De uma mestranda, recebi o e-mail que aqui reproduzo, com a resposta que lhe dei.
É preciso desfazer mitos.
É preciso desmascarar os predadores da Língua Portuguesa.
É preciso pôr os pontos em todos os is do inútil, do inconstitucional, do ilegal, do imbecil, do incongruente, do indecifrável, do ignaro, do ignóbil, do irracional, do injusto, do impreciso, do impraticável, do improcedente, do improvisado, do impróprio, do impugnável, do inaceitável, do inaplicável, do incoerente, do incómodo, do irritante, do inconcebível, do inconspícuo, do inconsistente, do incorrecto, do ineficiente, do inexacto, do inacreditável, do inaceitável, do ignominioso, do infame, do injustificável, do inoportuno, do insano, do insultuoso AO90.
Cara Isabel
Muito obrigada pela sua exposição, no blogue da sapo, sobre a irrazoabilidade do novo acordo ortográfico.
Concordo plenamente consigo, mas vou mais longe... Acho-o perigoso.
Perigoso porque segue a senda do facilitismo (preceito comum ao nosso ensino hodierno). Não interessa saber expressar uma opinião, correcta e coerentemente, interessa debitar palavras, sem risco de cometer uma gafe. Interessa mitigar fronteiras para que possamos acolher os nossos irmãos transatlânticos, sem que eles tenham a pesadíssima tarefa de se adaptar a uma língua estranha e mística (falhou este intento, visto que conheço brasileiros que não entendem o "nosso" português falado).
Na altura da transposição falavam do perigo eminente da morte da língua portuguesa?! Não somos nós 10 milhões de cidadãos para a continuar a falar e a cuidar? Ou terá sido lobbying das editoras que poupam nos custos de terem de fazer uma edição para Portugal e outra para o Brasil entenda o português que (não) fala?
Mas divago.... A razão de lhe escrever é a de indagar se sabe porque razão a iniciativa popular foi "abafada". Eu só com o seu artigo tomei conhecimento da dita.... Com muito pesar meu, pois acredito que cometemos um crime ao deixar que a moda se instalasse.
Estou a preparar a minha tese de mestrado (em ramo do direito- ramo por excelência tradicionalista), e exigem ser aquela escrita segundo o AO. Barbaridade.... Vou evocar objecção de consciência e apresentar a dita em português... De Portugal... Tal como me foi muito bem ensinado, desde a escola primária e que tanto prezo. Vou receber represálias, mas... Fico de consciência limpa.
Muito, muito obrigada por, passado tanto tempo desta incongruência ter sido cimentada, continuar a lutar pelo que é a real língua portuguesa.
Com votos de elevada consideração e estima
T. F.
***
Cara T. F.,
Agradeço a sua mensagem.
Começo por dizer-lhe que concordo consigo: o AO90 é perigoso, em todos os sentidos.
E nada tem a ver com a falsa intenção de unir Portugal e Brasil através da Língua, porque até o mais analfabeto dos cidadãos sabe que jamais isso seria possível. Aqui a questão é meramente política. Não, uma política elevada, obviamente, mas uma política da mais rasteira. Muito, muito rasteira.
E nem sequer também nasceu para pouparem os custos de terem de fazer uma edição para Portugal e outra para o Brasil, porque o que se publica em Portugal não circula no Brasil, e o que se publica no Brasil não circula em Portugal.
É tudo uma monumental falácia para enganar os ceguinhos.
Pois o que tenho a dizer-lhe quanto à razão de a iniciativa popular estar a ser “abafada” é o seguinte: a política vigente é a do quero, posso e mando, ainda que viole a lei. O Parlamento está a violar a Lei que rege as ILCs, bem como está a violar a Constituição da República Portuguesa quanto à aplicação ilegal e inconstitucional do AO90, referida por TODOS os juristas, que já se debruçaram sobre o assunto.
Mas, nesta ditadura socialista, disfarçada de democracia, em que Portugal vive, os que governam têm o privilégio de violar tudo e mais alguma coisa, sem que se sentem no banco dos réus, porque se algum dia a JUSTIÇA portuguesa decidir cumprir a LEI, e culpar os governantes envolvidos nesta FRAUDE, chamada AO90, o Parlamento é capaz de mudar a Lei, a favor deles, como o querem fazer, por exemplo, na questão do aeroporto do Montijo. Os pareceres, em ambos os casos, são TODOS negativos, mas o que importa, se são eles que têm a faca e o queijo na mão, até para mudarem as leis, se as leis não lhes convierem?
Nesta questão do AO90, comentem-se vários crimes. Entre eles:
1 - O primeiro, e o mais grave, é o Crime de Lesa-Infância, ao obrigarem as nossas crianças a “aprenderem” uma mixórdia ortográfica ilegal, que nada tem a ver com a Língua Materna delas.
2 – O segundo, é o Crime de Lesa-Língua, ao substituírem a grafia portuguesa, pela grafia brasileira, com objectivos obscuros e impraticáveis, e acrescentando-lhe vocábulos desenraizados da Língua-Mãe, transformando-a na maior mixórdia linguística do Mundo.
3 – O terceiro, é o Crime de Lesa-Pátria, ao destruírem a Língua Portuguesa, vector de Identidade Nacional e Património Cultural Imaterial do nosso País, empurrando Portugal para a perda da Soberania Nacional, uma vez que o português acordizado, abrasileirado e amixordizado, que por aí circula, já não nos identifica, nem nos representa.
Daí que, cara T. F., ninguém, em Portugal, tem o direito de exigir que escreva a sua Tese de Mestrado na mixórdia ortográfica ILEGAL, que dá pelo nome de Acordo Ortográfico de 1990.
A T. F., como cidadã portuguesa, tem o direito de escrever a sua Tese na sua Língua Materna original, e não conforme a ortografia amixordizada que lhe impingiram, inconstitucionalmente.
Se a importunarem, quando apresentar a sua tese correCtamente escrita, peça que lhe mostrem a LEI que a obriga a escrever segundo a cartilha do AO90, tendo em conta que Lei NÃO É a Resolução do Conselho de Ministros 8/2011, 2011-01-25 que, ilegalmente, determinou (não OBRIGOU, porque apenas uma LEI OBRIGA) a aplicação do AO90.
Obviamente que poderá evocar a objecção de consciência e o direito à resistência, ambos direitos consignados na Constituição da República Portuguesa.
Há muitos mestrandos que se opuseram a escrever incorrectamente a sua Língua Materna, e nada lhes aconteceu, porque, na verdade, não existindo Lei que a tal obrigue, quem se recusar a aplicar a grafia ilegal, está a cumprir a Lei, ou seja, o Decreto 35.228, de 8 de Dezembro de 1945, vigente em Portugal, porque não foi revogado. E só uma lei revoga outra lei. Não uma RCM.
Por fim, quero dizer-lhe que esta incongruência não foi cimentada, como refere. Parece que foi, mas não foi. Há milhares de Portugueses, não só em Portugal, como por esse mundo fora, a manter intacta a Língua Portuguesa, porque a Língua Portuguesa NÃO É a mixórdia que circula na Internet, nos rodapés dos telejornais, nas legendas dos filmes que passam na televisão, nas traduções de livros acordizadas, nem nas obras de escritores acordistas, nem aquela linguagem que as nossas crianças estão a (des)aprender nas escolas, criminosamente.
Essa é a mixórdia linguística portuguesa, apenas usada pelos seguidistas, pelos servilistas, pelos comodistas, pelos acomodados e pelos ignorantes optativos de Portugal.
A Língua Portuguesa está preservada com os muitos, muitos milhares de Portugueses LIVRES que a escrevem correCtamente, e que a ensinam aos mais novos. É o que também faço com os meus netos, que aprendem acordês e Inglês na escola, e Português, em casa. E sabem que o acordês é para esquecer, quando tiverem idade para dizer NÃO!
Mas até lá, cara T. F., o mundo dará muitas voltas, e os predadores da Língua Portuguesa, numa dessas voltas, cairão no chão, atacados pela putrescência dos seus actos ignaros, e o AO90 será finalmente atirado para o caixote do lixo.
Com as minhas saudações desacordistas,
Isabel A. Ferreira
Por Rui Valente
O entendimento mais comum é o que associa o “Acordo ortográfico” às alterações introduzidas na ortografia — as célebres XXI bases do AO90 e respectiva “nota explicativa“. Esta é, digamos assim, a definição “ortográfica” do AO.
Mas, como vimos no “post” anterior, o AO90 pode e deve ser visto sob outro prisma, numa leitura que pouco ou nada tem que ver com ortografia.
O “Acordo Ortográfico” é, de facto, um Tratado Internacional em que oito países manifestam a intenção de “unificar” uma norma, definindo prazos e condições para esse objectivo. Estamos, neste caso, a falar do AO90 enquanto instrumento político.
Infelizmente, seja qual for a abordagem escolhida, o AO90 é um acto falhado. Como é costume dizer-se, o “Acordo Ortográfico” não é “acordo”, nem é “ortográfico”.
Não é “ortográfico” porque as regras introduzidas, supostamente “facilitadoras”, são absurdas na sua deriva fonética e na criação de facultatividades que desafiam o próprio conceito de ortografia.
