De Manuel Alte da Veiga, Professor aposentado do ensino universitário, recebi, via e-mail, a seguinte mensagem:
«Anexo um artigo publicado no 7 MARGENS, em que remato com uma síntese do «fenómeno AO90». Acho incrível que o chamado Governo guarde silêncio. Não sabe dar atenção. Não revela um nível satisfatório de cultura e sensibilidade. Como é possível elegermos uma Assembleia que não é representante e muito menos defensora da nossa cultura?»
A perplexidade do Professor Manuel Alte da Veiga, é também a minha perplexidade, e a perplexidade de milhares de Portugueses pensantes. Como é possível termos chegado a tão baixo nível linguístico-cultural, a partir do tal “fenómeno AO90”?
Mas vejamos o que nos tem a dizer o Professor Manuel Alte da Veiga sobgbre a nova tradução da Bíblia e sobre o AO90.
Isabel A. Ferreira
Lucas, visto por Andrea Mantegna (c. 1431-1506): Polittico di S. Luca (pormenor); Pinacoteca de Brera (Milão, Itália): “Lucas é o único que nos dá a saber o modo como trabalhou para elaborar a sua obra.”
ENSAIO BÍBLICO DE DIMAS ALMEIDA
(Sobre a nova tradução da Bíblia)
NB: O texto que segue apresenta ligeiras alterações, propostas pelo 7 MARGENS.
SOMOS CONTINUADORES DAS GRANDES PERGUNTAS
Sobre o ensaio bíblico de Dimas Almeida
Os exemplos de tradução dos evangelhos, dados por Dimas Almeida, no 4º texto do ensaio que publicou no 7 MARGENS, foram objecto de discussão num pequeno grupo de amigos. Para os meus 5 anos de grego já patinado, o texto de Dimas é o que melhor representa o original. Ficámos a pensar que os 2000 anos passados não nos fazem mais inteligentes ou mais simples, mas sim continuadores das grandes perguntas e dos grandes interesses, com as mesmas tendências fundamentais positivas e negativas, embora sujeitos continuamente a novos condicionalismos. Até gostamos de usar expressões praticamente idênticas. O que é patente nas traduções propostas por Dimas: parecem mais próprias do que se diria hoje em circunstâncias paralelas.
Mas faltava-me ver traduções de passagens «delicadas», como as que se referem à última ceia e sobretudo aos vários títulos que os evangelistas e escritores ou comentadores ao longo dos tempos foram aplicando, com avanços e recuos, à pessoa e missão de Jesus. O texto nº 9 chamou-me a atenção, ao falar de Logos eterno, de filho de Deus, unigénito, etc..
Como é próprio de conceitos «ricos», o significado de monoghenês e theós dificilmente poderá ser definido e facilmente servirá de apoio a ideias preconcebidas. Mas parece-me demasiado obscura, semântica e estilisticamente, a parte em negrito da frase: «Um Unigénito, Deus, o que está no seio do Pai, é que foi seu intérprete». Já o resto da tradução parece muito feliz e mais afim com a noção de Espírito de Deus (que podemos sentir como experiência relacional da íntima e eterna Palavra e Sabedoria). Aliás, a experiência de Deus como «uno», na Bíblia hebraica e no Corão, deveria ser tida em conta nas traduções, como notas ou até enriquecendo as introduções.
Também se deveria dar atenção explícita ao facto de, por trás desta preocupação pelo sentido original dos termos mais provocadores de dissensões, se desenharem cada vez com mais força sentimentos quer fundamentalistas quer depreciativos. Como acontece aos conceitos de «Palavra de Deus», «Livro sagrado» e «Revelação».
Apresentarei algumas achegas (minhas e não só) sob a forma de questões (à moda das Responsa a Pontificia Commissione De Re Biblica edita, proclamadas sob o fortíssimo peso da autoridade absoluta dessa Pontifícia Comissão – elaboradas desde 1905 até 1933).
QUESTÃO 1: «Palavra de Deus» não será uma expressão compreendida muitas vezes de modo idolátrico e irracional? Como Palavra incarnada, não será equivalente ao estatuto do Corão, à semelhança do que é Cristo para os cristãos?
QUESTÃO 2: Não subsistirá ainda a subterrânea pretensão de descobrir uma «fórmula de Deus» nos chamados livros sagrados? E que cada «fórmula» se apregoa como a única genuína, seja em disputas inter-religiosas seja dentro da mesma confissão de fé? Pior ainda, usando os livros sagrados como se fossem livros de receitas (espirituais, políticas, morais…)?
