Tempo Primeiro:
Celebro o Dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas orgulhando-me de ser portuguesa, orgulhando-me da sua História, da sua Cultura Culta (porque anda por aí uma cultura inculta a tentar impor-se, sob as asas de políticos pouco escrupulosos, de quem não tenho orgulho algum), e de todos os Autores Portugueses que souberam honrar a Língua Portuguesa, desde Dom Dinis até aos nossos dias.
Portugal é um país territorialmente pequeno, mas com uma alma grande, que gente ignara, d’aquém e d’além-mar, amesquinha insidiosamente, sem o mínimo Saber.
Contudo, um Povo [que se preze] deve celebrar os valores do seu País mais do que gritar ao mundo as suas desvirtudes. Estas devem ser redimidas na intimidade da sua auto-estima.
E porque tudo vale a pena se a alma não é pequena (citando Fernando Pessoa), este é o meu contributo no sentido de resgatar o bom-nome de Portugal [que anda por aí tão vilipendiado, na boca de quem não conhece as palavras].
Todos os povos têm virtudes e defeitos. Portugal não foge à regra. Contudo, o maior defeito do Povo Português é o de não acreditar nas suas virtudes, [aceitar ser governado por políticos estultos] e encolher-se perante os juízos menores que dele fazem os que desconhecem a grandeza do seu percurso histórico, e de como sempre conseguiu manter-se na corda bamba, sem nunca perder plenamente o equilíbrio.
E isso não é coisa pouca!
[Mas esses foram outros tempos, tempos em que a HONRA fazia Lei].
(O texto em itálico foi retirado da nota introdutória do meu livro «Dom João VI – Como um Príncipe Valente Enganou Napoleão e Salvou o Reino de Portugal e o Brasil», que pode ser consultado neste link:
https://arcodealmedina.blogs.sapo.pt/contestacao-ao-livro-1808-de-laurentino-729191
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Tempo segundo:
Fernando Campos (Foto: Portal da Literatura)
É através do escritor Fernando Campos que celebrarei todos os Autores Portugueses, desde os clássicos, aos hodiernos, que souberam honrar Portugal, honrando a Língua Portuguesa, o nosso mais nobre Património Cultural Imaterial, o único que nos identifica como Povo soberano.
Fernando Campos é um dos mais extraordinários autores portugueses, da minha predilecção. Ficcionista, cronista e investigador, Fernando da Silva Campos nasceu em 23 de Abril de 1924, em Águas Santas, no concelho da Maia (Porto), e faleceu em Lisboa, em 01 de Abril de 2017. A sua prosa é cristalina. É perfeita. É ímpar. Ler Fernando Campos é esquecer a realidade e entrar no mundo fabuloso das suas palavras e dos seus enredos.
De Fernando Campos, neste momento, estou a reler «A Rocha Branca», cujo âmbito cronológico da acção vai dos finais do século VII a. C. à primeira metade do século VI a. C., e no qual a poetisa Safo de Lesbos é a personagem principal. Um livro que recomendo não só pela sua beleza de escrita, como pela riqueza do conteúdo histórico.
Entretanto, seguindo a minha releitura, na página 47, deparei-me com o discurso de Pítaco, rei de Mitilene, que provocou o exílio de Safo, a conspiradora.
E não sei porquê (talvez os meus leitores possam dizer-me), encontrei neste discurso algo que me trouxe aos tempos de hoje. E pensei: o que mudou em todos estes séculos? Este discurso pode ser proferido por qualquer um dos nossos actuais governantes, ou pretendentes a sê-lo, ou poderia tê-lo dito António Oliveira Salazar.
Ontem, como hoje, tirania ou democracia? Eis o grande dilema, que me proponho reflectir com os meus leitores:
«(...)
Um dia Pítaco convoca os cidadãos para a ágora. (...) Ele avança três passos no patamar até à beira da escadaria, levanta a mão e fala:
– Cidadãos de Mitilene! A nossa liberdade está em perigo. Um grupo de conspiradores ousou urdir na sombra a morte do vosso rei e a perda da cidade. Vejo-me constrangido a expulsar de Lesbos todo esse bando de perigosos malfeitores. Alcei-me ditador para que não mais haja nesta terra ditadura. Não renegaremos os deuses, velaremos pela salvação da pátria e pela segurança de todos vós. É na tirania que se funda a verdadeira democracia. De que serve a soma de opiniões dos homens cultos, se, numa assembleia, as suas ideias divergem, tal como na taberna se entrechocam as dos ignorantes no calor do vinho e das paixões? Sim, dir-me-eis, é preciso educar o povo. É verdade. Mas, quando toda a gente possuir o dom da sabedoria, todos continuarão a opinar diversamente e a democracia corre o risco de ser sinónimo de anarquia...
