Mais um excelente texto de Nuno Pacheco, que nos fala do «“lixo linguístico”, que tanto repugna.»
Nuno Pacheco
14 de Março de 2019, 7:30
«Em 1986 havia quem propusesse para o “acordo ortográfico” a abolição (ou seria “abolicao”?) dos acentos. Não passou, mas mesmo assim há quem a pratique.
Há quem os odeie, ou baralhe, ou ignore, mas é injusto. Porque os acentos operam milagres. Alteram, com um simples traço, pais em país, e transformam uma fracção de unidade, o avo, num avô ou numa avó, consoante se escolha o acento (ou sinal diacrítico) adequado. Isto na escrita, porque na oralidade ninguém confundirá pais, país, avos ou avós. Que se saiba…
Mas, tal como se despreza a boa escrita, há muito que se começou a desprezar os acentos. O cantor e compositor brasileiro Caetano Veloso disse um dia que a língua portuguesa não tem acentos de mais, tem até acentos a menos. Na sequência disso, num artigo que escreveu no jornal O Globo, em 2012, a propósito do “acordo ortográfico” de 1990 (“outra maluquice”, dizia ele), falou assim da língua: “É seguro que a ausência de acentos a torna mais fácil? A facilidade é uma virtude para uma língua? Ouço muitos malucos brasileiros dizerem que ‘o português é uma língua muito difícil’. De onde vem essa ideia? Do Ministério da Pesca?”
Sim, o Ministério da Pesca deve ter culpas. Mas antes dele deve haver, até entre escritores, quem ache que a escrita merece tudo menos cuidados e apuro. Não se trata de criatividade gráfica, que essa é também uma arte (veja-se Guimarães Rosa ou Mia Couto), trata-se de desleixo. Num interessantíssimo e acutilante texto publicado no início deste ano na revista do Expresso (em 5 de Janeiro) e intitulado “Lixo linguístico”, Pedro Mexia lembrava que “em 1981 Vasco Graça Moura pediu a 68 poetas, ensaístas, romancistas, historiadores, académicos, críticos e jornalistas um testemunho sobre os desafios que a língua portuguesa enfrentava.” O resultado foi publicado dois anos depois pela Imprensa Nacional: 17 textos. Isto quereria dizer, concluiu então Vasco Graça Moura, que aqueles a quem endereçou tal desafio “não consideravam ‘preocupante’ ou ‘pertinente’ a questão da língua e o seu uso.”
Ainda não consideram. Ironia das ironias, acaba de chegar às lojas um volume antológico da obra completa do poeta açoriano J. H. Santos Barros (1946-1983) intitulado Alexandrina, Como Era – Todos os Poemas, editado pela mesma Imprensa Nacional, filtrado pelo “acordo ortográfico” de 1990 mas todo ele ligado, ou escrito, ou prefaciado, por gente que discorda do dito “acordo” e não o usa na escrita (António Lobo Antunes, autor do prefácio, que só escapou à acordização por não usar ali nenhuma palavra propensa a alterações; Jorge Reis-Sá, autor da nota à edição; e, pior ainda, o próprio Vasco Graça Moura, que criou a colecção onde o livro é publicado, a Plural Poesia, e era feroz adversário do “acordo”). Claro que isto não importa aos editores: o desrespeito por tais opções faz-se lei pela imposição.
Mas adiante, que ainda não chegámos aos acentos (alguns escreveriam “chegamos”, mas convém sempre distinguir o tempo verbal na escrita, para evitar confusões: aqui é passado, não presente). Em finais do ano passado, coincidiram em Lisboa dois textos exemplares quanto à não-acentuação. O primeiro, em Setembro, foi a edição nacional (igual à brasileira, como deve ser) do mais recente livro do escritor e compositor brasileiro Nelson Motta, Força Estranha. Nele, tão estranha quanto a força intrínseca do livro, estava (e está) a ausência de uma série de acentos gráficos. Podia ser estilo, e assim percebia-se, mas não é. Nem sequer é respeito pelo “acordo ortográfico” de 1990, já que, à data, ele disse ao PÚBLICO: “Achei uma bobagem esse negócio da nova ortografia, não faz o menor sentido.” O que é, então? Ele atribuiu o caso a erro de revisão. O certo é que, no livro, a par de palavras como “côro” e “idéia” acentuadas (respeitando, e bem, a ortografia brasileira pré-1990), surgem palavras sem acento como “voce” (você), “taxi” (táxi), “dificil” (difícil), “ridiculo” (ridículo) ou “Polonia” (Polónia, que é Polônia no Brasil) ou “chines” (chinês). E há incongruências como, na mesma linha (pág. 175) surgir “tablóides” e, a seguir, “escandalos” (sem acento).
