A língua de Portugal, que há séculos nos define, nos molda e estrutura, está a ser ostensiva e visivelmente esfarrapada. É insuportável assistir a esta destruição da nossa língua, em tudo o que é texto escrito, inclusivamente na televisão, assim como nos atropelos à própria pronúncia abundantemente adulterada!
Claro que os políticos são responsáveis, por terem imposto o AO90 ao país, sem atenderem aos inúmeros pareceres que o condenam. Esse "mostrengo" NÃO «constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional», como lá expressamente se diz. Constitui sim o desmembramento da língua portuguesa, que tinha duas normas oficialmente reconhecidas, e tem agora, no país que lhe deu vida, uma nova versão, disparatada e ridícula!
Sim, os políticos são os primeiros responsáveis, mas não haverá políticos e intelectuais, neste país, que se sintam moralmente obrigados a vir GRITAR para a praça pública que é urgente acabar com esta aberração?! Estamos outra vez na efervescência de próximas eleições: vamos continuar 'caladinhos', como desde 1990?! Vão de novo pedir o nosso voto, sem se sentirem obrigados a enfrentar publicamente a questão da imposição política do AO90 e suas consequências? Todos cegos, surdos e irresponsáveis?! Para que serve o saber e a cultura, afinal?
Muitos se têm manifestado contra o AO90, a começar pela 'Petição Manifesto', apresentada logo em 2008 por Vasco Graça Moura, Alzira Seixo, António Emiliano e outros... A surdez dos responsáveis políticos mantém-se! E a Assembleia da República continua surda e alheada, traindo insistentemente o que deveria ser a sua essência democrática! Veja-se como lá continua encalhada a 'nossa' Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o AO90!
Não basta, pois, manifestarmo-nos, de vez em quando, é preciso impor esta discussão todos os dias, e obrigar os políticos, de todas as tendências a posicionarem-se.
E não admitam os palpites falaciosos dos 'acordistas': se há erros é porque as pessoas não aplicam correctamente o AO90, e voltar à ortografia anterior seria catastrófico para as 'criancinhas' que já foram escolarizadas com o dito...
A resposta é só uma: O AO90 é indefensável linguisticamente falando, constituindo a negação do próprio conceito de 'ortografia', com as suas múltiplas duplas grafias e 'facultatividades', e impondo a Portugal as opções ortográficas brasileiras, designadamente na questão das consoantes ditas 'mudas'! Quanto ao segundo aspecto: ninguém se preocupou com a totalidade da população nacional escolarizada há décadas com a ortografia resultante do Acordo de 1945, num esforço persistente para combater o nosso vergonhoso analfabetismo! Nem se equacionou o impacto dessas alterações ortográficas na vida dos cidadãos, incluindo no que toca à sua relação com a imprensa e as obras literárias e outras, já publicadas e adquiridas; e ninguém se lembrou de chamar a atenção do país para o 'interesse económico' de algumas editoras que se apressaram a aderir e 'impor' o AO90 aos seus leitores... Dinheiro e poder!...
Esta minha reflexão foi motivada por esse artigo de Nuno Pacheco publicado na quinta-feira, 07/12/2023, no "Público" (ver abaixo), e que já comentei:
"Muito bem, Nuno Pacheco! É indispensável mostrar insistentemente a estupidez da imposição do AO90 a Portugal e a consequente promoção do novo analfabetismo! Sim, desgraçadamente não conseguimos pôr cobro à nossa "propensão para o servilismo e o desleixo", a que acrescento a ignorância, a saloiice e a cobardia!"
Maria José Abranches
O amor-perfeito simboliza a beleza e a perfeição da NOSSA amada Língua Portuguesa. Não a queremos distorcida, truncada, mutilada, feia e pobre. (Isabel A. Ferreira)
Porquê?
Porque o AO90 é uma das questões mais graves que os governantes actuais têm para resolver e calam-se, estando a conduzir Portugal para um generalizado analfabetismo escolarizado vergonhoso, inadmissível e inacreditável, sendo já muitos os analfabetos funcionais, gerados pelo AO90, e a estes, estão em vias de juntar-se aquelas gerações que estão a ser atiradas para um ensino de baixíssima qualidade, porque a Língua é o PILAR de toda a aprendizagem, e não se aprende nada assente numa escrita amixordizada.
Em 03 de Setembro de 2019, leu-se no Jornal i:
«“Não há Acordo Ortográfico quando metade dos subscritores não o ratificam”, diz José Carlos Barros», artigo que pode ser consultado neste link:
https://ionline.sapo.pt/artigo/669961/-nao-ha-acordo-ortografico-quando-metade-dos-subscritores-nao-o-ratificam-diz-jose-carlos-barros-?seccao=Portugal
O que aconteceu desde então?
De então para cá, o que tem feito José Carlos Barros, ex-deputado da Assembleia da República Portuguesa (2015–2019), pelo PSD, que acaba de vencer, por unanimidade, o Prémio LeYa 2021, com a obra "As Pessoas Invisíveis", e relator do Grupo de Trabalho para Avaliação do Impacto da Aplicação do AO90, que tem andado muito caladinho, (aliás, todos os políticos e ex-políticos, e governantes e ex-governantes têm andado muito caladinhos, para o meu gosto) sobre esta matéria?
Será que já não era tempo de este Grupo se pronunciar, definitivamente, pela anulação do AO90, que só trouxe o caos e empobreceu radicalmente a Língua Portuguesa, que anda por aí a rastejar como uma indigente, por ter sido despromovida para variante de si mesma? Algo que, absolutamente, não dignifica o Ensino em Portugal.
O PSD, aliás, o PSD e todos os outros partidos, à excepção do PCP, quando toca a votar a Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico (ILCAO), que já se compara às obras de Santa Engrácia, vota contra tudo o que os cidadãos mais querem: a anulação deste mostrengo ortográfico; ou se é preciso votar contra o AO90, o PSD e todos os outros, à excepção do PCP, votam a favor da pobreza orográfica. Além disso, e ao contrário do PCP, que é CONTRA o AO90 e escreve segundo o AO45, conforme a lei vigente o EXIGE, o PSD e todos os outros, escrevem "agradeço a receção", quando nos enviam respostas aos e-mails que lhes enviamos, numa clara adesão ao aborto ortográfico. (Se receção é escrita de gente!!!!!)
Desconheço se, a estas alturas dos acontecimentos, o deputado José Carlos Barros ainda mantém a mesma ideia, ou seja, não há Acordo Ortográfico quando metade dos subscritores não o ratificaram, nem ratificarão. Sabemos que NÃO HÁ. Então, de que estão à espera? Cabo Verde já tem uma Língua oficial: a Língua Cabo-Verdiana, embora a Língua Portuguesa ainda ande por lá a reboque.
Por isso, seria de toda a conveniência que, nesta campanha eleitoral, que se aproxima, todos os partidos políticos tomassem uma posição pública e clara sobre a questão gravíssima do AO90, que está a conduzir Portugal para o generalizado analfabetismo escolarizado mais vergonhoso, mais inadmissível, mais inacreditável de que há memória.
Aqui deixo a proposta de um cidadão português:
Até ao momento, o AO90 tem sido TABU em São Bento e em Belém. O Partido Socialista é o seu guardião-mor, e, ditatorialmente está a impô-lo a quem o abomina, por ser simplesmente abominável; o presidente da República cala-se, por motivos dos mais óbvios, para quem o conhece. A comunicação social (com uma excepção nacional e várias regionais) também obedece muito servilmente, estando a contribuir para o estado calamitoso em que se encontra a escrita em Portugal.
É chegada, pois, a hora de reverter esta vergonhosa situação. Discute-se tudo o que interessa, e também o que não interessa, mas o AO90 é TABU, e numa Democracia a sério, não pode haver tabus.
Não é por acaso que no relatório de 2020, divulgado recentemente pela The Economist Intelligence Unit, Portugal perde a categoria de “país totalmente democrático", para regressar à categoria de "democracia com falhas", um recuo, diz-se, impulsionado pelas medidas restritivas impostas pela pandemia, mas também pela redução dos debates parlamentares [sem tabus] e pela falta de transparência no processo de nomeação do presidente do Tribunal de Contas, e a Intelligence Unit esqueceu-se de mencionar (porque talvez não saiba) a imposição ditatorial de uma grafia que nada tem a ver com Portugal, e que, apesar de estar integrada num falso “acordo” desacordado entre oito países ditos lusófonos, só os servilistas portugueses o cumprem, com medo de sanções de todo o género. E por aqui anda também muita chantagem…
O AO90 faz parte daquelas "coisas" que se não houver coragem para a eliminar, Portugal afundar-se-á como País independente. É vergonhoso ver a nossa bandeira a representar um "português" que não nos pertence.
