou ainda “A Língua Portuguesa, para se impor como Língua de comunicação, de cultura, de ciência e de negócios, carece de uma uniformização ortográfica” (Fernanda Velez, PSD) são teses que não encontram qualquer tipo de sustentação real mas que, ainda assim, são repetidas “ad nauseam”, de forma acrítica e meramente seguidista.

 

Seria bom que Beatriz Dias se perguntasse de onde veio a “identificação como positiva” do objectivo de uma aproximação gráfica e, acima de tudo, de que análises resultou a validade desse diagnóstico. Aliás, seria até curioso (muito curioso) que algum deputado mostrasse uma única “queixa”, seja de quem for, por os meses e as estações do ano terem maiúscula inicial antes do AO90. Ou que, além de ter “resolvido” esse gravíssimo problema (totalmente inventado), demonstrassem os ilustres que alguma vez existiu uma única das variadíssimas “queixas” que, dizem, justificaram a “necessidade” de “corrigir” a nossa Língua nacional conforme a escrita brasileira.

Seria bom, por exemplo, que Fernanda Velez explicasse como conseguiu o inglês sobreviver como Língua de comunicação, de cultura, de ciência e de negócios sem jamais ter ocorrido a qualquer inglês ou americano que era necessária uma uniformização ortográfica; muito pelo contrário! A diversidade no Inglês (USA, UK, South Africa, Australia, Canada, etc.) é uma das características da Língua mais falada e escrita em todo o mundo.

 

Seria bom que Pedro Cegonho, também por exemplo, compreendesse que a “facilitação” no ensino da Língua será, quando muito, apenas aparente. “Escrever como se fala” é receita para uma aprendizagem cada vez mais superficial (e estupidificante) do Português e é também factor de bloqueio para quem quiser partir à descoberta de relações e sentidos entre famílias de palavras ou aprender outras Línguas de génese ou de influência latina. Já agora, esse deputado talvez se quisesse dar à maçada de explicar ao povo português o que diabo significa “escrever como se fala”: como se fala onde?

 

O ensino da ortografia não pode ser levado à conta de um simples Bê-a-Bá. Na ânsia da “simplificação” e da “facilitação” esquece-se a importância da ortografia enquanto iniciação ao raciocínio abstracto e à interpretação de signos, desvaloriza-se o estímulo ao pensamento profundo, limita-se o acesso à interrogação e à curiosidade histórica. No limite, um limite meramente figurativo, a “simplificação” significa o retorno ao primordial grunhido troglodita e a “facilitação” equivale aos muito populares “vale tudo”, “está certo das duas maneiras”, “pouco mais ou menos” ou ainda “bem, desde que se perceba…”

 

De resto, há uma profunda incoerência no discurso destes três deputados: em primeiro lugar, é feito o reconhecimento “da praxe” de que o Acordo Ortográfico só afecta a ortografia — o que, desde logo, não passa de uma falácia. Daí em diante, ignora-se propositadamente quaisquer consequências dessa falácia: se essa é a única variável que se pode (tentar) alterar, não há unidade possível entre variantes da Língua — ficam de fora a escolha de palavras e a construção frásica.

 

A “unificação” é uma miragem e o Acordo Ortográfico uma fraude. É esta incoerência, em suma, é esta visão limitada que se nota no discurso dos deputados: a fixação na árvore, em detrimento da atenção devida à floresta.

 

De facto, não é possível debater a (im)própria existência de um acordo ortográfico sem se ter uma noção mais abrangente do fenómeno linguístico e da viagem das Línguas pelo tempo e pelo espaço.

 

A separação ortográfica ocorrida em 1911 continua a intrigar muita gente e, volvidos mais de cem anos, há quem continue a perseguir o estranho objectivo da unidade ortográfica entre o Português Europeu e o Português do Brasil, considerando tal absurdo um desígnio imprescindível. Esta fixação pró-Acordo, ordenada pelas cúpulas partidárias, é tanto mais incompreensível quanto se sabe que a ortografia, com toda a sua importância, é apenas uma entre as várias vertentes da Língua. Em rigor, o vocabulário, a ortografia e a sintaxe começaram a divergir entre Portugal e o Brasil quando se deu o contacto com o tupi, o guarani, o tukano e outras Línguas brasileiras e do continente sul-americano e continuou, ao longo de séculos, inevitavelmente, alimentada por línguas alienígenas  provindas das migrações de espanhóis, alemães, italianos, árabes, japoneses e muitos outros.

