Segunda-feira, 12 de Outubro de 2020

A obscura questão do AO90: «(…) todo este "cozinhado" de tratamentos à porta fechada, imbuído de secretismos, tudo feito por "detrás da cortina" é que ajuda a explicar os bloqueios das iniciativas ILCAO»…

 

Costumo trocar ideias, com desacordistas, para tomar o pulso à situação caótica que se vive em Portugal, no que a quase tudo diz respeito, mas especificamente no que se refere à pouca-vergonha que evolve a questão da Língua Portuguesa, e que os governantes, silenciam e  fazem-de-conta que não é nada com eles, achando que os Portugueses andam todos a dormir a sesta, particularmente o Chefe de Estado Português, que se mete em tudo e mais alguma coisa, até em matérias que nem sequer são da sua competência, mas foge, como o diabo da cruz,  desta gravíssima questão da Língua Oficial Portuguesa, que está em vias de deixar de ser portuguesa, se nada fizermos para o impedir.

 

Numa dessas trocas de ideias, um Professor aposentado fez uma análise objectiva sobre o estado babelesco da nossa desventurada Nação, e por considerá-la perfeita, decidi partilhá-la com os meus leitores, juntamente com a resposta que lhe dei.

 

Democracia.jpg

 

«Dr.ª Isabel, bom dia, revi os seus links; já os tinha lido, nomeadamente os comentários de Paulo Franchetti, de Sérgio Vaz e do Dr. Ivo Miguel Barroso que esgrime argumentos do domínio da jurisprudência que só reforçam a certeza da  ilegalidade (e eventual inconstitucionalidade) do (dito) AO90; ou seja, tudo não passa de um atropelo grave à Lei, o que reforça a convicção de que não estamos num Estado democrático: as negociatas, os convénios sigilosos - e este caso, em que tudo ficou decidido à porta fechada (?!) entre o indivíduo Casteleiro e o Houaiss só ilustra isso mesmo; aliás o nosso sistema é uma "partidocracia", em que os partidos políticos mais não fazem do que distribuir entre si "tachos", prebendas e lugares "seguros" e protegidos, o que  confere à nossa “democracia”  um aspecto de autêntica palhaçada (como diz o Povo, é tudo "farinha do mesmo saco"). Numa verdadeira democracia, não se assiste a deputados a fazer batota (na A. R.), assinando uns pelos outros (são premiados pela presença, e não penalizados pela ausência !!), sem falar de aspectos caricatos de deputadas que vão para o plenário pintar as unhas, etc. etc..

 

E quando me refiro a partidos há que frisar que se trata somente daqueles que se "vêem", e que são a face visível do iceberg, dado que a parte "imersa", as maçonarias (ou que parece, três confissões) essas é que mexem todos os "cordelinhos", colocando os seus "irmãos" e "confrades" nos melhores postos da máquina do Estado, num secretismo totalmente absoluto, que nada tem que ver com democracia / transparência. 

 

Trago isto à colação só pelo facto de que todo este "cozinhado" de tratamentos à porta fechada, imbuído de secretismos, tudo feito por "detrás da cortina" é que ajuda a explicar os bloqueios das iniciativas ILCAO. É por demais evidente que as Editoras de manuais escolares, dicionários, etc., "coladas" ao Ministério da Educação (e quando eu estava no activo já se falava e se comentavam os dramáticos problemas de solvabilidade e sobrevivência que as afectavam) tudo fazem por se agarrarem ao Poder, por isto mesmo é que o partido do Poder, P.S., nem sequer deixa "mexer" no assunto.

 

Volto a insistir, só com uma acção de "longo curso" a cargo da " linha da frente", só com o repúdio definitivo por parte de Angola (parece já averbado) e do Brasil (toda a esperança mantêm-se de pé) e com o "magistério de influência" de figuras gradas da vida política (…), só com estes argumentos é que eu penso ser possível um volte-face.

 

Há que dar tempo ao tempo.

Um abraço do A. V.

