Aqui há tempos, por ocasião das eleições legislativas, perguntei a um determinado líder político, qual a posição do seu Partido acerca do AO90.
A resposta veio assim: “Eu, pessoalmente, escrevo e continuarei a escrever como sempre escrevi, mas o Partido, constituído maioritariamente por gente mais jovem, entende que a língua é um organismo vivo em evolução, portanto, estando o AO90 nessa linha evolutiva, optaram por aplicá-lo».
Esta seria a resposta perfeita, se o AO90 tivesse alguma coisa (ainda que muito remota) a ver com a linha evolutiva da Língua.
Acontece que o AO90 nada tem a ver, nem de perto nem de longe, nem pouco mais ou menos, com evolução alguma. Muito menos da Língua.
E porquê?
Simplesmente porque o AO90 não foi engendrado a partir de motivações evolucionistas da Língua, ou assente nas Ciências da Linguagem, mas tão-só em interesses económicos de uns tantos editores/livreiros brasileiros e portugueses (reparem que eu não incluo aqui os africanos de expressão portuguesa, porque esses não foram para ali chamados) e, por arrasto (porque nestas coisas de interesses económicos sempre se vai por arrasto), de uns tantos políticos portugueses que, sem o menor pejo, patriotismo ou sentido de Estado, decidiram vender a Língua Portuguesa, culta e europeia (é bom referir este pormenor) ao Brasil e impor ilegalmente, vergonhosamente, impatrioticamente, a ortografia de 1943, adoptada unilateralmente pelo Brasil, e adaptada em 1990, à qual retiram uns acentos e uns hífenes , e chamaram-lhe Acordo Ortográfico de 1990, algo tirado, à força, da ignorância mais profunda sobre a Língua Portuguesa, um dos maiores símbolos da Identidade de Portugal, aquele que exprime o ser e o sentir de todo um povo, porque sem a Língua, expressão oral e escrita, como saberíamos dos feitos tão excelentemente cantados por Luís Vaz de Camões?
A Língua de um povo diz da dignidade desse povo. Não pode ser o simples linguajar que os iletrados utilizam para se comunicarem entre si.
Quis o destino que Portugal, por ser um pequeno país, entalado entre o Oceano Atlântico e a gigantesca Espanha, ousasse rasgar as águas desse mar, em busca de outros mundos, para poder sobreviver.
Quis igualmente o destino que os Portugueses fossem um povo destemido e dotado para as marinhagens, e que «navegando mares nunca dantes navegados», de légua em légua, foram descobrindo terras, nelas se fixando e deixando a “marca” de Portugal.
Não caberá aqui discutir o mérito ou o demérito da colonização portuguesa, que não foi nem pior nem melhor do que a dos outros povos colonizadores.
Chegados aqui, falemos da Língua que deixámos aos povos que foram sendo colonizados, e que, no caso do Brasil (o grande responsável pela disseminação do mau Português, perdoem-me os meus quase compatriotas brasileiros) foram primeiramente os indígenas (os mais genuínos daqueles que vieram a denominar-se brasileiros), e depois os colonos portugueses e de muitas outras origens, que foram assentando arraiais no gigantesco território que os Portugueses conseguiram tornar seu.
Até 1822, o Brasil (achado em 1500) existiu sob o “domínio português”. Mas depois desta data, já com brasileiros de terceira geração, libertaram-se desse domínio, e o que os recém- libertos fizeram com essa liberdade, também não é agora para aqui chamado.
O que é para aqui chamado é que esses brasileiros, por vontade própria, adoptaram a Língua Portuguesa como língua oficial (e poderiam ter escolhido qualquer uma das muitas línguas indígenas que então existiam) a qual foi sendo enriquecida pelo léxico autóctone e dos vários povos que no Brasil se foram fixando, incluindo o riquíssimo léxico africano, levado pelos escravos.
E isso foi muito bom para a Língua Portuguesa.