 

É um fenómeno natural — e irreversível.

 

Isto significa que qualquer Acordo Ortográfico que tenha por base um pressuposto de “unificação” é inútil, contra-natura, e está votado ao fracasso. Pode-se (tentar) unificar a ortografia, pode-se até (tentar) trazer um vocabulário a reboque dessa “unificação” — e assistimos actualmente a uma invasão, acéfala e sem precedentes, de termos brasileiros no nosso dia-a-dia — mas não se pode mudar a sintaxe, isto é, o modo como construímos as frases. “Eu te amo” será sempre “amo-te” no lado de cá do Atlântico.

 

Dito de outro modo, ninguém consegue alinhavar duas linhas em Português sem que, involuntariamente, denuncie o país onde aprendeu a falar, primeiro, e a escrever, depois. E isto nunca constituiu um problema. A ortografia fonética é uma idiossincrasia brasileira que não existe e jamais existiu em Portugal.

 

Bucha Estica.jpg

Imagem: Laurel & Hardy “cortesia” San Francisco Silent Film Festival

 

Defendermos o contrário, isto é, defendermos que, à boleia da ortografia, tudo passou a ser igual, é fingirmos que o Bucha e o Estica passaram a ser indistinguíveis só porque passaram ambos a usar lacinho.

 

À conta da apresentação dos sub-domínios virtuais “.pt” num pretenso Português “universal” (que, para mal dos nossos pecados, coincide geralmente com a língua falada no Brasil), as plataformas e serviços internacionais (Google, Wikipedia, Facebook, Youtube, etc.) eliminaram pura e simplesmente a “variante” portuguesa da Língua — não apenas nos “interfaces” mas nos próprios conteúdos têm sido sistematicamente apagados quaisquer resquícios de Portugal e dos portugueses, da nossa História e da nossa Cultura; tudo passou a ser brasileiro, pura, simples e radicalmente.

 

Mas a verdade é que não é possível escrever, editar, traduzir e, numa palavra, comunicar, como se todos fôssemos o tal universo de duzentos e dez milhões de falantes. Pode mexer-se na ortografia, mas nunca nada de construtivo resultará dessa intervenção (ou invenção). A não ser, é claro, que se pretenda, cavalgando um pretenso cavalo de Tróia ortográfico, espezinhar algo…

 

É fundamental que, quando chegar o momento de debater o Projecto de Lei n.º 1195/XIII, os deputados tenham a noção exacta do que essencialmente está em causa. Todas as envolventes, mesmo as mais incómodas ou, quem sabe, até politicamente incorrectas, deverão estar presentes, como pano de fundo, no momento da votação do nosso Projecto de Lei.

 

Porque só a consciência deste falhanço anunciado do AO90 permite perceber o que foi e o que é, verdadeiramente, o II Protocolo Modificativo: em 2008, foi o expediente que permitiu dar vida a um “Acordo Ortográfico” desnecessário, inútil, conflituoso e impraticável.

 

Manifestamente, os seus promotores acreditaram que, mais tarde ou mais cedo, todos os países acabariam por ratificar o Acordo Ortográfico, diluindo no tempo o grosseiro enviesamento do II Protocolo Modificativo. Tal não aconteceu. E o efeito é agora o inverso: quanto mais tempo passa mais exposto fica o ridículo de um Acordo que, afinal, tem carácter facultativo.

 

Passados 17 anos sobre a invenção desse II Protocolo Modificativo, passados 30 anos sobre a invenção do Acordo Ortográfico, é mais que evidente que o falhanço da “unificação” já não é uma premonição: é um facto.

 

Hoje em dia, o II Protocolo Modificativo já não é uma “fase transitória”, até que todos os países cumpram o AO90. É a bóia de salvação que vai mantendo o Acordo Ortográfico à tona da água.