Mas nada supera o que sucedeu, em Novembro, com o manifesto-convocatória da Marcha Pela Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra as Mulheres. Já na palavra de ordem inserida na capa se lia “Basta de violencia” (sem acento). Mas no interior, num texto aliás longo, não há uma única palavra acentuada. E assim temos “sistemica”, “confortavel”, “nao”, “genero”, “assedio”, “adulterio”, “hipocrita”, “indigenas” ou sentencas”, “intencao”, “exploracao” (estas últimas sem cedilha), etc. Os promotores da malograda proposta de acordo ortográfico de 1986 devem ter pulado de gozo: também eles propunham a abolição (ou seria “abolicao”?) dos acentos, poupando-nos a essa maçadoria de uma escrita clara e fácil de entender sem memorizações ou segundas leituras. Também eles, nesse malfadado texto, escreviam “licito” (por lícito), “vocabulos” (por vocábulos) ou “grafica” (por gráfica).
Pois bem: tirem os assentos aos acentos, e eles caem; como as pessoas quando lhes tiram, sem aviso, a cadeira. E com os acentos caem as palavras, nesse lamaçal ininteligível para onde os “acordos” têm vindo a arrastá-las.
É esse o “lixo linguístico”, que tanto repugna.»
Fonte Jornal "Público":
https://www.publico.pt/2019/03/14/culturaipsilon/opiniao/arranjem-assentos-acentos-senao-caem-1865217
Nós vamos cobrar esta aCção, doutor António Costa.
E o primeiro-ministro disse mais esta coisa dúbia: considerou que esta é uma aposta de “afirmação da individualidade e da diversidade» …
Querem saber? Banzei-me, porque a treta não diz nada, nada, nada com a careta.
Absolutamente nada.
«No dia 08 de junho, o poeta português Manuel Alegre foi eleito o novo ganhador do Prêmio Camões de Literatura, principal comenda do mundo literário em linguá portuguesa. Instituído em 1988, o Prêmio tem o objetivo de consagrar autores de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da nossa língua». (***)
Origem da imagem e do pequeno texto:
http://praxis.com.br/manuel-alegre-e-o-vencedor-do-premio-camoes-2017/
*** (Será esta linguagem que António Costa defende para Portugal? É que já estamos neste caminho, e bastante adiantados. E isto não se faz às crianças portuguesas: obrigá-las a escrever à brasileira!)
E querem saber por que não diz a treta com a careta? Porque ou António Costa está a gozar connosco, porque até agora não mexeu uma palha em defesa da Língua Portuguesa (que saibamos, mas como há muita coisa que se faz às escondidas, no Parlamento…!) ou quando se referiu à Língua Portuguesa queria dizer “grafia brasileira”, e fugiu-lhe a boca para a verdade, porque a verdade é que em Portugal a Língua é a Portuguesa. E a isto chama-se individualidade. E não há cá esta coisa de português europeu e português brasileiro. Até porque o Português não é outra coisa senão europeu. PONTO. O que há é a Língua Portuguesa e as suas variantes: brasileira, angolana, moçambicana, cabo-verdiana, são-tomense, timorense, guineense, macaense, goense… E onde mais fôramos, mais tivéramos… E a isto chama-se diversidade.
Pois se António Costa quer afirmar a individualidade, fiquemos com a nossa Língua Portuguesa, e atire-se ao lixo o AO90, como o Brasil atirou ao lixo a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945, que assinou, mas não cumpriu.
E se António Costa quer afirmar a diversidade, pois deixemos que cada país lusófono fique com a sua especificidade linguística, para que os escritores citados: Luís de Camões, José Craveirinha, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, Luandino Vieira, José Saramago, Arménio Vieira, Jorge Amado, Baltazar Lopes, Cecília Meireles, Mia Couto e Manuel Alegre, possam ser lidos diversamente, e não somente à moda brasileira.
Porque haveria Luandino Vieira (Angola) ou Mia Couto (Moçambique) ou Arménio Vieira (Cabo Verde), ou Alda do Espírito Santo (São Tomé e Príncipe) ou Odete Semedo (Guiné-Bissau) ou Luís Cardoso de Noronha (Timor-Leste) ou Luís de Camões (Portugal) serem lidos segundo a cartilha brasileira, ou Jorge Amado ser lido segundo a cartilha portuguesa?
Qual o interesse de unificar algo que é absolutamente impossível de unificar, se António Costa pretende afirmar a diversidade, como declarou?
Então para quê mutilar a ortografia portuguesa, para a avizinhar da ortografia brasileira nos vocábulos em que existem consoantes mudas e hífenes e acentos, mesmo assim, com excePções e bastantes abortinhos ortográficos por parte dos portugueses, que se metem a ser mais “papistas do que o papa” por pura ignorância?
A verdade é que o servilismo do governo português aos mandos brasileiros é notório e vergonhoso e repugnante.
Mas ainda há mais. Lê-se na notícia:
«António Costa falava momentos antes de entregar, juntamente com o embaixador do Brasil em Portugal, Luís Alberto Figueiredo Machado, e na presença do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, do ex-líder parlamentar socialista, Alberto Martins, e do presidente do PS, Carlos César, entre outras personalidades, ao poeta e ex-candidato presidencial Manuel Alegre, o Prémio Camões 2017, numa cerimónia que decorreu na passada sexta-feira, no Palácio da Ajuda, tendo o primeiro-ministro reafirmado o compromisso do Governo com a língua portuguesa, “com os seus valores e as suas valências”.