 

Gregório de Matos.jpg

 

Para quem não sabe: Gregório de Matos Guerra, conhecido pela alcunha de Boca do Inferno ou Boca de Brasa (por atacar a Igreja Católica do seu tempo) foi um advogado e poeta português, nascido na então colónia do Brasil, em 1636. É considerado um dos maiores poetas do Barroco em Portugal e no Brasil, e o mais importante poeta satírico da Literatura de Língua Portuguesa, podendo dizer-se que era um autêntico enfant terrible.

 

***

 

A minha resposta:

 

Caro Professor,

 

Vou começar pelo fim: há que dar tempo ao tempo. Há. Nada acontece fora do tempo. Entretanto, o tempo vai passando, e os vícios deste novo dialecto vão-se espalhando, como os tentáculos de um polvo, e os todo-poderosos ganhando terreno, porque os da “linha da frente”, como o professor lhes chama, estão quietinhos no seu canto, enquanto Angola prepara a sua nova Língua, e o Brasil se afasta, cada vez mais, do AO90, que engendrou com Malaca Casteleiro (que Deus o tenha em paz, junto com Antônio Houaiss, uma vez que Evanildo Bechara (que completa a trilogia dos predadores-mor da Língua Portuguesa) do alto dos seus 92 anos, ainda vai fazendo e dizendo das suas.


(…)


É preciso abanar, quiçá, destruir, as estruturas de cimento (bem) armado que o Poder construiu, para manter sequestrada a Língua Portuguesa, enquanto deixa à solta o linguajar feio e pobre, esfarrapado e miserável, engendrado por mentes insanas, para a destruir, com uma finalidade absolutamente insólita.



Quem ousará abanar essas estruturas? Todos os que as poderiam abanar têm algo a perder com a ousadia, daí que não mexam uma palha, para defender e salvar a Língua Portuguesa. E o que fazem aqueles que têm acesso às televisões? Calam-se. (*)


E é isto que tenho a dizer por hoje.

 

As minhas saudações (cada vez mais) desacordistas,

 

(*) Bem, alguns lá vão, esporadicamente e de passagem, dizendo umas e outras contra o AO90. Mas muito esporadicamente e de passagem. Nada que abane as estruturas. Lamentavelmente.


Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:10

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Quinta-feira, 14 de Junho de 2018

Contra o Acordo Ortográfico, mas pouco!

 

Paulo Franchetti é um ilustre crítico literário, escritor e professor brasileiro, titular no Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas, e publicou hoje, no Facebook, um texto em que aborda a questão do AO90, com algumas imprecisões.

Desculpe, Paulo Franchetti, se me atrevo a corrigi-lo. E se eu estiver errada, peço que me corrija também.

 

(Os excertos a negrito no texto de Paulo Franchetti são da minha responsabilidade).

 

PAULO FRANCHETTI.jpg

 

 

Escreveu Paulo Franchetti:

 

«Quando os editores da Lisbon Poets & Co. informaram que a nova edição da poesia de Camilo Pessanha seria feita na ortografia pré-AO, celebrei. Não porque tenha alguma afeição especial pela ortografia vigente antes do Acordo Ortográfico, mas sim porque julgo esse Acordo uma coisa francamente idiota: nada se ganha em termos de uniformização da escrita (pelo contrario) e muito se gasta em renovação de material didático e obras de referência.

 

Mas mesmo que o AO tivesse conseguido, em vez de aumentar a divergência ortográfica, eliminá-la, ainda seria uma coisa pouco razoável, pois o custo da uniformização seria enorme, e a ortografia é, no final das contas, o que menos importa, (1) se se trata de unificar a língua (tarefa desde logo impossível e mesmo indesejada) ou melhorar a comunicação entre países lusófonos. (2)

 

Na verdade, como brasileiro, não deveria incomodar-me com o AO. A nós ele afeta pouco (3): extinguiu-se o pobre trema, que era o sinal mais fácil de usar e de fato podia orientar a pronúncia, criou-se enorme confusão no uso do hífen (até hoje não compreendi a lógica que deveria embasar as regras), suprimiram-se alguns acentos aqui e ali, onde de fato faziam pouca diferença. (4)

 

De resto, no Brasil, o tal AO passa despercebido, pois continuamos a escrever como sempre escrevemos: peremptório, excepcional, acepção, decepcionante, perceptível, interceptação, recepção, aspecto, facção, respectivo, perspectiva, prospecção.