E não é “acordo” porque prima por não reunir o consenso e não envolver cedências entre todos os países envolvidos ou partes contratantes. No espaço da CPLP existem agora três normas e um caos inqualificável na sua aplicação. Mais de metade dos países de expressão oficial portuguesa não ratificaram o AO90 e/ou não o aplicam.
Perante este cenário, ocorre perguntar: se há países que não ratificaram o AO90 nem o aplicam, como é possível que em Portugal o AO90 esteja em vigor?
A resposta a esta questão tem um nome: II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico. Graças a essa alteração à letra do Tratado original, o AO90 passou a poder entrar em vigor em todos os oito países com a ratificação de três deles somente.
O AO90 obriga-nos — literalmente — a escrever torto. Com o II Protocolo Modificativo escrevemos torto por linhas tortas.
Em Portugal, o “truque” do II Protocolo Modificativo foi validado pela Assembleia da República através da RAR (Resolução da Assembleia da República) n.º 35/2008. Com a aprovação desta Resolução, no dia 16 de Maio de 2008, a Assembleia da República aceitou o princípio de que três países podem de facto decidir por oito, numa matéria que a todos diz respeito.
O nosso Projecto de Lei incide, precisamente, sobre esta questão. Partindo do princípio de que um Tratado Internacional que pretenda “unificar” o que quer que seja não pode ser posto em prática sem a concordância de todos os envolvidos, propomos a revogação da referida RAR n.º 35/2008.
Devemos salientar que a nossa ILC não propõe (nem podia fazê-lo) a revogação do Acordo Ortográfico. E não propõe sequer a revogação do próprio II Protocolo Modificativo, tal como foi concebido em 2004.
Na apreciação da nossa Iniciativa Legislativa em Plenário, duas coisas podem acontecer.
Por um lado, a Assembleia da República pode, muito simplesmente, rejeitar o Projecto de Lei n.º 1195/XIII, o que equivale a reafirmar a decisão tomada — por evidente equívoco e desconhecimento da maioria dos deputados de então — em 2008. Por outro lado, mesmo que o Plenário decida revogar a RAR n.º 35/2008, o II Protocolo Modificativo continua a existir. Perante esse cenário, uma das opções à disposição do Governo é a da submissão à Assembleia da República de um novo Projecto de Resolução no mesmo sentido. Esperamos, naturalmente, que não seja essa a opção tomada, mas é bom que se saiba que essa possibilidade existe — as acusações de condicionamento da margem de manobra do Executivo são manifestamente exageradas.
Em resumo, o que os cidadãos eleitores e subscritores desta Iniciativa Legislativa pretendem é que a Assembleia da República reconsidere a aprovação, no mínimo, precipitada, da RAR n.º 35/2008.
Dito isto, reconhecemos que não é fácil debatermos de forma estanque as duas vertentes — política e ortográfica — do Acordo Ortográfico, e isto se dermos de barato e ignorarmos uma terceira vertente, a jurídica. Basta pensarmos que, se as XXI bases do Acordo Ortográfico fossem boas, a resistência à sua aceitação não teria existido e o II Protocolo Modificativo não teria sido necessário.
Esperamos, sinceramente, que o lado “ortográfico” desta questão não acabe por prevalecer, empurrando o debate para uma discussão apaixonada mas pouco frutuosa em torno das “incoerências”, dos “constrangimentos” e das opções entre “revogar” ou “corrigir o que está mal” (vulgo, “revisão do AO90“). Devemos ser muito claros neste ponto: ainda que a ILC-AO possa abrir a porta a estas questões num futuro próximo, a discussão em torno do nosso Projecto de Lei não é o momento mais apropriado para esse debate.
Ainda assim, muitas questões estão desde já em causa e é bom que os deputados tenham consciência desse facto.
Infelizmente, a recente discussão em torno de um Projecto de Resolução sobre esta matéria não pressagia nada de bom. Assistimos, no passado dia 15 de Janeiro, a um diálogo de surdos, em que as partes debitaram mecanicamente os mesmos argumentos de sempre sobre o Acordo Ortográfico.
Para que a ILC-AO possa escapar a essa lógica trituradora apresentamos aqui alguns contributos quer para o agendamento do debate, quer para o debate propriamente dito.
À atenção da Conferência de Líderes
É certo que, repetimos, o nosso Projecto de Lei não incide especificamente sobre ortografia — questiona “apenas” a decisão, tomada pela AR, de aceitar como válido o princípio de que um Tratado desenhado para unificar a ortografia de oito países possa vigorar sem ser ratificado por todos.
Trata-se de uma questão fundamental, que deve ser encarada com a máxima seriedade, sem tergiversações ou manobras de bastidores para desviar atenções. Sem prejuízo das restantes matérias debatidas em Plenário, deve ser atribuído à ILC-AO o tempo dado às grandes questões de fundo (e fôlego), isto é, aos temas que de alguma forma têm que ver com a identidade nacional ou o património identitário português. Trata-se de um assunto que afecta toda a comunidade e a totalidade dos portugueses, onde quer que residam. Não faz sentido agendar o debate sobre a nossa Iniciativa cidadã no meio de uma maratona de discussões que, pese embora a sua importância relativa, caso a tenham, incidem geralmente apenas sobre um segmento restrito da população e sobre assuntos parcelares, circunscritos. Pelos mesmos motivos, deve ser assegurada aos deputados a liberdade de voto. Esta não é uma matéria em que os líderes dos diversos grupos parlamentares, sete “chefes de bancada”, possam votar em nome de todos os deputados do seu grupo.
À atenção dos deputados
No debate sobre o Projecto de Resolução do PEV percebemos que os velhos argumentos a favor do AO90 continuam a ser desfiados sem qualquer espírito crítico. “O objectivo de uma aproximação gráfica […] é reconhecido como positivo num mundo global.” (Beatriz Dias, BE) ou “É importante sublinhar a relevância do acordo para a literacia, a facilitação da aprendizagem da escrita e da leitura” (Pedro Cegonho, PS), ou ainda “A Língua Portuguesa, para se impor como Língua de comunicação, de cultura, de ciência e de negócios, carece de uma uniformização ortográfica” (Fernanda Velez, PSD) são teses que não encontram qualquer tipo de sustentação real mas que, ainda assim, são repetidas “ad nauseam”, de forma acrítica e meramente seguidista.
Seria bom que Beatriz Dias se perguntasse de onde veio a “identificação como positiva” do objectivo de uma aproximação gráfica e, acima de tudo, de que análises resultou a validade desse diagnóstico. Aliás, seria até curioso (muito curioso) que algum deputado mostrasse uma única “queixa”, seja de quem for, por os meses e as estações do ano terem maiúscula inicial antes do AO90. Ou que, além de ter “resolvido” esse gravíssimo problema (totalmente inventado), demonstrassem os ilustres que alguma vez existiu uma única das variadíssimas “queixas” que, dizem, justificaram a “necessidade” de “corrigir” a nossa Língua nacional conforme a escrita brasileira.
Seria bom, por exemplo, que Fernanda Velez explicasse como conseguiu o inglês sobreviver como Língua de comunicação, de cultura, de ciência e de negócios sem jamais ter ocorrido a qualquer inglês ou americano que era necessária uma uniformização ortográfica; muito pelo contrário! A diversidade no Inglês (USA, UK, South Africa, Australia, Canada, etc.) é uma das características da Língua mais falada e escrita em todo o mundo.
Seria bom que Pedro Cegonho, também por exemplo, compreendesse que a “facilitação” no ensino da Língua será, quando muito, apenas aparente. “Escrever como se fala” é receita para uma aprendizagem cada vez mais superficial (e estupidificante) do Português e é também factor de bloqueio para quem quiser partir à descoberta de relações e sentidos entre famílias de palavras ou aprender outras Línguas de génese ou de influência latina. Já agora, esse deputado talvez se quisesse dar à maçada de explicar ao povo português o que diabo significa “escrever como se fala”: como se fala onde?
O ensino da ortografia não pode ser levado à conta de um simples Bê-a-Bá. Na ânsia da “simplificação” e da “facilitação” esquece-se a importância da ortografia enquanto iniciação ao raciocínio abstracto e à interpretação de signos, desvaloriza-se o estímulo ao pensamento profundo, limita-se o acesso à interrogação e à curiosidade histórica. No limite, um limite meramente figurativo, a “simplificação” significa o retorno ao primordial grunhido troglodita e a “facilitação” equivale aos muito populares “vale tudo”, “está certo das duas maneiras”, “pouco mais ou menos” ou ainda “bem, desde que se perceba…”
De resto, há uma profunda incoerência no discurso destes três deputados: em primeiro lugar, é feito o reconhecimento “da praxe” de que o Acordo Ortográfico só afecta a ortografia — o que, desde logo, não passa de uma falácia. Daí em diante, ignora-se propositadamente quaisquer consequências dessa falácia: se essa é a única variável que se pode (tentar) alterar, não há unidade possível entre variantes da Língua — ficam de fora a escolha de palavras e a construção frásica.
A “unificação” é uma miragem e o Acordo Ortográfico uma fraude. É esta incoerência, em suma, é esta visão limitada que se nota no discurso dos deputados: a fixação na árvore, em detrimento da atenção devida à floresta.
