A resposta é sim.
Tinha preparado um texto precisamente sobre esta questão levantada pelo Nuno Pacheco, no Jornal Público, sobre o que Rafael Borges Rodrigues, escritor brasileiro, escreveu acerca da “tragédia desencadeada pelo AO90, no Brasil”.
Uma tragédia que também está a ser a nossa tragédia, até porque o governo português está a fazer chantagem, usando as nossas crianças como cobaias, e pior do que isso, como cobaias mais idiotas do que as de todas as gerações anteriores, para impor ditatorialmente um acordo desacordado, rejeitado por milhares de escreventes e falantes da Língua Portuguesa, no mundo dito lusófono, enquanto que outros tantos milhares não querem saber disto para nada, ou sequer sabem que isto existe.
Porém, entretanto, outro Rafael apareceu-me no caminho, e adiei a tragédia, para dar lugar à esperança, precisamente nessa juventude, que querem fazer passar por parva.
Cena do filme «A Menina que Roubava Livros» - Os nazis queimaram os livros, mas Liesel atreveu-se a retirar da fogueira um livro que não tinha ardido… As nossas crianças terão também de roubar livros das “fogueiras” políticas para que a Literatura não morra?
Tratou-se da moção apresentada por Rafael Dias, presidente da Juventude Popular e aprovada por larga maioria, a qual rejeita categoricamente o AO90, com uma argumentação bastante elaborada, e que pode ser consultada neste link:
https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/lingua-portuguesa-diversidade-sim-127304
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Como não consegui acabar o meu texto, darei lugar à prosa, sempre escorreita e límpida, de Nuno Pacheco, e que diz, melhor do que eu, o que eu pretendia dizer, o qual encabeça o seu texto afirmando o seguinte:
«Pretender que as novas gerações só leiam obras submetidas à chamada “nova ortografia” é uma enormidade inqualificável.»
Eu acrescento, Nuno, que realmente além de uma enormidade inqualificável, essa pretensão é altamente lesiva à inteligência das novas gerações, e um monumental insulto a todo o povo Português, que os governantes querem fazer passar por parvo.
Eis o que Nuno Pacheco escreveu:
«Agora que Fahrenheit 451 está de volta às telas (cinema e televisão), numa nova adaptação da obra distópica de Ray Bradbury pelo norte-americano Ramin Bahrani (mais de meio século depois da de Truffaut), uma nota de Facebook escrita recentemente a partir do Brasil soa-nos como sinistro alerta. Assinada por Rafael Borges Rodrigues, escritor e, acrescenta ele, residente “em uma das primeiras cidades do Estado do Rio Grande do Sul no Brasil, colonização portuguesa, história riquíssima”, fala de um acontecimento insólito. Ouçamo-lo: “Este acordo ortográfico desencadeou uma tragédia aqui no Brasil. As bibliotecas estão a descartar todo o material que não se encontra nas novas normas, o que representa, na minha opinião, uma incrível prova de ignorância; pois a maior parte do material didático, enciclopédias e tratados de história, clássicos da literatura mundial se encontra na grafia padrão anterior ao ‘desacordo’. O que eu consigo juntar do lixo levo para minha casa, pois como escritor preciso de material para trabalhar!” E, mais adiante, opina: “Na década de noventa, houve uma corrente bastante forte de ‘intelectuais’ brasileiros que pregavam o relaxamento nas aulas de português do país em relação ao conteúdo gramatical da língua, diziam que a língua escrita deveria ser ‘adaptada’ à língua falada. A partir de então, a língua portuguesa passou a perder o padrão diante o regionalismo da linguagem oral o que representa outra demonstração de grande ignorância, pois devemos nos basear no latim e no grego para estruturar a língua e não em dialetos semianalfabetos. Então, a língua portuguesa original começou a se perder e se transformou no que eu chamo de ‘samba do crioulo doido’. Todos sabem que a linguagem escrita, padrão, sempre foi diferente da linguagem oral! Tenho personagens populares nos meus livros dentro do regionalismo como peões, índios e outros, mas entre os seus diálogos não possuem erros de português! Procuro sempre me expressar no português universal. Devemos sempre buscar a língua padrão e insisto em permanecer no português escrito antes da década de noventa... Também existe o interesse econômico das editoras por trás deste ‘golpe linguístico’, querem que gastemos mais dinheiro em dicionários e obras reeditadas!”
