Por Maria José Abranches
Anteontem, 25/02/2024, no "Público", um surpreendente artigo (ver abaixo) do notável constitucionalista Jorge Miranda: "O uso e o não uso da língua", fazendo a apologia do AO90 (aliás, para o autor "AO91")! Espantoso como a nossa 'elite' intelectual se permite exibir a sua ignorância, sempre que é a nossa língua que está em causa!
Permito-me citar esta passagem, chamando a vossa atenção para o que assinalei a negrito:
«No século XIX, em Portugal houve um projeto de alterações que, no entanto, não teve seguimento. Seria, após a proclamação da República, que se faria um decreto a estabelecê-las. Como foi uma decisão unilateral, dele resultaram graves desentendimentos com o Brasil, que naturalmente não poderia aceitar essa decisão.»
Comparem-se estas afirmações, com estas outras, com que se inicia o Anexo II- Nota explicativa do AO90:
«A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo.
Tal situação remonta, como é sabido, a 1911, em que foi adoptada em Portugal a primeira grande reforma ortográfica, mas que não foi extensiva ao Brasil. [...] com o objectivo de se minimizarem os inconvenientes desta situação, foi aprovado em 1931 o primeiro acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil. Todavia, por razões que não importa agora mencionar, este acordo não produziu, afinal, a tão desejada unificação dos dois sistemas ortográficos, (...)»
A existência de duas ortografias, a portuguesa e a brasileira, que já vem de muito longe, não tem a mínima importância. Mas sempre que se reacende o anseio pela 'unificação' ortográfica, lá vem a acusação usual: a culpa é de Portugal!
Qual o objectivo desta insistência em responsabilizar a reforma ortográfica portuguesa de 1911 pela existência de duas ortografias, ignorando voluntariamente a reforma ortográfica brasileira de 1907? E qual é o significado de Portugal aparecer sempre como 'obrigado' a sujeitar-se aos desejos do Brasil, por estar em falta?!
No meu comentário ao artigo de Jorge Miranda, já publicado, procurei fazer um rápido historial deste 'romance' ortográfico interminável. Recolhi o essencial da minha informação, sobre este longo e tortuoso processo, num artigo excepcional que encontrei na 'net' (ver abaixo), dum professor brasileiro, da Universidade de São Paulo, Maurício Silva, que vos peço que leiam com a atenção que merece a seriedade e a profundidade com que esta questão aqui é tratada.
Parêntese: E a campanha eleitoral continua a ignorar a questão da imposição política 'criminosa' do indefensável AO90 a Portugal! Democracia isto?! Com os tiques da ditadura e da censura?!...
Os meus comentários, já publicados:
«Fundamental: estamos, com a introdução do AO90 no ensino, em 2011, a destruir o esforço feito nas últimas décadas, para combater o nosso vergonhoso analfabetismo (1960: 33,1%; 1970: 25,7%; 2001: 9,0%; 2011: 5,2%); 2021: 3,1%)! Recapitulando: 1907- Academia Brasileira de Letras (ABL) reforma, simplificando-a, a ortografia brasileira, para a aproximar da fonética; 1911 - uma Comissão de filólogos notáveis é responsável pela Reforma Ortográfica da língua de Portugal; 1915: ABL resolve aplicar a reforma portuguesa; 1919: ABL revoga a resolução de 1915; 1931: Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro; 1940: acordo respeitado no Vocabulário Ortográfico, português, organizado por Rebelo Gonçalves; 1943: Brasil publica Formulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que diverge em vários aspectos; cont.»
«(cont.) É este Formulário de 1943 que tem regido a ortografia brasileira; 1945: Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro -- no Brasil aprovado pelo Decreto-lei 8.286, mas não aceite, a própria Constituição de 1946 aplicando a grafia de 1943, e a Assembleia Legislativa acabando por revogar o anterior decreto-lei, com um novo Decreto-lei 2.623, de 21.10.1955. Os anseios de unificação mantêm-se - Acordo de 1986, não aprovado e agora este AO90! Querem unificar o quê? A língua evoluiu de modo diferente em Portugal -- falada por todos e escrita, há séculos -- e no Brasil, língua oficial desde 1758, país gigantesco, com população diversa, e com cerca de 210 idiomas ainda falados no país. Querem unificar o quê? Ou querem mesmo destruir a nossa língua, que aqui nasceu e espalhámos pelo mundo?! Vergonha!»
O artigo referido:
"Reforma Ortográfica e nacionalismo linguístico no Brasil", Maurício Silva (USP)
http://www.filologia.org.br/revista/15/07.pdf
Maria José Abranches
. (...) «E a campanha eleit...