Quarta-feira, 20 de Setembro de 2023

«Em Defesa da Ortografia» LXI, por João Esperança Barroca

 

«Dois artigos no PÚBLICO de ontem dizem-me muito: um, sobre o AO90 que ainda ninguém teve a coragem de liquidar. Por cobardia, porque em tempos o apoiaram, ou por outra qualquer razão obscura, irá fazer 35 anos em breve. Trinta e cinco anos de confusão, de descalabro cultural em que nem a pandemia, nem a guerra da Ucrânia, nem a dimensão da dívida pública, nem a inflação, lhe poderão dar justificação. Tenho 78 anos. Será que ainda conseguirei ver esse monstro derrubado?»

Jorge Horta, em carta ao Director do jornal Público, 01-09-2023

 

«O patético Acordo Ortográfico, que serviu os interesses de meia dúzia de professores frustrados e um primeiro-ministro. O Acordo é uma aberração, as línguas não se mudam por decreto, evoluem por via do seu uso.»

Luís de Matos, Mágico, em entrevista radiofónica

 

«Dito isto, ainda falta o Acordo Ortográfico, que nós oficialmente adoptámos — e que a CPLP — Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, como tal, não — para andar a babujá-lo por livros, escolas e órgãos de comunicação social, em modo original de libertinagem gramatical, nem carne nem peixe, enquanto os nossos parceiros, nomeadamente Angola, praticam o excelente português que herdaram antes de 1990. Já que, pelos vistos, nada se respeita particularmente na frívola CPLP, ao menos respeite-se a matriz de uma língua secular com milhões de falantes pelo Mundo fora.»

João Gonçalves, Jurista, JN, 28-08-2023

 

«Ironias à parte, é de facto extraordinário como de vez em quando, nos órgãos de comunicação social portugueses, há palavras bem escritas no meio da traficância quase extraterrestre que nos vem contaminando a expressão gráfica (e, já agora, em certas palavras também a fala) desde há uns catorze anos a esta parte, a pretexto do chamado Acordo Ortográfico de 1990 (AO90). Se é verdade que no Brasil as palavras "recepção", "aspecto" e "espectadores" se mantiveram como eram em Portugal até esse momento, passaram aqui (e em mais lado nenhum) a escrever-se nas originalíssimas formas “receção”, “aspeto” e “espetadores” (esta como variante, sim, mas permitindo que muita gente passe a “espetar” em vez de simplesmente assistir, ou espectar).»

Nuno Pacheco, Jornalista e autor, Público, 31-08-2023

 

A febre de amputar as consoantes ditas mudas, desfigurando as palavras, é uma das características do inadjectivável Acordo Ortográfico de 1990. O leitor, certamente, reparou que o adjectivo galáctico, do grego gála, -aktos, «leite» + ico, foi, durante muito tempo, a par do sentido relativo a galáxia, utilizado para designar os famosos futebolistas que integravam a equipa espanhola do Real Madrid.

 

O que aconteceu em inúmeros exemplos, como adiante se comprovará, com uma breve amostra, foi que, como ninguém sabe escrever de acordo com as regras estapafúrdias do AO90, vá de cortar o cê, criando a aberração galáctico (a), que não tem nada a ver com lata. Uma breve pesquisa pelos sítios de alguns órgãos de Comunicação Social mostrou-nos as seguintes ocorrências:

 

  1. «No Real Madrid, o britânico chegava à realeza do futebol mundial. Na era dos Galáticos, juntou-se a Figo, Zidane e Ronaldo. Cinco centenas de jornalistas de 25 países assistiram à apresentação.» Tribuna Expresso, 22-05-2023

 

  1. «Pelo meio, foi treinador principal do Real Madrid, à frente da mítica equipa dos Galáticos da qual faziam parte grandes estrelas como Zidane, Luís Figo, Ronaldo ‘O Fenómeno’ e David Beckham.» Tribuna Expresso, 01-03-2023

 

  1. «A celebração do 40.º aniversário do filmeO Regresso de Jedi,que foi lançado nos cinemas a 25 de maio de 1983, transformou o Museu da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Los Angeles, numa gigante aventura galática para os fãs de Star Wars.» DN, 09-05-2023

 

  1. «O inesperado mega-sucesso de Star Wars, estreado em 1977 (com o título português A Guerra das Estrelas), levou-o a dedicar-se por inteiro à saga galática, oferecendo o projeto de Indiana Jones ao seu amigo Spielberg. DN, 11-06-2021

 

- A vida é comum, mas existe uma espécie de "código de conduta galático" (uma "Prime Directive" tipo Star Trek) que faz com que espécies ainda pouco desenvolvidas (como nós) não sejam contactadas ou que o sejam de forma cautelosa (é este, no fundo o argumento de Contacto; e é isto, no fundo, o que diz o ex-general Haim Eshed. Neste sentido, as palavras do antigo militar não estão totalmente longe daquilo que pensam alguns cientistas);

     - A vida é comum mas existe um imperativo de sobrevivência galática que faz com que todas as civilizações se escondam umas das outras (SPOILER: é este o muito inteligente argumento da trilogia de livros Remembrance of Earth's Past do autor chinês Liu Cixin, que vai ser transformada em série para a Netflix, com o título The Three Body Problem pela mesma dupla que adaptou Game of Thrones).» Ricardo Simões Ferreira no DN, em 10-12-2020

 

A pergunta do costume é: se é assim na Comunicação Social, como será com o cidadão comum?

Ah, vale a pena ler integralmente a crónica de Nuno Pacheco “Voltámos à ‘recepção’? Mas afinal que país é este, hã?» de 31 de Agosto.

 

João Esperança Barroca

Barroca 1.png

Barroca 2.png

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:51

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