Mais um excelente contributo de Nuno Pacheco, redactor-principal do Jornal Público, para a causa da Língua Portuguesa.
E como faz bem à alma ler um texto escorreito e em Bom Português!
Por isso, não baixaremos os braços. Não desistiremos até que a lucidez triunfe, e o obscurantismo seja derrotado.
Nuno Pacheco
20 de Setembro de 2018, 7:30
Texto de Nuno Pacheco
«Bastam três, num assunto que diz respeito a oito? Não, não bastam. E esta Iniciativa Legislativa de Cidadãos di-lo de forma clara.
Começou esta semana mais um ano lectivo sem que se tenha alterado uma vírgula nesse monumento à incompetência que é o acordo ortográfico de 1990 (AO90). Promessas de rectificações ou melhoramentos ficaram no limbo, a comissão parlamentar que andou a seguir o assunto ainda não apresentou o relatório final (e seria bom que o fizesse com a necessidade rapidez) e, apesar dos muitos erros detectados, registados, reconhecidos mas ainda assim repetidos de forma indecorosa em milhares de textos, tudo continua na mesma. Sem qualquer proveito, pelo contrário: com o incalculável prejuízo de estar a ser ensinado nas escolas um Português ortograficamente trapalhão e pobre a pretexto de uma simplificação que, para ser coerente com os seus princípios (o primado da fonética, o “escreve-se como se fala”, etc), teria de deformar a grafia a tal ponto que tornaria irreconhecíveis os milhões de textos até agora escritos nos mais variados suportes. A bem de quê? De nada, apenas da preguiça e da ignorância.
Ainda há dias um jornal titulava assim: “Bolsonaro segue sem sinais de infecção.” Um jornal português que não segue o acordo? Não, um jornal brasileiro, O Globo, no dia 10 de Setembro. Em Portugal, para “unificar” a grafia, passou a escrever-se “infeção”, quando antes escrevíamos como no Brasil, “infecção”. Casos destes há tantos que já cansa falar deles. Outro exemplo: há dias, no programa “Bom Português” da RTP, perguntava-se como se escrevia certa frase. “A polícia usou gás lacrimogéneo” ou “A polícia usou gás lacrimogénio”? Está correcta a primeira, como ali se concluiu e bem. No entanto, a fonética não as distingue. Os meados do mês e os miados do gato, sendo coisas tão diferentes, soam, ditos, da mesmíssima maneira. No entanto, são escritos de modo diferente (um com e, outro com i) devido a essa coisa que para muitos é um empecilho chamada etimologia, a origem das palavras. Curiosamente, mesmo com o acordo, e falando apenas de Portugal e do Brasil, há casos onde as diferenças gráficas trocam de país consoante as palavras. Em Portugal escreve-se quotidiano e no Brasil cotidiano, mas é em Portugal que se escreve catorze e no Brasil quatorze. Não difere muito do que sucede entre os Estados Unidos e a Inglaterra em palavras como counselor (só com um L nos EUA) e counsellor (duplo L em Inglaterra) ou fulfill (duplo L nos EUA) e fulfil (apenas um L em Inglaterra). Americanos e ingleses vivem bem com isto. Até ao acordo, os portugueses e os brasileiros também viviam.
Bom, como nada mudou, nem sequer nos países que ratificaram o acordo, mantendo-se isolados os quatro do início (dos oito países da CPLP que negociaram o AO só metade o ratificou, faltando Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste) foi reactivada uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC-AO) com um objectivo muito simples: revogar a resolução 35/2008 da Assembleia da República que validou o segundo protocolo modificativo do AO90, o tal que “define a entrada em vigor do Acordo com o depósito dos instrumentos de ratificação por três países signatários”. Bastam três, num assunto que diz respeito a oito? Não, não bastam. E esta ILC di-lo de forma clara. A recolha de assinaturas continua, aproxima-se das 20 mil necessárias (pode ser subscrita em papel ou online, no site respectivo), e tem tido boa aceitação dos que teimam em não se conformar com este amolecimento generalizado num assunto da maior importância.
Por insólito que pareça, na Feira do Livro do Porto a polícia municipal obrigou dia 12 à desmontagem da pequena banca da ILC, dizendo que o espaço onde estava (a Avenida das Tílias, nos Jardins do Palácio de Cristal) era um “espaço privado! Isto é” descrito com pormenor no site da ILC , mas é muito estranho que um banco de jardim, num espaço público da cidade do Porto e a alguma distância da feira propriamente dita, possa ser considerado interdito à recolha de assinaturas (com banca) para quaisquer iniciativas de cidadãos. Aliás, a lei que as regula (17/2003, de 4 de Junho) é clara, no seu artigo 5.º: “O exercício do direito de iniciativa é livre e gratuito, não podendo ser dificultada ou impedida, por qualquer entidade pública ou privada, a recolha de assinaturas e os demais actos necessários para a sua efectivação”. Por isso a recolha de assinaturas ali continuou, dizem os seus promotores, sem banca mas com o maior empenho. Que haja muitas!»