 

Já em Portugal, as mudanças promovidas pelo AO foram amplas, muito além da mera confusão do hífen, da sumária extinção do trema e da supressão dos mesmos acentos abandonados no Brasil: a grafia de muitas palavras foi alterada. Por exemplo: todas as palavras acima perderam a consoante que não era pronunciada lá. De modo que eles agora são obrigados (5) a escrever perentório, excecional, aceção, aspeto, dececionante, fação, intercetação, percetível, receção, respetivo, perspetiva, prospeção!

 

Ora, a grafia anterior portuguesa era igual à brasileira (que não mudou) (6). Teoricamente, o “p” e o “c” nessas palavras não eram lá necessários, já que não eram pronunciados. Mas é evidente que, de regra, tinham funcionalidade, indicando o timbre da vogal que os precedia. (7)

 

Agora, do jeito que eles são forçados a escrever, criou-se uma situação curiosa: para nós, brasileiros, essas palavras assim grafadas parecem muito esquisitas e algumas passam a exigir algum esforço de decifração... (8)

 

Há um conto de Machado de Assis, intitulado “As Academias de Sião”, no qual o problema a resolver é como poderia ser que os acadêmicos reunidos fossem a luz do mundo e, individualmente, um bando de camelos. No caso do Acordo Ortográfico, o problema é inverso: como pôde ser que intelectuais dotados de inteligência e competência linguística, ao se reunirem para produzir esse aleijão, terminassem por compor uma galopante, autoritária e obtusa cáfila?

 

Machado provavelmente não responderia. Terminaria, como terminou um conto no qual aparecia outra questão insolúvel, dizendo apenas: Enfim, cousas...»

 

Fonte:

https://www.facebook.com/paulo.franchetti/posts/1974932875874346

 

(Nota: este link, depois da publicação deste meu texto, lamentavelmente, foi eliminado).

 

***

 

Peço desculpa, Paulo Franchetti, mas o seu texto induz em erro.

Senão, vejamos:

 

(1) – Quando diz a ortografia é, no final das contas, o que menos importa, penso que não é bem assim. A ortografia importa em todas as circunstâncias, e no caso da aplicação do AO90, para Portugal é o que mais importa, pois estão a impor aos portugueses a grafia brasileira, mutilada na reforma ortográfica do Brasil, em 1943, para facilitar a aprendizagem e diminuir o elevado índice de analfabetismo.

 

(2) – Quando diz para melhorar a comunicação entre países lusófonos, devia dizer melhorar a comunicação entre brasileiros e restantes países lusófonos, uma vez que a Língua Portuguesa nunca foi entrave à comunicação entre Portugal e os restantes países africanos de expressão portuguesa, nem entre Portugueses e Brasileiros. Os Brasileiros, e apenas os Brasileiros é que criaram um dialecto próprio, e sempre mostraram grande dificuldade na comunicação com os Portugueses. Não o contrário.

 

(3) – Quando diz a nós ele (o AO90) afeta pouco, diz bem, porque aos Brasileiros, ao contrário dos Portugueses e Africanos de expressão portuguesa e Timorenses, o AO90 afeCta (logo aqui nesta palavra) e muito. Os Brasileiros nada tiveram de modificar no modo de escrever as palavras, apenas no que respeita às idiotas hifenização e acentuação. Quanto aos restantes lusógrafos, além dessa nova e parva hifenização e acentuação, têm de desenraizar centenas de vocábulos, afastando a grafia portuguesa das restantes grafias europeias, com a mesma raiz.

