Então vejamos o que, nesta Parte II, nos diz Carlos M. Coimbra sobre a «Degradação do Português, sob os aspectos de Pronúncia/Fala, Preposições, Gramática, Deturpações/Estrangeirismos, Vocabulário estrangeiro, Manias/Maus-Hábitos e o Acordo [Ortográfico de 1990], que será tratado na Parte III, a publicar amanhã.
por Carlos M. Coimbra
Ouço locutores (palavra que caiu em desuso), jornalistas, etc..., dizer 'vaículo' em vez de 'veículo', 'gratuíto' em vez de 'gratuito', 'periúdo' e não 'período', como exemplos.
Garanto que uma vez ouvi na RTPi (porque nesse tempo só tinha a RTPi aqui), a quando da construção da estação de Metro no Cais do Sodré ou Terreiro do Paço (perto do rio), uma jornalista falar em problemas com a água no 'tonel' (em vez de 'túnel'); incrível, mas é verdade; tonéis eram o que tinha o meu avô na Beira Alta para guardar o vinho! E choca-me que jornalistas portugueses não conheçam a pronúncia do nome de certos lugares em Portugal, mesmo quando estão lá e quando entrevistam gente do local que diz o nome da maneira certa à frente deles! É o caso de Penacova, que é raro ouvir-se dito "Pênacova" (a não ser por Álvaro Coimbra, cuja família deve ser da área, pelo apelido). Quanto à fala, é um inferno ouvir tantos ãs, ãs, que poderiam ser aceitáveis em pessoas normais, mas nunca em jornalistas (como o director do Público) ou em ministros como Marta Temido. Até criancinhas de 5 anos já apanharam esse hábito. Creio que estrangeiros que não conheçam a língua poderão pensar que faz parte do idioma, tão prevalecente é esse 'tique verbal'. Antes de sair para o Canadá, participei num programa dirigido pela escritora Odette de Saint-Maurice na então Emissora Nacional, no estúdio da Rua do Quelhas (e fiz vocalização de desenhos animados na RTP). Na EN, tive a honra de trabalhar com actores da época, como Jaime Santos e Josefina Silva (esposa de António Silva). Gravávamos logo à primeira, e ninguém dizia ãs, ãs!... A preponderância dos ãs na corrente fala portuguesa não deve ser minimizada. Se ao menos os locutores actuais não fossem amigos de alguém e perdessem a gaguez e a mania de querer falar depressa demais... [Por outro lado, é-me grato não só ainda ouvir hoje dizer "se calhar", mas empiricamente achar que essa expressão é até mais usada que "talvez"!]
Já escrevi sobre a falta de esclarecimento quanto às preposições 'a' e 'em', e jornalistas dizendo "a norte" sem ser o caso de ser "a norte de Santarém", mas sim quando o correcto é dizer "no norte". Notei um exemplo no 24 Horas de 17/18 Janeiro, por Patrícia Machado. Mas há ainda o caso mais incrível de até dizerem "a norte do país", e isso aí costuma incorrer numa mensagem minha a lembrar que "a norte do país" é a Galiza. Hábito execrável que só ouço nos órgãos de comunicação portugueses é quilómetros-hora e (em anúncios) euros-mês. Não conheço outro país onde não entendam que esses termos são rácios, diferentes de kwh-hora, que são produtos. No meu tempo, tal não acontecia, e, no caso de km/h, dizia-se sempre 'por hora', ou 'à hora' ou 'horários'. Até já ouvi Marco Chagas, ex-corredor e agora comentador da Volta a Portugal, dizer km-h!! Na RTP, não imagino a razão para serem quase sempre omitidas preposições em cabeçalhos de notícias, tornando a "frase" por vezes incompreensível.
Nem no Brasil nem no Canadá dizem duplicar ou equivalente para indicar uma passagem ao dobro. "Esquecimento" de dizer 'de' quando se usa o verbo 'gostar'. Ninguém diz "gosto maçãs", mas ouve-se com frequência "aquilo que mais gostas"... E ouvi já tantas vezes narradores na RTP dizer "(ser) suposto", construção aparentemente imprópria em português, e que por acaso já foi tratada num segmento sobre a língua na própria RTP...
Uma coisa é usar termos estrangeiros (já lá chegarei no ponto que se segue). Outra coisa é usar palavras portuguesas erradamente, por influência de termos estrangeiros. Em conferências de imprensa de jogos de futebol, por exemplo, usam "questões" em vez de "perguntas" (influência do inglês), não ligando ao facto de "questão" querer dizer assunto, polémica. Ouço estender (influência do inglês) no lugar de prolongar, e apurar (em futebol) em vez de qualificar (influência de brasileiro influenciado pelo espanhol). Incrivelmente, já ouvi, inclusive na RTP, jornalistas dizerem "adições" como se em vez duma operação aritmética, a palavra fosse a descrição de "dependências" (de drogas), claramente uma transliteração do inglês (o que mereceu uma mensagem de reprovação minha...).
Aqui exponho termos estrangeiros na conversa, mesmo que se trate de conceitos antigos para os quais já existiam e existem termos em português, e não relacionados com nova tecnologia, como a Internet. Também se vê uma coisa que se eu mandasse, proibiria: nomes de lojas e firmas estritamente portuguesas (não multi-nacionais) em estrangeiro. Não vou referir anúncios de produtos, porque isso não se aplica à RTP Internacional, mas na generalidade digo que é indecente o uso de outras línguas (o inglês é ubíquo) em canais comerciais, tanto em palavras como músicas de fundo, chegando ao extremo de ser tudo em estrangeiro, com tradução em legendas. A lista poderia prolongar-se por páginas... Posso começar pelo próprio governo, que arranjou uma 'app' baptizada com o nome "StayAway Covid"! Felizmente esse impropério foi depressa esquecido, porque quase ninguém a usou. Antes dos clubes de futebol terem staff, quem geria o clube? E antes dos estádios terem speaker (RTP...), não havia locutor? Não havia senhas antes de haver passwords? Os vouchers não costumavam ser vales? As circulares agora são unicamente newsletters...