A nota tem a data de 21 de Maio deste ano e, se não foge à verdade, o que nela se relata constitui uma prova de incomensurável estupidez. Pior: é um crime de lesa-cultura. Já não é preciso, como na obra distópica de Bradbury, queimar livros; basta deitá-los fora. Mas esse gesto inspira-se em motivação idêntica: a rejeição de uma coisa pretensamente “antiga” a substituir por uma “nova”. Só que um livro não é um telemóvel avariado ou um carro prestes a ir para a sucata, é algo que traz consigo a marca de um tempo e uma cultura. Pretender que as novas gerações só leiam obras submetidas à chamada “nova ortografia” é uma enormidade inqualificável. Teríamos de interditar aos estudantes grande parte das bibliotecas, deixando nelas acessíveis apenas umas magras estantes; teríamos de fechar à chave as bibliotecas privadas de pais, tios, amigos, para evitar às pobres crianças algum perigo de “contágio” com outras grafias; teríamos aqui, caso extremo, de afastar dos planos de leitura várias obras porque nelas se contêm termos em desuso, poupando assim as pobres crianças à escrita elaborada de Camões, Gil Vicente, Bernardim Ribeiro ou Camilo Pessanha, entre tantos outros. E no Brasil? O que fazer, por exemplo, às edições de escritores e poetas (basta ir aos anos 1920 ou 1930) que ainda grafavam “êlle”, “emmagrecer”, “hontem”, “desllocar”, “anonymo”, “janella”, “adherente”? Lixo, tudo? Querem convencer-nos de que uma criança já iniciada na leitura do idioma não é capaz de, numa biblioteca, descodificar livros com diferentes grafias? E que não o fará, até, com o prazer da descoberta e do mistério de mundos para si desconhecidos? Não, a culpa não é das crianças. É de alguns adultos que as não merecem, nem merecem a cultura da qual enchem a boca, mas esvaziam o sentido. A esta pulsão não é alheio Portugal, já que reedições de escritores notáveis (como Maria Judite de Carvalho) estão a ser filtradas pelo “novo acordo” a pretexto de que as crianças já só aprendem assim. O que ignoram, porque insistem em ignorar, é que as crianças estão a ser sujeitas, à força, a um labirinto desregrado que só as conduz a cada vez maiores erros na escrita e no entendimento das palavras. Um sistema CONTRA a ortografia, e não por ela.»
Link para o Artigo de Nuno Pacheco:
http://www.publico.pt/2018/05/31/culturaipsilon/opiniao/as-bibliotecas-ja-estao-a-arder-1832280
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Em abono da verdade, Nuno Pacheco, as novas gerações estão condenadas à incultura, sem Língua, sem Saber, sem as Escritas do passado.
A obra acordizada da escritora Maria Judite de Carvalho, é um insulto à Arte de Bem Escrever e à memória desta ilustre escritora portuguesa.
E dizer que «as crianças agora só aprendem assim», nesse mixordês em que se tornou a língua escrita, é passar um atestado de incapacidade intelectual a quem tem todas as capacidades bastante activas, para aprender o correCto mais depressa do que o incorreCto, porque existe uma coisa chamada fixação visual da linguagem, ou seja, um sentido apuradíssimo, mais nas crianças do que nos adultos, que lhes permitirão, num ápice, saber que, por exemplo, no vocábulo “diretor”, assim (mal) grafado, falta o cê, que lhe dará um sentido.
Caro Nuno Pacheco, não vamos permitir que os dias futuros das nossas crianças sejam tão opacos como os de hoje, e que elas sejam usadas como cobaias numa experiência ortográfica tão caótica quanto irracional.
Isabel A. Ferreira
Ao cuidado dos governantes portugueses, para que possam aprender com a Juventude, uma vez que rejeitam o saber dos velhos do Restelo, como gostam de chamar àqueles que defendem a Língua Portuguesa, tenham a idade que tiverem...