É que há muita gente, MUITA GENTE, disposta a votar em partidos que DEFENDAM, no Parlamento, a ANULAÇÃO do AO90, o mais vergonhoso falso "acordo" em toda a História de Portugal. A mais vergonhosa imposição ditatorial que o governo português, o presidente da República e os deputados da Nação mantêm activa, (algo que nem António de Oliveira Salazar, que escrevia correCtamente, bem como TODA a população escolarizada, se atreveu a impor).
Aquele partido que conseguir reunir coragem, vontade e humildade para reconhecer o gravíssimo erro que foi a imposição ditatorial do AO90 nas escolas portuguesas, e, com argumentos racionais conseguir convencer os outros partidos de que estão a prestar um péssimo serviço a Portugal, terá todas as probabilidades de ganhar eleições. É que há muita, muita, muita, muita gente, mais do que se possa imaginar, descontente com esta situação/tabu que envergonha, desde o mais analfabeto até ao mais letrado dos portugueses. Só não envergonha quem está metido nisto até ao pescoço, com negociatas das mais obscuras.
A grande maioria dos políticos portugueses está mergulhada na ignorância, na estupidez, num gigantesco complexo de inferioridade e na falta de sangue na guelra.
Não tenho em grande conta os que se apodam de “políticos”. Poderá haver raras excepções, com competência política, ética, social, cultural, para estar na Política, mas são tão poucos que não se evidenciam, e que caladas, deixam de ser excepções, para se juntarem ao todo.
Não podemos ter na governação do País gente que olha para a Política e para a Língua Portuguesa como um boi para um palácio.
O Ensino afunda-se na mediocridade, no desinteresse, na falta de criatividade, e baseia-se na única escrita mais básica e caótica do mundo. E não estou a exagerar.
É hora de os partidos políticos mostrarem o que valem ou o que não valem, para podermos avaliar e sabermos com que contar.
Isabel A. Ferreira
Ainda no rescaldo do dia 5 de Maio, o “Dia Mundial da Língua Portuguesa”, que, de acordo com Rui Valente, «sabemos que é uma campanha publicitária em torno de tudo o que não interessa na Língua: os “milhões de falantes”, o “valor estratégico da Língua”, a “unidade” em torno do “Acordo Ortográfico», reflictamos nas palavras que a Professora Maria do Carmo Vieira escreveu, neste texto que hoje aqui reproduzo, e que é um verdadeiro monumento à lucidez e ao saber, algo que falta aos políticos portugueses, que mantêm a Língua Portuguesa cativa da estultícia que a esmaga.
(Os excertos a negrito são da minha responsabilidade)
Isabel A. Ferreira
Por Maria do Carmo Vieira
«Como num programa de televisão se demonstrou que o Acordo Ortográfico não era necessário»
Não pedimos, não queremos e não precisamos do Acordo Ortográfico.
António Emiliano, Apologia do Desacordo Ortográfico, 2010
A ortografia é um fenómeno da cultura, e, portanto, um fenómeno espiritual. O Estado nada tem com o espírito. O Estado não tem direito a compelir-me, em matéria estranha ao Estado, a escrever numa ortografia que repugno (…).
Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa, edição Luísa Medeiros, 1997 edição Luísa Medeiros, 1997
O programa “É ou Não É?”, de dia 4 de Maio p.p., na RTP 1, moderado pelo jornalista Carlos Daniel, elucida flagrantemente as epígrafes escolhidas. Aliás, o que li e ouvi, em relação a intervenções, sobretudo no dia 5 de Maio, juntando os gurus oficiais do momento festivo, constitui um manancial de matéria que expõe, sem pejo, contradições, servilismo, arrogância intelectual, culto da ignorância, e porque não dizê-lo, estupidez, implicando lamentavelmente a Língua Portuguesa e a vil roupagem com que a mascararam, ridicularizando-a. Os versos do poeta Luís de Camões, que Augusto Santos Silva não aceita como figura para identificar e representar a Língua Portuguesa, traduzem bem a “surdez” e o “endurecimento” de uma “pátria” que não louva e favorece “o engenho”, mas “que está metida/ no gosto da cobiça e na rudeza/ de uma austera, apagada e vil tristeza” (Canto X de Os Lusíadas). Uma consciência reiterada, ao longo dos séculos, por muitos outros escritores e poetas – António Ferreira, Francisco Rodrigues Lobo, Francisco Manuel de Melo, António Vieira, Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Vasco Graça Moura…
Se dúvidas houvesse sobre o facto de os cidadãos não encontrarem razão para o Acordo Ortográfico (AO) que foi decretado à sua revelia e, no caso português, contra todos os pareceres solicitados pelo Instituto Camões e estrategicamente escondidos do público, o programa da RTP 1, acima referido, demonstrou-o ao vivo: um moçambicano (Stewart Sukuma), um brasileiro (Arthur Dapieve) e um português (António Zambujo). Nenhum deles pensou alguma vez que esse acordo pudesse vir a acontecer, nem vislumbrou qualquer vantagem daí adveniente, muito pelo contrário. Eis as suas palavras:
Stewart Sukuma – “O Acordo Ortográfico foi mais usado a nível político e económico, mais do que a nível cultural. Os artistas acham mais piada continuar a cantar no seu português criado por via destes casamentos todos que existem. (…) é isto que faz a língua mais bonita. Pelo que sei, Moçambique nunca seguiu à risca o AO. (…) Não sentimos o Acordo em Moçambique”;
Arthur Dapieve – “Esse Acordo Ortográfico nasceu um pouco de uma tentativa de uma certa utopia de que se a gente escrevesse tudo exactamente da mesma maneira, nós nos tornaríamos mais próximos. Nesse sentido, ele fracassou. A riqueza da língua portuguesa é a variedade de falares. Não era necessário.”;
António Zambujo – “Exactamente o que ele disse. Subscrevo o que disse o Arthur. Não era necessário.” Naturalmente, não incluí, neste painel a três, os convidados que, directa ou indirectamente, representavam uma posição acordista ou não-acordista.
Situação confrangedora, e que elucidou igualmente em flagrante o porquê do caos linguístico instalado na escola e na sociedade portuguesas, após a imposição do AO, foi a da jornalista, professora e escritora Isabela Figueiredo. Efectivamente, ao afirmar, com uma surpreendente leveza, que usava uma “ortografia mista”, escrevendo à sua maneira (omissão das consoantes mudas, mas manutenção dos acentos) e deixando aos revisores a tarefa da uniformização, Isabela Figueiredo apontou a razão do caos que grassa na sociedade portuguesa, com cada um escrevendo à sua maneira; fez também, e infantilmente, papel de ignorante porque não se acredita que desconheça o carácter normativo da ortografia, que a sua “ortografia mista” põe em causa, bem como a estabilidade que aquela exige. Do alto do pedestal instável em que se posicionou, ao longo do debate, confessou ainda Isabela Figueiredo, com a mesma euforia e no final do debate: “Sempre senti ao longo da minha vida de estudante a necessidade de eliminar as consoantes mudas e o acordo ortográfico veio satisfazer este meu grande desejo de as assassinar, de as fazer desaparecer.”
Não justificou, porém, o porquê dessa sanha às ditas consoantes mudas, mas acreditamos que a causa esteja no facto de ter tido a pouca sorte de professor algum lhe explicar o significado e a função das referidas consoantes ou, facto menos aceitável, o de ela própria, sendo já estudante universitária, nunca ter tido essa curiosidade. E assim terá continuado a não compreender o porquê das consoantes mudas e a reprimir o intenso desejo de as “assassinar”, até que veio o desejado AO, tal D. Sebastião, resolver-lhe o problema, satisfazendo-lhe simultaneamente a liberdade de uma “ortografia mista” que, por coerência, permitirá certamente também aos seus alunos. Aliás, a sua resposta à pergunta do moderador, sobre “O que é que se ganhou com o AO?”, traduz uma total ausência de reflexão sobre o tema: “Eu… eu… sabe uma coisa, isto não me apaixona”, incapaz de apontar um único ganho que fosse, excepção feita ao “assassínio” das consoantes mudas que doentiamente a perseguiam, as mesmas consoantes que etimologicamente contam a história da palavra, a sua vertente cultural, o que levou Fernando Pessoa/Bernardo Soares, de forma tão expressiva, a escrever “A ortografia também é gente”. No mesmo sentido da pouca preocupação com o estudo, neste caso da Gramática, está a repetição que Isabela Figueiredo fez, por duas vezes, de “acórdos”, em lugar de “acôrdos”: “Os “acórdos” têm sempre cedências, há cedências nos “acórdos”. Por arrastamento, ou não, o ministro Augusto Santos Silva foi pelo mesmo caminho, ao afirmar: “Somos conhecidos por cumprir os “acórdos” que fazemos”. Não é prestigiante para a Língua Portuguesa!...