 

Mas nunca é tarde para se corrigir um erro.

 

Fonte:

https://ilcao.com/2021/03/01/um-debate-por-haver/?fbclid=IwAR30zjFBtws1CUdmQHQ2KEwuXX08m6pSEetGxOdWJQjxvjqDmflULaR82mc

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:57

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Sexta-feira, 12 de Fevereiro de 2021

«Devemos ter consciência de que qualquer Acordo Ortográfico que tenha por fim “unificar” as duas normas existentes — Português Europeu e Português do Brasil — está votado ao fracasso»

 

O que está em causa

 

Por Rui Valente

 

Enquanto esperamos que a Conferência de Líderes agende o debate e votação do Projecto de Lei n.º 1195/XIII vale a pena recordar o que está em causa nesta iniciativa legislativa [de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico].

 

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Em primeiro lugar, devemos ter consciência de que qualquer Acordo Ortográfico que tenha por fim “unificar” as duas normas existentes — Português Europeu e Português do Brasil — está votado ao fracasso. Os promotores do AO90 evocam, compungidos, o grande cisma ortográfico de 1911, ignorando que a Língua escrita é também vocabulário e é também sintaxe. Nesse sentido, o afastamento entre as duas normas é um processo natural, muito anterior à implantação da República — começa, muito provavelmente, no dia em que o Padre António Vieira decide aprender tupi para mais facilmente evangelizar o Brasil. E é, obviamente, um processo irreversível.

 

Muito se estranha, portanto, o reiterado afã de produzir acordos ortográficos que volta e meia aflige alguns estudiosos, ainda que ninguém lhos peça nem neles vislumbre qualquer utilidade. Pelo contrário, a cada novo projecto de AO multiplicam-se críticas e pareceres negativos, aos quais se junta a oposição generalizada dos portugueses.

 

Neste cenário, percebe-se facilmente que, aquando da sua assinatura, no fatídico dia 16 de Dezembro de 1990, o AO90 preparava-se para ser apenas mais um na já longa lista de acordos ortográficos falhados entre Portugal e o Brasil — certamente cairia por si, sem ser preciso combatê-lo. Infelizmente, como sabemos, as coisas não se passaram exactamente assim. O Acordo Ortográfico falhou, como não podia deixar de acontecer, mas, paradoxalmente, entrou em vigor em alguns países, sendo um deles Portugal.

 

Para percebermos como foi isto possível temos de recuar um pouco no tempo.

Na sua origem, o Acordo Ortográfico de 1990 resumia-se em quatro singelos artigos:

  • O primeiro artigo aprovava as modificações a introduzir na ortografia — as tais que, como vimos, só prejudicam, sem que delas advenha qualquer benefício.
  • O segundo artigo dizia que os signatários, até ao dia 1 de Janeiro de 1993, elaborariam um vocabulário ortográfico comum (VOC) da Língua Portuguesa — aparentemente, uma espécie de “caldeirão” onde seriam vertidas todas as palavras de todos os países da CPLP. Graças a esta benesse, passaríamos a ter à nossa disposição palavras como “mouse” [informática], “registro” ou “pantorrilha”. Sendo à partida uma ferramenta que pode ser interessante, o VOC, que ainda hoje não está concluído, não precisava obviamente de um Acordo Ortográfico para ser elaborado — embora, como se vê pela amostra, não dispense a organização de um rigoroso manual de instruções.
  • O terceiro artigo dizia que o Acordo Ortográfico entraria em vigor a 1 de Janeiro de 1994, após depositados os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo da República Portuguesa. Sublinhe-se “todos os Estados”, com ênfase no “TODOS”, como é lógico — se é para “unificar” não poderia ser de outro modo.
  • E, finalmente, o quarto e último artigo dizia que os Estados tomariam as medidas consideradas adequadas para que se respeitasse a data de entrada em vigor prevista no Art. 3º.
  •  

Perante este articulado, como é bem de ver, escritores, tradutores, poetas, jornalistas e, de um modo geral, quem quer que estime a sua Língua materna e a use como ferramenta de trabalho, investigação ou estudo nas mais variadas áreas, da Medicina à Culinária, passado pela Química, Biologia, Informática e outras, mais não tinha de fazer do que cruzar os braços e esperar que a infeliz criatura seguisse o seu caminho em direcção ao esquecimento.