 

(4) – Quando diz suprimiram-se alguns acentos aqui e ali, onde de fato faziam pouca diferença, de faCto, Evanildo Bechara (pelo Brasil) e Malaca Casteleiro (por Portugal) decidiram mexer nos hífenes e nalguns acentos aqui e ali… para que no Brasil houvesse alguma coisa para modificar, porque se assim não fosse o AO90 seria unicamente imposto para os restantes países lusógrafos, porque a grafia preconizada é a brasileira, com algumas poucas excePções.

 

(5) – Quando diz de modo que eles (Portugueses e Africanos de expressão portuguesa e Timorenses) agora são obrigados a escrever perentório, excepcional… etc., na verdade, só em Portugal, os subservientes, os ignorantes, os acomodados, os comodistas, os desinformados, os escravos do Poder, é que optam por escrever incorreCtamente essas palavras. Nos restantes países escrevem-nas correCtamente. Os que não são subservientes, nem ignorantes, nem acomodados, nem comodistas, nem desinformados, nem escravos do Poder não são obrigados a nada. Simplesmente recusam, peremPtoriamente, o AO90. E quanto ao vocábulo excePcional, que os Brasileiros, por algum motivo, escrevem correCtamente, em Portugal, os que adoPtaram o parvo AO90, parvamente escrevem excecional.  E em mais nenhum país lusógrafo se escreve tal aberração.

 

(6) – Quando diz que a grafia anterior portuguesa era igual à brasileira (que não mudou) não diz a verdade. A verdade é que a grafia portuguesa anterior ao AO90 não era igual à brasileira. Apenas era igual à brasileira nas palavras que o autor cita: peremPtório, excePcional, acePção, decePcionante, percePtível, intercePtação, recePção, aspeCto, faCção, respeCtivo, perspeCtiva, prospeCção. Estas eram (são) iguais. Mas estas palavras são a excePção

 

De resto, todas as outras palavras, que em Portugal começaram a ser grafadas segundo o AO90, são grafadas à brasileira: direto, diretor, arquiteto, teto, fatura, elétrico, setor, letivo, noturno, seleção, objeto, jato, diretivo, fator, direção, notívago, ator, tato, adoção, protetor, ótimo, batismo, didático, afeta, deteção, Egito, ejeção, ereto, infetar, inseto, enfim... centenas de palavras mutiladas que pertencem à grafia brasileira, e é esta grafia que estão a impor aos Portugueses, e que os Portugueses que têm todos os neurónios a funcionar, rejeitam.

 

Dizer o contrário é de quem nada sabe de ortografia brasileira e de ortografia portuguesa, antes e depois do AO90.

 

(7) – Quando diz que é evidente que, de regra, (os cês e os pês) tinham funcionalidade, indicando o timbre da vogal que os precedia, de faCto, é evidente que todas as consoantes em todas as palavras têm a sua funcionalidade, pronunciando-se ou não se pronunciando: umas indicam a raiz da palavra , outras têm uma função diacrítica.

 

(8) – Finalmente, quando diz que do jeito que eles (os Portugueses) são forçados a escrever, criou-se uma situação curiosa: para nós, brasileiros, essas palavras (as exceções) assim grafadas parecem muito esquisitas e algumas passam a exigir algum esforço de decifração...

 

Aqui, Franchetti tocou no busílis da questão: se para os Brasileiros as palavras incorreCtamente grafadas deste modo: perentório, excecional, aceção, aspeto, dececionante, fação, intercetação, percetível, receção, respetivo, perspetiva, prospeção parecem muito esquisitas e exigem esforço de decifração, para os Portugueses estas palavras assim grafadas são tão esquisitas e exigem algum esforço de decifração tal como os vocábulos direto, diretor, arquiteto, teto, fatura, elétrico, setor, letivo, noturno, seleção, objeto, jato, diretivo, fator, direção, notívago, ator, tato, adoção, protetor, ótimo, batismo, didático, afeta, deteção, Egito, ejeção, ereto, infetar, inseto, enfim... e centenas de outras palavras mutiladas, que pertencem à grafia brasileira, reformulada e afastada da língua europeia, em 1943.