QUESTÃO 3: Lendo os comentários apensos a The Jewish Study Bible (2.ed.Oxford Univ. Press,USA.2014), The Jewish Annotated New Testament (2.ed.ibidem (2017), The New Oxford Annotated Bible With the Apochrypha.(NRSV.4.ed.Ibidem.2010), guardei a impressão de que o Judaismo, relativamente ao Cristianismo e Islão, aceita melhor a elaboração (razoável) de sentidos diversos. Como que são mais realistas, praticamente admitindo que a palavra original já é uma espécie de tradução do sentimento e pensamento, condicionada pela cultura local, pelas virtualidades da linguagem utilizada e pelas pressões de grupos de poder. Consequentemente, por que não admitir que qualquer edição ou qualquer tradução exprime um incremento da vida espiritual ao reagir perante os textos e comentários ao longo do tempo, estimulando o desejo especificamente humano – compreender-se a si e ao universo e a todas os fenómenos de que vamos tendo consciência? Não teremos que ser mais humildes e enriquecermo-nos com as contínuas interpretações pelos tempos fora?
QUESTÃO 4: As traduções interconfessionais (não só cristãs) não deverão ser preferidas ao trabalho de um só grande autor ou, o que não é melhor, de uma equipa que não se arrisca a pensar fora do respectivo catecismo?
QUESTÃO 5: Se nenhuma tradução é garantidamente livre de contradições, incorrecções e passagens obscuras, em geral já existentes no original, por que não partir do princípio de que TRADUÇÃO NÃO É TRAIÇÃO: é expansão do dinamismo da obra original?
QUESTÃO 6: Por que não aceitar a justificação apresentada pelo próprio texto corânico: as passagens questionáveis só põem à prova a fé ou boa intenção do crente? Aliás, o próprio Maomé (como qualquer outro autor) não evoluiria no pensamento e no agir?
QUESTÃO 7: Por outro lado, se consideramos a Bíblia Hebraica (e os seus Apócrifos e Comentários) como reacção mais ou menos elaborada às várias situações da vida de um povo em formação, não devemos considerar «normais» a existência de passos obscuros e contraditórios?
QUESTÃO 8: Sendo tão importante a exactidão linguística e a retenção dos valores das línguas indo-europeias (particularmente dos ramos germânico e itálico), por que é que se aceitou tão submissa e acriticamente a proposta do chamado AO90? Valerá a pena fechar os olhos às falhas graves quanto à fundamentação científica, legalidade do processo e quais os objectivos que dissimulada, mas realmente interessava atingir? E quanto aos considerandos históricos e geopolíticos? Não importa o embrulho instaurado, que torna mais confusas as traduções (incluindo a mistura brasileiro-português) e delapida a riqueza semântica das palavras (embora estas não sejam «a Palavra»)?
O vírus do facilitismo, interesseirismo disfarçado, mais a indiferença pela cultura e beleza produzem maus originais, péssimas traduções e até abrem portas a pandemias.
MANUEL ALTE DA VEIGA: Professor aposentado do ensino universitário.
Um texto do Professor (aposentado) Manuel Alte da Veiga, de leitura absolutamente obrigatória, para se ficar com a noção do tamanho do crime que o AO90 constitui, e do qual já Vasco Graça Moura tinha dado conta. Aliás, todos os que têm um cérebro saudável e activo sabem e gritam isso mesmo. Apenas as mentes mirradas teimam no erro.
Mas fiquemos com o que nos diz Manuel Alte da Veiga.
Por Manuel Alte da Veiga
«Quem acode ao “mayday” (*) do AO90?»
«O grito até aumenta, mas parece que as pessoas andam perdidas sem saber o que fazer. O temerário voo do AO90 espalhou destroços por toda a parte. Chega-se a preferir que os gritos se cansem ou morra de tristeza e desespero quem na verdade quer alertar para essa poluente combustão sob montes de lixo, que revolta e entristece quem vê as fagulhas traiçoeiramente corrompendo a riqueza da Língua Portuguesa.
Faz parte do renascido movimento dos iconoclastas: contra os símbolos de importantes momentos da História, desde os mais nobres aos mais condenáveis. Capazes de destruir tanto a história de Luther King como a dos campos de concentração. Capazes de vandalizar a assombrosa obra de arte que une todas as pessoas do mundo: a linguagem.