 

Quando tudo apontava para esse desfecho, eis que os promotores do AO começam a movimentar-se, alterando as regras do jogo que eles próprios haviam criado.

 

Em 1998, já os prazos originais estavam mais do que furados. No que só pode ser visto como uma “fuga para a frente”, surge o Primeiro Protocolo Modificativo. Reunidos na Praia (Cabo Verde), decidem os signatários extirpar os Artigos 2º e 3º de tão incómodos horizontes temporais.

 

Como é evidente, esse expediente não produziu qualquer efeito, pois subsistia ainda a necessidade de o Acordo Ortográfico ter de ser ratificado por todos os países envolvidos. À data, 14 anos volvidos sobre o Acordo original, só um país tinha ratificado o AO90 — o Brasil.

 

Qualquer um veria neste cenário uma prova de que, efectivamente, o Acordo Ortográfico não desperta o interesse de ninguém. Não foi esse o entendimento dos promotores do AO90. Em 2004, desta vez reunidos em São Tomé, entendem por bem promover o Segundo Protocolo Modificativo, alterando mais uma vez o Art.º 3º do Acordo Ortográfico: deixa de ser necessária a ratificação do Acordo Ortográfico por todos os países, bastando apenas a ratificação por três desses países.

 

Seria difícil conceber um maior esvaziamento da letra e do sentido de qualquer acordo e, por maioria de razão, de um acordo que pretenda “unificar” o que quer que seja.

 

Pior, ou, neste caso, melhor, só a criação de um Terceiro Protocolo Modificativo que altere a redacção do Artigo 1º, tornando facultativa a adopção das novas normas ortográficas por parte dos países signatários. Talvez assim se consiga reunir, passados mais de 30 anos, a ratificação ou a adesão efectiva de Angola, Moçambique e demais países da CPLP que não seguem o Tratado. Fica a sugestão.

 

No que à ILC diz respeito — e estamos finalmente a chegar ao cerne da questão — o Projecto de Lei n.º 1195/XIII debruça-se sobre este “pormenor” do II Protocolo Modificativo.

 

Como se imagina, cada uma destas modificações introduzidas no AO90 assumiu, por sua vez, a figura de um Tratado — que, tal como o Acordo Ortográfico original, teve de ser objecto de aprovação e ratificação por cada um dos países envolvidos.

 

Em Portugal, o II Protocolo Modificativo foi submetido à apreciação da Assembleia da República em 2008, através de um Projecto de Resolução. Tendo sido aprovado, transformou-se na Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 — aprova o II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

 

Uma nota adicional sobre esta segunda alteração do Acordo Ortográfico: tendo sido redigida em 2004, os promotores do AO resolveram ter em conta a independência de Timor-Leste, alcançada em 2002. Deste modo, o II Protocolo Modificativo introduz não uma, mas duas alterações no texto original. A primeira, como vimos, é a nova redacção do Art.º 3º, eliminando a necessidade da ratificação do AO por todos os países. A segunda é a criação de um novo Artigo, o 5º, abrindo a possibilidade de o AO90 ser ratificado pelo novo país.

 

Com o distanciamento e a frieza que hoje nos permitimos ter sobre todo este processo, torna-se ainda mais evidente o que sempre dissemos: toda esta saga do Acordo Ortográfico começou mal, com a invenção do próprio AO, e só piorou com as sucessivas alterações introduzidas.

 

Os subscritores da ILC-AO entendem que, em 2008, a Assembleia da República devia ter dito “basta”.

 

Se o AO90 promovia uma unificação impossível, o II Protocolo Modificativo consagrou a existência de três normas no espaço da CPLP — um resultado diametralmente oposto ao que certamente era pretendido pelas mentes esclarecidas de quem julgou necessário um Acordo Ortográfico. Hoje em dia, a própria Wikipedia, entidade acima de qualquer suspeita de anti-acordismo, reconhece esse facto: “Contudo, um dos efeitos do Acordo foi o de dividir ainda mais estes países, criando agora três normas ortográficas: a do Brasil, de Portugal e dos restantes países africanos que não implantaram o Acordo apesar de o terem assinado.”