Duas observações a fazer:
Primeira: como teria sido elegante convidar os embaixadores dos restantes países lusófonos, para esta cerimónia, uma vez que o Prémio Camões destina-se a distinguir autores que tenham contribuído para o enriquecimento do Património Literário e Cultural da Língua Portuguesa, apesar de o prémio ter sido instituído pelos governos do Brasil e de Portugal em 1988!
Mas não será esta a festa maior da Língua Portuguesa, escrita e falada também por Angolanos, Moçambicanos, Cabo-verdianos, São-Tomenses, Guineenses e Timorenses, que pertencem aos PALOP, aos países ditos lusófonos? E que em 29 atribuições, apenas cinco foram para autores africanos, e mesmo assim para apenas três países (Moçambique, Angola e Cabo Verde)? Por que teriam sido excluídos os embaixadores dos outros países? Por quê esta exclusividade brasileira? É que aqui há muita água suja no bico.
Isto pareceu uma cerimónia luso-brasileira, tal como o é o AO90, mais brasileiro do que português, pois de português só tem Malaca Casteleiro, parcveiro de Antônio Houaiss, o paridor-mor desta tragédia linguística.
Segunda: se o primeiro-ministro reafirmou o compromisso do Governo com a Língua Portuguesa, “com os seus valores e as suas valências”, porque se continua a desvalorizar a Língua Portuguesa e a impingir às crianças portuguesas a valência brasileira?
Bem, e António Costa disse mais: segundo ele «num mundo onde se observa um “crescente “risco” de massificação, uniformização e de hegemonização, a língua é um instrumento e uma “condição insubstituível” de afirmação da individualidade e da diversidade».
Que conversa é esta, senhor primeiro-ministro?
Impingem ao país a individualidade ortográfica basileira, e pretendem afirmar a diversificação? Em que ficamos? Ou percebi mal?
Nesta cerimónia luso-brasileira, António Costa fez ainda questão de vincar a importância da Língua Portuguesa e da prioridade que o Governo dá à sua difusão, defendendo que cada língua representa por si mesma um mundo e uma “visão desse mesmo mundo”, uma “singularidade e uma pluralidade”, reiterando a vontade do Governo que lidera de “reforçar, ampliar e de modernizar” uma política de língua “mais activa e mais eficaz”, de modo a tornar a língua “mais partilhada e mais presente”.
O que é que isto significa, senho primeiro-ministro?
Não é verdade que o governo português (porque hei-de escrever "governo" com letra maiúscula e Fevereiro com letra minúscula?) dá prioridade à difusão e defesa da Língua na sua singularidade e pluralidade. Não é verdade. Se desse, já teria acabado com esta fantochada de introduzir em Portugal a ortografia brasileira. Deixaria correr livremente a pluralidade… Ou percebi mal?
E o desafio que defendeu, o de «que não deve ficar apenas no âmbito do Estado e das suas instituições, mas um desígnio que tem de ser assumido igualmente pelo “conjunto da sociedade civil” e por todos os “luso falantes”, saudando a propósito os povos, países e comunidades dispersas pelo mundo que falam o português, defendendo que todos e cada um deles “são representantes dessa comunidade maior” que fala a língua de “Luís de Camões, de José Craveirinha, de Carlos Drummond de Andrade, de Fernando Pessoa, de Guimarães Rosa, de Luandino Vieira, de José Saramago, de Arménio Vieira, de Jorge Amado, de Baltazar Lopes, de Cecília Meireles, de Mia Couto e de Manuel Alegre”, é atirar areia para os olhos dos Portugueses.
Porquê?
Simplesmente porque os luso-falantes, dispersos por todo o mundo, estão-se nas tintas para o AO90 que os governos português e brasileiro querem impingir aos demais povos lusófonos, estando esses luso-falantes a contestar fortemente esta ditadura ortográfica, que pretende, à força de um objectivo torpe, que Luís de Camões, José Craveirinha, Fernando Pessoa, Luandino Vieira, José Saramago, Arménio Vieira, Baltazar Lopes, Mia Couto e Manuel Alegre, estejam “afêtos” à cartilha de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Jorge Amado.
Fonte da notícia: https://shar.es/1NOC4R
***
Ouvi o discurso de Manuel Alegre, e pareceu-me que ele esteve-se nas tintas para a defesa da Língua Portuguesa. Poderia ter aproveitado a ocasião para mandar um recado ao governo de António Costa, mas não mandou. Por vezes penso que estes prémios literários, que são atribuídos a certos desacordistas, servem para os calar. E o pior é que eles CALAM-SE. Com isto não quero dizer que Manuel Alegre não merecesse o prémio, mas podia ter feito algo mais pela Língua Portuguesa, sugerindo ao seu camarada António Costa que desista de abrasileirar a ortografia portuguesa, porque isso não é defender a diversidade, nem a Língua Portuguesa.
Para finalizar sugiro a leitura deste texto onde José Saramago, Padre António Vieira, Marguerite Yourcenar, Séneca e Jaime de Magalhães Lima falam daquela «cegueira que faz com que não reconheçamos o que temos à frente…»
Os olhos são inúteis quando a mente é cega
Isabel A. Ferreira
. «Arranjem uns assentos pa...