Só sereis felizes se fordes governados por um rei absoluto. A causa de todos os males está na democracia, no governo da maioria. Quando o poder está na mão de um tirano, ele sabe que tem de satisfazer a muitos. Se muitos governam, não pensam senão em satisfazer-se a si próprios e surge então a mais hipócrita das tiranias, a tirania rebuçada de liberdade. Para obviar a esse perigo, cumpre pôr ordem nos tribunais, nas assembleias do povo, no exército, nas ruas, disciplina nas escolas, estabelecer normas de convivência. Criarei uma guarda pessoal que vigilará pela minha e vossa integridade, que o mesmo é dizer pela integridade do estado. Serão homens especialmente treinados. Ninguém conhecerá os seus rostos nem os seus nomes. Estarão em todo o lado, secretos, invisíveis, atentos e zelosos. Serão os meus olhos e ouvidos. Ide em paz. Sois livres de nada conceber e atentar contra o vosso rei e a vossa pátria...
- …se não… - rosna Antiménides no meio da multidão.»
in «A Rocha Branca», Fernando Campos (Editora Objectiva) – 1ª edição Outubro 2011
Obra literária de Fernando Campos, que recomendo vivamente:
A Casa do Pó (Prémio Literário Município de Lisboa) – (1986); Psiché – (1987); O Homem da Máquina de Escrever – (1987); O Pesadelo de dEus - (1990); A Esmeralda Partida (Prémio Eça de Queiroz da Câmara Municipal de Lisboa) - (1995); A Sala das Perguntas - (1998); Viagem ao Ponto de Fuga - (1999); A Ponte dos Suspiros - (2000); ...que o meu pé prende... - (2001); O Prisioneiro da Torre Velha - (2003); O Cavaleiro da Águia - (2005); O Lago Azul - (2007); A Loja das Duas Esquinas - (2009); A Rocha Branca - (2011); Ravengar - (2012)
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Tempo Terceiro:
Neste dia de celebração de Portugal, de Camões (o maior de todos os nossos Poetas, o qual cantou os feitos gloriosos dos Portugueses, imortalizando-os na sua genial obra «Os Lusíadas»), das Comunidades Portuguesas, mas também da nossa Língua Portuguesa, não podia deixar passar em branco o facto de o Povo Português estar de luto por ela, e ao mesmo tempo, existir tanta gente a lutar pela sua sobrevivência, entre o caos em que, entretanto, a lançaram.
Eu estou de luto pela nossa Língua, tão bela e quase morta! O que fizeram dela? O que fizeram com ela? Em nome de quê? Porquê? Nasceu nobre e europeia, num jardim antigo, à beira-mar plantado, e foi lapidada, como um diamante, por um saber profundo.
Foi levada por ventos e marés a todos os cantos do mundo. E em cada canto nasceu um novo falar, uma nova escrita. E de uma se fez muitas.
Espalhou-se pelo mundo, sem nunca deixar, contudo, de ser a Matriarca [de mater (Latim) + árkho (Grego) – as suas raízes], aquela que lidera, por ser a mais antiga, entre todas as outras que nasceram dela.
Porém, entretanto, vieram uns invasores estéreis, e feriram-na de morte, sem dó, nem piedade, nem sabedoria, e agora, agonizante, o nosso belo diamante aguarda um antídoto que possa devolvê-lo à vida e à beleza de antanho.
Daí que eu esteja de luto, mas, ao mesmo tempo, luto com todas as garras de fora para que esses invasores sejam escorraçados e vencidos, como tantos outros, ao longo da nossa História, já foram, e a Língua Portuguesa possa, então, renascer das cinzas, tal a bela Phoenix que sempre foi.
Ainda nos resta a esperança que, tal como a ave mítica, ainda que possa morrer queimada, renascerá sempre das próprias cinzas, se assim o desejarmos.
Isabel A. Ferreira
Um texto (fabuloso, real e assertivo) de José Pacheco Pereira, in Público, 29/06/2019)
(Os excertos assinalados a negrito são da responsabilidade da autora do Blogue)
José Pacheco Pereira
«À memória do Vasco Graça Moura.
Se pensam que este artigo é duro, imaginem o que ele escreveria.