Há momentos em que o poder, seja ele qual for, se trai e isso aconteceu com o ministro Augusto Santos Silva quando afirmou, depois de referir que até 1990 a língua portuguesa tinha sido um condomínio luso-brasileiro: “Do ponto de vista de um Ministro dos Negócios Estrangeiros que é o único em que sou competente, enfim, modestamente, mediocremente, mas… competente porque para isso fui nomeado (…)” (2.ª parte do debate). Eis, na verdade o advérbio (“mediocremente”) que se adequa à actuação do poder político (PSD e PS, sobretudo) relativamente ao desenvolvimento do processo do Acordo Ortográfico e da sua violenta implementação, ao arrepio da vontade dos portugueses e de todos os pareceres solicitados.
Não pode Augusto Santos Silva negar que foi o Brasil, através do seu presidente José Sarney, e não Portugal e os países Africanos de língua oficial portuguesa, quem quis concretizar um Acordo Ortográfico, promovendo um encontro entre os todos os países de língua oficial-portuguesa, em 1986, no Rio de Janeiro, acordo esse que foi amplamente contestado, não indo avante. Lembrar-se-ão da surreal ideia de acabar com a acentuação nas palavras esdrúxulas, entre outras aberrações, a maioria das quais transitou, como sabemos, para o AO. Nem em 1986 nem em 1990, os países Africanos estiveram verdadeiramente envolvidos nesta negociata, tanto mais que inteligentemente compreenderam que tinham problemas mais prementes a resolver e que o AO, que nem sequer haviam pedido, só iria desencadear gastos desnecessários, gastos que até agora nunca foram contabilizados e revelados, em Portugal! A verdade é que Brasil e Portugal, em “condomínio fechado”, mexeram os cordelinhos para impor o famigerado AO, encenando de contínuo a impensável e absurda “unidade ortográfica”. Os truques que fabricaram estão à vista:
. O Tratado Internacional de que Augusto Santos Silva se orgulha de saber cumprir, foi defraudado nos seus termos, porquanto expressava que o Acordo Ortográfico entraria em vigor no dia 1 de Janeiro de 1994 após “depositados todos os instrumentos de ratificação de todos os Estados junto do Governo português”;
. Não se tendo cumprido o disposto no Tratado Internacional, realizou-se novo encontro entre os 7 países, em 1998, na cidade da Praia (Cabo Verde), assinando-se o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nele se anulava a data de entrada em vigor (1 de Janeiro de 1994), mantendo-se a obrigatoriedade de todos os países da CPLP ratificarem as normas do AO para que este entrasse em vigor.
. Brasil e Portugal, sobretudo o Brasil, exasperados com a falta de cumprimento do exigido no Tratado Internacional, promoveram uma reunião, em 2004, em Fortaleza (Brasil), com os restantes países da CPLP, onde foi forjada a aprovação de um Segundo Protocolo Modificativo que adulterava os termos do Tratado Internacional. Da exigência de os sete países da CPLP ratificarem o AO, passou-se apenas para três. Neste ano, Timor passou a integrar a CPLP.
. Em 2006, o AO entra em vigor com a ratificação de apenas três países: Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Convenhamos que a matreirice (e ficamo-nos por este vocábulo) resulta normalmente em êxito. Destes truques subterrâneos não falou Augusto Santos Silva, focando apenas, para os incautos, a fidelidade de Portugal a um Tratado Internacional que, afinal, não foi cumprido nos seus termos. Neste momento, Angola e Moçambique ainda não ratificaram o AO e Guiné-Bissau e Timor-Leste, se acaso o ratificaram, não o aplicam. Por isso mesmo, Augusto Santos Silva foi parco em informação, ao referir que “o Acordo Ortográfico está em vigor porque há 4 Estados que terminaram o seu processo de ratificação”, não tendo esclarecido os seus nomes, muito menos abordado o truque que veio adulterar os termos do Tratado Internacional e que suscitou o aparecimento de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, entregue em Abril de 2019, com mais de 20.000 assinaturas e cujo tortuoso processo, na Assembleia da República, põe a nu a mediocridade da maioria dos deputados, a sua falta de Cultura e a sua falta de respeito pelos cidadãos e pela Democracia.
Regozijo-me pelo facto de Augusto Santos Silva ter compreendido finalmente que há várias lusofonias e que os portugueses também são donos da sua língua. Quanto ao verso escolhido – Sê plural como o Universo – de Alberto Caeiro, ele só se pode ajustar à Língua Portuguesa e à diversidade de variantes, se o famigerado Acordo Ortográfico não estiver implicado.
E a terminar, não poderia deixar de felicitar o jornalista Nuno Pacheco pela sua firme, fundamentada e inteligente argumentação (a que outros chamam “paixão”), que aliás não foi rebatida por Isabela Figueiredo e Augusto Santos Silva, ou seja, por quem aceita acriticamente este Acordo Ortográfico e silencia ou menospreza aspectos, no mínimo, controversos, do seu processo.
Professora
Nota 1: Transcrição integral de artigo publicado no jornal PÚBLICO na edição de terça-feira, 11 de Maio de 2021.
Nota 2: Já sabemos que o “Dia Mundial da Língua Portuguesa” é uma campanha publicitária em torno de tudo o que não interessa na Língua: os “milhões de falantes”, o “valor estratégico da Língua”, a “unidade” em torno do “Acordo Ortográfico”. Participar nesse evento, nem que seja como espectador, é sempre um exercício penoso, desde logo pelo risco de instrumentalização. Ainda assim, atrevo-me a dizer que as “cerimónias”, este ano, não correram bem. Por um lado, os defensores do AO90 e da estratégia “universalista” apresentaram-se a um nível que raia a indigência, exibindo uma confrangedora penúria de argumentos.
Por outro lado, e por reacção, produziram-se bons textos e/ou depoimentos denunciando mais uma vez a “política da Língua” em geral e o Acordo Ortográfico em particular. Este artigo de Maria do Carmo Vieira é disso exemplo, e faz sentido reproduzi-lo nestas páginas, tanto mais que a ILC-AO é citada no texto.
Mas vale a pena consultar as restantes intervenções. A maior parte encontra-se já convenientemente compilada (e dissecada) no sítio do costume:
• Debate É ou Não É, na RTP1
• Antena 1 “Espaço das 10:00h”
• “Ainda a Língua: uma dimensão universal ou paroquial“, artigo de Nuno Pacheco no PÚBLICO
• “Lusofonia, adeus!“, elucidativo texto de Sérgio Rodrigues no jornal “Folha de São Paulo”
• “O cheiro a consoantes mudas assassinadas pela manhã“, artigo de António Jacinto Pascoal no PÚBLICO de 12 de Maio
Fonte:
O que está em causa
Por Rui Valente
Enquanto esperamos que a Conferência de Líderes agende o debate e votação do Projecto de Lei n.º 1195/XIII vale a pena recordar o que está em causa nesta iniciativa legislativa [de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico].
Em primeiro lugar, devemos ter consciência de que qualquer Acordo Ortográfico que tenha por fim “unificar” as duas normas existentes — Português Europeu e Português do Brasil — está votado ao fracasso. Os promotores do AO90 evocam, compungidos, o grande cisma ortográfico de 1911, ignorando que a Língua escrita é também vocabulário e é também sintaxe. Nesse sentido, o afastamento entre as duas normas é um processo natural, muito anterior à implantação da República — começa, muito provavelmente, no dia em que o Padre António Vieira decide aprender tupi para mais facilmente evangelizar o Brasil. E é, obviamente, um processo irreversível.
Muito se estranha, portanto, o reiterado afã de produzir acordos ortográficos que volta e meia aflige alguns estudiosos, ainda que ninguém lhos peça nem neles vislumbre qualquer utilidade. Pelo contrário, a cada novo projecto de AO multiplicam-se críticas e pareceres negativos, aos quais se junta a oposição generalizada dos portugueses.
Neste cenário, percebe-se facilmente que, aquando da sua assinatura, no fatídico dia 16 de Dezembro de 1990, o AO90 preparava-se para ser apenas mais um na já longa lista de acordos ortográficos falhados entre Portugal e o Brasil — certamente cairia por si, sem ser preciso combatê-lo. Infelizmente, como sabemos, as coisas não se passaram exactamente assim. O Acordo Ortográfico falhou, como não podia deixar de acontecer, mas, paradoxalmente, entrou em vigor em alguns países, sendo um deles Portugal.
Para percebermos como foi isto possível temos de recuar um pouco no tempo.
Na sua origem, o Acordo Ortográfico de 1990 resumia-se em quatro singelos artigos:
Perante este articulado, como é bem de ver, escritores, tradutores, poetas, jornalistas e, de um modo geral, quem quer que estime a sua Língua materna e a use como ferramenta de trabalho, investigação ou estudo nas mais variadas áreas, da Medicina à Culinária, passado pela Química, Biologia, Informática e outras, mais não tinha de fazer do que cruzar os braços e esperar que a infeliz criatura seguisse o seu caminho em direcção ao esquecimento.
