Um texto de João Esperança Barroca
«Tentar “unificar” a ortografia, em culturas tão diversas, por decretos aleatórios que ousam passar por cima dos misteriosos mecanismos da língua, traduz um insuportável colonialismo às avessas, um imperialismo envergonhado e bajulador que não dignifica nenhuma das várias pátrias envolvidas. É uma subtracção totalitária.» (Miguel Esteves Cardoso, Escritor e Jornalista)
Manuel Monteiro finalizou um recente artigo no jornal Público, no dia 1 de Julho, com uma nota mencionando que muitos julgam aplicar o Acordo Ortográfico quando, efectivamente, embora crendo (e querendo), não o estão a fazer. «Nota: “pôr” não perde o acento com o metuendo “novo acordo”, erro que se vê muito mais vezes desde a aplicação desse nefando instrumento, que, além de cês e pês, não estima hífenes e acentos. As publicações periódicas que assinalam que determinado autor segue “o novo acordo” deveriam, quase sempre, substituir tal inscrição por “acredita que segue o novo acordo”.»
Imbuído de um certo espírito de serviço público, deixamos aqui alguns factos que sustentam a interpretação de que muitos caíram, por indigência intelectual, por provincianismo patético e/ou por pioneirismo bacoco, numa espécie de conto do vigário linguístico. São, pois, futuros lesados do AO90.
Mostremos, então, alguns exemplos dos que foram ludibriados, julgando aplicar devidamente o AO90:
- Maria João Almeida, Professora de Educação Especial e Formadora na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, utiliza o adjectivo lectivo, contrariando a Base IV do AO90;
- Carlos Fino, Jornalista, escreve 25 de abril quando o AO estipula neste caso o uso de maiúscula;
- João Massano, Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, Jorge Bacelar Gouveia, Professor Catedrático de Direito, e Nuno Palma, Professor na Universidade de Manchester e Investigador do ICS, Universidade de Lisboa, escrevem o nome dos meses em maiúscula (Junho), ao arrepio da Base XIX;
- Paula Teixeira da Cruz, Advogada e Política, e Ana Paula Zacarias, Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, também não cumprem o estipulado por esta Base (XIX), escrevendo, respectivamente Maio e Março;
- Francisca Van Dunem, Ministra da Justiça, escreve vêem, ao contrário do que estipula a base IX;
- António Costa, 1.º Ministro, no Tweeter, como se vê numa das imagens que acompanham este escrito, não respeita a Base IV, escrevendo excepção;
- Maria Manuel Leitão Marques, Professora Universitária e Política e Nuno Palma, Professor na Universidade de Manchester e Investigador do ICS, Universidade de Lisboa, não respeitam a Base XVI, escrevendo, respectivamente, anti-democrática e anti-social, e anti-democrático, anti-liberal e anti-científico;
- Rui Tavares, Historiador e Político, acordista desde a primeira hora, escreve Verão (talvez para não se confundir com a forma verbal!), contrariando a Base XIX. Também a Base XVI, não foi correctamente compreendida pelo fundador do Livre, que escreve anti-pedofilia;
- Pedro Filipe Soares, Deputado do BE, escreve neocanabinóides, contrariando a Base IX;
- Rute Lima, Professora Universitária e Presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, escreve há-de, dia-a-dia, afecta e desinfecta, ao contrário do estipulado, respectivamente, pelas Bases XVII, XV e IV;
- Inês de Sousa Real, Deputada, escreve no mesmo parágrafo atividades e afectada, provando que não assimilou totalmente o estipulado pela Base IV.
Quando alguns destes exemplos, a que poderíamos adicionar outros dos mais variados órgãos da Comunicação Social, surgem a acompanhar textos em que se afirma que os seus autores utilizam o Acordo Ortográfico, é lícito atrevermo-nos a avisá-los, parafraseando Álvaro Cunhal, num debate com Mário Soares: — Olhe que não! Olhe que não!
Se estes casos acontecem pelas mãos de pessoas com formação, como será com os cidadãos comuns? Se isto não é o caos ortográfico, o que é então, caro leitor?
Porque o AO90 transformou a língua em algo próximo de uma anedota, ria-se com dois cartunes de Luís Afonso.
João Esperança Barroca
. Em Defesa da Ortografia (...