Prometi a mim próprio escrever um ou dois artigos por ano contra o chamado acordo ortográfico. E fiz essa promessa para não pecar do mesmo mal da inércia, que é a principal força que mantém este acordo vivo. Na verdade, são duas forças conjugadas, uma, a inércia, e a outra o desprezo pela língua portuguesa. São duas forças muito poderosas e, conjugadas entre si, ainda mais poderosas são. Mas são forças negativas, que misturam preguiça, indiferença, incultura, desprezo pela memória e irresponsabilização pelo desastre e fracasso diplomático que representou o acordo.
O resultado é que todos os anos o português escrito em Portugal se afasta do Brasil, de Angola, Cabo Verde, onde o acordo ou não existe ou não é aplicado. Ficamos com um português de ortografia pobre, menos resistente a estrangeirismos e menos expressivo, em nome de um objectivo falhado: o de fazer a engenharia da língua de forma artificial. E não me venham com o “pharmácia” e farmácia, porque o contexto deste acordo inútil é muito diferente dos anteriores, porque foi feito num momento em que tudo aconselharia prudência em mexer numa língua cujas ameaças principais não vêm da falta de unificação ortográfica, mas da correlação entre a perda de dinamismo social e a riqueza da língua, ortografia, léxico, gramática e oralidade. E aqui Portugal fica sempre a perder com o Brasil.
E não me venham também com o facto de ser apenas um acordo na ortografia, que não afecta a oralidade, nem a riqueza lexical. Afecta e muito porque lemos com os olhos, e para lá dos olhos é a imagem das palavras que fica, e uma coisa é ser “espetador” e outra ser espectador, apesar da inútil dupla grafia. Por detrás do espetador, como diria o Napoleão diante das pirâmides, mais de dois mil anos de civilização contemplam os infelizes do acordo, sem pai nem mãe latina e grega. Mas quem é que quer saber disso?
Este é um dos casos em que fico populista e atiro em cima “deles”, os políticos. “Eles” preocupam-se muito com as beatas no chão, mas nada pela riqueza ortográfica do português, na sua memória nas palavras antigas que são o solo que pisamos. E é por isso que o acordo serve a ignorância, dos políticos do PS e do PSD e do CDS, que deixaram à suposta geração designada de “a mais preparada de sempre” um dos mitos com que alimentamos a nossa mediocridade colectiva. Sim, uma geração que faz cursos universitários sem ler um livro, e que fala com a expressividade dos SMS e do Twitter numa linguagem gutural e pobre, que o acordo ajuda a consolidar.
O Big Brother de Orwell eliminava do vocabulário todos os anos algumas palavras. Para ele a linguagem patológica dos escassos caracteres do Twitter, onde não passa um argumento racional, mas passa com facilidade um insulto, seria um ideal a conseguir. Falar com vocabulário variado e rico, algo que só se tem lendo, dá poder. O Big Brother queria retirar poder e não tenho dúvidas que gostaria do acordo ortográfico, para eliminar a memória das palavras vindas dos dias de cor e passar ao cinzento da farda.
Na verdade, é um problema maior do que a ortografia, é o problema da cultura e da democracia, onde todos os dias os parâmetros de mínima exigência são baixados, pelos pais, pelos professores, pelas instituições e, como o peixe apodrece pela cabeça, pela nonchalance dos nossos políticos pelas coisas importantes. E se há comparação que me honra é com o “velho do Restelo”. Na verdade, o velho do Restelo é uma das personagens mais interessantes e criativas dos Lusíadas. E tinha razão.
E deixem-me lá as excepções. A regra é que os mais velhos traíram a memória da língua, e os mais novos vivem bem no mundo do Big Brother. O tecido cultural do país, agredido pelo acordo, não é feito de excepções, mas sim da regra, e a contínuo enunciação das excepções só serve para esconder a regra.
Pode-se ser culto sem saber quem era Ulisses, ou Electra, ou Lear, ou Otelo, ou Bloom? Não, não pode. Como não se pode ser culto sem perceber a inércia, ou o princípio de Arquimedes. E, no caso português, sem ter lido umas frases de Vieira, ou saber quem eram Simão Botelho, Acácio, o sr. Joãozinho das Perdizes, ou Ricardo Reis, ele mesmo. E não me venham dizer que sabem outras coisas. Sabem, mas não chega, são menos, são diferentes e não têm o mesmo papel de nos fazer melhores, mais donos de nós próprios e mais livres. Sim, livres, porque é de liberdade que se está a falar.
Fonte:
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