Chegou-me este artigo via e-mail.
Fiquei estupefacta com o facto de depois do tremendo INSUCESSO e do caos ortográfico causado pelo AO90, ainda haja alguém que, sem argumentar coisa nenhuma a favor dele, venha a público dizer o que disse, sem o menor pejo.
Desta vez não fiquei com azia. Fiquei irritada. Como é isto possível?
Então decidi esmiuçar o que disse Carlos Esperança, autor do texto .
O que está em itálico é dele. O que está a negrito é meu.
Isabel A. Ferreira
(Para quem estiver interessado em consultar)
Por Carlos Esperança in:
https://ponteeuropa.blogspot.
I.A.F. - Começando pelo título: sim, o AO90 é tão, mas tão, mas tão intragável que provoca não uma azia, mas uma espécie de azia insuportável a todos os que amam a Língua Portuguesa, e a conhecem muito bem, ou mais ou menos, ou assim-assim. Contudo incurável azia, não! Ela será curada quando o intragável AO90, deixar de ser introduzido, à força, pelas goelas de quem abomina ignorâncias linguísticas, e nem sequer é preciso ser-se linguista.
C.E. - Quem conhece a grande alteração e uniformização da língua portuguesa, efetuada [em Português efeCtuada] pela Reforma Ortográfica de 1911, não devia solidarizar-se com manifestações de raiva que a perda de algumas consoantes mudas e tímidas alterações provocaram numa sociedade avessa à mudança, independentemente da validade dos argumentos.
I.A.F. - Primeiro: a Reforma Ortográfica de 1911 foi elaborada segundo as regras das Ciências da Linguagem, e NÃO porque um punhado de "linguistas" e políticos ignorantes e editores mercenários assim o quiseram.
Segundo: as manifestações que existem com a perda de várias CENTENAS (não de algumas) consoantes não-pronunciadas, mas com função diacrítica, e aberrantes (não tímidas) alterações nos hífenes e acentuação, não são de raiva, mas de inquietação pela enormidade da ignorância dos acordistas que não apresentaram UM SÓ argumento racional, portanto VÁLIDO, para defender um tal “acordo”, que na verdade nem sequer existe, e não porque a sociedade seja avessa à mudança, porque MUDANÇA implica EVOLUÇÃO, e o que aconteceu foi um gigantesco RETROCESSO linguístico, e a sociedade portuguesa é AVESSA sim, a retrocessos. E por que é o AO90 um retrocesso? Porque pretende que a Língua Portuguesa, bela, elegante e europeia, retroceda a uma variante sul-americana, derivada do Português, no que à grafia de 90% de vocábulos diz respeito.
C.E. - O misoneísmo, palavra cunhada pelo psicologista [em Portugal psicólogo] italiano César Lombroso, esse horror à novidade, está bem entranhado nos portugueses.
I.A.F. - Aqui temos algo que apenas por muita má-fé se diz sobre a personalidade dos Portugueses, que, de boa-fé, até aceitam bem as novidades. Acontece que a destruição da Língua Portuguesa não pertence ao rol das novidades. A Língua Portuguesa é o maior Património Cultural Imaterial de Portugal, que não se ajeita a "novidades" assentes na ignorância. Os Portugueses não rejeitaram a caixinha mágica (televisão), os telefones, os telemóveis, os computadores, os hipermercados, os tractores, os frigoríficos, enfim, nunca rejeitaram as novidades que lhes vieram facilitar a vida, ao longo do s tempos, mesmo no mundo rural. Rejeitam sim, e nisso fazem muito bem, as “novidades” prejudiciais ao corpo e à mente e à sua intelectualidade, quando lhes querem vender gato por lebre. Que é o caso do AO90.
C.E. - A Reforma Ortográfica de 1911, a primeira iniciativa de normalização e simplificação da escrita da língua portuguesa, foi profunda, numa altura em que o Brasil facilmente a aceitou e as colónias não participavam.
I.A.F. - Repetindo: o que fez a Reforma Ortográfica de 1911 foi simplificar a escrita, mas NÃO a afastou das suas raízes, das suas origens, da sua História, da sua Família Indo-Europeia. Os vocábulos não foram mutilados. Passou-se do PH (fonema grego, com o mesmo som da consoante latina F), porque o nosso alfabeto era e continua a ser o LATINO, onde a letra F está incluída, tão incluída que Fernando Pessoa grafava PHarmacia, mas escrevia o seu nome com F. Passou-se de “elle” para ele sem lhe mexer na pronúncia. Passou-se de “lyrio” (com o i grego) para lírio (com o i do alfabeto latino) sem lhe mexer na pronúncia. Todas as consoantes com função diacrítica mantiveram-se, porque se os cês ou os pês fossem suprimidos, a pronúncia deveria modificar-se.
O Brasil aceitou (mal) esta reforma, tanto quanto sabemos, tanto que muitos continuaram a escrever segundo a grafia anterior a 1911, e logo que puderam, em 1943, os Brasileiros elaboraram um Formulário Ortográfico, que distanciou o Português da sua Matriz, transformando-o na Variante Brasileira da Língua Portuguesa, ainda hoje em vigor, no qual, na sua Base IV, os parideiros do AO90 foram buscar a mutilação das palavras cujas consoantes não se pronunciavam.
C.E. - Tenho enorme consideração por muitos dos que não toleram as pequenas alterações que o AO-90 introduziu, sobretudo quando se trata de cultores da língua, de prosa imaculada na sintaxe e na ortografia que mantêm, mas vejo neles a exaltação de Fernando Pessoa e Teixeira de Pascoais cuja ortografia que estes defenderam repudiariam agora.
I.A.F. - Como está enganado o senhor Carlos Esperança. O AO90 NÃO introduziu pequenas alterações em Portugal, o AO90 introduziu GIGANTESCAS alterações na NOSSA Língua, na forma de grafar, mutilando as palavras que o Brasil já mutilava, desde 1943 (excePtuando as que eles, por algum motivo aleatório, continuaram a pronunciar os pês e os cês, como excePção ou aspeCto), e na forma de falar, porque quem escreve afeto (lê-se âfêtu”) e pronuncia afétu, pronuncia mal. Porque aféto só é aféto se levar o C = afeCto, porque o C tem função diacrítica.
C. E. - A ortografia é uma convenção imposta por lei sem sanções penais, salvo para os alunos, que se arriscam a reprovar se não escreverem como está oficialmente determinado.
I.A.F. - As ortografias de 1911 e de 1945 até podem ser convenções impostas por LEI, porque essas LEIS EXISTEM. Contudo, a de 1990 não é nem acordo, nem convenção, nem coisa nenhuma, porque NÃO EXISTE LEI que obrigue os professores, ou os alunos ou os jornalistas ou os escritores, ou seja quem for, a escreverem incurrêtâmente a Língua Portuguesa, e se algum professor ou aluno OUSAR ensinar ou escrever correCtamente a sua Língua Materna, as reprovações ou as sanções são ILEGAIS. Só uma LEI poderia sancionar algo que uma simples RCM quis impor, mas como não tem valor de Lei, não pode obrigar. Aliás todos os juristas são unânimes em dizer que o AO90 é ILEGAL e INCONSTITUCIONAL, algo que está mais do que comprovado nos livros que se escreveram a este propósito e que os governantes, Marcelo Rebelo de Sousa incluído, IGNORARAM e continuam vergonhosamente a IGNORAR. Por algum MAU motivo há-de ser.
C.E. - Aos autores da Reforma Ortográfica de 1911, que hoje já ninguém contesta, coube-lhes pôr fim à anarquia ortográfica do país, com 80% de analfabetismo, quando os países do norte da Europa tinham entre 2% e 10%, e normalizar a ortografia. Eminentes filólogos discutiram se deviam seguir o modelo francês, fortemente dependente da etimologia, ou o espanhol e italiano, que seguiam de perto a oralidade.
