Sou cinéfila desde que me conheço. Gosto de ver (bons) filmes principalmente aos fins-de-semana. Para tal vou gravando os que mais me interessam, dos poucos que vão aparecendo. E este fim-de-semana vi três filmes, dos quais tenho muito que contar.
Começo pelo filme Snu (de 2019) - a história de amor de Francisco Sá-Carneiro e Snu Abecassis, uma boa história, muito bem contada.
Devo dizer que gostei bastante do filme. Boas interpretações de Inês Castel-Branco (Snu) e Pedro Almendra (Sá-Carneiro), mas também do restante elenco, com especial destaque para Ana Nave, fabulosa, na pele de Natália Correia, e para Joana Brandão, na fugaz cena como Manuela (Ramalho) Eanes. Adorei. Gostei da música, gostei do guarda-roupa, da fotografia, da história, enfim, um bom filme, que recomendo.
Como gosto de saber tudo sobre os filmes que vejo, leio sempre a ficha técnica (desde que a mostrem, o que nem sempre acontece). E estava eu muito contente, porque entre a pobreza fílmica com que a TVCine costuma brindar-nos, encontrei o “Snu”, e quando estava quase a chegar ao fim do genérico, leio que o filme é baseado em fatos reais.
Fiquei verde.
Para mim, e para qualquer português que tenha estudado Português, um fato real é o que vemos na imagem: fatos de princesas, de príncipes, de reis de rainhas…
Sendo Snu um filme português, realizado por uma portuguesa, e produzido pela SkyDreams, cuja equipa é portuguesa, e patrocinado pela RTP, aqueles “fatos reais” representaram um murro no estômago, e soaram-me a ignorância.
Se fosse possível, a SkyDreams deveria corrigir imediatamente este grave e feio erro, porque de um grave e feio erro se trata.
Grave e feio erro porquê?
Porque, em Portugal, FATO (vocábulo originário talvez do gótico fat) é um nome masculino que significa vestuário, conjunto de peças de roupa, traje completo masculino composto de casaco, colete e calças ou apenas de caso e calças, ou traje feminino formado por saia e casaco, tudo geralmente do mesmo tecido.
Mas também noutro registo, FATO pode ser um rebanho, nomeadamente de cabras, intestinos, vísceras de gado, bando, quadrilha, móveis e haveres.
Nada que tenha a ver com o filme Snu. Ainda se o guarda-roupa do filme estivesse ligado a trajes usados pela realeza!!! Mesmo assim, seria descabido.
***
Agora vamos aos verdadeiros faCtos, em que o Snu deveria ter-se baseado, e não se baseou.
FaCto é um nome masculino oriundo do Latim factum, que significa aquilo que se fez, façanha, acontecimento, proeza, aCto, feito, coisa realizada…
Posto isto, em Portugal, é verdade que há quem troque os bês pelos vês, e há também quem troque os faCtos por fatos, apenas porque os Brasileiros, em 1943, decidiram, muito erradamente, suprimir as consoantes que ELES não pronunciavam, num infinito número de vocábulos (com o objectivo de simplificarem a escrita, para diminuírem o índice elevado de analfabetismo) entre eles, faCto, juntando a isto o faCto de ELES, os Brasileiros, usarem ternos (do Latim ternus = “três” = conjunto de três pessoas ou de três objectos semelhantes = trio; carta de jogar ou dado com três pintas) e que no Brasil, e apenas no Brasil é um traje masculino composto por casaco, calças e colete do mesmo tecido, que tem correspondência no FATO português, angolano, moçambicano, guineense, são-tomense, cabo-verdiano e timorense.
Daí que, eles, os Brasileiros, não pronunciando o cê de faCto, e usando ternos em vez de fatos, FATO, embora erradamente, para os Brasileiros, e apenas para os Brasileiros, significa aquilo que se fez, façanha, acontecimento, proeza, aCto, feito, coisa realizada…
Para os Portugueses, terno, do Latim tener, significa tenro, mole, delicado, suave, brando, que mostra afecto ou carinho, sensível… Mas também conjunto de três pessoas ou de três objectos semelhantes = trio; carta de jogar ou dado com três pintas, se nos ativermos a “ternus” (três). Nunca referente a vestuário.