De facto, não é possível debater a (im)própria existência de um acordo ortográfico sem se ter uma noção mais abrangente do fenómeno linguístico e da viagem das Línguas pelo tempo e pelo espaço.
A separação ortográfica ocorrida em 1911 continua a intrigar muita gente e, volvidos mais de cem anos, há quem continue a perseguir o estranho objectivo da unidade ortográfica entre o Português Europeu e o Português do Brasil, considerando tal absurdo um desígnio imprescindível. Esta fixação pró-Acordo, ordenada pelas cúpulas partidárias, é tanto mais incompreensível quanto se sabe que a ortografia, com toda a sua importância, é apenas uma entre as várias vertentes da Língua. Em rigor, o vocabulário, a ortografia e a sintaxe começaram a divergir entre Portugal e o Brasil quando se deu o contacto com o tupi, o guarani, o tukano e outras Línguas brasileiras e do continente sul-americano e continuou, ao longo de séculos, inevitavelmente, alimentada por línguas alienígenas provindas das migrações de espanhóis, alemães, italianos, árabes, japoneses e muitos outros.
É um fenómeno natural — e irreversível.
Isto significa que qualquer Acordo Ortográfico que tenha por base um pressuposto de “unificação” é inútil, contra-natura, e está votado ao fracasso. Pode-se (tentar) unificar a ortografia, pode-se até (tentar) trazer um vocabulário a reboque dessa “unificação” — e assistimos actualmente a uma invasão, acéfala e sem precedentes, de termos brasileiros no nosso dia-a-dia — mas não se pode mudar a sintaxe, isto é, o modo como construímos as frases. “Eu te amo” será sempre “amo-te” no lado de cá do Atlântico.
Dito de outro modo, ninguém consegue alinhavar duas linhas em Português sem que, involuntariamente, denuncie o país onde aprendeu a falar, primeiro, e a escrever, depois. E isto nunca constituiu um problema. A ortografia fonética é uma idiossincrasia brasileira que não existe e jamais existiu em Portugal.
Imagem: Laurel & Hardy “cortesia” San Francisco Silent Film Festival
Defendermos o contrário, isto é, defendermos que, à boleia da ortografia, tudo passou a ser igual, é fingirmos que o Bucha e o Estica passaram a ser indistinguíveis só porque passaram ambos a usar lacinho.
À conta da apresentação dos sub-domínios virtuais “.pt” num pretenso Português “universal” (que, para mal dos nossos pecados, coincide geralmente com a língua falada no Brasil), as plataformas e serviços internacionais (Google, Wikipedia, Facebook, Youtube, etc.) eliminaram pura e simplesmente a “variante” portuguesa da Língua — não apenas nos “interfaces” mas nos próprios conteúdos têm sido sistematicamente apagados quaisquer resquícios de Portugal e dos portugueses, da nossa História e da nossa Cultura; tudo passou a ser brasileiro, pura, simples e radicalmente.
Mas a verdade é que não é possível escrever, editar, traduzir e, numa palavra, comunicar, como se todos fôssemos o tal universo de duzentos e dez milhões de falantes. Pode mexer-se na ortografia, mas nunca nada de construtivo resultará dessa intervenção (ou invenção). A não ser, é claro, que se pretenda, cavalgando um pretenso cavalo de Tróia ortográfico, espezinhar algo…
É fundamental que, quando chegar o momento de debater o Projecto de Lei n.º 1195/XIII, os deputados tenham a noção exacta do que essencialmente está em causa. Todas as envolventes, mesmo as mais incómodas ou, quem sabe, até politicamente incorrectas, deverão estar presentes, como pano de fundo, no momento da votação do nosso Projecto de Lei.
Porque só a consciência deste falhanço anunciado do AO90 permite perceber o que foi e o que é, verdadeiramente, o II Protocolo Modificativo: em 2008, foi o expediente que permitiu dar vida a um “Acordo Ortográfico” desnecessário, inútil, conflituoso e impraticável.
Manifestamente, os seus promotores acreditaram que, mais tarde ou mais cedo, todos os países acabariam por ratificar o Acordo Ortográfico, diluindo no tempo o grosseiro enviesamento do II Protocolo Modificativo. Tal não aconteceu. E o efeito é agora o inverso: quanto mais tempo passa mais exposto fica o ridículo de um Acordo que, afinal, tem carácter facultativo.
Passados 17 anos sobre a invenção desse II Protocolo Modificativo, passados 30 anos sobre a invenção do Acordo Ortográfico, é mais que evidente que o falhanço da “unificação” já não é uma premonição: é um facto.
Hoje em dia, o II Protocolo Modificativo já não é uma “fase transitória”, até que todos os países cumpram o AO90. É a bóia de salvação que vai mantendo o Acordo Ortográfico à tona da água.
Mas nunca é tarde para se corrigir um erro.
Fonte:
… como se a questão da Língua Portuguesa, fosse uma questão de lana caprina, e não uma questão fundamental da identidade portuguesa.
O que se anda a jogar no Parlamento Português?
O texto que se segue narra a saga da ILC-AO, que parece não ter fim…
Enquanto isso, a Língua Portuguesa afunda-se numa ignorância que até faz sangrar o olho bom de Luís de Camões…
Isabel A. Ferreira
Por Rui Valente
«ILC-AO solicita agendamento do Projecto de Lei 1195/XIII
Depois de ter sido adiado no dia 27 de Maio, o debate sobre a hipotética inconstitucionalidade da ILC-AO voltou a ser adiado no dia 3 de Junho. Está agora novamente marcado para o próximo dia 17. Será desta?
Na verdade, já pouco importa. Se a Lei nº 17/2003, de 4 de Junho (“Lei das ILC”), for cumprida, como não pode deixar de ser, o debate previsto para esse dia tornar-se-á irrelevante — a Comissão Representativa da ILC-AO acaba de solicitar ao Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República o agendamento da apreciação e votação em plenário do nosso Projecto de Lei.
Recordamos que a Lei das ILC prevê que as Iniciativas Legislativas de Cidadãos, uma vez admitidas pela Assembleia da República, baixem à Comissão que for considerada competente em função da matéria tratada. Essa Comissão tem o prazo de um mês para produzir um relatório sobre o respectivo Projecto de Lei.
Ora, a mesma Lei nº 17/2003 também prevê que uma ILC possa ser agendada sem esse relatório. No que só pode ser entendido como um mecanismo para evitar manobras dilatórias, o n.º 1 do artigo 10.º diz-nos que “Recebido o parecer da comissão ou esgotado o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o Presidente da Assembleia da República promove o agendamento da iniciativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes, para efeito de apreciação e votação na generalidade”.
Em rigor, aguardamos, desde o dia 6 de Novembro de 2019, um parecer definitivo sobre a ILC-AO (Projecto de Lei 1195/XIII/4ª), a cargo da Comissão de Cultura e Comunicação. Os recentes adiamentos são apenas os últimos de uma longa série de atrasos na tramitação deste processo.
É certo que atravessámos um período de suspensão, com o estado de Emergência imposto pela pandemia. Ainda assim, sobre o dia 6 de Novembro passaram já sete meses — quantos mais teremos de esperar até que passem os 30 dias do prazo?
Foi neste contexto que enviámos ao Presidente da Assembleia da República, no dia 8 de Junho, uma mensagem solicitando o agendamento da ILC-AO.
Como se imagina, o adiamento da passada quarta-feira — mais um, “a pedido do deputado-relator” e sem mais explicações — foi um dos factores que nos levaram a solicitar o cumprimento da Lei das ILC. Mas não foi o mais importante. Acima de tudo, pesou o facto de as Comissões envolvidas estarem a “perder tempo” com uma questão de forma, em vez de tentarem genuinamente resolver o problema que assola a Língua Portuguesa.
É óbvio que a conformidade de uma Lei à luz da Constituição está longe de ser um pormenor. Mas a insistência na necessidade de mais um parecer, depois de a própria Assembleia da República ter declarado essa conformidade, depois de nós próprios termos atestado, repetidamente, a adequação do nosso Projecto de Lei, só pode ser considerada, no mínimo, como um excesso de zelo.
Se tivermos em conta que esse parecer, além de desnecessário, prima também por se fazer esperar, então torna-se difícil não pensarmos que estamos perante uma manobra de diversão.
Esperamos que a votação da ILC no plenário possa finalmente recentrar o debate naquilo que realmente importa: a Língua Portuguesa.
Como atalhar o actual cAOs ortográfico? Como resgatar o Português Europeu da sua completa obliteração? Como colmatar o fosso cavado entre países de expressão oficial portuguesa por via da criação artificial de uma nova “norma” ortográfica?
Este é o debate que, verdadeiramente, importa levar a cabo.
Assim saiba o plenário tratar este assunto com a dignidade que merece. A conferência de líderes e o próprio Presidente da Assembleia da República deverão ter em conta que o Projecto de Lei nº 1195/XIII transcende a mera revogação de uma simples Resolução da Assembleia da República. Para todos os efeitos, a ILC-AO é indissociável do futuro da nossa Língua. Os tempos de intervenção e debate devem estar ao nível dos que são regra para os grandes temas da sociedade portuguesa.