Optaram por revogar falsas etimologias e, condescendendo com a origem das palavras, deram preferência à oralidade, caminho que embora tímido esteve presente no AO-90.
I.A.F. - Quem dá preferência à oralidade, na escrita, é IGNORANTE. A oralidade é volátil, a escrita FIXA o PENSAR de um Povo. Os autores das Reformas Ortográficas de 1911 e de 1945, que tiveram MOTIVAÇÕES LINGUÍSTICAS NÃO revogaram falsas etimologias, nem condescenderam com a origem das palavras, nem deram preferência à oralidade, deram isso, sim, preferência à ETIMOLOGIA das palavras. Estas reformas foram feitas com o intuito de diminuir a taxa de analfabetismo então existente no Brasil e em Portugal (só os povos com índices de ignorância elevados é que necesitam de reformas ortográficas). Pelo que vemos, não adiantaram de nada, porque tanto no Brasil como em Portugal a taxa de analfabetismo ainda é elevadíssima, e em Portugal é a mais alta da Europa.
O AO90, como não teve nenhuma motivação linguística, mas apenas polítiqueira e económica, não timidamente, mas DESCARADAMENTE, deu preferência à oralidade, que já vinha do Formulário Ortográfico de 1943, desenraizando, empobrecendo e desfeando a Língua Portuguesa. E isto é um facto indesmentível.
C.E. - Há muito que as palavras homógrafas não são necessariamente homófonas, mas duvido que os críticos mais cultos tenham dificuldade em distinguir a fonia das que perderam os acentos e cujos exemplos caricaturais não passam disso mesmo.
I.A.F. - A acentuação e a hifenização EXISTEM para melhor facilitar a compreensão das palavras e das frases. A ortografia de 1945 tem algumas falhas nesse sentido. Dever-se-iam retomar alguns acentos, para que as frases fossem imediatamente perceptíveis, para quem está a aprender a Língua - as nossas crianças, por exemplo. Se lhes perguntarmos, como eu já perguntei, o que quero dizer quando digo “ninguém PARA o Benfica”, na aCtual conjuntura, as respostas são as mais óbvias: não há ninguém para o Benfica. E o que eu quis dizer foi ninguém PÁRA o Benfica, (porque não perde há sete jogos consecutivos). Se o acento estivesse lá, ninguém teria dúvidas.
C.E. - Lamentável é ver as redes sociais, até jornais, com inúmeros detratores [em Português detraCtores] do AO-90, que explodem de raiva na mais boçal prevaricação ortográfica e ignorância de elementares conhecimentos básicos do idioma cuja ‘nova’ ortografia condenam sem respeitarem a anterior, não sendo este o caso do Público.
I.A.F. - Em Portugal não há detractores do AO90, porque para haver detraCtores, deveria haver BELEZA LINGUÍSTICA, nem explodem de raiva. Explodem de tristeza por ver uma Língua tão bela escorrer para o esgoto. O que há é DEFENSORES da Língua Portuguesa. Os detraCtores são os que muito servilmente, muito ignorantemente, muito acriticamente aceitaram este “acordo”, que não é “ acordo” e desataram por aí a escrever uma mixórdia ortográfica (mistura da grafia brasileira com a grafia portuguesa, numa mesma frase) Ex: «o objetivo da acção foi repor os salários em atraso», sim porque em 1943 os Brasileiros passaram a escrever objetivo (que sem o cê lê-se “ub’j’tivu” de acordo com as regras gramaticais, algo que os acordistas também atiraram ao lixo, até as crianças já sabem disto) , e ação, (âção) . “Âção” sem cê pertence à Variante Brasileira do Português, que em Portugal se lê deste modo.
C.E. - Definida uma grafia, que alguns julgam facultativa, depois de vários anos a ser ensinada de acordo com a lei, qualquer tentativa de regresso é um apelo à anarquia ortográfica e à instabilidade do idioma e das normas jurídicas que o definem.
I.A.F. - Senhor Carlos Esperança, não é da HONESTIDADE vir para aqui tentar enganar os mais incautos, porque os menos incautos SABEM que a grafia que nos querem impingir é ILEGAL, e a qual ninguém em Portugal é obrigado a usar, e foi vilmente ensinada às nossas crianças, que escrevem CAOTICAMENTE, incluindo os governantes, os jornalistas (com excePções do Jornal PÚBLICO e muitos jornais regionais) e todos os que se atiram para aí a escrever acordês/mixordês SERVILMENTE. Mais caótico do que isto é IMPOSSÍVEL.
As crianças aprenderão mais facilmente a escrever correCtamente a Língua Materna do que a estão a aprender “incurrêtamente”, tendo em conta que aprendem Inglês e já escrevem um Inglês ACORDIZADO, de tanto escreverem mal o Português. Há quem escreva em Inglês “diretor”, porque foi assim, mutilada, que aprenderam a escrever essa palavra. Isto é inadmissível, e argumentar com a aprendizagem das criancinhas é da estupidez, pois as crianças têm uma capacidade extraordinária para a aprendizagem de Línguas. O AO90 ficará como MAIS um tipo de linguagem, a BRASILEIRA, que eles aprenderam, como eu aprendi. Na lista de Línguas que aprendi, está incluída a Brasileira, porque aprendi-a no Brasil, aos seis anos, e quando vim para Portugal, aprendi o Português. Foi isto que me explicaram aos oito anos. Nunca mais esqueci a lição. Além disso, com as ferramentas informáticas, existentes aCtualmente, tais como o correCtor ortográfico, qualquer até as criaturas asininas aprenderão a grafar correCtamente num ápice, Então as crianças aprenderão num piscar de olhos.
E outra coisa, senhor Carlos Esperança, não há normas jurídicas que definem o AO90. Simplesmente NÃO HÁ. Isso é a cassete do ministério dos Negócios DOS Estrangeiros, que os papagaios papagueiam por aí como se fosse verdade. Mas não é verdade.
C.E. - Já é tempo de os jornais que cultivam o imobilismo subversor da legalidade ortográfica se submeterem. O Público não pode continuar a ser o arauto da insurreição ortográfica contra a norma legal que há 12 anos vigora em Portugal e Brasil e observada por autores como José E. Agualusa e Mia Couto, respetivamente [em Português respeCtivamente] de Angola e Moçambique.
I.A.F. - O tempo é de os predadores da Língua Portuguesa se recolherem à sua insignificância, e saírem de cena, até porque cada vez há mais gente a abandonar o AO90, por chegar à conclusão de que além de ILEGAL é uma mixórdia intragável que, de facto, provoca azia, e se alguém está a subverter a legalidade são TODOS os que estão a usar uma ortografia ILEGAL. Em Portugal, o que vigora há 12 anos, é uma MIXÓRDIA linguística sem precedentes, e o Agualusa e o Mia Couto, que eu muito prezava, são apenas dois, e mais não fazem do que garantir a publicação dos seus livros nas editoras ACORDISTAS deles, ou então deixam de publicar. Perderam leitores com essa atitude servil. Fale-me de Ondjaki, de Paulina Chiziane e de muitos outros angolanos e moçambicanos que não cederam à falsa miragem acordista.
C.E. - Não é seguramente o facto de o tratado internacional ter sido firmado em 1990 pelo PM Cavaco Silva e promulgado em 2008 por Cavaco Silva (PR) que motiva a obstinação do Público na insurreição ortográfica contra o AO-90, e não se percebe a deliberada teimosia na prevaricação ortográfica.
I.A.F. - Quem está a prevaricar são TODOS os que aplicam o ILEGAL AO90. Os políticos e servilistas e seguidistas portugueses são os únicos, do universo da CPLP, que muito servilmente, se arrastam atrás dos milhões, porque sofrem de um absurdo complexo de inferioridade.
C.E. - Não me obriguem a esconder o Público aos netos. Não quero agravar as suas hesitações ortográficas.