 

Estas palavras assim grafadas não pertencem à Língua Portuguesa. Não têm qualquer significado, e nem sequer devem ser pronunciadas do modo que os brasileiros as pronunciam, e agora também os acordistas portugueses. Sem as consoantes mudas a pronúncia é completamente outra. Exemplo: direto não se lê diréto, mas dirêto, porque o que lhe falta tem uma função diacrítica, tal como em recePção que se lê r'cépção, mas se suprimirem o , a regra manda que se leia r'c’ção. Tão simples quanto isto. E a regra aplica-se a todas as outras palavras.

E a questão que se põe é a seguinte: saberão os Brasileiros que os cês e os pês nos vocábulos peremPtório, excePcional, acePção, decePcionante, percePtível, intercePtação, recePção, aspeCto, faCção, respeCtivo, perspeCtiva, prospeCção, têm exaCtamente a mesma função do que os cês e os pês em direCto, direCtor, arquiteCto, teCto, faCtura, eléCtrico, seCtor, leCtivo, noCturno, seleCção, objetCo, jaCto, direCtivo, faCtor, direCção, noCtívago, aCtor, taCto, adoPção, proCtetor, óPtimo, baPtismo, didáCtico, afeCta, deteCção, EgiPto, ejeCção, ereCto, infeCtar, inseCto, enfim... e em todas as outras palavras em que as consoantes que não se pronunciam foram suprimidas?

 

E que estas palavras, sem as consoantes que os Brasileiros suprimiram, e que fazem parte do rol de palavras que querem impingir aos Portugueses, além de serem muiiiiiito, muiiiiiito esquisitas, não pertencem ao léxico da Língua Portuguesa?

 

E se os Brasileiros, como já se ouviu por aí, têm tanto orgulho em dizer que a Língua Portuguesa é a pátria deles, então terão de grafar estas palavras, deste modo: direCto, direCtor, arquiteCto, teCto, faCtura, eléCtrico, seCtor, leCtivo, noCturno, seleCção, objetCo, jaCto, direCtivo, faCtor, direCção, noCtívago, aCtor, taCto, adoPção, proCtetor, óPtimo, baPtismo, didáCtico, afeCta, deteCção, EgiPto, ejeCção, ereCto, infeCtar, insecto, tal como grafam estas: peremPtório, excePcional, acePção, decePcionante, percePtível, intercePtação, recePção, aspeCto, faCção, respeCtivo, perspeCtiva, prospeCção.

 

O critério de só se escrevem as consoantes que se pronunciam, não é critério, é ignorância, porque em todas estas palavras, pronunciando-se, ou não se pronunciando as consoantes, todas elas (as consoantes) têm uma funcionalidade bem definida.

 

Agora se me dizem que as palavras, que no Brasil foram mutiladas, fazem parte do Dialecto Brasileiro, tudo bem. Contudo, os Portugueses não têm de trocar uma Língua Europeia, por um dialecto sul-americano.

 

Ou têm?

 

Isabel A. Ferreira

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 18:11

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Terça-feira, 15 de Novembro de 2016

Génese do Acordo Ortográfico de 1990 (I)

 

Esclarecimento: para que não subsista qualquer dúvida na mente dos leitores, acerca do que escreverei sobre esta matéria, sinto-me na obrigação de, desde já, esclarecer que sou uma assumida e aguerrida anticolonialista, anti-imperialista, anti-racista, anti-xenófoba, antiesclavagista e anti-preconceituosa.

 

Tenho o Brasil no coração, como minha segunda pátria, e considero todos os povos do mundo meus irmãos. Porém, nunca me calei, nem nunca me calarei, diante do menosprezo a que o meu País é frequentemente votado, por mero preconceito, profunda ignorância e uma incompreensível lusofobia.

 

Sei que existem muito bons aliados brasileiros, como o Paulo Franchetti, que aqui cito, mas também sei que além de serem uma minoria, não são eles que mandam nestas coisas da Língua. É o Itamaraty.

 

Por isso, e por conhecer bastante bem a realidade, tanto a de lá, como a de cá, ouso atrever-me (assim mesmo) a dizer o que muitos já poderão saber, mas não têm a coragem de dizer alto.