Para quem não sabe, Olavo Bilac é um dos maiores poetas brasileiros
Rafael Dias, presidente da Juventude Popular (CDS/PP) elaborou uma moção sectorial sobre o AO90, apresentada a 28 de Maio de 2018 e aprovada por larga maioria em, na qual rejeita inequivocamente o dito Acordo Ortográfico de 1990, sendo a JP a primeira Juventude Partidária a rejeitar o AO90, considerando que ele «promoveu um grotesco aborto ortográfico à língua portuguesa, sendo desde logo, por isso, uma fraude política e técnica. "
Eis, na íntegra, o documento apresentado e aprovado por larga maioria, pela Juventude Popular (o negrito é da responsabilidade da autora do Blogue):
«Língua Portuguesa, diversidade sim, uniformidade não!»
A moção aqui vertida insta a que a Juventude Popular de forma activa e indubitável vise a reversão do Acordo Ortográfico de 1990. A língua portuguesa anda entregue à bicharada, não pode ser. O património derradeiro da nossa pátria não pode ser vexado desta forma. O AO90 apenas complica em vez de simplificar, confunde em vez de unir, uma união que não faz qualquer tipo de sentido, pois a língua portuguesa como idioma global, tal como o inglês, deve ver na diversidade a sua riqueza e não numa uniformização cega, que convém apenas a algumas editoras. Mais, o AO90 afasta o português, como língua proveniente do latim, de outros idiomas semelhantes, como é o caso do francês, do espanhol ou do italiano, o que torna a sua difusão e aprendizagem pela Europa mais difícil e mais incerta.
Acima de tudo o AO90 é uma falácia política, técnica e cultural que tem como corolário factual o falhanço político, dada a sua rejeição pela maioria dos países da Portugalidade - só o Brasil, ainda que a espaços e de forma dúbia, e Portugal praticam o Acordo - e, sobretudo pela maioria da comunidade que mais utiliza a língua portuguesa no seu quotidiano, jornalistas, escritores, cronistas, professores.
A língua é um dos símbolos de uma nação é, pois, o seu maior património imaterial, derradeiro e perene. A Língua é um património valioso e um instrumento determinante para a afirmação dos povos e das suas culturas, porque é através dela que exprimem a sua identidade e as suas diferenças.
Tal como a espontaneidade da vida e dos costumes de cada povo, a Língua é um elemento vivo, e não pode, por isso, ser prisioneira de imposições do poder político, que limitam a sua criatividade natural. Deve, naturalmente, evoluir com as vicissitudes dos séculos, não obstante, esta deve ser uma evolução natural e espontânea que tenha âmago na vontade popular e no uso que os constituintes da nação dela fazem no quotidiano ao longo de gerações, sendo por isso tutelada pelo costume. Não é, note-se, o caso deste Acordo Ortográfico, que procedeu de forma sumária à amputação de consoantes e acentos gráficos de forma bárbara, desconexa e ilógica, promovendo um grotesco aborto ortográfico à língua portuguesa, sendo desde logo, por isso, uma fraude política e técnica.
Uma fraude política também porque substituindo a vontade popular, a classe dirigente do nosso país à época sentiu-se legitimada para liderar um hipotético processo de uniformização da língua portuguesa que encalhou no Acordo Ortográfico” de 1990 (AO90), nascendo de uma ideia, no mínimo, ingénua do primeiro-ministro à época, Aníbal Cavaco Silva – depois merecendo a conivência dos executivos sucessivos - sob a bandeira de unificar as diversas variantes do idioma português, alegadamente, pasme-se, para evitar que o Português de Portugal não se transformasse numa língua banal, e de simplificar a escrita, o que fez foi abrir uma caixa de Pandora e criar um monstro, pois todos os objectivos desta aventura diplomática fracassaram redondamente. O processo de entrada em vigor do AO90 nos Estados lusófonos é também uma fraude política: o AO90 teria de ser ratificado por todos os Estados. Mas Angola e Moçambique, os dois maiores países de língua portuguesa a seguir ao Brasil, nunca o ratificaram. E, dos restantes países, só três o mandaram aplicar obrigatoriamente: Portugal, a partir de 2011-2012; Cabo Verde, a partir de 2014-2015; e o Brasil, a partir de 2016. Há, assim, repetidas incongruências no domínio jurídico que urgem ser denunciadas. O AO90 é também um lamentável exemplo da forma como o Estado abusou do seu poder. Visto que nunca foi fomentado algum debate público sobre o AO90. Um abuso do poder do Estado e uma fraude técnica também porque foram, em 2005, emitidos 25 pareceres negativos por parte de especialistas e de entidades consultadas. Todo o processo do AO90, culminando com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, é um exemplo evidente e pérfido de falta de transparência, inadmissível num Estado de Direito democrático.