Coimbra, 18 de setembro [em português Setembro] de 2021
I.A.F. - O que deverá esconder aos netos é a MIXÓRDIA que o AO90 veio gerar, e que os obrigaram a aprender. Isso é que é de esconder. Os meus netos SABEM distinguir MIXÓRDIA ortográfica de Língua Portuguesa, e se na escola escrevem “incurrêtamente”, para não serem penalizados (e eles têm essa consciência) cá fora sabem exaCtamente onde estão os cês e os pês, os hífenes e os acentos, nas palavras que escrevem. O PÚBLICO, como todos os outros que não cederam à ignorância e muito inteligentemente não adoPtaram o AO90 sabem que mais dia, menos dia, o AO90 acabará por acabar, e todos os que para tal contribuíram acabarão também a um canto, como os maiores predadores e traidores da Língua Portuguesa, desde que Dom Dinis a elevou a Língua de Portugal. E a esses, ninguém erguerá estátuas ou serão perpetuados em nomes de ruas. Se forem, os filhos dos meus netos e os filhos dos seus netos, Carlos Esperança, encarregar-se-ão de as destruir. E os livros acordizados mofarão numa qualquer cave húmida, e desaparecerão, para sempre, da face da Terra.
E a história do AO90 será, então, contada aos vindouros, como uma história de terror, cujos protagonistas serão descritos como gente que, no lugar da cabeça, tinha uma cabaça.
Isabel A. Ferreira
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Nota:
Para uma douta opinião, uma pérola, sugiro aos leitores a leitura do artigo que está neste link, sob o título:
Obedeçam! Submetam-se!
Isabel A. Ferreira
«Um acordo que nos foi imposto à força... prova que não foi acordo, mas imposição... Felizmente, eu já não era professor... Porque às vezes é necessário dizer: Não. O «desacordo» só foi para a frente porque os professores se acobardaram...» (Fernando Serrano)
in
aqui:
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Associação Nacional dos Professores de Português considera acordo ortográfico um erro
Os docentes dão a matéria seguindo as regras deste acordo, mas consideram que a mudança trouxe prejuízos para o ensino. Por isso, a Associação defende que seja dado um passo atrás, para que fosse possível, depois, dar dois passos em frente.
Ler o texto aqui:
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Opositores do [AO90] dizem que [este] criou erros evitáveis
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«Políticos que defendem e votaram a favor do Acordo Ortográfico, para a projecção da língua portuguesa, mas que vão para Bruxelas falar inglês e francês» - Francisco Miguel Valada
Excerto da comunicação de Francisco Miguel Valada, intérprete na União Europeia e linguista, na conferência "A Língua Portuguesa Tem Dias…" (05/05/2021) inserida no ciclo Foz Literária promovido pela União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde.
«Na morte do “pai” do Acordo Ortográfico de 1990, era preferível que tivesse ficado o homem e morrido a “obra”.» (Nuno Pacheco)
Pois concordo plenamente com o Nuno Pacheco.
E o facto é: não os Homens, mas o Futuro e a História sempre se encarregaram de julgar os que, pelas suas acções destruidoras, deixaram um rasto ruinoso, pelo caminho que percorreram em vida.
E o Dr. João Malaca Casteleiro (logo ele, um linguista, quem diria!) fez uma escolha errada, altamente prejudicial aos interesses de Portugal e dos Portugueses, e é essa escolha que marcará negativamente o seu lugar na História, e não só o dele, como o de todos os que se envolveram e estão envolvidos, na destruição da Língua Portuguesa, através da imposição ilegal (não esquecer que o AO45 não foi revogado e é a ele que devemos “obediência”) de um “acordo ortográfico” que nunca foi acordo, além de ser uma grande fraude.
Fiquemos com mais um excelente contributo de Nuno Pacheco, para a História da Defesa da Língua Portuguesa, em Portugal.
Texto de Nuno Pacheco, publicado no Jornal Público
«Há casos em que é justo dizer: morre o homem, fica a obra. Mas na morte de João Malaca Casteleiro, lembrado na maioria dos obituários noticiosos como “pai” do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), era preferível que tivesse ficado o homem e morrido a “obra”. Apesar de ser difícil nutrir por ele simpatia, dado o que protagonizou, há que reconhecer-lhe a teimosa persistência num acordo que desde a génese era claramente um logro, mas que ele acabou por fazer impor.
Numa entrevista recente ao Observador, o linguista Fernando Venâncio (autor de Assim Nasceu Uma Língua, ed. Guerra & Paz, 2019 caracterizou deste modo tal logro: “O AO90 visava possibilitar um relatório, uma declaração, uniformes para todos os países de língua portuguesa. Visava, até, e aí já entramos no terreno da alucinação, conseguir a circulação de produtos linguísticos idênticos (traduções de literatura, legendagens, instruções de máquinas de lavar) por todas essas áreas do Planeta. Mas tenho de lhe tirar o chapéu, ao Dr. Malaca Casteleiro e seus próximos: foi com essa visão paradisíaca que convenceram os políticos.”
Pois agora que morreu, nem todos se apressaram a tirar-lhe o chapéu. No dia em que foi conhecida a sua morte, domingo, 9 de Fevereiro (a morte ocorrera no dia 7), a primeira notícia surgiu no Jornal de Notícias, assinada por Sérgio Almeida, seguindo-se, por esta ordem, as do Correio da Manhã, Sapo, PÚBLICO, Diário de Notícias, Observador e Expresso. O jornal i só no dia seguinte deu a notícia e apenas na edição em papel, numa breve de última página. Curiosamente, quer o Ciberdúvidas, quer o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (sítio oficial do AO90), quer a Academia das Ciências de Lisboa (esta lamentando o falecimento numa curta nota) só no dia 10 deram notícia da sua morte. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, evocou-o como “defensor da língua portuguesa” (sic), mas do Governo, ou de ex-governantes que o apoiaram, nada se ouviu. Só o silêncio. Quanto à CPLP, só no dia 11 expressou “profunda consternação e grande pesar” pelo falecimento.
Há outro motivo, na história da língua portuguesa, para recordar João Malaca Casteleiro: o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), também este controverso. Fundada em 24 de Dezembro de 1779, no reinado de D. Maria I e em pleno iluminismo, a então Academia Real das Ciências começou a editar um dicionário da língua portuguesa em 1793, mas não passou do primeiro volume, só com a letra A, volume esse que viria a ser reeditado, “com a modernização indispensável”, 183 anos depois, em 1976. E não passaria daí até 1988, ano em que a Fundação Gulbenkian “lhe concedeu os meios indispensáveis à remuneração permanente da equipa do Dicionário”, segundo escreve no prefácio do dito (que viria a ser publicado em 2001, mas já lá vamos) o então presidente da ACL, Pina Martins, que fala ainda num “vultoso subsídio pontual” de duas outras entidades: a Secretaria de Estado da Cultura e a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Malaca Casteleiro foi indicado para coordenador e a equipa, cuja lista o livro integra, contou com 61 “colaboradores externos” que trabalharam no dicionário por “um período, em princípio, não inferior a seis meses”.
Enquanto isto, o que sucedia no mundo, nestes dois séculos, em matéria de dicionários do português? Publicava-se o pioneiro Vocabulário do padre Raphael Bluteau (de 1712 a 1728), o Dicionário de Morais (1789, com uma edição monumental em 1961 de 12 volumes, 12.278 páginas e 304.460 vocábulos), o de Eduardo de Faria (1853), o de Frei Domingos Vieira (1871), o Aulete (iniciado em 1881), o Michaelis (1887?), o Cândido de Figueiredo (1898), o Lello Prático Ilustrado (1927), o da Porto Editora (1952), o de José Pedro Machado (1958, com reedições em 1971 e 1981, esta com 12 volumes e um 13.º de actualização, em 1986, num total de 8063 páginas), o Vocabulário de Rebelo Gonçalves (1966), o Aurélio (1975) e o da Texto Editora (de 1995, que dedicava as suas últimas 48 páginas, num total de 1654, a dizer o que mudaria com o acordo ortográfico).