A votação deste Projecto de Lei não pode ter lugar em sessões-maratona, próprias de um fim-de-estação legislativa, em que dezenas de votações são despachadas por atacado, numa vertigem que escapa à compreensão dos não-iniciados. Está em jogo a nossa identidade enquanto povo e enquanto país. O debate deverá decorrer com serenidade e objectividade mas, acima de tudo, deverá estar à altura deste importante desígnio nacional.»
Fonte:
(*) Fazer jogo de cintura, para quem não sabe, é esquivar-se; fugir às questões, fugir aos assuntos.
Exactamente: um acordo, qualquer acordo, é para aproximar, não é para afastar. O que acontece é que o AO90, engendrado com intenções pouco ou mesmo nada linguísticas, gerou o maior desacordo e mal-estar e entre os povos da CPLP, e lançou o mais gigantesco caos ortográfico, jamais visto, caos esse que já ultrapassou as fronteiras de Portugal, conforme podemos ler no excerto do texto «Convergence and Divergence in World Languages», da autoria do Professor Roger Wright, da Universidade de Liverpool, publicado em Março de 2012, na obra The Handbook of Historical Sociolinguistics.
E não é uma vergonha, Portugal constar em tal obra, como sendo um país com uma ortografia caótica? Será que os nossos governantes não têm um pinguinho, um pinguinho sequer, de vergonha, acerca disto?
E o texto é de 2012, quando o chaos estava ainda no início.
Estamos em 2020, e o chaos continua vergonhosamente cada vez mais chaos, e a fazer engrossar a chusma de analfabetos funcionais.
Senhores deputados da Nação, não é chegado o momento de acabar com este estado de indigência linguística?
Texto de Rui Valente
«Depois da reunião que não houve, o encontro com representantes do Grupo Parlamentar do PS finalmente aconteceu. A nossa delegação — Rui Valente e Nuno Pacheco, membros da Comissão Representativa da ILC, aos quais se juntaram António-Pedro Vasconcelos e António Bagão Félix — foi recebida pelo deputado Pedro Cegonho e pelo assessor do Grupo Parlamentar do PS, João Pedro Lopes. Pedro Cegonho esteve presente também na qualidade de deputado-relator do nosso Projecto de Lei. Recordamos que a ILC-AO (Projecto de Lei 1195/XIII) baixou à Comissão de Cultura e Comunicação, onde aguarda a elaboração de relatório. Pedro Cegonho é o deputado que, na Comissão de Cultura, está encarregado de redigir esse documento.
Antes de mais, vale a pena assinalar este facto: com esta reunião passou a haver algum diálogo com o Partido Socialista. É cedo para dizer se será um diálogo frutuoso, até porque o deputado pretendia, antes de mais, ouvir a nossa posição sobre o Acordo Ortográfico. Mas, pelo menos, podemos agora dizer que o estado de incomunicabilidade quase total que se verificava até aqui foi, de alguma forma, ultrapassado.
Na verdade, esta foi até uma das reuniões mais extensas, em termos de duração. Houve tempo para desmontar o “Acordo Ortográfico” nas suas várias vertentes, explicando que o AO90 não é “Acordo” nem é “Ortográfico”.
Não é “acordo” porque, por definição, um acordo é estabelecido entre partes (duas ou mais) e envolve habitualmente cedências de parte a parte. O que não sucede no AO90, visto termos uma parte que cede em tudo (Portugal), outra parte que não cede em nada (Brasil) e várias outras partes que são remetidas ao papel de figurantes (PALOP e Timor-Leste). Como seria de prever, a maioria dos países arrastados para este “acordo” não o ratificam ou não o aplicam.
Sobre esta questão, tivemos mesmo ocasião de citar as próprias palavras de Pedro Cegonho, proferidas na audição da ILC na Comissão de Cultura. Na única frase dita a propósito do AO90 o deputado afirmou que “o PS tem o entendimento de que um Acordo aproxima e não afasta”. É impossível discordar, é a própria definição, a acepção básica daquilo que significa o termo “acordo”. No entanto, se analisarmos a questão em concreto, até os deputados que aprovaram a sua entrada em vigor terão de reconhecer que o Acordo Ortográfico não encaixa na referida definição. Ignorado pela maior parte dos países, quando não abertamente criticado e rejeitado, como no caso de Angola, o Acordo Ortográfico não só não aproximou como se tornou uma fonte de constrangimentos no seio da CPLP.
Não é “ortográfico” porque contraria, perverte e ignora a própria função normativa da Ortografia, tornando casual o que deveria ser sistemático e gerando imprevisibilidade e confusão em vez de estabilizar e fixar (segundo o conceito de “norma”); a arbitrariedade é o oposto diametral de qualquer conceito normativo.
Ainda quanto ao lado “ortográfico” da questão, sublinhámos o absurdo de uma “norma” que, para poder dizer que “unifica”, acaba na realidade por dividir, pois adopta como critério “unificador” uma das características da Língua que mais divergem: a pronúncia. Os resultados são conhecidos: o Português Europeu desaparece e, com ele, elimina-se a proximidade entre a nossa Língua e as Línguas mais utilizadas na Europa e no mundo. Aprender Inglês, Castelhano ou Francês será, para as gerações futuras, mais difícil, por comparação com a nossa própria experiência.
Continuando a nossa exposição, houve tempo, também, para falarmos no chamado “cAOs“, que grassa desenfreadamente pelos “média”, hoje em dia, em Portugal, incluindo o próprio Diário da República. Esta simples constatação deveria ser mais do que suficiente para invalidar qualquer tentação, eventualmente bem-intencionada, de “corrigir o que está mal”. Não é possível “corrigir” uma desordem desta magnitude; qualquer tentativa de “melhoria” do Acordo Ortográfico lançar-nos-ia num absurdo ainda maior, pois corríamos o risco de Portugal passar a ser o único país do mundo onde os cidadãos teriam de saber como se pronuncia uma palavra num país estrangeiro para saberem escrever essa mesma palavra no seu país.
Pedro Cegonho, apesar da sua disposição para, acima de tudo, ouvir, também falou. Adiantou que ficou com este dossier em mãos por solicitação sua, por especial apetência pela área da Cultura — e fez questão de sublinhar que não recebeu, nem pediu, qualquer orientação do Partido Socialista para a elaboração do relatório sobre a ILC-AO. Esperamos que isto possa ser de facto um indício de independência e a garantia de um relatório objectivo e imparcial. Pedro Cegonho referiu ainda as dúvidas que tem quanto à legitimidade de uma Iniciativa Legislativa revogar uma Resolução da Assembleia da República numa matéria em que o Governo assume competências. Recordamos que a RAR 35/2008 resulta da aprovação de um Projecto de Resolução de iniciativa governamental, o que aliás é um procedimento regimental inerente e comum. Já prevíamos tais reticências do deputado e, naturalmente, disponibilizámo-nos para enviar por e-mail os pareceres de vários Professores de Direito e outros juristas que confirmam ser a ILC um instrumento perfeitamente válido do ponto de vista jurídico e formal para revogar a RAR 35/2008. À data em que redigimos esta nota foi já enviado o parecer do Professor Francisco Ferreira de Almeida, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo o deputado agradecido o envio desse documento e garantido que irá tê-lo em conta na elaboração do relatório.
No final da reunião o deputado fez questão de dizer que, apesar de essa prática não ser habitual, irá dar conta das nossas preocupações não só ao Grupo Parlamentar do PS mas também à direcção do Partido Socialista. Sobre o relatório, adiantou que lhe parece que o assunto, na medida que envolve outros países, deverá também ser apreciado pela Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas (2ª Comissão). Não sabemos se esta inesperada “inovação” terá alguma sequência, ou de que forma será implementada. Será a ILC recebida também pela 2ª Comissão? Irá esta Comissão produzir um relatório próprio? Iremos, naturalmente, acompanhar este desenvolvimento com o maior interesse.
Não quisemos terminar a reunião sem abordar a questão da liberdade de voto dos deputados do PS, sublinhando que este é um tema em que, como em poucos (ou nenhuns outros), se apela à consciência individual de cada deputado sobre um Projecto de Lei que se apresenta à margem do jogo partidário, ao mesmo tempo que aborda matéria de superior interesse nacional.
De resto, esta ILC não deve ser vista como um obstáculo, mas sim como uma oportunidade. A situação actual é insustentável e, tal como dissemos ao deputado Pedro Cegonho, em algum momento alguém vai ter de reconhecer que “o rei vai nu”. O Partido Socialista pode perfeitamente assumir essa posição, de consciência tranquila. O país é testemunha do esforço feito pelo PS para levar a cabo o AO90, tal como este lhe chegou às mãos. Pede-se agora a coragem de reconhecer que o AO90 não resultou. Não é viável enquanto factor de aproximação entre os povos, não prestigia a Língua Portuguesa, não celebra a riqueza que existe na diversidade. Pelo contrário, nunca deixará de ser visto como coisa artificial e um corpo estranho na sempre fascinante viagem da Língua entre culturas.
Pedro Cegonho tem de facto um desafio entre mãos. Pode, se assim o entender, redigir um relatório meramente factual, salientando que a ILC-AO não viola qualquer princípio constitucional ou regimental. Será um relatório isento, que a Comissão de Cultura aprovará sem qualquer dificuldade e que “passa a bola” ao Plenário, através da discussão e votação do nosso Projecto de Lei na generalidade. Mas também pode, se quiser, ir um pouco mais longe. Basta-lhe reconhecer, nesse mesmo relatório, que algo (ou tudo) está mal no reino do Acordo Ortográfico e que os mais de 20.000 subscritores da ILC não só puseram o dedo na ferida como criaram a oportunidade ideal para que este problema se resolva, de uma vez por todas.»