Quando tudo apontava para esse desfecho, eis que os promotores do AO começam a movimentar-se, alterando as regras do jogo que eles próprios haviam criado.
Em 1998, já os prazos originais estavam mais do que furados. No que só pode ser visto como uma “fuga para a frente”, surge o Primeiro Protocolo Modificativo. Reunidos na Praia (Cabo Verde), decidem os signatários extirpar os Artigos 2º e 3º de tão incómodos horizontes temporais.
Como é evidente, esse expediente não produziu qualquer efeito, pois subsistia ainda a necessidade de o Acordo Ortográfico ter de ser ratificado por todos os países envolvidos. À data, 14 anos volvidos sobre o Acordo original, só um país tinha ratificado o AO90 — o Brasil.
Qualquer um veria neste cenário uma prova de que, efectivamente, o Acordo Ortográfico não desperta o interesse de ninguém. Não foi esse o entendimento dos promotores do AO90. Em 2004, desta vez reunidos em São Tomé, entendem por bem promover o Segundo Protocolo Modificativo, alterando mais uma vez o Art.º 3º do Acordo Ortográfico: deixa de ser necessária a ratificação do Acordo Ortográfico por todos os países, bastando apenas a ratificação por três desses países.
Seria difícil conceber um maior esvaziamento da letra e do sentido de qualquer acordo e, por maioria de razão, de um acordo que pretenda “unificar” o que quer que seja.
Pior, ou, neste caso, melhor, só a criação de um Terceiro Protocolo Modificativo que altere a redacção do Artigo 1º, tornando facultativa a adopção das novas normas ortográficas por parte dos países signatários. Talvez assim se consiga reunir, passados mais de 30 anos, a ratificação ou a adesão efectiva de Angola, Moçambique e demais países da CPLP que não seguem o Tratado. Fica a sugestão.
No que à ILC diz respeito — e estamos finalmente a chegar ao cerne da questão — o Projecto de Lei n.º 1195/XIII debruça-se sobre este “pormenor” do II Protocolo Modificativo.
Como se imagina, cada uma destas modificações introduzidas no AO90 assumiu, por sua vez, a figura de um Tratado — que, tal como o Acordo Ortográfico original, teve de ser objecto de aprovação e ratificação por cada um dos países envolvidos.
Em Portugal, o II Protocolo Modificativo foi submetido à apreciação da Assembleia da República em 2008, através de um Projecto de Resolução. Tendo sido aprovado, transformou-se na Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 — aprova o II Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Uma nota adicional sobre esta segunda alteração do Acordo Ortográfico: tendo sido redigida em 2004, os promotores do AO resolveram ter em conta a independência de Timor-Leste, alcançada em 2002. Deste modo, o II Protocolo Modificativo introduz não uma, mas duas alterações no texto original. A primeira, como vimos, é a nova redacção do Art.º 3º, eliminando a necessidade da ratificação do AO por todos os países. A segunda é a criação de um novo Artigo, o 5º, abrindo a possibilidade de o AO90 ser ratificado pelo novo país.
Com o distanciamento e a frieza que hoje nos permitimos ter sobre todo este processo, torna-se ainda mais evidente o que sempre dissemos: toda esta saga do Acordo Ortográfico começou mal, com a invenção do próprio AO, e só piorou com as sucessivas alterações introduzidas.
Os subscritores da ILC-AO entendem que, em 2008, a Assembleia da República devia ter dito “basta”.
Se o AO90 promovia uma unificação impossível, o II Protocolo Modificativo consagrou a existência de três normas no espaço da CPLP — um resultado diametralmente oposto ao que certamente era pretendido pelas mentes esclarecidas de quem julgou necessário um Acordo Ortográfico. Hoje em dia, a própria Wikipedia, entidade acima de qualquer suspeita de anti-acordismo, reconhece esse facto: “Contudo, um dos efeitos do Acordo foi o de dividir ainda mais estes países, criando agora três normas ortográficas: a do Brasil, de Portugal e dos restantes países africanos que não implantaram o Acordo apesar de o terem assinado.”
Os subscritores da ILC-AO vão mais longe, defendendo que o debate em torno da RAR 35/2008 foi mal feito, pouco esclarecido e inquinado pela disciplina de voto vigente entre os diversos grupos parlamentares. A própria questão de Timor-Leste foi fonte de equívocos: graças à sua apresentação num único “pacote” legislativo, uma medida tão disparatada quanto a redução do número de ratificações apanhou a “boleia” do capital de simpatia da abertura a Timor-Leste, num gesto que muitos viram como a integração “de facto” do novo país na CPLP.
Poucos foram os deputados que, a exemplo de Manuel Alegre (PS) ou Luísa Mesquita (não-inscrita), souberam interpretar o que estava em causa neste processo e votaram contra a aprovação desta Resolução.
Mais votos contra teria havido, certamente, não fosse a malfadada disciplina partidária. Veja-se o caso de Matilde Sousa Franco (PS), que declara ter pedido licença para votar contra: “foi-me dito tal ser impossível devido à disciplina de voto e evidentemente obedeci, mas foi-me concedida autorização para me ausentar no momento da votação, o que fiz.” A avaliar pelo quadro de votações nesse dia, vemos que Matilde Sousa Franco não consta da lista de ausências — muito provavelmente, a sua vontade não terá sido respeitada, tendo o seu voto sido considerado como favorável.
O nosso Projecto de Lei parte do princípio de que a Assembleia da República pode e deve rever uma sua Resolução e, se for o caso, ter a coragem de admitir que errou.
O nosso Projecto de Lei revoga apenas a RAR 35/2008 — não o segundo Protocolo Modificativo ou o próprio Acordo Ortográfico. Mas abre a porta para um verdadeiro debate sobre a pertinência de um Acordo Ortográfico que ninguém pediu e que falhou os seus objectivos — mas que, graças ao “truque” do II Protocolo Modificativo, continua a subsistir como um corpo estranho no seio dos próprios países que se propunha aproximar.
Fonte:
«Será uma exigência a discussão da Língua Portuguesa e do AO90 nos vossos debates, caros candidatos à Presidência da República. Os Portugueses, de quem se dirão representantes, desejam-na.» (Maria do Carmo Vieira - Professora)
«A Língua Portuguesa também deveria interessar aos candidatos à Presidência»
Por Maria do Carmo Vieira
Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos. N.º 2 do Artigo 48.º da Constituição.
Em qualquer eleição que se realize, não há candidato que não justifique a sua candidatura, invocando o desejo de bem servir o país e o povo, ou que não alerte e incentive para a necessidade de, em democracia, ser benéfica a intervenção dos cidadãos porque forma de a sustentar e fortalecer. Palavras que conduzem ao significado etimológico de Política e que é, ou não, do conhecimento dos candidatos. Inicialmente, congratulámo-nos com a bondade dessas palavras, depois conhecemos a desilusão, mas na complexidade que caracteriza todo o ser humano, apesar de desiludidos, incitamo-nos continuamente a teimar, a recomeçar, como uma espécie de sobrevivência espiritual.
Redigido o preâmbulo, dirijo-me agora a todos os candidatos presidenciais cujos encontros a dois já se iniciaram nas televisões, em princípio, para que os cidadãos conheçam as suas ideias relativamente aos vários temas que caracterizam e tecem a vida de uma sociedade. Relevante será o papel dos jornalistas que moderam os debates e a quem se exige conhecer e estar atento a esses temas essenciais: saúde, educação, cultura, trabalho, migração, economia, política externa, etc. Forçosamente, incidirá a minha atenção sobre a Língua Portuguesa, património privilegiado em duas áreas íntimas entre si – Educação e Cultura – que são substanciais no desenvolvimento de um país e na formação espiritual dos seus cidadãos. Duas mais-valias que não podem ser interpretadas na perspectiva do lucro imediato, mas a médio e a longo prazos.
Assim acontece com a Natureza que requer tempo para criar e que o Homem tem destruído, com uma rapidez estonteante, movido pela ganância do lucro rápido, bem evidente na proliferação de culturas intensivas e na construção desenfreada, com a consequente destruição da biodiversidade e da extinção de espécies (serra de Carnaxide, barragens a eito para depois serem vendidas ou aeroportos sem um sério estudo de impacto ambiental …), numa miríade de exemplos que poderiam ser identificados.
Mencionar a Língua Portuguesa, património identitário que “gerações dos nossos maiores” pacientemente trabalharam, enriqueceram e valorizaram, implica forçosamente pensar na sua ortografia, relíquia que nos conta a história das múltiplas influências geográficas e linguísticas, ao longo dos tempos. Uma ortografia que disputas políticas, negociatas, sucessivas aventuras e irresponsabilidades várias têm vindo a lesar impunemente. E chegamos ao cerne da questão: o Acordo Ortográfico de 1990 que nos foi imposto e cuja discussão nunca foi abertamente feita, com a lamentável cumplicidade da Comunicação Social, na sua generalidade, que se tem recusado abordar o tema quando nesse sentido contactada.