O da ACL sai em 2001, e com uma chancela comercial: a da Verbo. O mesmo ano em que, no Brasil, se publicava pela primeira vez o Dicionário Houaiss. Mas enquanto este, na edição portuguesa, logo em 2002 e também pela mão de Malaca Casteleiro (que coordenou a sua adaptação à ortografia de 1945), lamentava não ter havido “ainda vontade política de levar por diante a implantação do Acordo Ortográfico celebrado em 1990”, o da ACL omitia-o por completo. Como se não existisse. Dez anos depois de o AO90 ter sido assinado em Lisboa, a ACL punha à venda um caro dicionário em dois grossos volumes com a norma de 1945 (que ainda hoje está legalmente em vigor, assinale-se!), não dedicando uma só palavra ao acordo que o seu próprio coordenador fizera questão de “vender”, com êxito, a políticos desejosos de brilhar numa qualquer ribalta da História. Isto quando dicionários como o da Texto (de 1995) já incluíam listas de palavras que seriam alteradas no novo acordo! Uma alucinação por fases, que habilidade! Só que em todas elas coube ao público, e à língua, pagar o preço do desvario.
P.S.: Por lapso (já corrigido, devido ao alerta de um leitor), não tinha sido referido o Vocabulário de Rebelo Gonçalves, editado em 1966.»
Fonte:
Inacreditável! Isto é um insulto a Portugal e aos Portugueses!
O presidente da República já não sabe o que diz.
Porque o “linguista” (assim entre aspas, porque um Linguista que se prezasse de o ser, jamais mutilaria uma Língua Indo-Europeia, para fazer o jeito a uma ex-colónia sul-americana) Malaca Casteleiro NÃO FOI um defensor da Língua Portuguesa. Nem pouco mais ou menos. Muito pelo contrário!
Malaca Casteleiro já passou à História como um dos principais predadores da NOSSA Língua. Diga o que disser o senhor presidente da República Portuguesa.
Malaca Casteleiro tentou destruí-la. E digo "tentou" porque os verdadeiros DEFENSORES da Língua Portuguesa continuam activos, e a grafia portuguesa persiste, e não será destruída, só porque uns poucos apátridas servilistas assim o querem.
O que levou Marcelo Rebelo de Sousa a dizer tal despautério? A quem serve Marcelo Rebelo de Sousa?
A Portugal não é, com toda a certeza.
Que o presidente da República Portuguesa lamente a morte de Malaca Casteleiro, num comunicado publicado na sua página oficial (onde os erros ortográficos abundam) faz parte do protocolo. Aliás, faz parte do protocolo de qualquer ser humano diante da morte de outro ser humano, independentemente de ele ter servido bem ou mal a Nação.
Contudo, uma coisa é lamentar a morte de alguém, outra coisa é recordar esse alguém "dourando a pílula" dos seus actos reprováveis.
Recordar Malaca Casteleiro pelo seu «papel na projecção da Língua Portuguesa e na defesa do Acordo Ortográfico, a que dedicou boa parte da vida», é de quem não sabe o que está a dizer, unicamente porque o papel desempenhado pelo “linguista” Malaca Casteleiro, desde o dia em que se juntou ao “linguista” brasileiro Evanildo Bechara, para juntos engendrarem o AO90, foi o de uma traição sem precedentes a Portugal, porquanto o AO90 não passa de uma fraude e é a maior parvoíce ortográfica alguma vez concebida. E tudo apenas para servir o Brasil.
Todo o prestígio que o Dr. Malaca Casteleiro poderia ter tido antes de se vender aos interesses brasileiros, foi completamente anulado pela sua traição à Pátria Portuguesa, e é como traidor da Pátria e como predador da Língua Portuguesa que ficará perpetuado para todo o sempre. Não há como contornar os factos, e no que respeita à História não há como “dourar a pílula”.
E o senhor presidente da República Portuguesa, caminha na mesma direcção, porque não se trai a Pátria impunemente.
E o que acabei de escrever não é uma opinião. É tão-só o que a História nos diz e sempre nos disse, porque há um preço a pagar, sempre que agimos em desconformidade com o pulsar natural da Vida.
Isabel A. Ferreira
Fonte da notícia:
Concordadíssimo, Dr. Rui Rio. A Educação e o Ensino em Portugal andam de rastos. Mais rasteiros não podiam andar. É urgente elevar o nível, ou condenaremos a próxima geração à condição de analfabetos funcionais. Até porque já existe uma geração intermédia, entre a minha e a actual, que é completamente analfabeta funcional. Uma autêntica desgraça! E nós não temos o direito de condenar a próxima geração, ao mesmo destino obscuro, apenas porque políticos desabilitados assim o querem.
Contudo, se de facto o Dr. Rui Rio pretende que os níveis de exigência na Educação aumentem, tem, com a autoridade que lhe é outorgada, de exigir a extinção do Acordo Ortográfico de 1990, que introduziu em Portugal a grafia brasileira (algo que só diz respeito ao Brasil), aplicada ilegalmente nas Escolas e instituições do Estado, ilegalidade essa que se apressaram a estender ao País, e pugne por mandar repor, já no próximo ano lectivo, a Língua Portuguesa na sua matriz indo-europeia, uma vez que é inconcebível e desprovido de todo o bom senso e senso comum, que um mero despacho ministerial, sem valor de Lei, desrespeite o nosso Património Imaterial – a Língua Portuguesa - e obrigue as nossas crianças, em idade escolar, a grafar a Língua Materna delas à moda brasileira, e isto baseado na proposta de uns poucos desalumiados, entre os quais se encontram o linguista, destruidor-mor da nossa Língua, Dr. Malaca Casteleiro (falecido ontem - paz à sua alma) e governantes e ex-governantes e políticos sem o mínimo conhecimento e sem a mínima habilitação, para condenarem à morte a Língua Portuguesa, que nos identifica como Nação, livre e independente.
Porque não há Educação sem uma Linguagem Escrita (mas também oral) escorreita.
Até porque uma Educação de qualidade é incompatível com o AO90.
Porque é a Linguagem Escrita que fixa o Pensamento, as Memórias, a Criação Literária, os Factos que fazem a História e o Saber de um Povo, e se o que se escreve fica registado "incorrêtamente", isto significa apenas que o Povo que, desse modo danoso, fixou o seu Pensamento, as suas Memórias, a sua Criação Literária, os Factos que fizeram a sua História e o seu Saber, não passa de um povo apedeuta e decadente.
E nós, que somos seres pensantes e portugueses, não podemos permitir que o Povo Português caminhe para o Futuro como um povo apedeuta e decadente.
Por isso, continuamos a lutar pela Língua Portuguesa, pertencente à grande Família Linguística Indo-Europeia. Nada temos a ver com a América do Sul.
Isabel A. Ferreira
Foi usando estas expressões eruditas, referidas no título, que o mui ilustre escritor português, intelectual, crítico literário e académico, actualmente com a nacionalidade holandesa, Fernando Venâncio, comentou no Facebook, numa página intitulada «Acordo Ortográfico Não!» a Carta enviada à UNESCO Pela Salvaguarda da Língua Portuguesa como Património Cultural Imaterial, subscrita por 61 cidadãos de nacionalidade portuguesa (que integraram o núcleo inicial, mas que, em poucos dias, já aumentou para 85).
Não que eu tenha alguma coisa contra o eruditismo de tão notável intelectual, muito pelo contrário, penso que tal até lhe confere bastante prestígio, além de que o insigne académico tem todo o direito e liberdade de expressar o que lhe vai na alma.
Mas não à custa do meu nome e de falácias.