 

Os subscritores da ILC-AO vão mais longe, defendendo que o debate em torno da RAR 35/2008 foi mal feito, pouco esclarecido e inquinado pela disciplina de voto vigente entre os diversos grupos parlamentares. A própria questão de Timor-Leste foi fonte de equívocos: graças à sua apresentação num único “pacote” legislativo, uma medida tão disparatada quanto a redução do número de ratificações apanhou a “boleia” do capital de simpatia da abertura a Timor-Leste, num gesto que muitos viram como a integração “de facto” do novo país na CPLP.

 

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Poucos foram os deputados que, a exemplo de Manuel Alegre (PS) ou Luísa Mesquita (não-inscrita), souberam interpretar o que estava em causa neste processo e votaram contra a aprovação desta Resolução.

 

Mais votos contra teria havido, certamente, não fosse a malfadada disciplina partidária. Veja-se o caso de Matilde Sousa Franco (PS), que declara ter pedido licença para votar contra: “foi-me dito tal ser impossível devido à disciplina de voto e evidentemente obedeci, mas foi-me concedida autorização para me ausentar no momento da votação, o que fiz.” A avaliar pelo quadro de votações nesse dia, vemos que Matilde Sousa Franco não consta da lista de ausências — muito provavelmente, a sua vontade não terá sido respeitada, tendo o seu voto sido considerado como favorável.

 

O nosso Projecto de Lei parte do princípio de que a Assembleia da República pode e deve rever uma sua Resolução e, se for o caso, ter a coragem de admitir que errou.

 

O nosso Projecto de Lei revoga apenas a RAR 35/2008 — não o segundo Protocolo Modificativo ou o próprio Acordo Ortográfico. Mas abre a porta para um verdadeiro debate sobre a pertinência de um Acordo Ortográfico que ninguém pediu e que falhou os seus objectivos — mas que, graças ao “truque” do II Protocolo Modificativo, continua a subsistir como um corpo estranho no seio dos próprios países que se propunha aproximar.

 

Fonte:

 https://ilcao.com/2021/02/11/o-que-esta-em-causa/?fbclid=IwAR2czXvd14RAq11dsSeJWJu7UAuaJDx7lTyz7FpNMLGnZVYst_NDzpHICqQ

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:55

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Domingo, 13 de Dezembro de 2020

Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico (ILC-AO): «À espera de Godot?»

 

Definitivamente, não vivemos num Estado de Direito, pois as leis do País são sistematicamente atropeladas, a favor dos interesses dos que nos governam, que fazem o que bem querem, porque em Portugal é assim: as leis estão apenas ao serviço de quem as cria.

 

Deixo-vos com mais um capítulo da saga ILC-AO, algo que o governo português e Marcelo Rebelo de Sousa deviam ter em conta, mas assobiam para o lado, como bons déspotas que são.

 

Isabel A. Ferreira

 

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Por Rui Valente 

 

«À espera de Godot?»

 

«Já sabemos, há alturas em que não vale a pena insistir. Pelos critérios da Assembleia da República, os temas mediáticos, financeiros e/ou polémicos são sempre prioritários. A crise do Orçamento de Estado para 2021, que nos ocupou durante longuíssimas semanas, fazia o pleno nestas três alíneas.

 

Já o debate sobre o Acordo Ortográfico, pelo contrário, parece nunca ser oportuno. Na sala de espera e triagem do Parlamento, a Língua Portuguesa pode estar em coma — nem assim se livra da pulseira verde.

 

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É por isso que escrevemos hoje este artigo. Mesmo à luz das prioridades da Assembleia da República, esta é uma boa altura para darmos seguimento à “questão ortográfica” (que de Ortografia nada tem). A saga do OE2021 está finalmente ultrapassada e até o Estado de Emergência motivado pela COVID-19 foi agora renovado. Estamos à espera de quê? Este é o tempo certo para que finalmente debatam o Projecto de Lei 1195/XIII.