Faz parte do poluente fogo lento que facilitou a Covid-19: ninguém é responsável de nada, porque se destruiu a noção de trabalho responsável – e que o trabalho de cada pessoa é sempre devedor do ambiente natural e humano que herdámos para dele cuidar.
Covid-19 exibiu a destruição das qualidades do ar, da terra e de tudo o que é vivente, aniquilando as forças espirituais que impulsionam e unem a Humanidade. E assim se destrói o sentido e a beleza da nossa Língua.
Quando a gente se submete de mão beijada, cada vez mais essa mão nos obriga a fazer assim ou assado, a falar «achim ou achado», a pagar gabinetes, material novo mas pior… de tal modo «achim» que se fica mesmo «assado»…
Muita gente bem-pensante condenou o AO90. Poucos se manifestaram. Podiam ao menos deixar de assinar a subserviente (vendida?) imprensa e apoiar a imprensa livre e consciente da sua função cultural.
Mas há quem só assine ou compre jornais e livros no Português que já era um hábito adquirido pacientemente e que foi o primeiro grande passo na alfabetização da grande maioria dos portugueses e na publicação significativa que projectou a cultura nacional. Recorde-se, porém, que o AO45, ao preocupar-se sobretudo com uma grafia única oficial, não soube atender à dimensão cultural, histórica e racional, provocando um sério golpe na riqueza e na afinidade europeia da Língua Portuguesa – e serviu de mote aos «novos reformadores».
E por que é que as universidades, incluindo a católica, se apressaram a seguir uma proposta cientificamente errada e legalmente incorrecta? Por interesse de contrapartidas? Para se mostrarem aliados do Poder? Ou para atrair e facilitar o «intercâmbio cultural» especialmente com o Brasil? Ou para desculparem a ignorância dos próprios professores? Entre outros casos, lembro uma aula de Filosofia da Educação, que dava a alunos de Física e Química via Ensino: ao entrar, preparei-me para apagar o que o professor anterior tinha escrito no quadro, mas os alunos pediram para ler o que estava escrito - um ror de erros de ortografia e sintaxe.
O Presidente da República falou contra o irresponsável apetite de se mudar volta e meia o currículo escolar, quando não o próprio sistema educativo. Por que será que os Estados querem dominar ditatorialmente os sistemas educativos? Será por honesta defesa da cultura?
Também disse o nosso Presidente que o após Covid seria o tempo para mudar o que está mal. Porém, nem sequer discute o «crime cultural» provocado pelo AO90. De que tem medo? De «mais uma mudança»? Na verdade, o AO90 foi sobretudo a mortificação da vitalidade da nossa Língua e a conjunção de interesses de promoção pessoal (sem cabal justificação científica) com interesses económicos (perfeita oligocracia).
O Governo até podia tomar uma decisão (parece mas não é brincadeira): reconhecer que no espaço nacional (e naturalmente nos espaço lusófono, sem imposição de «acordos»), há dois principais níveis de Língua: o CULTO e o POPULAR; ou OFICIAL e COMUM. No segundo, a grafia poderia ser dupla, admitindo a omissão da primeira consoante dos grupos consonânticos PT (PÇ), CT (CÇ)… (Uma espécie de coabitação entre o Português e o Brasileiro, como acontece entre o Inglês e o Americano).
À medida que me pus a aprofundar a etimologia das línguas indo-europeias e particularmente da linhagem greco-latina, verifiquei que desde há séculos se dá a tendência para eliminar a primeira consoante desses grupos. Contudo, a consoante representativa do radical é justamente a primeira – pois o T apenas indica ter-se feito a derivação através do «supino», forma verbal que praticamente indica estar «feita» (supino irregular de «fazer») a acção implicada no verbo. A tendência geral parece ser a de suavizar ou eliminar as consoantes mais duras.
Acresce que muita gente culta ou estrangeira pronuncia, com maior ou menor ênfase, essas temerosas consoantes. Serei obrigado a deixar de pronunciar excePto, aCto, inseCto, deteCtive, eleCticidade, óPtica, deteCtar, adoPtar, espeCtáculo, entre quase a lista inteira de palavras infantilizadas? Ganhei o hábito de não pronunciar o P em óPtimo ou em recePção, mas pronuncio oPtimizar e não desejo que as recePções sejam recessões…
O facto de coexistirem a «língua de feirantes» (pragmática e normalmente mutável) e a «língua culta», atenta à riqueza semântica e à precisão dos conceitos e da gramática, cuja estabilidade protege a história e etimologia comum (a arqueologia cultural) da família greco-latina, é uma das razões principais para manter a grafia culta – e cultamente consciente das variantes populares e das tendências fonéticas.