 

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Realmente, a ordem que vem de cima, na esmagadora maioria das vezes, assenta num interesse que vem de baixo, e quase nunca é a ordem das coisas.

 

E isto é absolutamente inaceitável. Se numa Democracia, o povo é soberano, é ao povo que cabe acabar com a descomunal fraude do AO90.

 

Todos nós sabemos que o chamado Acordo Ortográfico de 1990 impõe a grafia brasileira  saída da reforma ortográfica unilateral, de 1943, que o Brasil, continuou a adoptar, quando renegou, apesar de a ter assinado, a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira 1945 que, esta sim, unificava a Língua, e a qual, «desde então, tem vigorado em Portugal e antigo Ultramar português, como ortografia oficial portuguesa e (…) ainda vigora, por falta da sua revogação», à excepção «desse esquisito irmão de Portugal, que é o Brasil» (1).

 

Posto isto, quando falamos do abrasileiramento da grafia portuguesa, que o governo português obrigou a adoptar em Portugal, a partir de 01 de Janeiro de 2012, estamos a falar do acordês, do brasileirês, do malaquês, do socratês, do lulês, do cavaquês, e mais recentemente do costês e do marcelês, vulgarismos pelos quais o AO90 passou a ser conhecido. Ou seja, é tudo menos Português.

 

Como chegámos a este ponto?

 

Temos de recuar no tempo e analisar o que nos diz a História.

 

1 - A História diz-nos que o território, ao qual se deu o nome de Brasil, foi descoberto em 22 de Abril de 1500, pela frota de Pedro Álvares Cabral, um ilustre navegador português, ao serviço de Dom Manuel I, Rei de Portugal.

 

2 – Lá chegados, os Portugueses encontraram um território já povoado por tribos indígenas com uma cultura primitiva, porém bem organizada. E estes eram e sempre foram os verdadeiros donos daquele território.

 

3 – Tal como fizeram os restantes povos (descobridores de mares e terras), os Portugueses mesclaram-se com os indígenas e levaram para o Brasil homens e mulheres (gente boa e menos boa) e ali cresceram e multiplicaram-se à boa maneira bíblica.

 

4 – Como os indígenas eram senhores de si, não alinharam, de livre e espontânea vontade, com os Portugueses no que respeita à construção de um país. Então, já descobertos os territórios africanos, cujos indígenas raptavam os seus próprios irmãos e os vendiam como escravos a quem os quisesse comprar, os Portugueses (como todos os outros povos colonizadores) viram ali um grande negócio e levaram para o Brasil os africanos e, com uns e com outros, assim se foi criando um novo povo.

 

5 – Na fúria daqueles tempos, em que os senhores do mundo queriam dominar os povos descobertos, à América do Sul foram chegando Espanhóis, Ingleses, Franceses, Holandeses, e, pelo que sabemos, as senhoras daquela época eram formosas como as rosas, e então continuou-se aquela multiplicação bíblica, agora com mais possibilidade de escolha.

 

6 – E o tempo foi passando e, entre o povo, cada vez mais brasileiro, foi crescendo o sonho da independência, até porque Dom João VI, que transferiu a corte para o Brasil em 1808,  foi criando neste pedaço de Portugal, as estruturas essenciais a um povo, para que caminhasse com os próprios pés. Em 1820, rebenta em Portugal uma revolução liberal e a família real foi forçada a regressar a Lisboa. Dom João VI nomeia então o seu filho mais velho, Dom Pedro de Alcântara Orléans e Bragança, como Príncipe Regente do Brasil, em 1821. Instado pelas circunstâncias, em 07 de Setembro de 1822, encontrando-se Dom Pedro nas margens do riacho Ipiranga, (onde se situa a actual cidade de São Paulo) deu aquele grito de “independência ou morte” e em 12 de Outubro do mesmo ano é proclamado Imperador do Brasil, com o nome de Dom Pedro I. E assim nasce o Império do Brasil, completamente desligado do de Portugal. E o Brasil continuou Império até 15 de Novembro de 1889, quando se transformou no Brasil República.