Fonte:
https://ilcao.com/2020/01/08/reuniao-com-o-ps-18-12-2019/
«O PS — ou, melhor dizendo, alguns deputados do PS — continuam a confundir evolução da Língua com evolução da Ortografia e esquecem-se de que já não vivemos na Idade Média: a Ortografia já não é decidida por monges copistas em mosteiros. Em 1911, para o bem e para o mal, procedeu-se pela primeira vez à fixação de uma norma ortográfica e dessa fixação resulta (ou devia resultar) a estabilidade — uma das maiores virtudes e razão de ser de qualquer norma.» (ILC-AO)
«A ILC-AO e o PS»
Por Rui Valente
16 de Outubro 2019
«Depois da entrega da ILC-AO no Parlamento, no passado dia 10 de Abril, uma das nossas primeiras medidas foi a de pedirmos audiências com todos os partidos políticos com representação parlamentar na XIII Legislatura, que agora termina.
De todos aqueles Partidos, apenas o PS não respondeu.
Em Junho, numa altura em que a maior parte das reuniões já se tinha realizado, renovámos o pedido de contacto formal, salientando que, das forças políticas contactadas, “o confronto de ideias com o Partido Socialista a propósito do Acordo Ortográfico é um dos que aguardamos com maior expectativa”.
De novo, o PS não respondeu a este nosso segundo apelo e, entretanto, a ronda de contactos com os restantes seis Partidos completou-se mesmo, com a última reunião a ter lugar com o PAN no dia 17 de Setembro.
Em maior ou menor grau, todas as audiências foram produtivas — mesmo para os partidos que “adotaram” o Acordo Ortográfico o assunto está longe de estar encerrado. Pelo contrário, parece mesmo haver um interesse renovado por esta questão, como se viu na recente campanha eleitoral. Na verdade, a ILC-AO sugeriu, em todas estas reuniões, que o problema do AO fosse referido nos respectivos Programas Eleitorais para as eleições de 6 de Outubro. Coincidência ou não, o facto é que uma parte significativa destes Partidos acabou por salientar o tema, com destaque para o CDS-PP e para o PSD. O PCP não o fez, expressamente, mas é conhecido o historial deste Partido na luta contra o Acordo Ortográfico. Sem surpresas, o AO90 esteve mais presente nesta campanha eleitoral do que nas de 2015 e 2011.
O que pensam os deputados do Grupo Parlamentar do PS quanto a esta questão? Alguma vez foram consultados? Houve debate interno? Quando aprovaram a RAR 35/2008 limitaram-se a seguir as ordens da sua direcção partidária? Saberão, ao certo, o que é o AO90, ou tê-lo-ão lido, ao menos em parte?
Na falta de uma reunião, dada a total obscuridade do PS nesta matéria (que nele se reveste da aura misteriosa de um verdadeiro tabu), vemo-nos obrigados a ler nas entrelinhas dos documentos e a interpretar os raríssimos sinais que de vez em quando transpiram do Largo do Rato.
Em 2013, a ILC-AO foi a primeira entidade a ser recebida no âmbito do Grupo de Trabalho para Acompanhamento da Aplicação do Acordo Ortográfico. A representante do PS neste Grupo de Trabalho era, à data, a deputada Gabriela Canavilhas.
Na sua intervenção Gabriela Canavilhas disse que “foi identificada a necessidade de um Acordo”, mas acrescentou que “se ele [o AO90] não serve a sociedade portuguesa, cá estaremos para fazer a avaliação política dessa posição da sociedade civil”. De caminho, perguntou-nos ainda se a ILC era contra a ideia de um Acordo, seja ele qual for, ou apenas contra este Acordo.
Como se imagina, estas declarações dariam pano para mangas, a começar pela “necessidade de um acordo”. Foi identificada a necessidade de um Acordo? Por quem? E como foi esse diagnóstico validado?
Na verdade, esse debate quase acontecia ali, na própria sala de audiências. No final da reunião, já em conversa informal, a deputada não escondeu o seu interesse no aprofundamento destas questões e a sua apetência, que nos pareceu genuína, pelo confronto de ideias e pelo diálogo. Gabriela Canavilhas chegou mesmo a lamentar que outros compromissos já assumidos não lhe permitissem ficar mais tempo à conversa no final da audiência.
“Fast forward” para 2017 e para nova audiência, desta feita com outro Grupo de Trabalho cuja inovadora denominação era “Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990”. O representante do PS é agora o deputado Diogo Leão, que se limitou a dizer que a posição do PS é conhecida (?) e, portanto, não acompanha o nosso Projecto de Lei. Em resposta à nossa menção do cAOs que vigora actualmente disse apenas que este já era esperado e acontece, naturalmente, sempre que há mudanças na Ortografia.
O contraste com a sua antecessora foi flagrante: sem nunca olhar de frente os interlocutores (nós), Diogo Leão (certamente por motivos de força maior) abandonou a reunião logo após o seu discurso, não tendo chegado a ouvir a segunda parte da nossa intervenção nem o resto do encontro. Uma flagrante (e ostensiva) atitude de menosprezo por uma questão de evidente interesse nacional, atitude esta que tomamos a liberdade de interpretar como estritamente pessoal.
De 2013 para 2017 o PS parece ter cristalizado nesta ideia fixa: a Língua sempre “evoluiu”, e é natural que as pessoas tenham dificuldade em adaptar-se. O PS — ou, melhor dizendo, alguns deputados do PS — continuam a confundir evolução da Língua com evolução da Ortografia e esquecem-se de que já não vivemos na Idade Média: a Ortografia já não é decidida por monges copistas em mosteiros. Em 1911, para o bem e para o mal, procedeu-se pela primeira vez à fixação de uma norma ortográfica e dessa fixação resulta (ou devia resultar) a estabilidade — uma das maiores virtudes e razão de ser de qualquer norma.
O Acordo Ortográfico é actualmente um problema grave que afecta sobretudo as crianças e jovens, a população estudantil.
Recordamos que, historicamente, o ensino do inglês sempre foi um drama no Brasil, enquanto Portugal parece exibir uma propensão quase genética para o multi-linguismo. Este fenómeno tem uma explicação simples: a maior proximidade entre a estrutura do Português Europeu e a das principais Línguas da Europa. As mesmas raízes culturais, uma História milenar em comum, referências identitárias que se interligam. Portanto, a mesma matriz greco-latina. Aos alunos ensina-se actualmente gato por lebre: um arremedo de norma ortográfica isolacionista, que descarta o seu próprio património histórico e não augura boas (ou quaisquer) perspectivas para o futuro.
Estamos de facto com um problema em mãos, que o PS não pode continuar a ignorar. Pelo contrário, seria de todo o interesse termos o PS a fazer parte da solução e não do problema. É claro que resolver o AO sem o Partido Socialista não é impossível. Mas essa via está longe de ser desejável. O PS tem, no seu historial, um passado de resistência ao Acordo Ortográfico, personificado em nomes como Manuel Alegre, Manuel Maria Carrilho e Francisco Assis, entre muitos outros. A ILC-AO, enquanto estrutura completamente apartidária, conta certamente com largos milhares de militantes socialistas entre os seus subscritores, que veriam com bons olhos um novo olhar do PS sobre este assunto.
A origem do Acordo Ortográfico de 1990 perde-se na noite dos tempos. Há quem recue a Cavaco Silva, há quem aponte o dedo à Academia Brasileira de Letras, há quem recue ainda mais, até Lidley Cintra e aos colóquios luso-brasileiros dos anos sessenta. Entre os campeões do recuo, encontramos o próprio Malaca Casteleiro, para quem o AO90 resolve (diz ele) o cisma criado (diz ele) pela reforma de 1911. Pela nossa parte, dispensamos o exercício.
Contamos com todos, PS incluído, para que se tenha a humildade de reconhecer que algures, alguém, certamente animado por boas intenções, cometeu um erro, gerou um monstro, inventou um problema. Hoje, o Acordo Ortográfico é um insuportável estorvo: uma armadilha para as nossas crianças, uma força de bloqueio no seio da CPLP, um corpo estranho na literatura em Português, no jornalismo, na tradução, no intercâmbio cultural por extenso, no Ensino a todos os níveis. É tempo de eliminarmos esse estorvo e de seguirmos em frente. Oportunidades não faltarão — a começar pela apreciação da própria ILC-AO na próxima Legislatura.
Respondendo, à distância de quatro anos, a Gabriela Canavilhas: pronunciarmo-nos sobre qualquer outro Acordo que não o AO90 cairia fora do âmbito desta ILC. Contudo, parece-nos que será do mais elementar bom senso garantir que, num Acordo, cada país possa contribuir com aquilo que verdadeiramente lhe pertence. Só assim a troca será realmente enriquecedora. Com o AO90 não há troca alguma, há apenas imposição. E perdemos todos um património intangível para que meia dúzia ganhe sabe-se lá o quê.»
Fonte:
Nota: os trechos a negrito são da responsabilidade do Blogue.