A formação dos professores de Línguas só se revelou um sucesso naqueles que se sentiam vocacionados para tal, e, portanto, capazes de persistente esforço para que tanto a formação na especialidade como na cultura geral se enriquecesse com os condimentos de reflectida pedagogia. Os ramos educacionais afastaram-se demasiado dos departamentos ou faculdades da especialidade. O ensino da Língua Portuguesa exige que «a aula aconteça», como dizia Sebastião da Gama: o que só é possível quando se cria um ambiente de entusiasmante descoberta das suas virtualidades e segredos, entre as quais o jogo das palavras do ponto de vista fonético, morfológico e sintáctico. E sem humilhação pelos «erros»: estes dão azo a aprofundar a alma da Língua e exemplificam as tendências e virtualidades fonéticas, cuja possível diversidade exige, por motivos racionais e estéticos, a defesa dos radicais comuns. Só assim a família das palavras aponta para o conjunto das importantes experiências humanas nelas reveladas, fortificando a ideia central ou núcleo.
É verdade que o Brasil publica muito mais obras científicas (sobretudo traduções directamente da Língua original) e entre elas os primeiros dicionários etimológicos da Língua Portuguesa (mas tenho um dicionário que anota, no prefácio, seguir o português que é falado na região sob a influência cultural da cidade de S. Paulo…). Como grandes obras no domínio das ciências da Educação, Psicologia e Sociologia, Religião e Teologia… Se no ensino superior houvesse necessidade de uma obra alemã, teríamos que procurar a tradução no Brasil. Note-se que o Brasil pode escolher milhões entre milhões, é uma nação de influências diversas, por migração ou contágio geopolítico, além de uma cultura autóctone com riqueza cultural muito diversificada. Será que os portugueses, para se orgulharem deles, têm que passar a escrever e falar como eles, ou vice-versa? A Língua Portuguesa nasceu e continua a enriquecer-se sob a influência dominante de grandes ramos do indo-europeu e da situação geopolítica da Europa.
Mas nem o Houaiss («traduzido» para português por Malaca Casteleiro), nem o dicionário da Academia das Letras ou Lello ilustrado… se preocupam com uma verdadeira introdução ou prefácio sobre o fenómeno linguístico. Nos «bons» dicionários de inglês, francês, espanhol, alemão… encontramos «a alma» da respectiva língua, a sua evolução e tendências, ligação com línguas da mesma origem, etimologia com exemplos apelativos, etc. Abordam a questão dos sinónimos e antónimos, bem como a formação das palavras. Sem estas componentes, ignoramos o valor próprio de cada palavra – reflexo das referidas experiências humanas; e arriscamo-nos a usar sons como quem papagueia ou quase como irreflexo «ladrar». Por outro lado, pertence ao dicionário incluir mais do que excluir – como expressões familiares ou regionais (tá, tamém, atão…). E porquê deixar de incluir vocábulos e locuções estrangeiras? Seremos menos dotados do que os nacionais desses países? Locuções latinas, gregas, francesas, inglesas…
E porquê o belequendeque, viquingue (se até já recuperámos o k,w,y!), estoque e o disparatado mídia? Ou apresentar o vocábulo «Bus» como derivado do inglês «bus», ignorando a interessante e enriquecedora história de «omnibus» e cometendo erro científico? Outro importante porquê: em Portugal, não deveríamos exigir legendas e instruções no Português que nos compete aprofundar em vez de infantilizar?
A informática veio naturalmente (mas também perversamente) responder à nossa apetência pela velocidade, rapidez em ser o primeiro, a ficar-se por um simples toque ou com ícones da mais sumária simbologia, por vezes sem ar nem graça (como os ícones da Universidade do Minho, destruindo resmas de papel com o «brasão» de Braga, tão rico de simbologia e história). E quem aprecia o prazer de rever o que escreveu, atendendo à exactidão e beleza da Língua? Prevalece o mais fácil, o que não precisa de ser pensado, os likes ou cruzinhas… em total sujeição ao que um grupo de poder nos impõe – com bom senso? Honestidade? Fundamentação científica?...). Ao dactilografar, já nos é apresentada a frase mais provável. Isto é: não pense, deixe-se ir…
A grande revolução actual no campo da comunicação irá provocar mais desentendimentos, obscurantismo, ignorância… se não estabelecer uma base firme, assente nas «primeiras pedras» de cada cultura. Esta base é que garante a continuidade no tempo. Por outro lado, permite compreender e descobrir como tirar partido, racionalmente, dos modos tão diversos e criativos que enriquecem a comunicação. Estes modos de comunicação ainda não apareceram devidamente referidos, catalogados e explorados – e apresentados no prefácio de bons dicionários.
