Raramente trato em público assuntos que são do meu foro privado.
Desta vez abrirei uma excepção, porque fiquei bastante transtornada com aquela história que a Professora Maria do Carmo Vieira contou no seu artigo
A instabilidade ortográfica ameaça um património identitário
que envolveu uma resposta a uma questão de escolha múltipla, na disciplina de História, a propósito do estudo da invasão e conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos do Norte de África, no séc. VIII
A questão era a seguinte, com as respectivas opções de resposta:
«Os Muçulmanos também deram a conhecer processos de rega até aí desconhecidos:
a) a tia, a picota e o açude;
b) a prima, a picota e o açude;
c) a sogra, a picota e o açude;
d) a nora, a picota e o açude.»
Isto só é aceitável sendo uma anedota contada à mesa de um café.
***
Os meus netos (ambos a frequentar o Ensino Secundário) andam sempre a enviar-me os erros [não só ortográficos, mas os de conteúdo também] que encontram nos manuais escolares. Eles sabem que existem três grafias em Portugal: a portuguesa, a brasileira e a acordista. Também sabem que na escola são obrigados, ainda que contra sua vontade, a usar a grafia brasileira (setor, diretor, teto, arquiteto, etc.) e a grafia acordista (exceto, receção, aspeto, infeção, perspetiva) de outro modo, serão ilegalmente penalizados.
Principalmente o meu neto, que tem 12 anos, e não anda no mundo só por ver andar os outros, e está sempre atento a tudo, e tem um espírito crítico muito desenvolvido para a idade. Gosta de estudar, mas o estudo para ele tem um grande MAS: os professores. A Matemática, uma disciplina de que ele até gosta, começou a detestá-la, porque muitos dos exercícios que os mandam fazer nos manuais é pintar de amarelo a figura que corresponde à resposta certa à pergunta que é feita. Ele até denomina a Matemática como “Pinta d’Amarelo»: «Hoje tenho aula de «Pinta d’Amarelo», costuma dizer-me, acompanhado de um suspiro desiludido.
No ano passado, quis fazer uma experiência jornalística, até porque gosta muito de escrever e inventar histórias, para ser como a Avó, e, para tal, foi colaborar no Jornal Escolar. E logo no primeiro número, ele fez uma reportagem sobre futebol (uma actividade que ele pratica) e a dada altura referiu que a equipa [já não me recordo de quem] mostrou-se bem preparada, ou coisa parecida. E não é que a professora, que era de Português e portuguesa (andam por aí brasileiros a ensinar Português em determinadas escolas, segundo me informaram, mas esta era portuguesa) teve o desplante de marcar erro no vocábulo equipa (palavra portuguesa) substituindo-a por TIME (vocábulo usado pelos brasileiros, para referir equipa). O meu neto explicou-lhe isso mesmo, mas a professora não quis ouvi-lo, e o artiguinho dele saiu com o TIME. A outra palavra que ele escreveu correCtamente no mesmo artigo, foi objeCtivo [ele está a aprender Inglês e sabe que aquele CÊ pertence também ao Português], e a professora marcou erro e corrigiu para “objetivo”, que ele lê “obj’tivu”, instintivamente, como qualquer pessoa que sabe ler, lê.
Veio, choroso, dizer-me: «Vovó eu escrevi certo, mas a professora pôs lá as palavras erradas». Ele ficou tão triste, tão triste, que desistiu do Jornal Escolar. Eu faria o mesmo. Fiquei furiosa. Não pude fazer o que queria fazer: ir à escola perguntar à professora o motivo de tamanha falta de respeito por um aluno que sabe escrever em Português, mas a minha filha e o meu genro não consideraram boa ideia, porque o meu neto poderia ser perseguido, por isso. O que é verdade. Penalizam os alunos que sabem escrever correCtamente a sua Língua Materna, a que está em vigor em Portugal, o que configurará um crime de lesa-infância.
Então, ele disse-me esta coisa que me deixou incomodadíssima: «Sabes o que te digo, Vovó, os professores estão a formar ignorantes».
Nunca uma verdade me doeu tanto, porque ele tem a noção do mal que lhe estão a fazer e ele NÃO pode fazer nada, para mudar as coisas.
Compreendem agora, porque me empenho tanto na Defesa da Língua Materna dos meus netos, e da dos netos dos restantes portugueses, e do meu mais precioso instrumento de trabalho – a Língua Portuguesa grafada conforme a grafia de 1945, a que está em vigor, porque nenhum decreto-lei veio revogá-la?
A Educação Escolar deve ser uma coisa muito, muito séria. Não podem andar a brincar com a inteligência das crianças, usando estratégias tão básicas, tão ridículas, tão anedóticas, tão de gosto duvidoso, tão de má-fé...