Pois o notável escritor português, que agora tem nacionalidade holandesa, escreveu o seguinte, nessa tal página do Facebook, sobre a Carta à UNESCO, que, ao que parece, leu pela rama:
«Como é possível que gente sensata como NUNO PACHECO, ANTÓNIO CHAGAS (António Chagas Dias?) e ANTÓNIO-PEDRO VASCONCELOS tenham aposto o seu nobre nome a esta abominável mixórdia (refere-se à Carta) cozinhada pela pseudo-linguista ISABEL A. FERREIRA, conhecida detractora do Português do Brasil?
«Existe actualmente uma situação absurda em Portugal, onde, de forma oculta, está a tentar-se substituir a Língua Portuguesa, conforme determinado no artigo 11.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo Dialecto Brasileiro», lê-se no texto.
Mais se lê: «O governo português violou a Constituição da República Portuguesa (CRP), impondo de forma brutal, autoritária, ilegal e inconstitucional, o dialecto brasileiro».
Meus Senhores e Amigos: para cozinhados indigestos, já nos chegava o próprio "Acordo Ortográfico de 1990".
Link para a Carta à UNESCO:
https://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/movimento-em-prol-da-lingua-portuguesa-147014
também publicada no Jornal PÚBLICO, aqui:
Link para a publicação de Fernando Venâncio:
https://www.facebook.com/groups/acordo.ortografico.nao/permalink/2275121362512331/
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Como mulher PENSANTE e LIVRE, sou frequentemente alvo do ataque de machistas que acham que a mulher foi feita para estar em casa a coser as meias do marido, ficar de boca calada, e não fazer sombra ao homem. Daí que me veja obrigada a vir a público, de vez em quando, defender-me desses ataques, não só para marcar posição, como também para pôr no seu devido lugar os que acham que as mulheres existem para serem dominadas socialmente pelos homens.
Ora acontece que, já há bastante tempo, sou o ódio de estimação do distinto crítico literário Fernando Venâncio, o qual certa vez me mandou calar, e claro, eu não me calei, fiz-lhe frente e fiz-lhe sombra, facto que ele nunca me perdoou, e isto acontece até aos mais ilustres intelectuais!
Excelentíssimo Senhor Doutor Fernando Venâncio,
Continuarei, como sempre, a fazer orelhas moucas aos que odeiam as mulheres que PENSAM, e desafio-o a mostrar-me onde encontra, no meu currículo, que é público, que sou "linguista", para dizer que sou pseudo; e exemplifique essa de ser "detractora" do que chama erradamente Português do Brasil; e justifique a designação de abominável mixórdia, para que os leitores percebam o que quis dizer com isso, e eu possa defender-me deste elevadíssimo ataque de um holandês.
Que me odeie, porque tem aversão a mulheres que PENSAM, que têm opinião, que não aceitam tudo o que suas eminências dizem, tudo bem. Estou habituada a esse tipo de ódio machista.
Mas não me calará com a sua verborreia! Entendido?
E tudo por causa do "dialecto", como se chamar dialecto ao que se fala e escreve no Brasil seja um insulto! Logo no Brasil, que é um poço de dialectos! Enfim, gostaria que as pessoas reflectissem, mas ao que vejo, reflectir é algo inacessível a muitos.
E os que mais criticam são os que menos fazem em prol da Língua Portuguesa.
Isabel A. Ferreira
Entrevista de Pedro Marques a Francisco Miguel Valada, intérprete de conferência nas instituições comunitárias, mestre em Linguística e Estudos Literários pela Universidade Livre de Bruxelas (VUB) e activista contra o novo acordo ortográfico.
Como intérprete de conferência e como linguista, o que sente ao ver a língua portuguesa levar o caminho sinuoso de desastre total através do novo acordo ortográfico e das suas múltiplas interpretações?
Em primeiro lugar, peço desculpa pela demora em aceitar dar-lhe esta entrevista. O ano de 2017 foi um ano extremamente ocupado, como será, aliás, 2018. Por isso, eis-me já aqui. Não quis que esta minha dívida fosse saldada depois de Janeiro.
Quanto ao desastre – total ou parcial – está previsto há imenso tempo. No entanto, como vemos pela sua pergunta, as múltiplas interpretações estão aí, são uma realidade perceptível, o quadro teórico não é sólido, as formações foram uma anedota. Já escrevi acerca das opiniões de uma formadora, ainda por cima com responsabilidades associativas, que diz que a palavra Egipto pode ser objecto de dupla grafia, o que vai completamente contra a letra do texto do acordo ortográfico de 1990. Nem é preciso ir ao espírito, basta ir à letra. Se uma formadora desta dimensão comete calinadas destas, é muito natural que outros, contratados ad hoc e formados à pressa, as cometam. Além de o texto ser ambíguo, mas essas são contas de outro rosário. O que sinto? Sinto pena: pena da situação, pena de quem ainda não percebeu a gravidade da situação, pena de quem encolhe os ombros perante o problema.
Escreveu o livro Demanda, Deriva, Desastre – os Três Dês do Acordo Ortográfico. O que o levou a aprofundar o acordo ortográfico e escrever um livro para levar os leitores a debruçar-se sobre o que este novo acordo permitiu? O que tem aprendido desde então?
Tenho aprendido imenso. O livro cumpriu o seu papel em 2009. O debate andava demasiado circunscrito à retórica política e decidi dar o meu modesto contributo para que as questões linguísticas viessem ao de cima. Começou por ser um pequeno ensaio, mas depois acabei por escrever o livro. Infelizmente, desde então, muito tem acontecido neste dossier. Por exemplo, nos últimos anos, tenho aprendido que, independentemente dos factos, independentemente dos pareceres, independentemente da vontade de agentes políticos antes de serem eleitos para cargos, depois da eleição e da nomeação tudo continua exactamente na mesma.
Através do seu livro, das várias publicações no jornal Público e no Aventar onde publica frequentemente e do grupo Acordo Ortográfico Não, de que forma tem conseguido levar a que conheçam melhor o acordo, que o discutam e que reflictam nos prós e contras?
Apresentando os factos e mostrando que há agentes que se estão nas tintas para os factos. É verdade que há petições e audições. Contudo, aceite o pedido e ouvidas as partes, não há mais nada. E depois o processo repete-se. Mais uma petição, mais uma audição. E andamos neste rame-rame, neste faz-de-conta. Cumpro a minha parte de cidadão, mas do lado do poder a resposta é sempre vaga e ambígua. O enquadramento teórico e a perspectiva técnica são aspectos – peço desculpa por usar esta palavra neste contexto –facultativos. Mas é importante que se saliente esta área, para mim, a mais relevante.
Em 2012 disse em entrevista que o AO90 era um desastre e nas suas publicações apresenta imensos textos sublinhando as inúmeras palavras escritas de diversas formas consoante o jornal, a televisão ou outro. Desde então como vê os resultados da aplicação do acordo ortográfico em cada vez mais canais, jornais, e pessoas que têm aderido?
Com tristeza, porque já se previa que isto ia acontecer, mas ninguém com responsabilidades na matéria ligou aos avisos. Como agora a confusão está instalada, os responsáveis continuam a não ligar nenhuma, não vá alguém descobrir que a culpa é deles. Como é público, nem os principais responsáveis pela aplicação do acordo ortográfico de 1990 dominam a matéria. Vá a um motor de busca na Internet e procure “agora ‘facto’ é igual a fato (de roupa)”. Não se retractam (não se esqueça do cê, quando passar isto a limpo, se não ainda julgam que estou a falar de selfies) e andam por aí a espalhar a confusão.
“Os lemas em ‘-acção’ e a base IV do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990” – Em que se baseou para escrever este artigo? Na IV base do acordo ortográfico, na aprofundação das bases e do estudo feito também ao AO45? Para si quais são as maiores incongruências? Quais são as falhas que têm resultado desde que começaram a fazer alterações na grafia?