A linguagem do povo de cada nação tem que ser reconhecida oficialmente. Mas os dicionários, bem como as obras didácticas, não deveriam estar submetidos a parlamentos ou coisa do género. Quantos parlamentares estarão no hemiciclo apenas para votarem no líder ou líderes do partido? Se fossem mais cultos ou honestos, seriam perigosos para a política dominante (reproduzindo a estratégia de que é mais seguro mandar com a ignorância ou preguiça dos outros).
Que dizer de uma democracia não assente na cultura e honestidade de um povo? Que dificulta a criatividade e o próprio desenvolvimento económico, por meio de aberrante burocracia, manipulada educação e desconfiança de quem pensa e quer servir o maior bem geral com genuína liberdade?
Manuel Alte da Veiga, Aveiro, 2 de Agosto de 2020.»
***
(*) Para quem não sabe: “mayday” é uma palavra-código para emergência. É usada em todo o mundo nas comunicações emitidas por tripulantes de aeronaves ou de navios, quando estão em situação de risco. Faz parte do Código Internacional de Sinais e do Código Fonético Internacional.
Nota biográfica de Manuel Alte da Veiga
1- Nasceu em Mogofores (Bairrada), 4 Janeiro 1941. Casado. Três filhos. 2- Formação secundária e superior em instituições da Companhia de Jesus, tendo organizado vários eventos de índole científica e social. 3- Licenciado em Filosofia (1965) e Filosofia e Humanidades (1978). Curso da licenciatura em Psicologia Clínica na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica) (1972-1976), como bolseiro do Instituto de Alta Cultura. 4- Doutorado em Educação (Universidade de Aveiro, 1986), tendo preparado o doutoramento, como bolseiro, no Institute of Education da Universidade de Londres. 5- Professor Associado de nomeação definitiva, no Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho. 6- Professor Agregado em Ciências da Educação, por unanimidade, pela Universidade de Coimbra (2003). 7- Aposentado em Outubro 2005. 8- Fundou e organizou os Departamentos de Ciências de Educação das Universidades de Aveiro (1976) e Vila-Real (1988). Pertenceu à direcção e Conselho científico de dois Centros de Formação de Professores e de outros Institutos Superiores. Formador de Professores em exercício. Pertenceu à direcção de Associações de Pais e de sindicatos de professores, colaborando desde 1976. Várias vezes director de departamentos de Educação/Pedagogia (5 anos em Aveiro, 3 anos na UTAD e 5 anos em Braga). 9- Prática em Jardins de Infância, Ensino Básico e Secundário, tendo leccionado Português, História, Psicologia, Filosofia, Latim e Grego. No Ensino Superior, leccionou várias disciplinas no domínio da pedagogia, psicologia e filosofia. Responsável de História e Filosofia da Educação e do mestrado em Filosofia da Educação, orientando várias teses de mestrado e doutoramento (sobretudo na Universidade do Minho, 1990-2005). 10- Formador (registo CCPFC/RFO-09853/00) em Educação Comparada, Filosofia da Educação, Educação e Valores, Educação Multicultural. 11- Desde a aposentação, colabora com várias universidades e institutos superiores (públicos e particulares) e mantém a actividade científica. 12- Foi Bolseiro do Instituto de Alta Cultura, da Direcção Geral do Ensino Superior, da Fundação C. Gulbenkian, do Instituto Nacional de Investigação Científica, Erasmus e Instituto de Inovação Educacional (na Bélgica, UK, Alemanha, Dinamarca, EUA). 13- Membro de várias sociedades científicas, nomeadamente Philosophy of Education Society of Great Britain (1982 - primeiro membro português). 14- Trabalhos científicos publicados em revistas diversas (particularmente na Revista Portuguesa de Pedagogia e Revista Portuguesa de Filosofia); conferencista no país e no estrangeiro; colaborador em programas radiofónicos e em jornais. 15- No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (Academia das Ciências de Lisboa e Editorial Verbo, 2001), é citado diversas vezes, pelo menos nos seguintes vocábulos: alienar, catequese, compreensivo, despotismo, educação, ética, ético, finito, fundamentar, marxista, recusa, religião, religioso, rito. No Dicionário de Filosofia da Educação (cord. Adalberto Dias de Carvalho, Porto Editora, 2006), artigos Obediência e Educação, Professor (perfil ético).