Senhores candidatos à Presidência da República, tendo em conta os ideais democráticos que vos orientam, ou deveriam orientar, e o respeito pela Constituição, no dever de defesa e de preservação do nosso património cultural (artigo 78.º, n.º 1) em que se integra a Língua Portuguesa, será intolerável que não discutam, nos debates em que intervirão, e a par de outros temas, a polémica que se arrasta há anos relativamente ao AO90 (independentemente de serem a favor ou contra) e cujas nefastas consequências são visíveis no dia-a-dia, com uma repercussão fortemente negativa na qualidade do Ensino e da Cultura.
São indesmentíveis a instabilidade e o caos que este acordo trouxe, e não há quem não os presencie, seja na aplicação dos hífens ou na existência das facultatividades ou na supressão de acentos, ou nas novas palavras, como “receção” ou “conceção”… que em flagrante contrariam a impossível “unidade ortográfica” ou ainda na avalancha diária de “corrutos”, “sutis”, “núcias”, “patos”, “impatos”, “contatos”, “convição”, “batérias”, “infeciologia”, “fatos”, “putrefato”, “manânimo”, exemplos que se desdobram numa listagem infindável de palavras inventadas que a Associação Portuguesa de Tradutores, entre outros, tem rigorosamente registado. A própria pronúncia das palavras está a ser atingida por esta voracidade e por isso mesmo ouvimos amiúde, na televisão e na rádio, a euforia de “infeção” (com a vogal fechada) e “infeciologia” (aqui com o “e” aberto, mas falhando um “c”, ao arrepio das próprias regras deste acordo que o mantém porque “pronunciado”).
Tendo ainda em conta que:
Creio, na base do que enumerei, repetindo vozes em número infindável, que será uma exigência a discussão deste tema, nos vossos debates, caros candidatos à Presidência da República. Os Portugueses, de quem se dirão representantes, desejam-na.
Termino com palavras de António Emiliano, conhecendo as nefastas experiências dos professores com o uso forçado do AO90 e certa de que serão também motivo de reflexão: “A ortografia não é apenas património cultural do Povo português […] é a ferramenta que dá acesso a todas as áreas do saber. A estabilidade ortográfica é um bem que importa preservar: pôr em causa a estabilidade ortográfica é atentar contra a qualidade do ensino, contra a integridade do uso da língua e contra o desenvolvimento cultural e científico do povo português.”
Fonte: https://www.facebook.com/groups/178207905663865/permalink/1864409907043648/
Definitivamente, não vivemos num Estado de Direito, pois as leis do País são sistematicamente atropeladas, a favor dos interesses dos que nos governam, que fazem o que bem querem, porque em Portugal é assim: as leis estão apenas ao serviço de quem as cria.
Deixo-vos com mais um capítulo da saga ILC-AO, algo que o governo português e Marcelo Rebelo de Sousa deviam ter em conta, mas assobiam para o lado, como bons déspotas que são.
Isabel A. Ferreira
Por Rui Valente
«À espera de Godot?»
«Já sabemos, há alturas em que não vale a pena insistir. Pelos critérios da Assembleia da República, os temas mediáticos, financeiros e/ou polémicos são sempre prioritários. A crise do Orçamento de Estado para 2021, que nos ocupou durante longuíssimas semanas, fazia o pleno nestas três alíneas.
Já o debate sobre o Acordo Ortográfico, pelo contrário, parece nunca ser oportuno. Na sala de espera e triagem do Parlamento, a Língua Portuguesa pode estar em coma — nem assim se livra da pulseira verde.
É por isso que escrevemos hoje este artigo. Mesmo à luz das prioridades da Assembleia da República, esta é uma boa altura para darmos seguimento à “questão ortográfica” (que de Ortografia nada tem). A saga do OE2021 está finalmente ultrapassada e até o Estado de Emergência motivado pela COVID-19 foi agora renovado. Estamos à espera de quê? Este é o tempo certo para que finalmente debatam o Projecto de Lei 1195/XIII.
Na aparência, a nossa proposta pode parecer um assunto meramente burocrático — limitamo-nos a propor à Assembleia da República a reavaliação de uma Resolução que tomou há doze anos. A simples reparação de um (trágico) erro, em suma. Mas não tenhamos ilusões: se os deputados continuarem a protelar “sine die” este debate, as consequências para a Língua e para a cultura portuguesa serão gravíssimas — seguramente mais graves do que o chumbo de um Orçamento de Estado ou de outra legislação avulsa.
Recordamos que a Conferência de Líderes propôs-nos, no já longínquo mês de Setembro, a conversão da ILC-AO em petição. Perante a nossa recusa, em que ficamos? Logicamente, o assunto deverá regressar à Conferência de Líderes para que esse órgão se pronuncie, em definitivo, sobre o agendamento para debate e votação em Plenário da nossa Iniciativa Legislativa.
Infelizmente, a ILC-AO não é um partido político e, como tal, não está representada na Conferência de Líderes. É-nos vedada toda e qualquer possibilidade de influenciar a agenda do Plenário.
Estarão as Iniciativas Legislativas de Cidadãos condenadas à orfandade, competindo de forma desigual com os diversos interesses partidários? Não deveria ser assim. Permitimo-nos lembrar que os subscritores da ILC-AO são também cidadãos eleitores. Se os diversos líderes partidários representam, em primeiro lugar, os cidadãos que os elegeram, então a ILC-AO deve ser representada por qualquer um deles.
De resto, estamos certos de que nunca houve, até hoje, uma ILC que tenha recolhido tantos apoios distintos, de todos os quadrantes políticos. Se há uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos acima de quaisquer ordens profissionais, sindicatos, religiões ou partidos, capaz de reunir um largo consenso na sociedade portuguesa, é a ILC-AO. Temos, seguramente, eleitores de TODOS os partidos políticos com assento na Assembleia da República e, por conseguinte, na Conferência de Líderes. Por força da Lei, a casa da democracia representativa é também a casa da democracia participativa.
As ILC não podem ser vistas como um parente afastado (ou parente pobre ou parente de chapéu na mão, como um pedinte), cuja visita nunca é oportuna ou conveniente. Por maioria de razões, uma Iniciativa transversal como a ILC-AO é, por definição, o momento em que a democracia participativa e a democracia representativa podem e devem complementar-se, actuando de forma concertada.
Sabemos que pelo menos o PAN, em face da nossa resposta à Conferência de Líderes, já manifestou a intenção de abordar novamente o assunto numa próxima reunião da CL. Saudamos desde já essa decisão e esperamos que mais líderes partidários possam seguir o exemplo, dando voz aos eleitores que neles confiaram. De preferência, agora! — antes que sobrevenha a próxima crise política, que será inevitavelmente mediática e inadiável.
Não podemos ignorar que a admissão da ILC-AO teve lugar já na anterior Legislatura, há mais de um ano. Os sucessivos atrasos e adiamentos desde há muito tempo ultrapassaram todos os limites. Mesmo tendo em conta o ano atípico que estamos a viver, é por demais evidente que esta demora não é neutral e, pelo contrário, beneficia claramente a manutenção da desortografia em que vivemos actualmente. Neste contexto, a resposta da Assembleia da República perante um exercício de cidadania como a ILC-AO não pode ser… a falta de resposta.
Um exemplo entre muitos: enquanto esperamos, o apagamento do Português Europeu continua, metodicamente substituído por um “Português” único, pretensamente “universal”. Quaisquer semelhanças com o Português do Brasil não são mera coincidência.
Imagens: capturas de écran, a partir de uma emissão em “streaming” da Prime Video (Amazon).
Esperando a Godot (en francés: En attendant Godot), a veces subtitulada Tragicomedia en dos actos, es una obra perteneciente al teatro del absurdo, escrita a finales de los años 1940 por Samuel Beckett y publicada en 1952 por Éditions de Minuit. Beckett escribió la obra originalmente en francés, su segunda lengua. La traducción al inglés fue realizada por el mismo Beckett y publicada en 1955.1
La obra se divide en dos actos, y en ambos aparecen dos vagabundos llamados Vladimir y Estragon que esperan en vano junto a un camino a un tal Godot, con quien (quizás) tienen alguna cita. El público nunca llega a saber quién es Godot, o qué tipo de asunto han de tratar con él. En cada acto, aparecen el cruel Pozzo y su esclavo Lucky (en inglés, «afortunado»), seguidos de un muchacho que hace llegar el mensaje a Vladimir y Estragon de que Godot no vendrá hoy, “pero mañana seguro que sí”. [Wikipedia]
Fonte:
Exactamente: são ignorantes e não têm vergonha.