 

Na aparência, a nossa proposta pode parecer um assunto meramente burocrático — limitamo-nos a propor à Assembleia da República a reavaliação de uma Resolução que tomou há doze anos. A simples reparação de um (trágico) erro, em suma. Mas não tenhamos ilusões: se os deputados continuarem a protelar “sine die” este debate, as consequências para a Língua e para a cultura portuguesa serão gravíssimas — seguramente mais graves do que o chumbo de um Orçamento de Estado ou de outra legislação avulsa.

 

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Recordamos que a Conferência de Líderes propôs-nos, no já longínquo mês de Setembro, a conversão da ILC-AO em petição. Perante a nossa recusa, em que ficamos? Logicamente, o assunto deverá regressar à Conferência de Líderes para que esse órgão se pronuncie, em definitivo, sobre o agendamento para debate e votação em Plenário da nossa Iniciativa Legislativa.

 

Infelizmente, a ILC-AO não é um partido político e, como tal, não está representada na Conferência de Líderes. É-nos vedada toda e qualquer possibilidade de influenciar a agenda do Plenário.

 

Estarão as Iniciativas Legislativas de Cidadãos condenadas à orfandade, competindo de forma desigual com os diversos interesses partidários? Não deveria ser assim. Permitimo-nos lembrar que os subscritores da ILC-AO são também cidadãos eleitores. Se os diversos líderes partidários representam, em primeiro lugar, os cidadãos que os elegeram, então a ILC-AO deve ser representada por qualquer um deles.

 

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De resto, estamos certos de que nunca houve, até hoje, uma ILC que tenha recolhido tantos apoios distintos, de todos os quadrantes políticos. Se há uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos acima de quaisquer ordens profissionais, sindicatos, religiões ou partidos, capaz de reunir um largo consenso na sociedade portuguesa, é a ILC-AO. Temos, seguramente, eleitores de TODOS os partidos políticos com assento na Assembleia da República e, por conseguinte, na Conferência de Líderes. Por força da Lei, a casa da democracia representativa é também a casa da democracia participativa.

 

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As ILC não podem ser vistas como um parente afastado (ou parente pobre ou parente de chapéu na mão, como um pedinte), cuja visita nunca é oportuna ou conveniente. Por maioria de razões, uma Iniciativa transversal como a ILC-AO é, por definição, o momento em que a democracia participativa e a democracia representativa podem e devem complementar-se, actuando de forma concertada.

 

Sabemos que pelo menos o PAN, em face da nossa resposta à Conferência de Líderes, já manifestou a intenção de abordar novamente o assunto numa próxima reunião da CL. Saudamos desde já essa decisão e esperamos que mais líderes partidários possam seguir o exemplo, dando voz aos eleitores que neles confiaram. De preferência, agora! — antes que sobrevenha a próxima crise política, que será inevitavelmente mediática e inadiável.

 

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Não podemos ignorar que a admissão da ILC-AO teve lugar já na anterior Legislatura, há mais de um ano. Os sucessivos atrasos e adiamentos desde há muito tempo ultrapassaram todos os limites. Mesmo tendo em conta o ano atípico que estamos a viver, é por demais evidente que esta demora não é neutral e, pelo contrário, beneficia claramente a manutenção da desortografia em que vivemos actualmente. Neste contexto, a resposta da Assembleia da República perante um exercício de cidadania como a ILC-AO não pode ser… a falta de resposta.

 

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Um exemplo entre muitos: enquanto esperamos, o apagamento do Português Europeu continua, metodicamente substituído por um “Português” único, pretensamente “universal”. Quaisquer semelhanças com o Português do Brasil não são mera coincidência.

 

Imagens: capturas de écran, a partir de uma emissão em “streaming” da Prime Video (Amazon).