Utilizei uma base de português actual e seleccionei um corpus, ou seja, um conjunto concreto de dados linguísticos para levar a cabo uma descrição de determinado padrão. Neste caso, extraí palavras terminadas em -acção e palavras terminadas em -ação, para elaborar um estudo comparativo. Tenho um certo orgulho neste texto, pois foi um estudo submetido a arbitragem por pares académicos, cuja identidade eu desconheço, os quais, por seu turno, também desconheciam a minha identidade: é aquilo a que os anglófonos - nativos ou adoptivos - chamam double blind peer review. Ou seja, o estudo foi publicado por se considerar que o conteúdo era, no mínimo, interessante para ser debatido cientificamente. Ao contrário do acordo ortográfico de 1990, elaborado em cima do joelho e aprovado por leigos na matéria.
O novo acordo assenta na base da unificação da língua. Na criação do acordo fizeram-se vários vocabulários ortográficos de apoio e dicionários, tendo em conta que a premissa seria unificar a língua. Desde que foi aplicado, foram ignorados pareceres, processos jurídicos e as próprias regras da CPLP. Em que é que a ortografia se unificou e de que forma a ortografia/língua/cultura se tem denegrido desde a aplicação deste acordo e desde a reforma de 1911?
Não consigo responder-lhe completamente a essa pergunta, sem estarmos um dia inteiro à volta dela, porque existe um interessante, até indispensável, contexto histórico a ter em conta. Há uns tempos, na inauguração da secção portuguesa da livraria Filigranes, em Bruxelas, quando entrevistei Jacinto Lucas Pires (um excelente escritor, uma pessoa espectacular, com óptimo gosto clubístico, mas com péssimo gosto ortográfico), lembrei-lhe o que aconteceria ao título de um livro dele, se optasse por O Aspecto da Recepção.
Só para que os leitores desta entrevista percebam a mentira da “unificação”, esse improvável título, em condições normais, ou seja, antes do acordo ortográfico de 1990, seria O Aspecto da Recepção em todo o lado: em Portugal, no Brasil, em Angola, em Moçambique, etc., etc. Todavia, com o acordo ortográfico de 1990, só no Brasil (repito: só no Brasil) se manteria O Aspecto da Recepção: em Portugal, em Angola, em Moçambique, etc., etc., passa a O Aspeto da Receção. Sublinho: esta divergência é causada pelo acordo ortográfico de 1990. A unificação ortográfica é uma falácia.
Quais são os seus sonhos para a língua portuguesa e para Portugal?
Para Portugal, no tempo actual, sonho com a adopção de bons exemplos nacionais ou estrangeiros e que a educação esteja no cerne da acção e não só do discurso. E desejo que os responsáveis políticos não se limitem a ouvir peticionários e a pedir pareceres. Sonho com um mundo em que aqueles que solicitam pareceres percam alguns minutos a lê-los e a reflectir acerca deles – e que, quando ouvem peticionários, não marquem audições em cima das sessões plenárias, se não, não conseguem escutar com atenção aquilo que os peticionários vão dizer, limitam-se a ouvir os colegas que ficaram a assistir e aprendem pouco sobre o que se passa cá fora. Quanto à língua portuguesa, desejo-lhe o mesmo que a si e a mim: paz e sossego.
Obrigado pelo seu tempo, votos de bom trabalho.
Fonte:
Diz-se que Margarita Correia é linguista e especialista em lexicologia, ou seja, estuda as palavras como se as colocasse num microscópio. Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa foi recentemente eleita presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) um organismo da CPLP, e proferiu esta inacreditável sentença: «As reformas ortográficas não são feitas para os velhos. São feitas para o futuro».
A senhora linguista até tem razão. As Reformas Ortográficas são feitas para o futuro. Contudo, a senhora linguista esqueceu-se de especificar que Reformas Ortográficas e para o futuro de quem.
Primeiro, o AO90, não é uma reforma ortográfica, mas simplesmente uma cópia (mais acento, menos acento, mais hífen, menos hífen, mais pê, menos pê, mais cê, menos cê) da grafia brasileira, saída do Formulário Ortográfico de 1943, efectuado no Brasil, portanto, antes da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira 1945, que o Brasil assinou, mas não cumpriu, tendo atirado ao caixote do lixo esse compromisso.
Bom, e é a cópia desse Formulário Ortográfico de 1943 (mais acento, menos acento, mais hífen, menos hífen, e meia dúzia de pês e cês que não emudeceram no Brasil) que a senhora linguista considera reforma ortográfica, e, na verdade, ela não foi feita para os velhos, mas também não foi feita para os novos, porque simplesmente não foi feita, nunca existiu como reforma ortográfica.
O que se fez foi pegar na actual ortografia brasileira, em vigor desde 1943, modificar-lhe uns acentos e uns hífenes, para disfarçar, e chamar-lhe acordo ortográfico de 1990, engendrado por Malaca Casteleiro (Portugal) e Evanildo Bechara (Brasil), e que apenas os serviçais portugueses aplicam, e que realmente se destina ao futuro, mas ao futuro dos futuros analfabetos.
Francamente, senhora linguista! Esperava-se muito mais de quem estuda as palavras como se as colocasse num microscópio… Ao que parece, o microscópio de V. Excelência é cego.
Para quando a extinção da CPLP e da IILP, dois organismos completamente dispensáveis, porque absolutamente inúteis?
Isabel A. Ferreira
Fonte:
Via e-mail, frequentemente recebo pedidos de informação, ou mesmo uma opinião sobre o que está a passar-se a propósito do despropósito de um acordo ortográfico que ninguém pediu, não é necessário, sendo, portanto, inútil, e muito menos é um acordo racional.
E é sobre o que escrevo em privado, que partilho, hoje, em público.
Não sou Filóloga, nem Linguista. Tive de dar aulas de Português, porque os de História tinham de ministrar também a disciplina de Português, para a qual, no entanto, nunca foram preparados na Universidade. Daí, ter tido a necessidade de estudar a Língua Portuguesa, mais aprofundadamente, para não defraudar os meus alunos.
Aprendi a ler e a escrever no Brasil, e fui estudando cá e lá, ao longo da infância, adolescência e juventude. Conheço a fundo as duas versões do Português, para poder dizer, com conhecimento de causa, e sem titubear, que o que nos estão a impingir, hoje, é a ortografia brasileira, que eu aprendi na escola primária, no Brasil. Com que intenções fazem isso? Naturalmente com as intenções mais obscuras por parte de Portugal que, servilmente, se curva aos interesses exclusivos do Brasil.
Não sou propriamente avessa aos neologismos, quando estes têm fundamento. Não gosto de certas adaptações de palavras estrangeiras para Língua Portuguesa, se lhes retiram a elegância. Estou a lembrar-me de “avalanche”, do francês “avalanche”. Detesto a palavra aportuguesada “avalancha” que não tem graciosidade nenhuma. É uma palavra espessa. Eu utilizo o termo “avalanche”, que existe nos nossos dicionários (quando digo nossos, descarto os novos dicionários acordistas, que não são nossos). E isto é como chamar João Lenão ao John Lennon. Não gosto de palavras espessas, e agora com o AO90 é o que mais existe, por aí: palavras espessas e muito deselegantes.
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Passando às questões:
Acessibilidade (do latim accessibilitas, -atis) significa qualidade do que é acessível, alcançável, atingível.
Jamais pode ser aplicada como acesso (entrada) a alguma coisa.
Os que usam o vocábulo acessibilidade para significar “acesso” cometem uma grande calinada.
Mas as calinadas são aos milhares: eles “cOmprimentam-se”, eles “fOncionam”, eles dizem das suas "circOnstâncias", à última DA hora, eles aplicam mal os tempos dos verbos, eles não sabem Português. Estou a referir-me aos governantes responsáveis pela decadência da Língua Portuguesa. Estejam atentos ao modo como falam.
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Quanto ao “contratualizar” (contratual + izar), significa estabelecer as regras contratuais de…; pôr em contrato.
Deriva da palavra CONTRATUAL do francês “contractuel” relativo a um CONTRATO (= convenção, acordo).
Contratar = empregar (do latim contractare)
Contrato (do latim contractus)
Ambas as palavras perderam o C antes do AO90. São daquelas excepções, à regra.