Ora chegados aqui, porque haveremos nós, Portugueses, de trocar os faCtos (até porque pronunciamos o cê) pelos fatos brasileiros, unicamente brasileiros, a não ser por uma profunda ignorância da Língua Portuguesa?
E atenção! Os Brasileiros são livres de fazer o que bem entendem com a VARIANTE brasileira do Português, porque a VARIANTE é deles. Só não podem pretender que os restantes países lusófonos comecem a aplicá-la, porque eles são milhões, e os restantes são milhares, número, no entanto suficiente, para garantir o futuro da Língua Portuguesa, no mundo, sem a obsessão mórbida de querermos que o nosso Português seja, à força, uma das Línguas mais faladas neste mundo.
O facto é: os Portugueses NÃO TÊM de imitar os Brasileiros, até porque eles, apesar de dizerem que a Língua oficial deles é a Portuguesa, distanciaram-se tão substancialmente de tudo o que puderam distanciar-se no que ao léxico português diz respeito, que construíram uma outra Língua: a deles. E sobre isto, nada contra.
Só para se ter uma ideia, aqui fica uma amostrinha do que eles dizem e nós não dizemos:
Virada do ano; coalizão/coalização; campesinos, apoiadores; festejos natalinos; cargos de vereança; ônibus; trem; bilhão; caminhão; latição; deletar; xampu; celular; bala (rebuçado); bonde; carro conversível (descapotado); prefeitura/prefeito; bunda; calcinha; história em quadradinhos (banda desenhada); ponto de ônibus; açougueiro; banheiro (quarto-de-banho); comissária de bordo; aluguel; registro; geladeira; grampeador; suco, e um sem-número de outros vocábulos mais.
Pretende-se que escrevamos setor, diretor, ator, objeto, arquiteto, teto porquê? Se nunca diríamos: os apoiadores do prefeito, não querem ver nos cargos de vereança gente que fizesse uma coalização com os campesinos, e por isso foram protestar, nos seus carros conversíveis, para a porta da prefeitura?
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Vi também um outro filme, cujo título em Inglês é «Woman IN Gold» (de Simon Curtis – 2015, protagonizado por Helen Mirren), e que os “tradutores” (?) da TVCine traduziram (MAL), para «A Mulher DE Ouro» e os brasileiros, também MAL, para: «A dama dourada», o que desvirtua o «Retrato de Adele Bloch-Bauer», «The woman IN gold» ou “The lady IN gold», pintura a óleo e folhas de ouro, do pintor simbolista austríaco Gustav Klimt. Adele nem é de ouro, nem é dourada. Adele é de carne e osso, mas está em ouro, está entre o ouro, está cercada de outro, conforme pode ser visualizada na imagem.
O filme é óptimo. Com interpretações fabulosas. Uma história incrível. Porém, a tradução do título e a legendagem são péssimas.
Quando regressaremos às legendagens com qualidade?
Por falar em legendagens com qualidade, vi também o filme «Marie Antoinette», um drama histórico escrito e dirigido por Sofia Coppola, com a actriz Kirsten Dunst, no papel de Marie Antoinette.
Como o filme é de 2006, um tempo em que a Língua Portuguesa ainda era a Língua Portuguesa, e as traduções e legendagens dos filmes estavam entregues a pessoas qualificadas para tal, não tive de me enervar, ao ver que as falas do filme correspondiam às palavras das legendas, escritas em Bom Português.
Não sei quem tutela as coisas da nossa Língua. Talvez os Ministros da Cultura ou da Educação ou do Ensino tivessem uma palavra a dizer. Contudo, actualmente, não temos quem nos valha nesta questão, pois todos os nossos Ministros e até o presidente da República e os deputados da Nação (salvo raras excepções) deixaram-se deslumbrar com os milhões, e adoptaram a variante brasileira, não tendo a noção de que a variante brasileira da nossa Língua não nos representa, nem a nós, nem aos países africanos de expressão portuguesa.
A Língua Portuguesa está a esfarrapar-se a uma velocidade alucinante!
E isto é bastamente desprestigiante para Portugal.
Isabel A. Ferreira
EXCELENTE ARGUMENTO!!! Vale a pena ler.