O título desta publicação é um excerto do comentário que Maria José Abranches (professora de Português reformada) deixou no Blogue Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico, a propósito do texto de Rui Valente, «Um Setembro Sombrio» que pode ser consultado neste link:
https://ilcao.com/2020/09/23/um-setembro-sombrio/
que nos dá conta dos atropelos à Lei perpetrados pela Assembleia da República, e que pode ser passível de processo judicial. Por que não? Se um cidadão comum não cumpre a Lei, é penalizado. Se o órgão maior da dita “democracia portuguesa” (?) não cumpre a Lei, quando devia dar o exemplo, faz o que bem entende, desrespeita os Portugueses, fazem-nos a todos de parvos, e não acontece nada?
É exactamente como diz Maria José Abranches: «Será que ninguém se apercebe dos erros linguísticos, escritos e orais, cada vez mais abundantes, que vêm infestando a nossa comunicação social? Que língua aldrabada é esta?! Os responsáveis políticos e a ‘elite’ são ignorantes e não têm vergonha?!»
Não, poucos são os que se apercebem. E sim, os responsáveis políticos e a “elite” são ignorantes e não têm vergonha, porque para se ter vergonha é preciso ter-se HONRA.
Quanto a mim, o que me vale, é ter esta reflexão de Gandhi sempre no meu pensamento.
Mas para os tiranos serem derrubados há que derrubá-los. Eles não se derrubam a si mesmos. Daí que deixe aqui um apelo (referido no comentário mais abaixo).
O texto de Rui Valente, pode ser consultado no link, referido mais acima.
Destacarei aqui os três comentários de três pessoas que, nas suas diferentes funções, lutam para que a grafia de 1945, a que está em vigor, porque não foi revogada, mas não é aplicada, por ignorância, regresse às escolas e as nossas crianças possam aprender a escrever correCtamente a Língua Materna, que é a Portuguesa, não é a Brasileira.
A propósito, e antes de expor os comentários, deixo aqui este à parte: num artigo, recentemente publicado no Jornal Público, sob o título «Paira um espectro sobre os amigos do acordo ortográfico — o espectro da fonética» e que pode ser consultado neste link:
Nuno Pacheco, o autor do texto, diz o seguinte:
«O acordo ortográfico, mexendo na escrita, mexeu também na fonética. Isto já foi dito mil vezes, mas nunca é demais repetir. Escrever “fator” e pretender que se leia “fàtôr” (factor) é ilusório. Daqui a uns anos, diremos “âtor”, “dir’ção”, “obj’tivo” e disparates do género. Sim, estamos a mudar a nossa fala por causa de uma escrita aberrante que, sendo diferente da brasileira (e nunca é excessivo insistir nisto), não respeita o nosso sistema vocálico e as suas idiossincrasias.»
Não, Nuno Pacheco, a escrita imposta pelo AO90, é 99% brasileira. Refiro-me aos infinitos vocábulos mutilados, assentes na Base 4 do Formulário Ortográfico (brasileiro) de 1943, que o Brasil “adotou” (lê-se “âdutou”) depois de ter rejeitado a grafia da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945, que inicialmente assinou. E em que consistiu essa mutilação? Em suprimir TODAS as consoantes ditas mudas, dando preferência à fonética, e não à etimologia. E dessa mutilação, fazem parte um infinito número de vocábulos: ator, direção, fator, objetivo, setor, diretor, fatura, adotar, direto, atual, atividade, coleção, seleção etc., etc., etc., à excePção de uns poucos vocábulos (mais os seus derivados), nos quais os Brasileiros pronunciam as consoantes mudas, e nós não: como excePção, recePção, perspeCtiva, ifeCção, infeCtado, excePto, e uns poucos (poucos) mais que escaparam à mutilação e que os acordistas portugueses, muito parvamente, escrevem exceção, receção, exceto, perspetiva, infeção, infetado, exceto, gerando uns autênticos abortos ortográficos, muito, muito, muito aberrantes.
Esta escrita é aberrante, sim, em Portugal, porque a NOSSA escrita pertence a uma Língua românica, de raiz greco-latina, Indo-europeia, baseada na etimologia (como todas as restantes escritas europeias), e não na fonética.
No Brasil, as palavras que eles mutilaram, não são aberrantes para eles, porque para eles, que abrem todas as vogais, o som ficou igual. E o que o Brasil faz com a Língua que eles transformaram em outra língua, americanizando-a, castelhanizando-a, italianizando-a, afrancesando-a é problema deles e não nosso, se bem que não deviam chamar-lhe “portuguesa”, porque já se afastaram baste dela.
Em Portugal escrever ator, direção, fator, objetivo, setor, diretor, fatura, adotar, direto, atual, atividade, coleção, seleção, etc., é escrever à brasileira, e aqui sim, nunca é excessivo insistir nisto, porque até uma criança, que frequenta a escola primária, e aprende outras línguas, sabe que aquele “direto”, que aparece frequentemente na tela da televisão, está escrito à brasileira, porque em Português, em Francês, em Inglês, em Castelhano, todas línguas europeias, que uns e outros aprendem, “direto” escreve-se com um cê: direCto. Sem cê é unicamente à brasileira. Não é à angolana, nem à moçambicana...
Posto isto, vamos aos comentários que podem ser lidos no original. (Os negritos são da responsabilidade da autora do Blogue)
3 comentários
Nunca sequer tinha imaginado que, uma vez instaurada a democracia em Portugal, graças ao 25 de Abril, uma sustentada e criminosa vandalização da mesma democracia fosse possível, levada a cabo pela AR, a instituição mais responsável pelo respeito e defesa da mesma democracia! Eu, portuguesa e democrata, quero que fique aqui registada a minha revolta e a minha indignação!
Que, para muita da dita ‘elite’ nacional, por uma aberração incompreensível, a língua materna dos portugueses seja algo de desprezível, está patente ao longo da nossa História: basta atentar na obsessão permanente em fazer ‘acordos’ ortográficos com o Brasil, em detrimento da preocupação com a qualidade do ensino da língua no nosso sistema educativo, assim como junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. E mais: o que temos feito para dar a conhecer e divulgar a nossa língua na União Europeia? O que tem sido feito em termos de investimento no estudo e conhecimento do português europeu, em termos científicos e na produção de estudos linguísticos, gramáticas, dicionários, métodos para aprendizagem da língua, formação de tradutores e intérpretes, tradução automática, etc.? Será que ninguém se apercebe dos erros linguísticos, escritos e orais, cada vez mais abundantes, que vêm infestando a nossa comunicação social? Que língua aldrabada é esta?! Os responsáveis políticos e a ‘elite’ são ignorantes e não têm vergonha?!
Como há, na Europa, quem saiba o que significa a sua língua, dou a palavra a Jean d’Ormesson, da Academia Francesa, defendendo a língua francesa: «Como defenderíamos o francês fora das nossas fronteiras se não o defendemos em casa (“chez nous”)? É aqui que está o problema fundamental. A tarefa mais urgente é salvar a nossa língua do naufrágio. Desculpar-me-ão a ingenuidade da afirmação: ser francês hoje, é saber falar, escrever e compreender o francês.» (in “Saveur du temps”, 2009, Éditions Héloïse d’Ormesson, que traduzi).
Rui Valente, desculpe a minha ignorância, porque nestas matérias sou muito ignorante: mediante o que aqui ficou relatado, não haverá matéria para processar o Estado Português ou o Governo Português, por este atropelo à Democracia, às leis, às regras, e pelo atropelo à Língua Portuguesa? Porque isto ultrapassa todos os limites de tudo.
Eles estão nitidamente a gozar connosco. Estão a fazer-nos de parvos. Estão a desrespeitar-nos. E vamos deixar que façam isso impunemente?
Concordo com tudo o que diz a Maria José Abranches, no seu comentário, e faço minhas as palavras dela.
E é bem verdade que a tarefa mais urgente é salvar a nossa língua do naufrágio iminente, porque ela “navega” numa canoa furada, já meio submersa. Temos de fazer alguma coisa em grande, massivamente, coesamente, no nosso País, antes que se afunde de vez.
Faço minhas as palavras de Maria José Abrantes e associo-me a Isabel A. Ferreira na sua questão quanto a um possível processo contra o Estado Português. Permito-me ainda classificar a forma como este acordo foi imposto aos portugueses, como absolutamente ditatorial, pois apesar da perfeita consciência da sua não aceitação e da criação de grupos que lutam pela sua abolição, recorrendo a formas legais para o efeito, os governos e respectivas AR “chutam a bola” mutuamente de maneira a enganar vergonhosamente os cidadãos, dando-lhes a entender que estão a tratar do assunto mas que, infelizmente, não é possível um retrocesso.