As nossas Crianças NÃO são as imbecis que os decisores políticos e os professores e os fazedores de manuais querem fazer delas.
BASTA!
senhores decisores políticos, senhor presidente da República, senhores professores!
Sigam o sábio Sófocles, porque fracassar com HONRA garante um lugar na História. O sucesso pela FRAUDE [e o AO90 nada mais é do que uma grande fraude] é apenas a vã ilusão de quem não sabe ocupar o seu lugar no mundo...
Isabel A. Ferreira
Obrigada, Professora Maria do Carmo Vieira, por mais este excelente texto.
Esperemos que a sua voz chegue aos decisores políticos, para que as nossas crianças, que não são imbecis, não tenham mais de responder, a propósito do estudo da invasão e conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos do Norte de África, no séc. VIII a esta questão de escolha múltipla, na disciplina de História:
«Os Muçulmanos também deram a conhecer processos de rega até aí desconhecidos:
a) a tia, a picota e o açude;
b) a prima, a picota e o açude;
c) a sogra, a picota e o açude;
d) a nora, a picota e o açude.»
Isto só é aceitável, sendo uma anedota contada à mesa de um café.
Mas a Educação Escolar deve ser uma coisa muito, muito séria. Não podem brincar com a inteligência das crianças, usando estratégias tão básicas, tão ridículas, tão anedóticas, tão de gosto duvidoso...
Isabel A. Ferreira
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«A instabilidade ortográfica ameaça um património identitário»
Maria do Carmo Vieira
«Assistimos de contínuo à banalização do impensável e do absurdo não só na política, externa e interna, mas também na cultura, sendo sobre este último aspecto que me debruçarei.
A Academia das Ciência é um exemplo flagrante, se lembrarmos a forçada implementação do Acordo Ortográfico de 1990, que persiste intocável apesar das suas «contradições, controvérsias e erros» que os próprios mentores admitiram. Somos com efeito confrontados com uma instituição que em lugar de pugnar sempre, sem tréguas, pelo Conhecimento, o desfigura e desvirtua, com um à-vontade
chocante, e penso, de novo, no AO. A inércia e a indiferença actuais perante a instabilidade ortográfica, causada pela imposição do famigerado, nomeadamente no ensino, pondo em causa a sua qualidade, são atitudes intoleráveis, tanto mais que envolve um património identitário. Mas esta Academia não está só, porque sofrendo do mesmo mal, acompanham-na duas associações de professores de Português que, na sua estreita cumplicidade com o Ministério da Educação, respiram livremente perante o aviltamento da ortografia da Língua Portuguesa, indiferentes ao sentido de responsabilidade que a sua função exigiria. Refiro-me à APP (Associação de Professores de Português) e de forma mais crítica à ANPROPORT (Associação Nacional de Professores de Português) porquanto, ao invés da APP, fervorosa apoiante do AO, desde o primeiro momento, a ANPROPORT propôs, entre os seus objectivos primeiros, lutar contra o acordo ortográfico, o que nunca aconteceu.
Foi sempre para mim incompreensível a aceitação acrítica da «Nota Explicativa do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa» (1990), texto único que os defensores do AO invocam, muitos dos quais sem nunca o terem lido e creio que se alguns o fizessem corariam de vergonha perante os disparates. A própria Academia continua estranhamente a aceitar a argumentação aí desenvolvida, não discutindo com académicos críticos, antes pactuando com a ligeireza, a ignorância e até o ridículo evidenciados no texto.
A «teimosia lusitana» em manter as consoantes c e p não pronunciados, a defesa das crianças cuja memória é prejudicada pelo esforço em reter as tais consoantes ou «a pronúncia» como «critério científico» são alguns dos exemplos anedóticos que aí encontramos, num testemunho trágico sobre o que se perspectiva relativamente ao estudo e ao conhecimento. Os próprios alunos reagem criticamente à nova ortografia decretada não só pela falta de lógica em algumas situações, e lembramos o «Egito e o egípcio», como pelo facto de em lugar de evitar os equívocos os fomentar. «Pêlo», por exemplo, perdeu o acento e tornou-se igual a «pelo», o mesmo acontecendo com o verbo parar na 3.ª pessoa do sing. do Presente do Indicativo que, tendo perdido o acento, se confunde com a preposição «para» , «retractar», do latim retractare, tem novo traje, distorcendo a sua etimologia, ao escrever-se como «retratar» (fazer um retrato), «espectador» tornou-se «espetador» e o ridículo é tal que houve editoras que, mesmo cumprindo o AO, decidiram, neste caso, usar sempre «espectador».