Por aqui se vê que o AO90 não tem qualquer possibilidade de dar certo em nenhum dos países ditos lusófonos…
Origem das imagens: Internet
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De José Do Nascimento
«Eh Oena,
Nós aqui em Moçambique sabemos que os mulungos de Lisboa fizeram um acordo ortográfico com aquele tocolocha do Brasil que tem nome de peixe.
A minha resposta é: naila.
Os mulungos não pensem que chegam aqui e buissa saguate sem milando, porque pensam que o moçambicano é bongolo.
O moçambicano não é bongolo não; o moçambicano estiva xilande.
Essa bula bula de acordo ortográfico é como babalaza de chope: quando a gente acorda manguana, se vai ticumzar a mamana já não tem estaleca e nem sequer sabe onde é o xitombo, e a gente arranja timaca com a nossa família.
E como pode o mufana moçambicano falar com um madala? Em português, naturalmente. A língua portuguesa é de todos, incluindo o mulato, o balabasso e os baneanes.
Por exemplo: em Portugal dizem "autocarro" e está no dicionário; no Brasil falam "bus" e está no dicionário; aqui em Moçambique falamos "machimbombo" e não está no dicionário. Porquê?
O moçambicano é machimba? Machimba é aquele congoaca do Coelho que pensa que é chibante junto com o chiconhoca ministro da economia de Lisboa. O Coelho não pensa, só faz tchócótchá com o th'xouco dele e aquilo que sai é só matope.
Este acordo ortográfico é canganhiça, chicuembo chanhaca! Aqui na minha terra a gente fez uma banja e decidiu que não podemos aceitar.
Bayete Moçambique!
Hambanine.»
Assina: Ze Macaneta
Publicado no Facebook por Elizabeth Pereira Gabas neste link:
Angola e Moçambique não têm qualquer interesse em ratificar uma ortografia mutilada.
José Marcos Barrica, Embaixador de Angola em Portugal, diz que "Há coisas mais importantes” do que o Acordo Ortográfico de 1990.
Logo, o AO90, não sendo acordado pelos oito países que fazem parte da lusofonia, não tem qualquer validade.
Não tendo qualquer validade, não pode continuar a ser aplicado em Portugal, muito menos ensinado às crianças, nas escolas.
José Marcos Barrica, à semelhança do que disse o moçambicano Murade Isaac Murargy, Secretário executivo da CPLP, antes da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP salientou que «Há coisas mais importantes a ter em conta do que o Acordo Ortográfico. Nós entendemo-nos perfeitamente escrevendo com ou sem alguns cês ou pês. Na nossa óptica, não é uma questão que deva mobilizar os nossos esforços.»
Ora o senhor Embaixador Angolano disse o que disse, e muito bem.
Estávamos nós todos, muito tranquilos, a escrever em Bom Português, e a entendermo-nos perfeitamente, com todos os cês e pês nos seus devidos lugares, por que motivo haveríamos de deitar ao lixo todo um legado linguístico culto e um precioso acervo literário, apenas para satisfazer a vontade obscura de uma minoria?
Refira-se que Angola e Moçambique continuam sem ratificar o AO90, nem o 1.º, nem o 2.º Protocolos Modificativos, o que deverá levar a um recuo, que ficou suspenso por um fio de aranha, quando Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República Portuguesa, visitou Moçambique, e inteirando-se da situação, disse alto e em bom som que o assunto deveria ser ponderado, mas desde então emudeceu, não estando a defender a constitucionalidade, conforme jurou defender.
A Angola e Moçambique, que têm para cima de duas dezenas de “línguas nacionais”, não têm qualquer interesse em ratificar o AO90, que, com as suas duplas grafias, erros e deficiente cientificidade, em vez de unificar a língua, desunificou-a, de tal modo que seria um desastre implementar esta ortografia mutilada apenas porque sim, nestes países africanos, assim como está a ser desastroso em Portugal e, a manter-se, só irá prejudicar o ensino do Português euro-afro-asiático-oceânico, que até 2012 estava de muito boa saúde.
O AO90, que não interessa nem ao Menino Jesus (como sói dizer-se) seduz apenas os subservientes políticos que, vá-se lá saber porquê (ou saberemos?) querem, porque querem, vender por dez réis de mel coado, aquela que é a Língua Oficial de Portugal, consignada na Constituição da República Portuguesa.
E como diriam os nossos irmãos brasileiros: «Nesse mato tem coelho».
Isabel A. Ferreira
Fonte:
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