Rever? Rever o quê? O que há para rever no AO90?
Bem, se me disserem que é para repor todas as consoantes mudas que o AO90 surripiou, e dar o dito pelo não dito no que respeita à acentuação e hifenização mal-amanhadas, alinhavadas à pressa, o que provocou mais caos do que ordem na escrita, se é para repor a grafia da Língua Portuguesa, então será uma medida inteligente.
Tudo o resto será uma tentativa de colar cacos.
Imagem reconstituída daqui: https://medium.com/@pedrograca13/kintsugi-4d16a67040b5
Se é para colar os cacos deixados pela imposição ilegal do AO90, a pergunta é: o que andou a fazer o Grupo de Trabalho criado pelo Parlamento para “estudar” (ou fazer-de-conta que ia estudar?) a aplicação das novas regras (desregradas) para a Língua Portuguesa (que é como quem diz, o modo de grafar à brasileira) para chegar à conclusão de que é preciso “rever” e não eliminar urgentemente o aborto ortográfico antes que faça mais mossa do que já fez?
É óbvio que ninguém quer uma revisão, porque uma revisão seria admitir que o AO90 tem alguma ponta por onde se lhe pegue. O que não é verdade. Até o Brasil quer a REVOGAÇÃO. Por que há-de Portugal pretender rever o que os outros países estão a descartar?
Porém o que mais me chamou a atenção nesta notícia, que pode ser lida mais abaixo, foi o que disse o assessor cultural do presidente da República, Pedro Mexia:
Lê-se:
«Mas, afinal, o que está em cima da mesa? Não é provável que a revogação do acordo aconteça em Portugal. Apesar da frontal discordância perante o AO, o escritor e assessor cultural do Presidente da República, Pedro Mexia, reconhece que seria “problemático” anular o acordo, depois de este ter sido aplicado na Administração Pública e nas escolas — “foi dado um passo maior do que as pernas e até alguns dos maiores defensores estão a assumir que foram feitos erros e disparates».
Como disse, Pedro Mexia? O maior disparate é dizer que seria “problemático” anular o acordo. Isto é passar um atestado de incapacidade intelectual a todos os que cegamente ou servilmente começaram a escrever incorreCtamente a Língua, que passaram anos a escrever correCtamente, antes de a imposição forçada da grafia brasileira.
Neste grupo dos incapazes de tornar a escrever como sempre escreveram, não estão incluidos as crianças e os jovens, porque estes têm capacidade para aprenderem e desaprenderem tudo e mais alguma coisa, sem o menor problema. Os adultos, que fazem parte da administração pública, não terão a capacidade de tornar a escrever como sempre escreveram? Serão assim tão inscientes? Isso não serve de desculpa, não é um argumento racional, para que se mantenha o erro, enquanto nos restantes países o AO90 está a ser rechaçado.
Não há problemática nenhuma, Pedro Mexia, o que há é má-vontade. Voltar atrás vai dar algum trabalho, mas não é impossível. Impossível é manter os Portugueses e os funcionários públicos a escrever a mixórdia ortográfica criada pela aplicação do AO90, a exemplo do primeiro-ministro de Portugal e da comunicação social servilista, que nem à brasileira, nem à portuguesa, o que escrevem é à balda.
Veja-se aqui um bom exemplo da mixórdia ortográfica gerada pelo AO90, por parte de quem tinha o DEVER de falar e escrever correCtamente a Língua do país, do qual é primeiro-ministro, e no seu Tweeter, dá uma no cravo outra na ferradura, à baldex (para usar uma linguagem muito na moda).
(Imagem recebida via-email)
Não é da racionalidade destruir uma Língua, e ficar parvamente sós, apenas porque se acha que uns poucos já não são capazes de voltar a escrever correCtamente, o que levaram anos a aprender. Mas que raciocínio mais retorcido será este? É assim tão mais difícil desaprender o que em menos de dez anos aprenderam? Não posso aceitar esta premissa sem perplexidade.
Quanto às crianças, nas escolas, não haverá o mínimo problema. Se não houve para mim, que com a maior facilidade, aprendi e desaprendi a escrever e a falar ora à brasileira, ora à portuguesa, durante a minha infância, adolescência e juventude, sempre que me deslocava daqui para lá, e de lá para cá, e não sou nenhum supercérebro, não haverá o mínimo problema com as crianças e jovens de hoje. Isto é algo que pode ser comprovado pelas Ciências da Mente, porque o cérebro dos mais jovens está mais disponível para a aprendizagem, do que os cérebros menos jovens.
Portanto, o “argumento” ah! o acordo já foi aplicado e é “problemático” voltar atrás é um não-argumento.
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Regressemos à notícia assinada por
Alexandra Carita e Christiana Martins
Nota: os trechos e os comentários a negrito são da minha responsabilidade.
Parlamento revê (des)Acordo Ortográfico
«Grupo de trabalho constituído pelo Parlamento recomenda alterações. PS é o único partido que não quer mexidas. Uma década depois de entrar em vigor, o acordo pode voltar à estaca zero.
(O PS lá terá razões que a racionalidade desconhece).
Dez anos depois de ter sido aprovado, em Maio de 2009, o Acordo Ortográfico (AO) deverá agora ser alterado. É isso que defende o grupo de trabalho criado pelo Parlamento para estudar a aplicação das novas regras para a Língua Portuguesa. A recomendação consta do relatório final que será entregue nas próximas semanas. Mas o polémico tratado pode mesmo vir a ser revogado, como exige um projecto-de-lei que resulta de uma petição assinada por mais de 20 mil pessoas e que deu entrada no mês passado na Assembleia da República. Tudo isto numa altura em que, no Brasil, a discussão sobre a revogação do AO está na ordem do dia e em que Cabo Verde está prestes a declarar o crioulo como língua oficial. A reviravolta, esperada por tantos ao longo da última década, pode mesmo acontecer. O Governo está contra.
(Ao Governo, estando enterrado nesta negociata obscura até ao pescoço, não convém mexer nela, para que a verdade não venha ao de cima.)
Os partidos não são consensuais na análise ao AO e prepara-se um esgrimir de opiniões. PSD, CDS, PCP e Bloco de Esquerda querem alterar ou mesmo revogar o documento. O PS é o único que quer que tudo fique como está. A Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) é o mais radical dos documentos a ser alvo de votação em plenário: pretende a “suspensão” por “prazo indeterminado” com vista a serem “elaborados estudos complementares que atestem a sua viabilidade económica, o seu impacto social e a sua adequação ao contexto histórico, nacional e patrimonial em que se insere”. As 20 mil assinaturas entregues conseguiram o registo de um projecto-de-lei e aguarda-se a definição da data da votação no hemiciclo, que deverá ocorrer ainda nesta legislatura.
Os signatários exigem a revogação da Resolução da Assembleia da República que aprova o segundo protocolo modificativo do AO, no qual se decidiu que a sua ratificação por apenas três dos então sete países de língua oficial portuguesa (Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e, mais tarde, um oitavo chamado Timor-Leste) era o bastante para que o documento entrasse em vigor (ver texto em baixo).
Mais: o projecto-de-lei designa ainda a ortografia anterior ao AO, vigente até 31 de Dezembro de 2009 e nunca revogada, como aquela a utilizar no presente. Maria do Carmo Vieira, membro da comissão representativa da ILC, defende que “não se trata de um braço-de-ferro, mas sim de uma luta pela inteligência, pelo carácter científico e pelo patriotismo”. “Aperfeiçoar o que é medíocre e está errado não me parece válido”, conclui.
Os deputados terão duas oportunidades para reflectir. O relatório conclusivo da “Avaliação do Impacto da Aplicação do Acordo Ortográfico de 1990” será apresentado na Comissão de Cultura nas próximas semanas e a sua votação parece ser mais fácil, bastando a iniciativa legislativa de um deputado ou grupo parlamentar para chegar a plenário.
O que querem os partidos
“No entendimento do grupo de trabalho, o AO carece, no mínimo, de ser aperfeiçoado”, afirma José Carlos Barros, deputado do PSD, coordenador do grupo de trabalho e relator do relatório final. “É evidente que a unificação ortográfica não se conseguiu. Na prática, o que está a acontecer é que Portugal está a aplicar o AO à força por uma resolução do Conselho de Ministros”, continua o deputado. Para o PSD, o Acordo foi um passo “não ponderado”. Na mesma linha está a deputada centrista Teresa Caeiro: “Não conheço ninguém que se reveja no AO”. O documento, afirma a representante do CDS-PP no grupo de trabalho, “foi absolutamente precipitado e levado a cabo por meia dúzia de académicos, que conseguiram levar em frente uma decisão que ninguém exigia”. Teresa Caeiro acredita que “mais vale reverter o erro do que perpetuá-lo” e defende, por isso, a revogação do Acordo. “O meu desejo é que se tenha a honestidade e a humildade para parar e rever o AO.”
O PCP, pela voz de Ana Mesquita, garante que as incongruências na aplicação do tratado são gritantes. “É a boa altura para se fazer a discussão sobre o AO e arranjar uma saída elegante do imbróglio em que estamos metidos”.