Esperando a Godot (en francés: En attendant Godot), a veces subtitulada Tragicomedia en dos actos, es una obra perteneciente al teatro del absurdo, escrita a finales de los años 1940 por Samuel Beckett y publicada en 1952 por Éditions de Minuit. Beckett escribió la obra originalmente en francés, su segunda lengua. La traducción al inglés fue realizada por el mismo Beckett y publicada en 1955.1


La obra se divide en dos actos, y en ambos aparecen dos vagabundos llamados Vladimir y Estragon que esperan en vano junto a un camino a un tal Godot, con quien (quizás) tienen alguna cita. El público nunca llega a saber quién es Godot, o qué tipo de asunto han de tratar con él. En cada acto, aparecen el cruel Pozzo y su esclavo Lucky (en inglés, «afortunado»), seguidos de un muchacho que hace llegar el mensaje a Vladimir y Estragon de que Godot no vendrá hoy, “pero mañana seguro que sí”. [Wikipedia]
 

Fonte:

https://ilcao.com/2020/12/10/continuamos-a-espera/?fbclid=IwAR045outbMFvgc1aMBYWqtG6-x9JbGqPZF6jaS0F-7PZsJNdJXfmmO24Wd4

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:33

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Quinta-feira, 30 de Julho de 2020

«A língua portuguesa e uma iniciativa de cidadãos que continua à espera»

 

«Parece que se trata de uma mudança de bandeira, de hino ou até de território. Não é. É a justa anulação de uma medida tomada num período de insensatez.» (Nuno Pacheco)

 

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Por Nuno Pacheco

 

A língua portuguesa tem os seus encantos, já se sabe, mas também tem dotes de magia. Ora vejam como é possível, com ligeira mudança de palavras, alterar substancialmente as idas do primeiro-ministro ao Parlamento: de “duas vezes, num mês” a “dois meses, uma vez”. Como soa idêntico e é tão diferente! Mas é confortável, sem dúvida. Em particular para o primeiro-ministro. Aliás, a revisão do regimento interno da Assembleia da República tem sido muito dada a esta palavra, “conforto”. Palavra tão necessária em tempos de pandemia, de crises, de lamentos. E até o Presidente da Assembleia da República beneficiaria deste “conforto” (esta foi a palavra empregue por apoiantes e detractores), para admitir ou rejeitar iniciativas. Não há dúvida: por este caminho, a Paz morará definitivamente em São Bento, em Setembro.

 

Mas enquanto todos vão de férias (ah, doce Agosto, mesmo ensombrado pela pandemia!), não será inútil recordar uma antiga história que ainda não chegou ao seu termo. Em São Bento, sim, em São Bento. Recuando quase duas décadas: no dia 6 de Fevereiro de 2004, Portugal ratificou finalmente a Convenção de Viena de 1969 sobre Tratados Internacionais, em vigor na ordem jurídica internacional desde 27 de Janeiro de 1980. O que diz esta Convenção? Que “a adopção do texto de um tratado efectua-se pelo consentimento de todos os Estados participantes na sua elaboração” (art.º 9.º) e que a sua entrada em vigor (art.º 24.º) se faz “nos termos e na data nele previstos ou acordados” ou, na falta destes, “logo que o consentimento em ficar vinculado pelo tratado seja manifestado por todos os Estados que tenham participado na negociação.” A Convenção, seguidos os trâmites da praxe, passou a vigorar em Portugal a partir do dia 7 de Março de 2004. Quase cinco meses depois, foi aprovado no parlamento o segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, estabelecendo o seguinte: “[o AO90] entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento de ratificação junto da República Portuguesa”. O terceiro, em oito países. Isto apesar de a Convenção de Viena estabelecer que, para um tratado internacional (e o dito acordo é um tratado) entrar em vigor, é preciso que “o consentimento em ficar vinculado pelo tratado seja manifestado por todos os Estados que tenham participado na negociação”.

 

Esta irritante discrepância, a par dos efeitos nefastos que um acordo assim “amanhado” foi tendo no dia-a-dia da escrita e da fala em língua portuguesa, levou um grupo de cidadãos a recolher assinaturas para uma ILC (Iniciativa Legislativa de Cidadãos) que procurasse reverter tal decisão. Com base neste simples pressuposto: para um acordo que envolve oito países, não chegam três “assinaturas” oficiais, ou ratificações, são mesmo precisas oito. Objectivo explícito: revogar a resolução que aprovara o segundo protocolo modificativo.