Não é de mais repetir as palavras do Professor, António Emiliano, da Universidade Nova, a propósito da «aprendizagem de qualquer ortografia […] que não é tarefa fácil para ninguém nem é suposto ser: «A função de uma ortografia não é nem facilitar o ensino da escrita nem reflectir a oralidade; a ortografia serve para codificar e garantir a coesão da língua escrita normalizada de uma comunidade nacional.» Depois da implementação forçada do AO, à revelia da vontade dos portugueses (lembre-se também os 25 pareceres contrários) tudo tem acontecido como se a ortografia fosse a representação de um espectáculo em que cada um escreve para o «lado que lhe dá mais jeito», como galhofeiramente afirmou Pedro Santana Lopes. Compreender-se-á em parte a sua boa disposição porque este AO foi, na verdade, cozinhado e pretensamente discutido entre muita galhofa e gargalhada, como testemunham as actas da sua discussão, na Assembleia da República, na qual participou também Pedro Santana Lopes.
Este gosto pelo lúdico boçal, retrato da crescente falta de cultura e reflexo de uma crescente infantilização, expõe-se também exuberantemente na Escola através de muitos manuais, nos quais já encontrei, por várias vezes, a convivência entre «espetáculo» e «espectador», e «espetáculo» e «espetador», neste último caso em sintonia com o disposto no AO, tropeçando os alunos no «espetador», pela estranheza: «espetador?», perguntam.
Confirmando ainda o que escrevi, no início deste parágrafo, deixo-vos dois exemplos elucidativos que retirei de um manual do 2.º ciclo, de História, disciplina que, a par de Geografia, se encontra em vias de extinção. A propósito do estudo da invasão e conquista da Península Ibérica pelos Muçulmanos do Norte de África, no séc. VIII, os autores apresentam várias questões de escolha múltipla, onde a escrita obviamente não intervém, substituída por uma cruz. Transcrevo o primeiro exemplo: «Aos muçulmanos do Norte de África que invadiram a Península Ibérica os cristãos chamavam: a) Alás, b) Mouros, c) Andaluses, (*) d) Moçárabes; e o segundo: «Os Muçulmanos também deram a conhecer processos de rega até aí desconhecidos: a) a tia, a picota e o açude; b) a prima, a picota e o açude; c) a sogra, a picota e o açude; d) a nora, a picota e o açude.» Posso dizer que algumas alunas, perante o primeiro exemplo, acharam que a colega muçulmana da sua turma «ia ficar triste porque se sentiria gozada», reagindo também com estupefacção ao absurdo de «tias, primas e sogras». «O que é isto?, foi o que perguntaram incrédulas com o que viam escrito. Se os autores pretendiam suscitar o riso, nesse doentio e exasperante lúdico, a reacção foi precisamente a inversa porque as crianças não são imbecis, se bem que desde a Reforma de 2003 se tenha vindo a actuar para que assim aconteça, prejudicando o seu desenvolvimento e perigando o seu futuro.
Num ambiente tão propício ao riso e à brincadeira, nem a Academia das Ciências escapa, alastrando o pântano cultural, lamentavelmente perante a nossa indiferença colectiva.
Maria do Carmo Vieira
Lisboa, 18 de Outubro de 2024»
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(*) É lamentável que o erros ortográficos, nos manuais escolares, sejam demasiado frequentes, tais como este: “adaluses”, que em Português se escreve andaluzes. As crianças merecem muito mais e muito melhor. (IAF)
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Comentários ao texto:
«António Costa está "bué" contente com afastamento contínuo do Português da matriz greco-romana» (…)
Quando li isto pensei que era uma brincadeira de mau gosto. Vi o vídeo, que julguei ser uma montagem. Revi o vídeo, para me certificar se era ou não uma brincadeira, e, infelizmente, comprovei que a voz que ouvi correspondia à do primeiro-ministro de Portugal.
Depois de ouvir o que ouvi e ler o que li, cheguei a esta triste conclusão: com um primeiro-ministro assim, Portugal não precisa de inimigos. Nem os do Daesh causariam maior dano ao nosso País. É que António Costa, até pode ser primeiro-ministro de Portugal, mas não é um cidadão Português, nem sequer europeu, está-se nas tintas para Portugal, para os Portugueses, e a única coisa que lhe interessa é o Poder pelo Poder.
Michel Temer (Brasil) e António Costa (Portugal), um “casamento” quase perfeito...
Origem da imagem: Internet
Eis o vídeo que me causou dano na alma:
[Entretanto, o vídeo ficou indisponível. É sempre assim, quando querem esconder as verdades.]