 

7 – A partir daqui, já completamente livre do jugo português, e com, pelo menos, duas gerações legitimamente brasileiras, os Brasileiros ficaram senhores de si próprios e responsáveis por tudo o que daí em diante fizeram (ou não fizeram) pelo Brasil.

 

8 – A partir daqui nasceram quatro grupos de cidadãos brasileiros: os indiferentes, para quem tanto faz, como tanto fez; os saudosistas, que suspiravam pela majestade do antigo Império; os progressistas, aqueles para quem o passado é passado, vamos construir o futuro (infelizmente a minoria); e os ressabiados, aqueles que, sem sequer saberem  porquê, rejeitaram pura e simplesmente o passado de colonizados, e criaram à volta dessa rejeição, quase irracional, um complexo de inferioridade (que o escritor e jornalista brasileiro, Nelson Rodrigues, com muito humor, designou como “complexo de vira-lata”, e, ainda mais irracionalmente, vivem a sonhar o sonho impossível de quererem ter sido colonizados pelos Ingleses, uma vez que têm como “ídolo” o gigante norte-americano, desconhecendo por completo que a História do gigante norte-americano é tão igual ou até mesmo inferior   (facto: os Ingleses sempre foram muito mais racistas e xenófobos do que os portugueses) do que a do gigante (ainda a ser) sul-americano, desenvolvendo-se a partir daqui uma perniciosa e irracional lusofobia.

 

9 – E é dentre estes ressabiados, maioritariamente esquerdistas, que, vá lá saber-se como, saíram uns tantos que, chegados ao Poder, introduziram esta lusofobia no ensino da Língua Portuguesa (idioma que livremente adoptaram depois da independência, pois ninguém lhes impôs nada) e também no ensino da História do Brasil, inacreditavelmente deturpado, o que fez parte de uma lavagem cerebral bem orquestrada que perdura até aos dias de hoje. 

 

10 – Chegados aqui, há que dar provas disto.

 

O que ficará para a segunda parte.

 

(1) in «O Acordo Ortográfico de 1990 Não Está em Vigor» da autoria do Embaixador Carlos Fernandes (Edição Guerra & Paz)

 

Isabel A. Ferreira

 

***

Génese do Acordo Ortográfico de 1990 (I)

http://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/a-genese-do-acordo-ortografico-de-1990-52848

 

Génese do Acordo Ortográfico de 1990 (II)

http://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/a-genese-do-acordo-ortografico-de-1990-53853

 

 Génese do Acordo Ortográfico de 1990 (III)

http://olugardalinguaportuguesa.blogs.sapo.pt/genese-do-acordo-ortografico-de-1990-55885

 

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 16:42

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Quinta-feira, 12 de Novembro de 2015

«O acordo não serve para nada, exceto para criar confusão»

 

 A visão de Paulo Franchetti (*) sobre um "acordo" pensado por brasileiros. Não esquecer que tudo começou com Antônio Houaiss, passando por Evanildo Bechara, que aliciou o linguista português João Malaca Casteleiro para as conversações (que não incluiu nenhum linguista dos restantes países lusófonos) e Malaca Casteleiro, deixou-se aliciar, pelos milhões de falantes brasileiros da Variante Brasileira do Português, esquecendo-se que no mundo há prestigiadas e prestigiantes Línguas minoritárias, que mantém a sua dignidade de Línguas.

 

DESACORDO.jpeg

 

 

Origem da imagem: http://rfm.sapo.pt/content/1/38321/desacordo_ortografico_nilton_na_rfm

 

 Para que serve o Acordo Ortográfico?

 

Talvez a pergunta melhor não fosse essa, mas sim a quem serve o AO, para ter sido implementado como foi.