 

A coisa levou o seu tempo, consumindo energias e entusiasmo (a recolha de assinaturas foi bastante participada e profícua) e no dia 10 de Abril de 2019, pelas 15h30, as caixas com as assinaturas lá foram entregues oficialmente em São Bento. Verificadas as assinaturas, por amostragem, e feitos todos os acertos, a ILC-AO foi finalmente aceite e transformada em Projeto de Lei 1195/XIII, com a assinatura de 21.206 subscritores, no dia 30 de Outubro de 2019 (mais de meio ano depois). Muito bem. Para abreviar, que já vai longo, houve a necessária audição dos representantes dos subscritores e depois vieram as dúvidas. Apesar de, no documento oficial de aceitação da ILC-AO, se dizer claramente que “o articulado do projeto [sic] de lei parece não colocar em causa a competência reservada do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais”, duvida-se que cidadãos, através de uma lei, possam reverter uma resolução da AR. Esgrimem-se argumentos e gasta-se, naturalmente, tempo. O deputado-relator da Comissão de Cultura faz o seu relatório, duvida, pede um parecer à 1.ª comissão, que também duvida, faz outro relatório, que também duvida. Com os subscritores sempre argumentando, e a contestar as dúvidas. Passado mais de um ano e três meses sobre a entrega da ILC na AR, espera-se agora que o Presidente da Assembleia apresente o caso à Conferência de Líderes. A coisa assume tamanha gravidade que parece que se trata de uma mudança de bandeira, de hino, talvez mesmo de território. Não é. É uma simples e justa anulação de uma medida tomada num período de insensatez. Não anula o Acordo Ortográfico (o que é pena, no meu modesto entender), mas estabelece-lhe regras civilizadas de acordo com a Convenção de Viena, não com duvidosas conveniências.

 

Claro que se a Lei das ILC (17/2003, de 4 de Junho) tivesse sido cumprida, o relatório teria obrigatoriamente de ser escrito num prazo de 30 dias “após a admissão” da ILC (não foi, como se viu) e, diz o artigo 9.º, “esgotado esse prazo, com ou sem relatório, o Presidente da Assembleia da República deve agendar o debate e votação em plenário.” Simples, não é? Mas não foi. Mais um motivo para não calar a indignação nem baixar os braços.

 

Comentários a este texto:

 

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Eu acho que o português europeu como língua mãe, está em perigo, já que estás regulações o que faz é mudar a língua para o dialeto mais forte e este es o português do Brasil, que praticamente é um idioma diferente ao português europeu, e este terminará de abrangir ao último.

 

Manuel de Campos Dias Figueiredo

A Assembleia da República, a casa dos maus exemplos democráticos.

 

Fonte:

https://www.publico.pt/2020/07/30/culturaipsilon/opiniao/lingua-portuguesa-iniciativa-cidadaos-continua-espera-1926271?fbclid=IwAR12mNg-bQcNMRZRsCFEL2UwzlZu4HN1l5shy45QoHCNVQZHu2j7bdHOuaI

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:43

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.Acordo Ortográfico

A autora deste Blogue não adopta o “Acordo Ortográfico de 1990”, por recusar ser cúmplice de uma fraude comprovada.

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Uma página onde podem encontrar sugestões de livros em Português correCto, permanentemente aCtualizada. https://www.facebook.com/portuguesdefacto

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1) Identifique-se com o seu verdadeiro nome. 2) Seja respeitoso e cordial, ainda que crítico. Argumente e pense com profundidade e seriedade e não como quem "manda bocas". 3) São bem-vindas objecções, correcções factuais, contra-exemplos e discordâncias.

.Os textos assinados por Isabel A. Ferreira, autora deste Blogue, têm ©.

Agradeço a todos os que difundem os meus artigos que indiquem a fonte e os links dos mesmos.

.ACORDO ZERO

ACORDO ZERO é uma iniciativa independente de incentivo à rejeição do Acordo Ortográfico de 1990, alojada no Facebook. Eu aderi ao ACORDO ZERO. Sugiro que também adiram.
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