«António Costa está "bué" contente com afastamento contínuo do português da matriz greco-romana e com uma aproximação ou simbiose com línguas de matriz nigero-congolesas e indígenas sul-americanas (CPLP). A nova moda da "portugalidade da língua" pretende reformular e adaptar a ortografia e a dicção em consonância com os interesses políticos ultramarinos. Através da língua, pretende-se, também, transformar este nosso país do Sul da Europa num país do Norte de África. A língua desempenha a função de "veículo de integração", isto num contexto onde a nossa sociedade europeia está a ser continuamente substituída por elementos daquelas origens. Esta é, também, uma visão crítica que passa muito desapercebida pelos nossos "anti-Acordo Ortográfico de 1990".
in:
https://www.facebook.com/o.bom.europeu/videos/270905407096627/
O que disse António Costa: «Eu percebo as reticências que existem aqui e ali…».
Não percebe, senhor primeiro-ministro. Se percebesse, não lhe chamaria de “reticências”, e muito menos existentes aqui e ali…
O que devia perceber é que o que diz ser “reticências” é uma enorme revolta generalizada, por parte de milhares (MILHARES, é só estar atento) de escreventes de Língua Portuguesa, provenientes de todos os países ditos lusógrafos, cujas vozes, pura e simplesmente, V. Exa. despreza.
E António Costa prossegue: «As línguas vivas, na realidade, não são fixas, vão se transformando, não só na sua ortografia como no seu vocabulário…».
Esquece-se o senhor primeiro-ministro de que transformar não é sinónimo de substituir, ou seja, de trocar uma Língua Culta e Europeia, pelo dialecto, na sua forma grafada, de uma ex-colónia, dialecto esse, assente precisamente, nessa Língua que se quer trocar. E isto é algo inacreditável, inadmissível e absolutamente irracional.
E António Costa vai buscar (pasmemo-nos!) às NOVELAS brasileiras, portanto, à cultura popular brasileira, ao mais popular que existe, um conjunto de expressões (?) do (mal denominado) português do Brasil (o correcto é dizer dialecto brasileiro) e que introduziu no seu linguajar, tal como introduziu MUITAS (e eu só conheço esta) expressões do Português de Angola (e aqui sim, a designação está correcta, segundo o mais abalizado dialectologista português, Leite de Vasconcelos) como BUÉ, uma palavra corrente em Portugal.
Acontece que BUÉ consta do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciência de Lisboa (2001), curiosamente elaborado sob a orientação (?) de João Malaca Casteleiro (o destruidor-mor da grafia portuguesa) como um adjectivo, um advérbio e uma interjeição angolana, de origem obscura. Mas não as teremos nós, também às dezenas?
Porém, os vocábulos fatura, ação, aspeto, exceto, receção, afeto, letivo, ejeção, teto, direto, diretor, inseto, objeto, e centenas de outros mutilados como estes, e que se pronunciam com as vogais fechadas (se as abrem, além de os escreverem mal, pronunciam-nos mal), os quais querem introduzir em Portugal, não constam de nenhum dicionário de boa Língua Portuguesa contemporânea, porque não nos dizem respeito.
E uma coisa é introduzir no vocabulário da oralidade palavras genuinamente oriundas dos dialectos das ex-colónias, como, por exemplo, bué (Angola) ou cafuné (Brasil), outra coisa é introduzir na ESCRITA, que se quer escorreita, vocábulos que foram mutilados, sem qualquer objectivo científico, distanciando-os da sua origem greco-latina. E isto, para dialecto, está muito bem. Mas para uma Língua, está muito mal.
E termino com este comentário de um Brasileiro, a este vídeo:
Geraldo Carmo - Sou brasileiro, sou contra o acordo ortográfico, a matriz greco-latina da L portuguesa deve ser prestigiada. Há muito, no Brasil, a esquerda impôs um desprezo pela língua portuguesa no meio de comunicação e no ensino (escolas e universidades). A ordem é: falar bem e conhecer a gramática é coisa opressora imposta pela direita. Não conhecer a gramática, falar errado, ter pouco vocabulário é bonito e democrático.
Sou testemunha presencial, nas escolas e nas Universidades brasileiras, de como o que diz o Geraldo Carmo é a mais pura, nua e crua verdade. Lamentavelmente.
Não queira o senhor primeiro-ministro ser mais brasileiro do que os Brasileiros.
E se eu fosse ao senhor, senhor primeiro-ministro, rebobinava o vídeo, e fazia uma nova declaração mais condizente com o Saber e com a Responsabilidade que o cargo que ocupa exige.
Porque ser primeiro-ministro implica pugnar pelos interesses de Portugal, e não por interesses de uma “integração” que não interessa a nenhum país, a não ser ao Brasil, obviamente.
E ao extinguirem a diversidade linguística dos ditos países lusógrafos, estar-se-á a empobrecer a Cultura dos restantes países que, por enquanto, ainda falam e escrevem em Português.
Isabel A. Ferreira
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