Um texto que veio de Angola, faz dois anos, escrito em bom Português, em Português Culto, e cuja leitura recomendo ao actual governo português que, ao recusar-se a ver o óbvio, mostra-nos uma estranha cegueira mental que envergonha Portugal e amarfanha a Identidade Portuguesa e a Identidade dos Países ditos Lusófonos, que se recusaram a aceitar a brasilidade, que lhes quiseram impor.
É que Portugal é um país europeu, e os países africanos de expressão portuguesa são africanos. Nenhum de nós é sul-americano, mas os políticos portugueses e brasileiros que impuseram o AO90 ao mundo dito lusófono, não sabem disto, nomeadamente, o ministro dos Negócios DOS Estrangeiros português, que anda por aí a vender gato por lebre.
Origem da imagem: Internet
«Um ataque pessoal a Camões»
Um texto de Indira dos Santos |
(Os excertos a negrito e os sublinhados são da responsabilidade da autora do Blogue)
1 de Maio, 2017
Não entendo esta ideia da obrigatoriedade linguística. Faz-nos regredir ao tempo, que não vivi, da política colonial do assimilacionismo em África e que de certa medida anulou o pluralismo das línguas nativas e dos discursos periféricos emergentes.
A língua não devia aprisionar identidades. Eu não sou a língua que falo, mas falo a língua que escrevo. O desacordo ideológico é bem-vindo ou pelo menos devia sê-lo quando o assunto é a cultura das línguas.
Devíamos debater, o debate é filosoficamente “obrigatório”, sensato, diverso, correto ou correcto o português vernáculo foi apartado pela própria língua portuguesa - acordo ortográfico, facto consumado em Portugal… fica a dúvida. Talvez devêssemos actualizar a oralidade no alfabeto angolês alfabeto de uma força discursiva que se Camões estivesse vivo reformularia Os Lusíadas, ou acrescentaria o xé, o cá, o ocó, acá… líricas, de “Os Lusíadas de Angola”.
Foi a língua portuguesa que fez Camões poeta ou as viagens pelo mundo? Quem nos faz poetas, escritores, romancistas, mulheres e homens de letras? Os livros. As pessoas. A cultura dos lugares. As palavras do alfabeto, alfabeto de origem grega, (alphábetos mestiçado ou estrangeirado com o latim). Um dicionário. É necessário um dicionário.
O dicionário! O primeiro dicionário da “angolanidade” e as suas ramificações, é possível num só livro colocar os universos simbólicos e linguísticos de um país que se vê confrontado, excluído e absorvido pelos vários mundos culturais. Vamos abrir esta porta, este território que anda sobrevivido pelos códigos de rua, como no antigamente fora sonhado pelos intelectuais do musseque mas que precisa ser matéria nas escolas.
Com certeza que nascerão heterónimos e os jovens do meu bairro que jogam damas com tampas de cerveja serão os próximos poetas e dramaturgos. O modelo ortográfico para o ensino em Angola tem um peso de consciência intelectual enorme. Etnocentrismos postos de parte este modelo deve condensar todos os caminhos. Tem que ser o caminho.
O caminho da unidade angolar, da fonética, da oralidade, da escrita criativa, do multiculturalismo angolês. Um dicionário da metamorfose linguística: Ganguela, Kikongo, Chócue, Latim, Kimbundo, Inglês, Umbundo, Holandês, Português, brasileirês… tanto.
Imaginem como o mundo seria enfadonho se vivêssemos todos em acordo. Há dois dias desapareceu-me o Desacordo Ortográfico, o livro. O título é sugestivo e confesso que foi um dos pressupostos para a compra. É deste livro que provêm as ideias para o alfabeto angolês e a dialectologia nacional.
O livro é uma (re)união de escritores de língua oficial portuguesa em desacordo com a noção conservadorista de um vocabulário único, mas mais que isso, é uma celebração viva da liberdade literária. Uma produção artística em diferença que rompe com a rigidez normativa do “lusismo” e apresenta soluções (ou contra-percepções) verbais a nível sintáctico e morfológico.
Luandino Vieira, Pepetela, Ondjaki fazem parte dos geniais que tiveram a audácia de escrever em “mau” português o Desacordo Ortográfico. O diálogo fora criado a partir da similaridade e da diversidade que nos remonta para um convívio linguístico onde a língua portuguesa é apenas um dos códigos das nacionalidades /internacionalidades dos escritores. Fica a saudade do livro e a vontade de comprar outro Desacordo Ortográfico. E no futuro quem sabe o “Lusíadas de Angola”.