 

Mas me ocorrem algumas possibilidades de resposta:

 

1- No Brasil, serve para mais uma vez demonstrar a inutilidade e a desqualificação cultural e científica dessa instituição anacrônica, caricata de si mesma, que se chama Academia Brasileira de Letras;

 

2- Em Portugal, para mostrar a dupla face do pós-colonialismo: de um lado, os rugidos xenófobos e nostálgicos do período imperial de alguns revoltados contra o AO (**) ; de outro, a subserviência institucional aos interesses econômicos do e no Brasil (e desconfio que, se eu não fosse um homem de letras, mas um executivo de editora portuguesa ou espanhola, talvez ficasse muito tentado a trabalhar, às claras ou encobertamente, pela aprovação do acordo em Portugal);

 

3 - No Brasil, serve para mostrar como a indústria editorial, nacional ou multinacional, especialmente a que publica livros escolares e de referência — os mais beneficiados aqui com o parto doloroso desse aleijão —, tem aumentado seu poder econômico e cooptado intelectuais e políticos em postos de decisão;

 

4 - Em Portugal, serve também para tornar patente o desconhecimento de como funciona o Brasil e da nenhuma importância que aqui se atribui ao pequeno mercado português ou à manutenção de vínculos culturais com a antiga metrópole — pois a implantação do AO no Brasil parece servir a interesses exclusivamente brasileiros, tendo Portugal nessa história apenas função e uso, restrito, como argumento, perdendo mesmo nisso para alguma cobiça pelo também hoje pequeno mercado africano;

 

5 - Ainda no Brasil, para mostrar como — apesar de tudo, inclusive da irresponsabilidade do governo em decretar açodadamente desde há alguns anos que só podem ser utilizados nas escolas livros com a nova ortografia — a sociedade civil ainda tem algum poder de influência, revelado na “suspensão” do acordo, para estudos, a meio caminho; medida que, diga-se a bem da verdade, parece tão absurda neste momento quanto o decreto de sua implementação;

 

6 - Nos dois países, para mostrar como a língua é tratada sem critério e sem respeito, justamente pelos que deveriam zelar por ela;

 

7 - Nos dois países, ainda, para evidenciar que a lusofonia, as proclamações, os jantares, as viagens subsidiadas, os acordos anódinos e ineficazes e todo o arsenal discursivo da integração cultural pode nunca frutificar, mas ser muito produtivo como argumento a justificar uma ação inconsequente, seja do ponto de vista científico, seja do ponto de vista cultural;

 

8 - Em resumo: o acordo não serve para nada, exceto para criar confusão, para afirmar a inépcia linguística de seus autores, para favorecer os vendedores de livros didáticos e de livretos e cursos sobre a “nova ortografia”, e — claro — para aumentar o gasto das famílias e dos governos com aquisição de livros didáticos  e obras de referência de uso nas escolas.»

 

Fonte:

http://formadevida.org/simposioao/

 

 (*) Paulo Franchetti é um crítico literário, escritor e professor brasileiro, titular no Departamento de Teoria Literária da Universidade Estadual de Campinas. É mestre pela Unicamp, doutor pela USP e livre-docente pela Unicamp (Wikipédia)

 

(**) Paulo Franchetti diz o seguinte: «Em Portugal, para mostrar a dupla face do pós-colonialismo: de um lado, os rugidos xenófobos e nostálgicos do período imperial de alguns revoltados contra o AO». Como disse? Se da parte de Portugal há rugidos de alguns revoltados contra o AO90, eles não são nem xenófobos nem nostálgicos, nem têm nada a ver com pós-colonialismos. Porque para aqui nem é chamada a xenofobia, um conceito desadequadíssimo a estas circunstâncias, nem ninguém tem nostalgia de um tempo que não viveu. Isso é mais condizente com o complexo de vira-lata de alguns brasileiros, que nunca aceitaram a colonização portuguesa, ainda que não a vivessem. Ainda se fosse a INGLESA!!!! (dizem eles...). Os rugidos dos revoltados contra o AO90 têm a ver com a pretensão dos políticos de ideologia marxista, de colonizar Portugal, através da Língua. E isto é algo que nada tem a ver com xenofobia, nem com nostalgia, mas com preservação de IDENTIDADE.

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 18:19

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