E então com os timings é que deixou de haver agendamentos ou ocasiões... Performance não é mais que desempenho em tecnologia, e actuação em palcos. Até vejo "artes performativas" na app RTP Palco! Drive-Thru usado em vacinações quando poderia ser Vacina ao Volante. Centros de Atendimento já haveria antes dos Call-Centers, assim como já existiam estâncias antes de haver resorts. Tantos termos usados como outsider, influencer, opinion-maker, briefing, CEO (este pronunciando as letras em inglês!, em vez de Director Executivo) e bullying (geralmente mal pronunciado, como se o y não estivesse lá, que é simplesmente intimidação). Ultimamente, a Liga dos Campeões passou a ser "a Champions" e as semi-finais de TUDO passaram a Final Four... E aqui a RTP não fica incólume, com nomes de programas como The Voice: o "The Price is Right" e o "Who wants to be a millionaire" permitem traduções do nome para apresentação em outros países, por isso... Ou RePlay, quando se podia chamar Volta Atrás ou Memória... E a programação na RTP também "adere": "Aqui Portugal" frequentemente inclui gente a cantar em brasileiro e espanhol! Que sentido faz isso? Pior ainda é ver "I love Portugal"! Ora então não ficava muito melhor, sem me ofender, O Portugal que eu amo? E vi agora na grelha da RTP Internacional "Portuguese Soul"! É escandaloso, seja qual for a explicação.
Aliás, encontrar na RTP Internacional intervalos musicais cantados em estrangeiro, até por portugueses, é absolutamente contrário à declarada função desse canal. Música estrangeira tem quem está fora em demasia...
E além disto tudo há a subserviência nacional aos estrangeiros, em que o Estacionamento do S. C. Braga indica com uma seta Entrada - Entrance! Será mesmo preciso? Ou uma lavandaria perto do Largo de Sta. Bárbara precisa ter um luminoso dizendo LAUNDRY? E ao Algarve Biomedical Center, que faz parte da Universidade do Algarve, como lhe é permitido adoptar esse nome em inglês? Pois se até ouvi o presidente Rebelo de Sousa (que NUNCA deveria ser chamado "Marcelo" por ser demasiadamente familiar e até afectivo, e tornando mais difíceis eventuais críticas) dizer que tinha um "feeling"...
Para mim, a principal 'mania' é a de que tudo que é americano (com minúscula!) é norte-americano. A coisa começou no meu entender com Cuba, por exemplo Rádio Habana, dizendo "território libre en América" e para se distinguir, entendeu chamar aos "ianquis" norte-americanos. Daí chegou ao Brasil e com certeza foi daí que chegou a Portugal. Só que no Brasil já perderam esse hábito (na Globo ouço exclusivamente americano, como nos bons tempos em Portugal), e se alguém deveria querer essa distinção, seriam por exemplo os brasileiros, residentes das Américas, e não portugueses. Aliás, nem franceses nem espanhóis caíram nesse mau hábito. A mim, residente no Canadá, custa-me imenso ouvir isso, principalmente em respeito a estatísticas (Tantos % dos norte-americanos isto e aquilo). Aliás, por curiosidade, informo que há muitos anos, quando ouvia a RDP em ondas curtas, já tinham apanhado o hábito de dizer que estavam a transmitir para "os Estados Unidos da América do Norte e Canadá", isto é, até alterando o nome dos EUA. E ouvi na RTP acerca dum jogo de futebol entre o México e os EUA descrevê-lo como sendo entre o México e os "norte-americanos", quando o próprio México faz parte da América do Norte! Outro mau hábito é o desrespeito à língua dizendo sempre NATO. No meu tempo, era OTAN (como aliás se vê também escrito lá no quartel-general). Li no Livro de Estilo do Público que era para ser escrito sempre NATO, sem justificação. Mas a Globo, e jornais de países de língua romance como a Espanha e França, continuam a escrever OTAN, o que me envergonha. Ponto e vírgula é que passou a ser uma bandalheira. O decimal oficial na Europa é vírgula, e basta olhar para as contas de banco. Só que uns dizem ponto e outros vírgula. Vejo (inclusive na RTP) números escritos tanto com um como com o outro. E o mais curioso é que por vezes está escrita uma vírgula e é lido 'ponto'! Apareceu a moda das décimas, centésimas, etc... coexistindo com décimos, etc... Não imagino como, nem para quê, já que eu nunca tinha ouvido isso enquanto estive em, ou visitei Portugal. Invenções tontas. Contudo, sempre todos dizem duodécimos, nunca duodécimas... Portuguesices... E no meu tempo sempre aprendi que motocicleta podia ser abreviado para moto, mas não para mota (o que eu chamo "português de rua"). Só que hoje em dia é só motas!
Carlos M. Coimbra
(Continua)
(Amanhã será publicada a Parte III desta Lição de Português, que destacará o Acordo Ortográfico de 1990, o tal que NÃO tem razão de existir, porque nenhuma vantagem trouxe para Portugal).
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Para os interessados em seguir esta brilhante lição, aqui deixo os links, para os restantes textos (o primeiro, inclusive).
(Parte I)
(Parte II)
(Parte III)