O AO é um grotesco falhanço técnico e político e uma fraude porque, indefectivelmente, não unificou, muito menos uniu, apenas baralhou e confundiu. Primeiramente, segundo um estudo Maria Regina Rocha 2.691 palavras que se escreviam de forma diferente mantêm-se diferentes; apenas 569 que eram diferentes se tornaram iguais; 1.235 palavras que eram iguais tornaram-se diferentes e, destas, 200 mudaram apenas em Portugal, dando origem a soluções aberrantes como aceção, conceção, confeção, contraceção, deceção, impercetível..., enquanto no Brasil se continua a escrever acepção, concepção, confecção, contracepção, decepção, imperceptível, etc. O AO patrocina também a confusão e a dificuldade de aprendizagem da língua através da sua incoerência morfológica, note-se no exemplo de «Egito», os seus habitantes não são os «egícios» mas sim uns egípcios, ou nas célebres «arquitetas» e «espetadores».
Além de que, o AO90 não incide sobre os factores de divergência da linguagem escrita entre Portugal e o Brasil, nas quais existem diferenças lexicais (fato – terno; autocarro – ônibus; comboio – trem; usina-fábrica), sintácticas (tu – você) e semânticas (palavras com sentidos diferentes: camisola, por exemplo, que, no Brasil, significa “camisa de dormir”).
Estamos perante diferenças atávicas que caracterizam as duas variantes do Português e que não se alteram por decreto. No limite, não unificou ou uniu, porque desde logo o acordo não é aceite na maioria dos Estados com língua oficial portuguesa.
A jusante, a aplicação do AO90 afasta o Português dos principais idiomas internacionais, o que só traz desvantagens em termos etimológicos, de globalização e de aprendizagem dessas línguas estrangeiras, em relação às quais não temos qualquer vantagem em nos afastar. Por exemplo, a palavra “actor”: em todas as línguas, como a nossa, em que a palavra é de raiz latina, escreve-se “actor” com c ou k (excepto em Italiano, mas em que se escreve com duplo tt, que tem idêntica função de abrir a vogal “a”).
O AO 90 ao invés de cumprir o fim de evitar o desaparecimento do português de Portugal, um exercício desprovido de lógica e racionalismo, a caixa de Pandora que abriu, pelo contrário, fomentou a sua banalização. Senão vejamos: Qual é hoje o smartphone cuja escrita inteligente sugira António em vez de Antônio, género em vez de gênero, facto em vez de fato? Quantos são os programas electrónicos que prevêem apenas o célebre português do Brasil ou videojogos que atribuem ao português a bandeira brasileira?
Sejamos claros: a diversidade ortográfica — entre apenas duas variantes do Português: o de Portugal e o do Brasil — nunca foi obstáculo à comunicação entre os diversos povos de Língua portuguesa; como nunca foi razão de empobrecimento, mas, pelo contrário, uma afirmação da pujança da nossa Língua; o que, aliás, faz dela uma das mais escritas e utilizadas do Mundo.
O Inglês tem 18 variantes, e não deixa por isso de ser a principal língua internacional; o Francês tem 15 e o Castelhano, 21.
Devemos, portanto, como bons patriotas, celebrar a diversidade da nossa língua, e não uniformizá-la, rejeitando qualquer tipo de eugenia linguística sumária originada num decreto que não simplifica, não unifica e muito menos une!»
Original aqui:
https://www.docdroid.net/Rf9vOtK/mes-h.pdf#page=4
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