Gostaria de referir que, em 1983 fui eleita presidente de uma “Associação Euro-escolas para uma formação bilingue” – grupo de 11 pais que se juntaram em Berlim para assegurar esse tipo de ensino aos filhos. Para esse fim contactámos igualmente a Vice-cônsul do Brasil – à altura Monika Salski e foram realizados igualmente contactos com Angolanos aí residentes em número muito reduzido. A escola foi inaugurada e mantém-se em actividade até aos dias de hoje com sucesso.
Regressada a Portugal em 1996, deixei de saber exactamente qual o português aí ensinado. Pergunto-me hoje, face à luta que tenho travado contra o entretanto imposto AO90, se tal esforço valeu a pena. O nosso propósito na altura com o contacto com o consulado do Brasil, era assegurar o quórum necessário ao ensino do português. Depois da imposição deste maldito AO90, suspeito ter contribuído involuntariamente, para ensino de qualquer coisa difusa, com o nome de português, numa escola da capital alemã. E uma enorme raiva apodera-se de mim.
***
Uma enorme raiva apodera-se, sim, de todos nós, Portugueses, que temos consciência de que a NOSSA Língua foi vendida ao desbarato e está a transformar-se numa linguinha que nem os semianalfabetos (os que aprenderam os rudimentos da escrita), do tempo da monarquia e da ditadura, escreviam e falavam.
Isabel A. Ferreira
Eis a saga desta ILC-AO, descrita no Jornal Público, por Nuno Pacheco, um dos seus intervenientes.
O que se passa ao redor disto não pertence a Estados democráticos, mas tão-só a Estados ditatoriais. E quem tiver dúvidas, leia o texto de Nuno Pacheco e tire a sua conclusão.
Como me informou um professor: «Como se previa, este bloqueio na A.R. serve interesses comerciais (no plano editorial, sobretudo quanto aos manuais destinados ao Ensino) e assim, o poder político instalado beneficia-os (e descaradamente) dado existir uma CONVERGÊNCIA DE CONVENIÊNCIAS mais do que visível».
Mas entretanto, aqui fica a promessa: «Matar este assunto na secretaria, negando-lhe o plenário, poderá ser uma indignidade. Mas não o travará.»
Como me informou um professor: «Como se previa, o bloqueio na A.R. serve interesses comerciais (no plano editorial, sobretudo quanto aos manuais destinados ao Ensino) e assim, o poder político instalado beneficia-os (e descaradamente) dado existir uma CONVERGÊNCIA DE CONVENIÊNCIAS mais do que visível;
Isabel A. Ferreira
Por Nuno Pacheco
«Ortografia: de recomendações e petições está o inferno cheio
Era bom que a Assembleia da República cumprisse a sua função de decisor, não de mero pedinte.
Há histórias verdadeiramente exemplares — assim começava eu uma crónica onde procurava, em sentido figurado, demonstrar o ridículo de um acordo que diz respeito a oito países poder vigorar (no espaço dos oito) com a assinatura de apenas três. Tratava-se, e trata-se ainda, do denominado Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Não propriamente da polémica em torno da sua alegada utilidade (nunca demonstrada) ou proveito (rigorosamente inexistente), mas apenas em torno destes números: três não são oito, nem por oito podem valer. Só isto. Passados uns tempos, justifica-se repetir a frase: Há histórias verdadeiramente exemplares…
E qual é, desta vez? A mesma, mas com peripécias diferentes e sem sentido figurado algum. Vale a pena contá-la: no dia 30 de Outubro de 2019, a Assembleia da República deu nome e número de projecto de lei (1195/XIII) a uma iniciativa legislativa de cidadãos (ILC-AO) com vista à (cita-se o documento da AR) “revogação da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29 de julho (Aprova o Acordo do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).” O tal dos três em vez de oito. Recapitulando, para quem não segue a história desde o início: em 1990 assinou-se um acordo ortográfico (AO90) que se propunha entrar em vigor em 1994, logo que fosse ratificado por todos os parlamentos dos Estados envolvidos (eram sete, Timor-Leste entrou depois). Como não andasse, inventaram em 1998 um protocolo modificativo que dispensava a data de início, mas mantinha a obrigatoriedade de todos ratificarem. Também não resultou. Então, com o descaramento que a época permitia, fizeram em 2004 um segundo protocolo onde se dizia que “[o AO90] entrará em vigor com o terceiro depósito de instrumento.” Vitória!
Vitória de quem? De três sobre oito? Este foi o ponto de partida para uma vasta recolha de assinaturas com vista à revogação, não do AO90, como por aí se afirma, mas sim da resolução que aprovou o segundo protocolo modificativo. Iniciativa à qual (declaração de interesses) me associei como cidadão, por razões óbvias para quem lê estas crónicas. “Ah, mas a resolução foi aprovada a pedido do Governo!”, alegam. “O Parlamento só a votou.” Exactamente. É o que diz a Constituição. Um belo pingue-pongue entre os artigos 197.º (compete ao Governo “negociar e ajustar convenções internacionais”), 161.º (compete à Assembleia da República “aprovar os tratados (…) bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação”) e 167.º (“A iniciativa da lei e do referendo compete aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo, e ainda, nos termos e condições estabelecidos na lei, a grupos de cidadãos eleitores”).
Ler mais aqui:
O Acordo Ortográfico ainda é uma caixinha de surpresas
E neste pingue-pongue não há meios-termos: o Governo negocia os tratados internacionais (como o AO90); a Assembleia da República aprova-os, ratificando-os em forma de resolução, não de lei; e aos cidadãos, caso discordem da matéria aprovada, são concedidas duas vias, não mais: iniciativa legislativa ou referendo. Não há iniciativas “resolutivas” de cidadãos, só legislativas, e aqui não há (legalmente) volta a dar. Mas os serviços da Assembleia acharam o caso pacífico em 2019. Citemo-los: “O articulado do projeto [sic] de lei parece não colocar em causa a competência reservada do Governo para negociar e ajustar convenções internacionais [artigo 197.º da Constituição] caso em que o seu objeto [sic] estaria vedado pelo disposto na alínea c) do artigo 3.º da referida lei.”
Este “parece”, que não impediu a ILC-AO de ser aceite e registada como projecto, gerou dúvidas na Comissão de Cultura, que recorreu à Comissão de Assuntos Constitucionais, que por sua vez votou ontem um parecer sugerindo o contrário: cidadãos podem propor leis, sim senhor; mas como se trata de uma resolução, já não podem, isso só o Governo. Explicando às criancinhas: o Governo propõe e a Assembleia aprova; se querem que a Assembleia volte atrás numa resolução, vão pedir ao Governo que faça outra. Surreal, no mínimo. Porque se o Governo quisesse voltar atrás, já o tinha feito. Se alguém se mexe fora deste circuito morno, é porque dentro dele são raros os que atribuem qualquer importância a isto.
Ler mais aqui:
Acordo ortográfico? Revogar, claro!
O que sugerem, em troca? Mais uma petição! Só que de petições e recomendações está o inferno cheio, e nenhuma das apresentadas até hoje neste domínio surtiu qualquer efeito. Ainda anteontem, com um longo preâmbulo, o partido Os Verdes (PEV) apresentou um projecto de resolução (essa coisa que aos cidadãos está vedada) recomendando ao Governo que avalie os impactos do AO e que, “numa situação limite”, dê orientações para a sua suspensão, “acautelando as medidas necessárias de acompanhamento e transição.” Interessante. Mas antes, era bom que a Assembleia da República cumprisse a sua função de decisor, não de mero pedinte, e desse uso às responsabilidades que lhe cabem. Se pode fazer e aprovar resoluções a recomendar ou pedir, também poderá fazê-lo para decidir em matéria que lhe compete. Matar este assunto na secretaria, negando-lhe o plenário, poderá ser uma indignidade. Mas não o travará.»
Fonte:
… como se a questão da Língua Portuguesa, fosse uma questão de lana caprina, e não uma questão fundamental da identidade portuguesa.
O que se anda a jogar no Parlamento Português?
O texto que se segue narra a saga da ILC-AO, que parece não ter fim…
Enquanto isso, a Língua Portuguesa afunda-se numa ignorância que até faz sangrar o olho bom de Luís de Camões…
Isabel A. Ferreira
Por Rui Valente
«ILC-AO solicita agendamento do Projecto de Lei 1195/XIII
Depois de ter sido adiado no dia 27 de Maio, o debate sobre a hipotética inconstitucionalidade da ILC-AO voltou a ser adiado no dia 3 de Junho. Está agora novamente marcado para o próximo dia 17. Será desta?
Na verdade, já pouco importa. Se a Lei nº 17/2003, de 4 de Junho (“Lei das ILC”), for cumprida, como não pode deixar de ser, o debate previsto para esse dia tornar-se-á irrelevante — a Comissão Representativa da ILC-AO acaba de solicitar ao Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República o agendamento da apreciação e votação em plenário do nosso Projecto de Lei.