16. LIVROS PUBLICADOS: Filosofia da Educação e Aporias da Religião. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica, 1988 (esgotado). Vida, Violência, Escola, Família, Braga: APPACDM, 1998. (3ª ed. em 2003) Um Perfil Ético para Educadores. Viseu: Palimage, 2004. Obediência como matriz da autoridade. Porto: Estratégias Criativas. 2008. Um Critério para a educação? Covilhã: Universidade da Beira Interior, www.lusosofia.net 2009.
17. OUTRA COLABORAÇÃO: 17.1. Liturgia Pagã – um programa desde 1999, primeiramente publicado semanalmente no Correio do Minho e actualmente lançado no site Aveiro e Cultura. Procure no Google ou no seguinte endereço: http://www.prof2000.pt/users/avcultur/altedaveiga/litpag000.htm Neste endereço, encontram-se outros trabalhos e informações, nomeadamente: Lições de Filosofia de Educação. Braga, 2009. 17.2. A árvore de Zaqueu, publicado na secção de «Espiritualidade» do Correio do Vouga.
Ver também:
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(*) Para quem não sabe: “mayday” é uma palavra-código para emergência. É usada em todo o mundo nas comunicações emitidas por tripulantes de aeronaves ou de navios, quando estão em situação de risco. Faz parte do Código Internacional de Sinais e do Código Fonético Internacional.
Este texto, da autoria de Manuel Alte da Veiga (Professor universitário aposentado) é um grito de emergência, porque a Língua Portuguesa, mais do que nunca, está em situação de risco Como se escreve mal e se fala mal nas televisões, um meio privilegiado de comunicação! E o que ali se diz e escreve, ouve-se e se lê, é como estar numa sala de aula.
Não surpreende, pois, que o Professor Manuel Alte da Veiga faça este desabafo: «(…) doeu-me e preocupa-me em particular a inércia dos professores (fui sindicalista e membro de direcções regionais durante toda a minha vida e até nos primeiros anos de reforma). Especialmente os de Língua Portuguesa: manifestaram-se, mas sem coragem para uma eficiente posição fundamentada. O que também resulta da ignorância, má formação e ausência de vocação em muitos dos professores.»
Por Manuel Alte da Veiga (**)
«Lembro um antigo colega (formador em Língua Portuguesa) que não assinou contra o AO90 porque «o Português já ficou muito estragado com o AO45» (sic). Respondi que uma passada infeliz não justifica uma caminhada catastrófica. Mas o meu amigo, infelizmente, remeteu-se à inércia perante os políticos com poder, mas sem autoridade. É verdade que a série de tristes aventuras designadas por AO45 foi uma cedência ao cenário de ignorância, analfabetismo, baixo nível cultural e fraco investimento nesse domínio – além de enfraquecer a exactidão científica de termos cultos. Foi um pontapé de saída do grupo das línguas mais ricas culturalmente.
Como já foi claramente dito neste site de todos os que se querem orgulhar da nossa Língua, os actuais criminosos contra a cultura nem quiseram ver que há cerca de 70 anos, a população «alfabetizada» rondava os 5% e que agora passou para 95%, com outro poder de decisão e hábitos culturais presentes num vasto leque de actividades, nomeadamente no domínio da comunicação.
Já não estamos no tempo em que meia dúzia de pessoas cultas, por muito que fossem verdadeiramente cultas, podiam decidir sobre a forma mais correcta de falar e sobretudo de escrever. E o povo, por tradição, ouvia respeitosamente e fazia o possível por imitar os «senhores doutores». A realidade de hoje é diferente, mas não mudou e até regrediu em certos aspectos: o conceito de Democracia justifica a preguiçosa anarquia; não nos damos ao trabalho de pensar as razões por que elegemos até quem pense por nós; e seguimos sobretudo a tendência animal, mas pouco racional, do Facilitismo. Aliás, o culto da Rapidez e das suas vantagens económicas (para os que se sabem aproveitar dos eternos ignorantes) aumentou a dependência da computação e das Agências do Instantâneo e da Entrega nas Nossas Mãos.