A tendência de voto do Bloco de Esquerda parece ir no mesmo sentido. Luís Monteiro assinala que existem críticas a fazer ao AO e tem muitas reservas em alguns pontos. O bloquista considera “pertinente uma iniciativa legislativa sobre o acordo e apoia a sua discussão em plenário”. “O AO pode ser melhorado”, diz, advertindo, no entanto, que a posição do BE é contra a revogação.
(Como é que algo que é rejeitado por milhares de escreventes, e que já ficou provado que é um aborto ortográfico, pode ser melhorado? Não pode melhorar-se algo que não é passível de ser melhorado. É como tentar dessalgar um arroz de ervilhas salgado, ou tornar sã uma fruta podre).
Sozinho, aparece o Partido Socialista. Diogo Leão, o deputado que acompanhou as reuniões do grupo de trabalho, diz, que “o PS não tem qualquer iniciativa em vista”. Para o partido do Governo, o acordo está em vigor e o “Estado respeita-o, as novas gerações já foram educadas com a nova ortografia e toda a Administração Pública o utiliza”. “Sendo assim, não temos motivos para o questionar”, conclui Diogo Leão.
(Bem, o PS com este modo de pensar, passa um atestado de estupidez não só aos Portugueses, como às novas gerações e principalmente à administração pública, que passou vários e compridos anos a grafar à portuguesa, e uns poucos a grafar à brasileira, e agora já não se lembra o que aprendeu na infância. Isto até pode acontecer a quem tem cérebros mirrados, mas não a quem tem cérebros activos, que é o caso das novas gerações. E há que ter em contra que é IRRACIONAL manter um erro, assente num argumento também tão IRRACIONAL).
Ao Expresso, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, diz que “os sistemas de ensino, editorial, jurídico e científico estão hoje sintonizados e a concertação político-diplomática com os outros países de língua portuguesa nesta matéria é ainda significativa”. Por isso, conclui o ministro que tutela o Acordo Ortográfico, “não se afigura a necessidade ou a oportunidade de, no momento, efectuar uma reversão”.
(O que diz o kapo de serviço para a destruição da Língua Portuguesa é uma redonda mentira. Ninguém está sintonizado em nenhum dos sistemas referidos, e muito menos existe concertação político-diplomática com os outros países. Zero concertação. Mas esta é a função de um kapo, que todos nós esperamos que seja afastado da próxima governação, para que a racionalidade regresse a Portugal.)
No entanto, feitas as contas, se o PS ficar isolado na votação do relatório conclusivo do grupo de trabalho, o AO será mesmo revisto e discutido com os votos do PSD, CDS, PCP e BE. O PAN não teve assento neste grupo de trabalho.
Cúmplices de Bolsonaro
Questionado pelo Expresso na viagem à China, o Presidente da República remete o desafio de alterar a situação para os políticos: “Estive em Moçambique há três anos e dizia-se que ia haver uma posição; em Angola iam tomar uma posição; no Brasil, periodicamente diz-se o mesmo, mas depois não é tomada posição nenhuma. Desde o início do meu mandato que me falam nisso [revogação] e o que tenho visto é que, quer em Portugal quer nos outros países, é uma matéria recorrentemente tratada, mas não há nenhuma iniciativa política. Mesmo no Parlamento não há”.
(O senhor presidente anda muito distraído e tão focado na sua pessoa que não está a par do que se passa ao seu redor. Acorde, senhor Presidente! Existe um país chamado Portugal, do qual é o presidente. Esqueceu-se? A Constituição da República Portuguesa não está a ser respeitada. Portugal violou várias convenções e o senhor não tem conhecimento disto? E ainda diz que não há nenhuma iniciativa política, quando devia pressionar o Governo para que revogue o AO90, que está a destruir a nossa identidade?)
Enquanto chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa diz que não pode formular juízos. Ainda assim, mantém as críticas que fez no passado. Em 2016, Marcelo, em declarações polémicas ao Expresso, referindo-se à não-ratificação do acordo por Angola e Moçambique, abriu a porta a uma revisão da vigência do AO. “Não é claro que o objectivo diplomático esteja a ser atingido e, caso estes países decidam não o adoptar, impõe-se uma reflexão sobre a matéria, que é de competência governamental, mas o Presidente não deixará de sublinhar a utilidade e necessidade de reflexão se se verificar que o objectivo primeiro não é atingido.”
(Enquanto Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa formula juízos de tudo e mais alguma coisa, excePto da Língua Portuguesa, que ele, como Chefe de Estado, devia defender e não defende).
Até hoje, passados três anos, nem Angola nem Moçambique ratificaram o tratado. E agora é o Brasil que ameaça sair. Há uma semana, em Brasília, a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de audiência pública para que seja debatida a revogação do AO.
No documento a que o Expresso teve acesso, o deputado Jaziel Pereira de Sousa, do Partido da República, uma das siglas de direita, afirma que o pedido vem na sequência de um desejo do Presidente Jair Bolsonaro. Ainda antes deste requerimento oficial, Filipe Martins, assessor especial de Bolsonaro para Assuntos Internacionais, publicou no Twitter a intenção do Governo. “Depois de nos livrarmos do horário de Verão, temos de nos livrar da tomada de três pinos, das urnas eletrónicas e do acordo ortográfico.”
Em Portugal, um dos principais rostos da defesa do Acordo Ortográfico, Carlos Reis, professor da Universidade de Coimbra, diz que não existe uma estratégia para a língua portuguesa em nenhum dos países enquanto “o discurso político se limitar a declarações de circunstância, sem conteúdo nem propósito de continuidade”. E deixa um alerta aos partidos portugueses que discordam do acordo: “Resta saber se acabarão por se descobrir cúmplices inesperados de Jair Bolsonaro.”
O que vai mudar
Mas, afinal, o que está em cima da mesa? Não é provável que a revogação do acordo aconteça em Portugal. Apesar da frontal discordância perante o AO, o escritor e assessor cultural do Presidente da República, Pedro Mexia, reconhece que seria “problemático” anular o acordo, depois de este ter sido aplicado na Administração Pública e nas escolas — “foi dado um passo maior do que as pernas e até alguns dos maiores defensores estão a assumir que foram feitos erros e disparates”.
(Pedro Mexia é assessor do presidente. E quem é assessor do presidente, normalmente diz ámen.)
É precisamente para corrigir alguns desses erros que o grupo de trabalho constituído pelo Parlamento propõe o aperfeiçoamento do AO. Na base está o documento “Sugestões para o Aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa”, entregue na AR em 2017, pela Academia de Ciências de Lisboa, o órgão consultivo do Governo no que respeita à língua portuguesa. Os três pontos-chave que determinam as alterações ao Acordo prendem-se com a acentuação gráfica, as sequências consonânticas e o emprego do hífen. Nada mais nada menos do que as regras que mais confusão têm gerado na escrita pós-AO. Exemplos multiplicam-se, mas vejam-se os mais comuns. O presente do indicativo da 3ª pessoa do singular do verbo parar (que, com o acordo, passou a escrever-se “para”) voltará a ter acento (“pára”), deixando de se confundir com a proposição para; no caso das consonantes mudas, voltam a ser escritas em algumas palavras para não gerar ambiguidade, como acontece com recessão (económica) e receção (de hotel); finalmente, no que respeita à hifenização, palavras com sentido único como faz-de-conta recuperam o hífen, bem como as palavras com formas reduzidas, afro-brasileiro ou euro-asiático.
(Aqui falta dizer que a acentuação e a hifenização são importantes para Brasil e para Portugal, porém para os Portugueses, além da hifenização e da acentuação há a grafia brasileira mutilada, que NÃO pertence à Língua Portuguesa, e essa tem de ser eliminada. A grafia brasileira é do Brasil. Não é de Portugal. As consoantes MUDAS têm de ser devolvidas à Língua Portuguesa. A revogação do AO90, para o Brasil, reduz-se apenas à acentuação e à hifenização, porque as consoantes mudas, lá, continuarão a ser suprimidas, tal como são desde 1943. Para Portugal a revogação do AO90 inclui a hifenização, a acentuação e a GRAFIA. Não esquecer deste pormenor importante: a grafia portuguesa tem de ser devolvida a Portugal).
Para quem pensa que as alterações poderão ser uma catástrofe para a economia livreira, João Alvim, presidente da APEL (Associação Portuguesa de Editores e Livreiros), desdramatiza: “O AO tem de evoluir e melhorar, muitas regras têm de ser analisadas, repensadas. Se tivermos de fazer alterações onde é necessário, fá-lo-emos progressivamente”. Mas não deixa de anunciar o pior, caso se tenha que alterar tudo, o que obrigaria a uma revisão completa dos livros técnicos, de ensino, manuais e livros de referência. “Nem quero pensar nisso”, diz João Alvim.
(Assim como se atirou ao lixo, os livros e os manuais correCtamente escritos, assim se atirará ao lixo os livros e manuais incorreCtamente escritos. As editoras deviam ser penalizadas pela ganância que tiveram, na destruição da Língua, mirando lucros com os novos livros acordizados. Daí que a falência era a pena que deviam levar pelo crime de lesa-língua.)
Com Filipe Santos Costa
Dez anos de legalidade pouco ou nada clara
Dos oito Estados subscritores, só Portugal cumpriu o que estava assinado. Os outros ou nunca ratificaram, ou não cumprem, ou querem sair.