Recordamos que a Lei das ILC prevê que as Iniciativas Legislativas de Cidadãos, uma vez admitidas pela Assembleia da República, baixem à Comissão que for considerada competente em função da matéria tratada. Essa Comissão tem o prazo de um mês para produzir um relatório sobre o respectivo Projecto de Lei.
Ora, a mesma Lei nº 17/2003 também prevê que uma ILC possa ser agendada sem esse relatório. No que só pode ser entendido como um mecanismo para evitar manobras dilatórias, o n.º 1 do artigo 10.º diz-nos que “Recebido o parecer da comissão ou esgotado o prazo referido no n.º 1 do artigo anterior, o Presidente da Assembleia da República promove o agendamento da iniciativa para uma das 10 reuniões plenárias seguintes, para efeito de apreciação e votação na generalidade”.
Em rigor, aguardamos, desde o dia 6 de Novembro de 2019, um parecer definitivo sobre a ILC-AO (Projecto de Lei 1195/XIII/4ª), a cargo da Comissão de Cultura e Comunicação. Os recentes adiamentos são apenas os últimos de uma longa série de atrasos na tramitação deste processo.
É certo que atravessámos um período de suspensão, com o estado de Emergência imposto pela pandemia. Ainda assim, sobre o dia 6 de Novembro passaram já sete meses — quantos mais teremos de esperar até que passem os 30 dias do prazo?
Foi neste contexto que enviámos ao Presidente da Assembleia da República, no dia 8 de Junho, uma mensagem solicitando o agendamento da ILC-AO.
Como se imagina, o adiamento da passada quarta-feira — mais um, “a pedido do deputado-relator” e sem mais explicações — foi um dos factores que nos levaram a solicitar o cumprimento da Lei das ILC. Mas não foi o mais importante. Acima de tudo, pesou o facto de as Comissões envolvidas estarem a “perder tempo” com uma questão de forma, em vez de tentarem genuinamente resolver o problema que assola a Língua Portuguesa.
É óbvio que a conformidade de uma Lei à luz da Constituição está longe de ser um pormenor. Mas a insistência na necessidade de mais um parecer, depois de a própria Assembleia da República ter declarado essa conformidade, depois de nós próprios termos atestado, repetidamente, a adequação do nosso Projecto de Lei, só pode ser considerada, no mínimo, como um excesso de zelo.
Se tivermos em conta que esse parecer, além de desnecessário, prima também por se fazer esperar, então torna-se difícil não pensarmos que estamos perante uma manobra de diversão.
Esperamos que a votação da ILC no plenário possa finalmente recentrar o debate naquilo que realmente importa: a Língua Portuguesa.
Como atalhar o actual cAOs ortográfico? Como resgatar o Português Europeu da sua completa obliteração? Como colmatar o fosso cavado entre países de expressão oficial portuguesa por via da criação artificial de uma nova “norma” ortográfica?
Este é o debate que, verdadeiramente, importa levar a cabo.
Assim saiba o plenário tratar este assunto com a dignidade que merece. A conferência de líderes e o próprio Presidente da Assembleia da República deverão ter em conta que o Projecto de Lei nº 1195/XIII transcende a mera revogação de uma simples Resolução da Assembleia da República. Para todos os efeitos, a ILC-AO é indissociável do futuro da nossa Língua. Os tempos de intervenção e debate devem estar ao nível dos que são regra para os grandes temas da sociedade portuguesa.
A votação deste Projecto de Lei não pode ter lugar em sessões-maratona, próprias de um fim-de-estação legislativa, em que dezenas de votações são despachadas por atacado, numa vertigem que escapa à compreensão dos não-iniciados. Está em jogo a nossa identidade enquanto povo e enquanto país. O debate deverá decorrer com serenidade e objectividade mas, acima de tudo, deverá estar à altura deste importante desígnio nacional.»
Fonte:
(*) Fazer jogo de cintura, para quem não sabe, é esquivar-se; fugir às questões, fugir aos assuntos.
Este texto, que ora público, foi escrito em 14 de Julho de 2019, na infocul.pt
Quase passado um ano, o título do artigo é o mesmo, só se acrescenta o AMANHÃ, porque amanhã, e vamos lá a ver se é desta, o assunto vai ser discutido no Parlamento.
Manuel Maria Carrilho (ex-ministro da Cultura) e autor do texto, intitula esta chamada de atenção como “Acordo Ortográfico: a última oportunidade para evitar um crime de lesa-pátria”, com a qual concordo plenamente.
O texto é de 2019, mas (como sempre), poderia ter sido escrito HOJE, porque nada avança neste nosso Portugal, cheio de gente com mentes demasiado lentas…
Milhares de olhos estarão postos, amanhã, nas cerca de duas centenas de parlamentares, que, numa tarde, podem fazer mais por Portugal, do que todos os outros, em trinta anos, (não) fizeram.
«– Ao trabalho, pois, senhores deputados – a “coisa” é exigente, é verdade, mas bem mais fácil do que parece.» (Manuel Maria Carrilho)
Por favor, amanhã, não esmaguem a alma portuguesa.
Isabel A. Ferreira
Por Manuel Maria Carrilho
«Acordo Ortográfico: a última oportunidade para evitar um crime de lesa-pátria
– (…) [Amanhã] o Parlamento vai, através da sua Comissão de Cultura, analisar a situação exposta – na verdade imposta – pelos mais de 20 mil subscritores da oportuna “Iniciativa Legislativa de Cidadãos contra o Acordo Ortográfico”, que ilegitimamente, num arroubo do mais ignorante voluntarismo, o governo de José Sócrates impôs ao país em 2009.
– É talvez a última oportunidade de evitar a consumação definitiva de um crime de lesa-pátria – a “minha pátria é a língua portuguesa”, escreveu e bem Fernando Pessoa -, crime que nos tornou, e tornará cada vez mais, minoritários (é isso, “minoritários”!) na nossa própria língua.
É uma oportunidade única que não se pode perder, que poderá evitar consequências tremendas para o nosso país em todos os planos, pelas quais temos que responsabilizar os nossos representantes e os nossos governantes. Aqui incluindo naturalmente o Presidente da República que, num assunto desta natureza, não se pode acocorar atrás de formalidades, sejam elas quais forem.
– Se nada de corajoso, rápido e inteligente for feito, é isto que vai acontecer: o português “de Portugal”, com os seus escassos 10 milhões de falantes, vai tornar-se num mero dialecto (é isso, “dialecto) do português “do mundo”, com os seus 250 milhões de falantes. E a tendência é que no fim do século este número ande perto de 400 milhões, enquanto Portugal cairá para os 8 milhões…
– Um dia contarei mais em detalhe o meu, digamos, envolvimento com o “Acordo Ortográfico”, quando fui ministro da Cultura, entre 1995 e 2000: seja quanto à sua inutilidade, seja quanto aos seus erros e aberrações.
– Para já, basta lembrar que nunca ninguém me ouviu falar dele, o que aconteceu por uma razão bem simples: pensei – e nisso tive todo o apoio do primeiro-ministro António Guterres [que acabou por se virar para o AO90] – que a melhor estratégia para liquidar aquele inútil aborto da herança cavaquista-santanista era justamente não falar dele, era metê-lo numa gaveta e votá-lo ao mais completo esquecimento.
– Cedo percebi que a estratégia resultava em pleno, porque se eu não falava do “Acordo Ortográfico”, a verdade é que nas dezenas de entrevistas que dei também nunca nenhum jornalista se lembrou sequer de me perguntar por ele…E o mesmo acontecia nos contactos com os meus homólogos dos outros países da CPLP. O assunto morria…de morte natural.
– Tudo se complicou um pouco, é certo, quando Durão Barroso aprovou em 2004 uma alteração ao “Acordo”, que limitava a três os Estados que, dos sete países da CPLP, o teriam que ratificar, “golpe” que revela bem a enorme fragilidade em que o processo se encontrava, e de que creio que não sairia.
– Seria preciso o voluntarismo patológico de José Sócrates para, mais tarde, quando na realidade o esquecimento tinha quase resolvido o problema (é esse justamente, como Nietzsche ensinou, um dos trunfos, e não dos menores, do esquecimento), subitamente se consumar o desastre, fazendo o Parlamento ratificar em 2008 a alteração de 2004 e decretando, logo a seguir, a sua ilegítima, ilegal e a meu ver inconstitucional entrada em vigor em 2009.
– É isto que agora, com determinação, mas também com um talento que não pode ignorar que já vamos em 10 anos de prática do “Acordo” (nos media, no ensino, etc., com todas as consequências que é preciso avaliar bem), é preciso resolver, limitando os danos causados até aos limites do possível, repondo a nossa língua no centro, não só do nosso patriotismo, mas também do nosso cosmopolitismo.
– Ao trabalho, pois, senhores deputados – a “coisa” é exigente, é verdade, mas bem mais fácil do que parece.
Boa sorte.»
Fonte do texto:
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