O que não foi bom foi o facto de, a dada altura, os políticos marxistas brasileiros, para baixarem o elevado índice de analfabetismo, e avessos ao colonialismo (como se pudessem mudar a História) decidirem simplificar e deslusitanizar arbitrariamente, a língua escrita, retirando-lhe as consoantes mudas, sem terem a mínima noção de que, ao fazerem-no, estavam pura e simplesmente a mutilar a língua, introduzindo palavras que antes tinham nexo e, bruscamente, por mera vontade política, deixaram de ter, e transformaram-se em erros ortográficos (e passo por cima dos outros erros, incluindo os da concordância, espelhados também na linguagem oral).
Além desta mutilação, castelhanizaram, italianizaram, americanizaram, afrancesaram a Língua Portuguesa, de tal forma que ela deixou de ser portuguesa e passou a ser uma mescla de várias línguas.
E são precisamente essas palavras mutiladas e mescladas, sem qualquer motivação científica, que os políticos portugueses impatriotas e completamente desinformados (se é que me entendem) querem impingir-nos, porque sim, por teimosia, por ignorância, por meros interesses económicos, por conveniências políticas obscuras.
Concluindo: não existe, nem pode coexistir um Português de Portugal e um Português do Brasil.
O Português é Português em qualquer país lusófono. Ponto final.
Dentre os oito países que fazem parte da Lusofonia (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Cabo Verde e Timor) apenas o Brasil desvirtuou a Língua Portuguesa, e não foi por motivos evolucionistas, como já referi.
O Português, dito do Brasil, não é mais do que uma Variante do Português, na sua versão mais pobre, ortograficamente, porque desenraizada da sua matriz culta greco-latina. Mas não só. Também na Fonética/Fonologia, no Léxico, na Morfologia, na Sintaxe, na Semântica, a Língua que se fala e escreve no Brasil já é outra Língua - uma Variante da Língua Portuguesa.
E que me perdoem os Brasileiros, porque aprendi a ler e a escrever no Brasil e passei a minha infância, adolescência e juventude a aprender e a desaprender a minha própria Língua, de cada vez que me mudava de cá para lá, e de lá para cá.
Não existe um Português de Angola, ou de Moçambique ou de Cabo Verde, ou da Guiné, ou de São Tomé e Príncipe, ou de Timor.
O que há é muitos modos de dizer. A expressão oral pode variar até de cidade para cidade, dentro de um mesmo país. Mas não a escrita.
Os Brasileiros até podem dizer “mulé”, “muié”, “mulherrr”, mas se escreverem mulher, escrevem correCtamente.
Não critico o modo de falar, se bem que falar bem não fica mal a ninguém.
Reduzir a língua escrita ao modo de dizer, não tendo em conta a etimologia das palavras, é um acto de incultura.
É triste, muito triste, vermos a nossa bela Língua Portuguesa escrita por aí, em documentos oficiais, nas estações televisivas, em jornais e revistas (salvo raras excepções), em livros de (alguns) escritores menores, com a puerilidade de uma criança que acaba de se sentar nos bancos da escola primária, para aprender as primeiras letras, e junta-as conforme as ouve:
«Çaberão vóçax eisçelênciax u tamanhu da inurmidade da vóça falta de cunheçimentu da língua purtugeza [aqui o U não se lê, daí ser purtugeza, à moda acordista]?»
Tenham vergonha na cara, tenham dignidade, tenham a hombridade e a ousadia de restituir a Portugal a ortografia portuguesa. Poderemos não ser milhões, mas somos milhares, e não nos embaraça nada ser uma das línguas minoritárias da Europa. Atrás do Português estão o Filandês, o Dinamarquês, o Sueco. E estes três povos sofrem de algum complexo de inferioridade por causa disso? Obviamente que NÃO. Os Portugueses também NÃO!
Apenas os políticos portugueses e os seus sequazes sofrem desse complexo e arrastam-se atrás dos milhões, ainda que façam figura de parvos, e sejam gozados por isso.
Isabel A. Ferreira
. O que os políticos portug...