Se Jair Bolsonaro cumprir a intenção de revogar o Acordo Ortográfico (AO) no Brasil, a ideia de uma língua transatlântica ficaria esvaziada em cerca de 220 dos mais de 250 milhões de falantes de Português. Mas esta hipótese é apenas o mais recente problema numa longa história de percalços num projecto que beneficia a fonética em detrimento da ortografia e começou a ser concebido no fim dos anos 80 e ainda hoje não tem aplicação plena. Amanhã comemora-se o Dia da Língua Portuguesa e da Cultura e a 13 de Maio passam dez anos da efectiva entrada em vigor do AO, mas pouco há para comemorar.
Além da proposta brasileira, esta semana, o secretário executivo da CPLP em deslocação a Luanda reuniu-se com a ministra da Educação de Angola para discutir o acordo. Questionada pelo Expresso, a CPLP não esclareceu o conteúdo da reunião. Sabe-se, contudo, que Angola, juntamente com Moçambique, nunca ratificou o AO, mantendo muitas reticências à sua aplicação. Mas, mesmo quanto aos países que o terão ratificado, como São Tomé e Príncipe, o cumprimento prático do AO é questionável.
(São Tomé e Príncipe está-se nas tintas para o AO90. A língua dominante é o Francês.)
Tudo começou em Janeiro de 1990, quando Pedro Santana Lopes foi nomeado secretário de Estado da Cultura por Cavaco Silva com duas incumbências fundamentais: concluir o Centro Cultural de Belém e fazer o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Em apenas uma semana daquele ano, delegações dos sete Estados — Portugal, Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe — aprovaram os contornos do AO na Academia de Ciências em Lisboa. Em Maio de 1991, o tratado foi aprovado pelo Parlamento português, com votos favoráveis do PSD, CDS; o PS dividiu-se e o PCP absteve-se; e o então Presidente, Mário Soares, ratificou a decisão.
O primeiro protocolo modificativo surgiu em 1998 e o sentido originário do AO começou a ruir, com a supressão da exigência da entrada em vigor simultânea nos sete Estados subscritores. A AR aprovou as alterações e Jorge Sampaio ratificou-as em 2000. Em 2004, os chefes de Estado e de Governo da CPLP decidiram que, passados 24 anos da assinatura formal, era melhor era baixar a fasquia, tendo em conta que o acordo ainda não havia entrado em vigor por não ter sido ratificado por todas as partes contratantes. Assim, para vigorar, o AO necessitaria “apenas” que três Estados depositassem a ratificação no Ministério dos Negócios Estrangeiros português. Mas continua por esclarecer se tal critério foi cumprido e, se foi, se não está manchado por alguma ilegalidade processual.
A ratificação expressa aconteceu apenas em Portugal e Cabo Verde. São Tomé terá finalizado o processo de ratificação em 2006, mas não é conhecido o depósito da ratificação. Questionado pelo Expresso, o MNE português afirma apenas que o AO “encontra-se em vigor em Portugal e também no Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe”. E que “Guiné-Bissau e Timor-Leste terminaram os respectivos processos internos de aprovação, embora ainda não tenham procedido ao depósito”.
(O kapo de serviço tem um discurso chapa 5, onde a mentira impera. Além de estar a prestar um péssimo serviço a Portugal está a enganar os Portugueses).
No Brasil, os problemas vêm de trás. O Congresso aprovou o tratado inicial em 1995, que não foi promulgado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2008, o “Diário Oficial” — equivalente do “Diário da República” — referia que quaisquer alterações ao AO teriam de ser alvo de intervenção do Congresso, mas o protocolo modificativo de 2004 só terá sido promulgado em 2008 por Lula da Silva sem discussão prévia na Câmara.
Christiana Martins
NOTA: transcrição integral de notícia e “caixa” publicadas no Expresso de 04 de Maio de 2019. Texto convertido para Português.
Fonte:
Elucidativo texto de Nuno Pacheco, jornal PÚBLICO
18.04.2019
Por Nuno Pacheco
Numa semana de perdas para a Cultura (o terrível incêndio que desfigurou a Notre-Dame de Paris, ou as mortes de Maria Alberta Menéres e Bibi Andersson) pode parecer desajustado falar disto. Mas não é possível ignorar um certo tweet brasileiro que prenuncia a extinção do “acordo ortográfico”, em coincidência temporal com a entrega, na Assembleia da República, das mais de 20 mil assinaturas da iniciativa de cidadãos (ILC-AO) que batalha para revogar a decisão que reduziu a três os países necessários para viabilizar o acordo.
Mas o que se passou, afinal? Isto: o jovem Filipe Martins, assessor especial da Presidência da República [do Brasil] para Assuntos Internacionais, publicou dia 6 de Abril no Twitter (agora governa-se por Twitter) o seguinte textinho: “Depois de nos livrarmos do horário de verão, temos que nos livrar da tomada de três pinos, das urnas electrônicas inauditávris [sic; seria ‘inauditáveis’, mas as teclas “r” e “e” estão lado a lado e ele devia ter pressa] e do acordo ortográfico.” Somou, em pouco tempo, 706 comentários, 6100 likes e 1100 partilhas.
Filipe Martins, 30 anos, é tudo menos um sujeito recomendável. Antes da segunda volta que deu a vitória a Bolsonaro, afirmou: “O que está acontecendo no Brasil é uma revolução – a fucking revolution – e não há meios de pará-la.” Os seus gestos, declarações e provocações, muitas vezes em tom de pilhéria, valeram-lhe, segundo a imprensa brasileira, os epítetos de “revolucionário de Facebook”, “líder da direita jacobina” ou “Robespirralho”, referência ao temível Robespierre, propagador do terrorismo de Estado durante a Revolução Francesa.
Com tais pergaminhos, poder-se-á concluir, apressadamente, que a anunciada “morte” do “acordo ortográfico” (AO) no Brasil será um golpe da direita mais radical contra a esquerda. Nada mais errado. A lista de coisas a abater, onde o AO agora se inclui, reflecte o pendor pretensamente nacionalista que o Brasil copia de Trump (género “O Brasil primeiro”), menorizando ou deitando fora tudo o que tenha um aroma de acordo externo, importação ou até de simples concertação entre pares mais distantes. Daí que a lista inclua o horário de Verão (que Bolsonaro já garantiu que não vai aplicar em 2019), as placas para matrículas de automóvel com padrão do Mercosul, a tomada eléctrica de três pinos (importada em 2000 e obrigatória desde 2011), as urnas para votação electrónica (em uso no Brasil desde 1996, o governo contesta agora a sua fiabilidade) e, finalmente, o dito “acordo ortográfico”, tendo este último uma explicação simples. Não se trata da língua, já que essa pouco dirá a tais ditames, mas de negócio. Veja-se só este delirante parágrafo da notícia que dava conta do tweet de Martins, no portal brasileiro ClickPB: “O acordo ortográfico completou 10 anos no início deste ano. A padronização do idioma permitiu um aumento do intercâmbio cultural, com livros de ficção, didáticos, paradidáticos e científicos, e documentos, escrituras, contratos e textos de todos os gêneros circulando entre os países sem necessidade de revisão.” Como se sabe, e comprova, isto é absolutamente falso; hoje, como há dez anos. Mas foi este canto de sereia que hipnotizou muitos políticos, alguns intelectuais e legiões de analfabetos.
Embalado nesta onda, esperava o Brasil ter negócios garantidos com Angola e Moçambique, os maiores países africanos, pois com Portugal já tem. Azar: nenhum destes países ratificou o acordo nem mostra vontade de o fazer (Angola, aliás, é particularmente crítica do processo). Nem eles, nem a Guiné-Bissau, nem Timor-Leste. Só Portugal, Brasil e, por arrasto, Cabo Verde (que tornou o crioulo língua primeira, não o português) e São Tomé e Príncipe. Para que quer, então, o Brasil, tal acordo? Para exibir em cimeiras multilaterais? Para a CPLP? Nem pensar. O Brasil de Bolsonaro dispensa enfeites, sobretudo se não rendem nada.
Se o Brasil cumprir o “chilrear” do passarão Filipe Martins, repetir-se-á a patética situação em que Portugal ficou quando o Presidente brasileiro Café Filho revogou por decreto, em 1955, a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira que representantes de Portugal e do Brasil haviam assinado em 1945, já depois do falhado Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1931. Serão os mesmos dez anos, para assinar e rasgar o acordo. Só que em 1945 a ortografia consagrada no acordo respeitava o sistema vocálico português, e assim ficou – aqui e nas colónias africanas que viriam, felizmente, a tornar-se países independentes; enquanto a do “acordo” de 1990 se conforma mais ao sistema vocálico brasileiro, resultando absurdo e injustificável por cá.
Que fazer? Crescer, que já é tempo para isso. Libertados deste imenso logro “unificador”, os países nele envolvidos podem, além de definir as suas ortografias, cooperar cientificamente na feitura de um grande dicionário (deixem os vocabulários, que nada resolvem), partilhável em linha, com as variantes vocabulares e ortográficas dos vários países aí consagradas, para que todos possamos saber como se fala e escreve no espaço lusófono. Só encarando a diversidade que existe, e se pratica no dia-a-dia dos nossos países, podemos celebrar a Língua Portuguesa.
Fonte:
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