Porém, doeu-me e preocupa-me em particular a inércia dos professores (fui sindicalista e membro de direcções regionais durante toda a minha vida e até nos primeiros anos de reforma). Especialmente os de Língua Portuguesa: manifestaram-se, mas sem coragem para uma eficiente posição fundamentada. O que também resulta da ignorância, má formação e ausência de vocação em muitos dos professores. É a tragicomédia da indiferença conformista. «A gente lá se entende e faz negócios», com os arremedos de qualquer Língua.
Chego a perguntar: «que reacção haveria se o Parlamento propusesse arrasar a Batalha, os Jerónimos… para as pedras serem utilizadas na construção de bairros sociais?»
Verifico o aumento de confusão e descrédito até em jovens universitários. Há conceitos que deixaram de ser compreendidos e de que parece haver vergonha em falar: língua viva, estilo culto ou popular, importância de rigor e beleza na escrita e as vantagens do reforço da comum raiz greco-latina. Quantos professores interiorizaram a importância das consoantes agora abolidas, mas significativas nas Línguas de maior valor cultural? Além da superficial proposta de novas «regras» para uso do hífen, das maiúsculas… Desde há muitos anos que detectei uma espécie de «moda elegante» (a que eu chamo das «meninas do Chiado»): fazer sobressair a vogal tónica (ou intensivamente aberta, como em adÒtar, que aliás vai passando a adutar…) em detrimento das outras sílabas e eliminando consoantes duplas. Na realidade, são precursores da imposta infantilização do Português falado e escrito – que até pode figurar como linguagem ou escrita informal. Defendo maior distinção e reconhecimento da linguagem culta v. popular, na forma oral, mas também escrita. E que não se fale tanto de «regras» (cheias de excepções!) mas de «tendência» – predominante do ponto de vista científico.
O título «Mayday» sugere o voo desvairado dos pilotos do AO90, cheio de gente feliz por levar menos peso de letras, inconsciente do perigo. Se caírem no mar, que seja onde houver golfinhos: dispõem de notável conjunto de símbolos sonoros… E deixem os outros falar e escrever racionalmente…
Curiosamente, sindicatos e associações de Pais não se importaram por se gastar muito mais na renovação de dicionários e livros escolares e na duplicação de excelentes obras de autores portugueses ou de boas traduções; além da «limpeza» em muitas espécies de sinalização pública (que se tornaram menos evidentes para os estrangeiros e para os portugueses habituados, correctamente, a usar a «psicologia da forma».
Vivam os escritores que cultivam a musicalidade, originalidade e riqueza da nossa Língua! Às vezes penso: Quem me dera poder lançar uma Editora «afrolusa»!
Renovo o desejo de se promoverem encontros que unam fortemente quem combate este «crime cultural». E onde se discutam estratégias realistas para o eliminar. Penso mesmo que seria bom organizar encontros com especialistas ou «militantes» estrangeiros. Assim muita gente conheceria melhor o alcance da obra de bons conhecedores do que está e poderá vir a estar em jogo.
Entre nós, o «Público» tem especial autoridade, como empresa onde se encontram autores muito bem preparados para discutir este problema. Felizmente, muita imprensa regional não se vendeu (estou convencido que houve chantagem).»
2020.03.19
Manuel Alte da Veiga (Professor universitário aposentado)
(Nota: os trechos a negrito são da responsabilidade da autora do Blogue)
(**) O professor Manuel Alte da Veiga é primo do já falecido Francisco de Melo Magalhães, que ocupou creio o lugar de Presidente da Associação Portuguesa de Tradutores. Muitas foram as vezes que MAV falou com ele. Profissionalmente dava-se com quem Manuel Alte da Veiga chamava «o maluco casteleiro», do qual discordava. Na revista da Associação publicou o seu primeiro artigo. Não é linguista, mas recebeu excelente formação em estudos clássicos e humanísticos. A sua reforma permitiu debruçar-se mais sobre este tema, embora sem dominar vários conceitos científicos. Soube de jogadas e comportamentos condenáveis aquando da fácil manipulação de Cavaco Silva. Daí ter toda a legitimidade para abordar esta matéria, que preocupa todos aqueles que, em Portugal, são dotados de sentido crítico.
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