Fonte:
(Origem da imagem: Internet)
Está mais do que provado que o Acordo Ortográfico de 1990 resultou de um monumental erro humano, perpetrado por um grupo de indivíduos brasileiros e portugueses, das áreas política, editorial e livreira, devido a interesses políticos obscuros e interesses económicos vantajosos (?) para os envolvidos.
Esses indivíduos, à revelia dos 25 pareceres técnicos negativos (contra apenas dois positivos) puseram a funcionar ilegalmente uma engrenagem que não está a resultar em parte alguma: nem no Brasil, nem em Portugal, e muito menos em Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor-Leste.
(A Guiné Equatorial não será para aqui chamada, uma vez que nada tem a ver com a lusofonia).
Não estando a funcionar essa engrenagem, que pretendia aproximar a escrita lusíada à escrita do Brasil (afinal, o único país lusófono que se distanciou, da matriz da língua que adoptou) desunindo-as de um modo quase babélico, que interesse há em continuar esta farsa, este negócio obscuro?
Quem está a lucrar com isto?
Os governos brasileiro e português? Os seus servidores? Os editores de um e de outro lado do Atlântico? Os que já encheram os bolsos e agora não quererem vê-los esvaziados, nem que seja para devolver a Portugal o seu mais precioso património - a Língua Portuguesa? Nem que seja para restituir a Portugal a sua Identidade Nacional, que está a esvair-se lentamente… vilmente?
Nós, os que escrevemos e para quem a Língua Portuguesa é parte da nossa vida, exigimos a anulação imediata deste Acordo Ortográfico que não tem ponta por onde se lhe pegue. Todos os que não são subservientes ao Poder, sabem da Língua Portuguesa e de leis, o dizem.
Já estamos fartos de ver a nossa Língua humilhada, vilipendiada, decepada, esvaziada da sua matriz culta e europeia, na Internet e nos órgãos de comunicação social, visuais e escritos, (à excepção de uns oásis em papel, porque nas televisões, os seus responsáveis dobraram a espinha dorsal, feita de silicone, aos vendilhões, com uma rara excepção: o Canal Q); mas também aos anunciantes e indústria farmacêutica. Serão órgãos estatais?
E não me venham falar em evolução, porque este AO90 nada tem a ver com evolução, mas com a redução pura, nua e crua da nossa língua a uma condição primária e desenraizada de qualquer matriz culta, ou seja, recuou a dialecto. Evolução houve nas reformas de 1911 e 1945.
Vou dar apenas um exemplo, que servirá para todos os outros vocábulos que os Brasileiros mutilaram: no Brasil diz-se e escreve-se fato, quando querem referir-se a um acontecimento. Por exemplo: «Olegário trouxe os fatos para a ribalta».
Ora, segundo alguns dicionários, fato provém do gótico fat, e significa vestuário exterior, indumentária.
E quando uma mestranda me escreve uma mensagem (como aconteceu há dias) a pretender «a versão portuguesa dos fatos referentes ao legado científico e cultural que a família real deixou ao Museu Nacional, fundado em 1818 por Dom João VI, no Brasil», apetece-me (porque ainda não respondi) sugerir a esta mestranda que se dirija ao Museu Nacional do Traje e procure esses fatos.
Porque se ela pretende algo relacionado com o que aconteceu em relação ao legado de Dom João VI, deveria ter escrito faCtos, proveniente do Latim factum, com o significado de acontecimentos.
Portanto, fato nada tem a ver com o que, no Brasil, se quer referenciar.
E como esta, existem muitas palavras que não dizem a treta com a careta, porque estão totalmente desenraizadas e afastam-se do seu significado original.
E é esta grafia sem história, que nos querem impingir, por alma de quem?
Para terminar, farei minhas as palavras do Luís Filipe Pimentel Costa, com as quais concordo inteiramente: «Todo e qualquer prejuízo financeiro resultante da anulação desta afronta à dignidade dos cidadãos de todos os países vitimados deverá ser imputado a todos e cada um dos responsáveis por ela, desde os políticos implicados, aos vendilhões da indústria livreira, passando pelos intelectuais e sábios e doutos senhores de muitos canudos e escassa vergonha. Eles que lavem, com dinheiro, a afronta que nos vêm causando. Mas... que nunca, repito, que NUNCA alguém, seja quem for, me venha dizer que eu sou obrigado a escrever mal para que os responsáveis por isso não percam dinheiro.»
É que já sabemos que ERRAR é da condição HUMANA, mas INSISTIR NO ERRO é inteiramente da condição INSANA…
Isabel A. Ferreira
. «OS MEADOS DO MÊS NÃO SÃO...
. Acordo Ortográfico: errar...