A palavra “contratualizar” não existe nos dicionários de Língua Portuguesa, mas não me faz mossa.
Porque o vocábulo “contractar” não existe.
O que existe é “contracto” (do latim contractus) = contraído, encolhido, que sofreu contracção = CONTRAÍDO.
E como contratualizar significa “fazer um contrato”, é um neologismo que não faz mossa na Língua.
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Porém, não me venham com “parabenizar”, uma palavra horrorosa que os portugueses andam a adoptar do brasileiro (e que me desculpem os brasileiros, também as temos horrorosas, por cá). É como “apenado” (condenado, o que sofreu uma sanção penal); ou “estrelar” (protagonizar - o Johnny Depp estrelou o filme «Piratas das Caraíbas», talvez com umas batatinhas fritas…), palavras americanizadas, escusadamente, até porque temos vocábulos tão mais graciosos, em Português.
Mas há muitos mais que agora não me ocorrem.
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Pois se fôssemos a seguir essa regra parva de "perde a consoante porque não é pronunciada" teríamos de aumentar a lista em várias centenas de palavras.
É que a lógica dos acordistas, quanto à supressão das consoantes mudas, é tão ilógica que se lhes perguntamos por que (h)avemos de suprimir a consoante em faCtor, porque não pronunciamos o C, por que não a suprimir em (h)avemos, uma vez que também não pronunciamos o H? E eles não têm uma explicação racional para o fazer. Mas eu já vi por aí escrita este conjunto de letras - ospital. Talvez porque o H passe despercebido… como no vocábulo “umidade” (Humidade em Portugal), que no Brasil se grafa sem H, porque o H passa "despercebido" na palavra... (li isto no Ciberdúvidas), e li mais, ainda se escreve, por exemplo, (h)oje e (h)ora, com H, porque, por força do uso, algumas palavras com H inicial já têm fixação visual e deixa alguma perplexidade grafias como "oje" ou "ora"... Foi o que li no Ciberdúvidas.
Considero esta “explicação” de uma inteligência raríssima.
Pois se aos acordistas a grafia “oje” (por hoje) e “ora” (por hora) causa perplexidade, porque aquele H mudo inicial já tem fixação visual, a mesma perplexidade, causam grafias como "fatura" (fâturâ), "fator" (fâtôr), "fração" (frâção), “direto” (dirêtu), “diretor” (dir’tôr), “objeto” (objêtu), “rutura”, “receção” (r’c’ão), "exceto” (eiscêtu), “Egito”, “aspeto” (âspêtu), “adoção” (âdução), “inseto” (insêtu), “ação” (âção), “deteta” (d’têtâ), “exato” (ixâtu), enfim, estes e centenas de outros abortos ortográficos, que, assim escritos, é obrigatório pronunciá-los conforme está entre parêntesis, e nada significam.
E é deste modo híbrido que os acordistas justificam a supressão das consoantes mudas em palavras onde elas são indispensáveis, e não fazem cair as outras porque, visualmente, elas criam perplexidade!!!!! Isto é de quem não tem a mínima noção do que diz, do que faz e do que vê, é de quem não tem o mínimo conhecimento da estrutura das Línguas, de todas as Línguas. Lamentável! Inaceitável!
Depois existe um outro pormenor: quando me dizem que os estrangeiros percebem o “brasileiro” melhor do que o Português… É MENTIRA! Na escrita, um inglês, um francês, um espanhol ou um alemão que não saibam muito bem o Português, se depararem, por exemplo, com as palavras directo, director, factor, reconhecê-las-ão imediatamente. Ao contrário, se depararem com “direto”, diretor, fator, não saberão o que isto é. E estas palavras são exclusivamente do léxico brasileiro.
Eu, que não domino o Alemão, mas domino o Inglês, consigo entender uma frase em alemão tirando pela pinta as palavras. E isto acontece porque a etimologia é a mesma em muitíssimos vocábulos. Somos da família indo-europeia. Não somos da família sul-americana, aliás, cuja língua, à excepção das línguas nativas, é oriunda da Europa.
Quando eu digo que se fala mal, ou escreve mal, no Brasil, refiro-me ao emprego do tempo dos verbos, dos plurais, dos artigos, dos pronomes, da acentuação, que o comum dos Brasileiros não sabe aplicar, muito por culpa do "não-ensino" da Gramática, nas escolas. Não me refiro ao "sotaque" que, até lhe acho piada.
E o que se fala e escreve no Brasil será a mesma Língua Portuguesa que, por exemplo, os Angolanos e Moçambicanos instruídos falam e escrevem?
É óbvio que os Timorenses, Angolanos, Moçambicanos e restantes povos ditos lusófonos não falam todos do mesmo modo. Até em Portugal, de Norte a Sul, o modo de falar difere.
Mas não é ao "modo" que me refiro. É à "forma" como a Língua é utilizada, é grafada, é pronunciada. Não se conhecendo a Gramática, dizem-se e escrevem-se os maiores disparates.
Quanto à escrita, dos sete povos ditos lusófonos ou lusógrafos, apenas os Brasileiros deformaram a ortografia, mutilando-a e criando palavras sem significado real algum, em Português.
No que respeita ao Inglês e ao Castelhano o que se passa não é bem a mesma coisa. Os povos colonizados pelos Ingleses e Espanhóis não mutilaram as línguas que adoptaram do colonizador. Têm novos vocábulos para designar as mesmas coisas, uma grafia diferente, muito pontualmente, o “sotaque” difere de país para país, mas não mutilaram ostensivamente as palavras. E jamais Inglaterra ou Espanha fariam um "acordo" para adoptar a grafia das ex-colónias. E os falantes e escreventes das Línguas Inglesa e Castelhana também são aos milhões nas ex-colónias deles.
Então porquê substituirmos a nossa Língua Portuguesa, pelo Dialecto Brasileiro ou Variante Brasileira do Português? Por eles serem mais milhões do que os milhões que falam e escrevem Português fora do Brasil? Isso nunca será argumento válido, em parte alguma do mundo, quiçá, do Universo.
E é essencialmente isto que combato, por amor à minha Língua Materna, a Língua Portuguesa, aquela que está em vigor em Portugal, com agrafia da Convenção Ortográfica de 1945.
Isabel A. Ferreira
Este Acordo surgiu da ingénua convicção de que a grafia do português europeu era ordenável a nosso bel-prazer. Não é. Mas podem, e devem, atalhar-se desordens maiores. Hoje. Já. Cada dia perdido, o desastre aumenta.
Fernando Venâncio
01/08/2016 - 07:30
1 - Alguma vez um anti-acordista disse sobre o Acordo Ortográfico de 1990 qualquer coisa boa, mesmo boa? Pois aqui vai uma magnífica. O AO90, ao qual se deseja uma rápida e humana morte, terá deixado um precedente deveras valioso. Pela primeira vez no nosso secular debate ortográfico, a Pronúncia é feita critério decisivo da grafia, assim destronando a Etimologia do topo do pódio, invertendo beneficamente a hierarquia. Mas foi mais sorte que esperteza, já que nunca os autores e promotores do Acordo reivindicaram o cometimento. Só que, no momento de ser aplicada a Portugal essa sã primazia da Pronúncia, as coisas correram mal. Já lá iremos.
2 - Houve um momento, por 1990, em que fomos colectivamente patetas. Ou, em versão atenuada, deixámos a patetice à solta. Tínhamos tido, é certo, o discernimento de rejeitar sem perdão o Acordo Ortográfico de 1986. Era um produto desconchavado, a pingar óleo por todos os lados, um absurdo de alto requinte. Mandava, pois, a mais singela chispa de inteligência que lembrássemos bem alto, a quem de direito, que nem um só dos artífices da façanha pensasse em propor mais o que quer que fosse. Quem concebera o monstro de 86 jamais seria de confiar. Sabe-se o que aconteceu. Aos mesmos exactos e impreparados senhores foi estendida de novo a passadeira vermelha, só se lhes pedindo, por deferência, que apresentassem qualquer coisinha menos repugnante. Pagámo-lo como se viu.