Fonte:
http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/um_ataque_pessoal_a_camoes
Um texto que vem de Angola, escrito em bom Português, em Português Culto, e cuja leitura recomendo ao actual governo português que, ao recusar-se a ver o óbvio, mostra-nos uma estranha cegueira mental que envergonha Portugal e amarfanha a Identidade Portuguesa.
É que Portugal é um país europeu, e não um país sul-americano, mas os nossos governantes não sabem disto, nomeadamente, o ministro dos Negócios DOS Estrangeiros.
Origem da imagem: Internet
«Um ataque pessoal a Camões»
Um texto de Indira dos Santos |
(Os excertos a negritoe os sublinhados são da responsabilidade da autora do Blogue)
1 de Maio, 2017
Não entendo esta ideia da obrigatoriedade linguística. Faz-nos regredir ao tempo, que não vivi, da política colonial do assimilacionismo em África e que de certa medida anulou o pluralismo das línguas nativas e dos discursos periféricos emergentes.
A língua não devia aprisionar identidades. Eu não sou a língua que falo, mas falo a língua que escrevo. O desacordo ideológico é bem-vindo ou pelo menos devia sê-lo quando o assunto é a cultura das línguas.
Devíamos debater, o debate é filosoficamente “obrigatório”, sensato, diverso, correto ou correcto o português vernáculo foi apartado pela própria língua portuguesa - acordo ortográfico, facto consumado em Portugal… fica a dúvida. Talvez devêssemos actualizar a oralidade no alfabeto angolês alfabeto de uma força discursiva que se Camões estivesse vivo reformularia Os Lusíadas, ou acrescentaria o xé, o cá, o ocó, acá… líricas, de “Os Lusíadas de Angola”.
Foi a língua portuguesa que fez Camões poeta ou as viagens pelo mundo? Quem nos faz poetas, escritores, romancistas, mulheres e homens de letras? Os livros. As pessoas. A cultura dos lugares. As palavras do alfabeto, alfabeto de origem grega, (alphábetos mestiçado ou estrangeirado com o latim). Um dicionário. É necessário um dicionário.
O dicionário! O primeiro dicionário da “angolanidade” e as suas ramificações, é possível num só livro colocar os universos simbólicos e linguísticos de um país que se vê confrontado, excluído e absorvido pelos vários mundos culturais. Vamos abrir esta porta, este território que anda sobrevivido pelos códigos de rua, como no antigamente fora sonhado pelos intelectuais do musseque mas que precisa ser matéria nas escolas.
Com certeza que nascerão heterónimos e os jovens do meu bairro que jogam damas com tampas de cerveja serão os próximos poetas e dramaturgos. O modelo ortográfico para o ensino em Angola tem um peso de consciência intelectual enorme. Etnocentrismos postos de parte este modelo deve condensar todos os caminhos. Tem que ser o caminho.
O caminho da unidade angolar, da fonética, da oralidade, da escrita criativa, do multiculturalismo angolês. Um dicionário da metamorfose linguística: Ganguela, Kikongo, Chócue, Latim, Kimbundo, Inglês, Umbundo, Holandês, Português, brasileirês… tanto.
Imaginem como o mundo seria enfadonho se vivêssemos todos em acordo. Há dois dias desapareceu-me o Desacordo Ortográfico, o livro. O título é sugestivo e confesso que foi um dos pressupostos para a compra. É deste livro que provêm as ideias para o alfabeto angolês e a dialectologia nacional.
O livro é uma (re)união de escritores de língua oficial portuguesa em desacordo com a noção conservadorista de um vocabulário único, mas mais que isso, é uma celebração viva da liberdade literária. Uma produção artística em diferença que rompe com a rigidez normativa do “lusismo” e apresenta soluções (ou contra-percepções) verbais a nível sintáctico e morfológico.
Luandino Vieira, Pepetela, Ondjaki fazem parte dos geniais que tiveram a audácia de escrever em “mau” português o Desacordo Ortográfico. O diálogo fora criado a partir da similaridade e da diversidade que nos remonta para um convívio linguístico onde a língua portuguesa é apenas um dos códigos das nacionalidades /internacionalidades dos escritores. Fica a saudade do livro e a vontade de comprar outro Desacordo Ortográfico. E no futuro quem sabe o “Lusíadas de Angola”.
Fonte:
http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/artigos/um_ataque_pessoal_a_camoes