3 - A coisa ortográfica é, hoje, gerida por duas instituições de que não se conhecem mútuos entendimentos: o ILTEC (Instituto de Linguística Teórica e Computacional), encarregado pelo Estado de definir as formas a adoptar, e a ACL (Academia das Ciências de Lisboa), que se declara instância competente para "elaboração e publicação" do Vocabulário Ortográfico do idioma. As suas propostas divergem, às vezes do modo mais arbitrário. Dois exemplos, por recente consulta online.
Ambos os institutos admitem as grafias (e pronúncias) perfeccionismo, perfeccionista, perfectível, mas só o ILTEC patrocina perfecionismo, perfecionista, perfetível. Os dois dão a cara por conceptista, conceptual e conceptualizar, os dois negam a variante concepcional, mas conceptualmente e conceptível admitem-se só no ILTEC e conceptivo só na ACL.
4 - Não resolvendo nenhum real problema, o Acordo veio agravá-los. Mais alguns exemplos, sempre em estrito cenário europeu.
O vocabulário do ILTEC e o da ACL avançam conectar como forma única (excluindo portanto conetar). Mas, surpreendentemente, permitem conectividade e conetividade, conectivo e conetivo, conector e conetor. Não existirá, então, conetar? Os bem informados dicionários online da Priberam e da Porto Editora acham que sim, e neles figuram conectar e conetar.
Para nos orientarmos neste sombrio mundo, tomamos o Dicionário da ACL, organizado por João Malaca Casteleiro (um "dicionário de autor", no fino dizer de Ivo Castro), que fornece pronúncias e se pretende "normalizador", publicado em 2001, com o AO90 já no terreno. Aí achamos, sempre com som k, só conectar, conectivo, conector.
Agora em movimento contrário, pesquisamos os casos de séptico e asséptico. O dicionário de Malaca Casteleiro grafa-os assim, mas só em séptico o p aparece audível. A ACL de hoje apadrinha asséptico e assético, mas só inculca séptico. O oficial ILTEC, esse, avaliza todas as grafias (e portanto pronúncias): séptico e asséptico, sético e assético.
Situações destas multiplicam-se por dezenas. E recordemos que o panorama brasileiro (que o leitor português frequenta, mesmo quando só lhe cai sob os olhos) está longe de coincidir com qualquer destes. Que teria feito, pois, gente sensata? Não teria feito nada. Manter-se-ia longe deste vespeiro, e nunca certamente se meteria a esgaravatar nele.
Tudo isso se fez invocando uma "pronúncia culta", outra novidade conceptual do AO90, não decerto disparatada, mas de aplicação factualmente leviana. A simples realidade é esta: o sistema português das consoantes etimológicas encontra-se, desde há séculos, em profunda instabilidade, digamos tudo, em estado caótico, e não se lhe vislumbra melhoria. Podemos lamentá-lo, podemos tentar abrir aqui e ali corta-fogos, mas a instabilidade veio para ficar. E que fez este AO? Tirou-nos duma situação em si suportável, e introduziu-nos, sem ganho nenhum, num emaranhado de perplexidades.
5 - A indecisão da nossa pronúncia não pára no articular de consoantes. As vogais, também elas, e sobretudo o a, podem comportar-se caoticamente. Veja-se o caso da primeira vogal do prefixo para - no vocabulário do ILTEC. É aberta em para-brisas, para-choques, para-raios, para-sol, mas fechada (e repare-se na grafia) em paraquedas. O fechamento em paramédico ou paranormal, podendo explicar-se, continua da ordem do especioso.
Também as vogais que precedem consoantes etimológicas vêm sendo historicamente afectadas. De modo lento, decerto pontual, mas irreversível, mostram um processo de fechamento (de elevação, dizem os linguistas), também ele de tipo caótico. Pronunciamos àtor, mas âtuar e crescentemente âtriz. Dizemos olfáto mas olfâtivo, exáto mas exâtidão. O próprio dicionário de Malaca Casteleiro ensina as pronúncias àção e àcionamento, mas âcionado, âcionar, âcionista.
Mas há mais extraordinário ainda. Mesmo quando articulamos a consoante, a vogal precedente pode, contra toda a expectativa, fechar-se. Assim, a nossa pronúncia "culta" pede (são meros exemplos) lácteo mas lâcticínio, càpturar e càptura mas câptar, bàctéria (ou já bâctéria?) mas bâcteriano, fácto mas fâctual. É, de novo, o caos em todo o esplendor. Pois bem, num raro pronunciamento público, os fabricadores do AO mostram-se aqui triunfantes. "Estão a ver? As consoantes não fazem serviço nenhum". É uma elaborada forma de cinismo. Em vez de reconhecerem que em sistemas caóticos, ou não se interfere, ou se o faz com tino, apenas esfregam sal na ferida, numa satisfação alarve.
6 - Como se tudo isto não bastasse, a aplicação do AO entrou numa dinâmica perversa. Mal informados, desorientados, os utentes refugiam-se no excesso de zelo, cortando consoantes a torto e a direito, em patéticas violações do Acordo em nome do próprio Acordo. De dezenas de casos documentáveis, citem-se atidão, cócix, helicótero, núcias, oção, óvio, rétil, sução, tenológico. Nem faltam as soluções invencivelmente criativas como "os fatos consumados", "em idade proveta", "travagem abruta", "pato com o diabo" (em reedição de Saramago), "catação de investimento", "o entusiasmo elipsou-se", "a mulher latente".
E que fazem os procriadores do Acordo? Encolhem os ombros, sorriem distantes, não é com eles. Há-de passar. Hipercorrecções sempre as houve e haverá. Tirando isso o Acordo é um sucesso. Não lhes ouvimos um público e curial "Não foi isto o que quisemos!", como se até isso os humilhasse.
7 - Ao fim de anos e anos de queixas, denúncias, ataques, implorações, os inventores do AO continuam, pois, a festejá-lo. Nunca, porém, a protegê-lo. A sério: jamais se viu defenderem materialmente o seu produto. Não existe um simples artigo em que o AO90 veja defendidas as suas concretas opções, esclarecidas naturais dúvidas, expostas vantagens. Em horas de aperto, vêm promessas de não se negar uma revisãozinha, não senhor, mas só com todas as ratificações no bolso. É a mais transparente das chantagens. Se o empenho numa revisão deveras existisse, o racional seria oferecê-la desde já em troca das ratificações em falta. Mas a questão não se lhes põe sequer. Os guardiães do AO sabem que a mais ténue fresta conduziria à implosão do edifício. Chamem-lhes parvos.
8 - Hoje, e de há muito, a eficaz resistência ao Acordo é devedora a autores, a tradutores, a jornalistas e, sim, também a editores. É devedora a ensaístas como António Emiliano (O fim da ortografia, 2008) e Francisco Miguel Valada (Demanda, deriva, desastre, 2009), mais o saudoso Vasco Graça Moura, que puseram em crua luz os abismos de absurdo a que, em matéria de economia linguística, este AO conduzirá. É devedora a professores, gente na primeira linha de fogo, e a muitos, muitos cidadãos. É devedora a activistas na rede como o tradutor João Roque Dias e o colectivo "Tradutores contra o Acordo Ortográfico", que vêm cartografando desmandos, incongruências, arbitrariedades. É devedora ao Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que, mesmo acordizante, se fez repositório de quanto sobre o AO se publica.
Este Acordo surgiu da ingénua convicção de que a grafia do português europeu era ordenável a nosso bel-prazer. Não é. Mas podem, e devem, atalhar-se desordens maiores. Hoje. Já. Cada dia perdido, o desastre aumenta.
Professor e linguista
Fonte: https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/ao90-a-formula-do-desastre-1739935
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