Dando continuidade à correspondência trocada com o Professor António Vieira, recebi mais esta carta, abaixo transcrita, na qual ele faz o “ponto de situação” do que acontece e do que não acontece ao redor do AO90, cada vez mais contestado e desprezado (até no Brasil), sob os silêncios vis dos nossos governantes.
“Ouçamos” o Professor António Vieira, e levantemo-nos numa onda gigantesca, para obrigar os políticos portugueses a invalidar o que nunca deveria ter sido validado, por nunca ter existido consenso, no seio dos países ditos lusófonos.
(Alusão ao belíssimo poema do poeta José Gomes Ferreira, Acordai, musicado por Fernando Lopes Graça, um hino à inércia de um povo que, placidamente, aceita a sua má sorte).
«Dr.ª Isabel A. Ferreira, deixe-me sugerir-lhe algumas pistas para eventuais acções anti-AO90, sobretudo agora que se iniciou o ano de 2019, forte em actos eleitorais:
Em primeiro lugar, e conforme se sabe, a iniciativa ILCAO vai ser presente à A.R., dado que se acha na fase final da recolha do número mínimo de assinaturas exigidas por Lei.
A equipa dinamizadora, encimada pelo Rui Valente tem sido incansável e está de parabéns; até que ponto é que na A. R. as coisas irão decorrer no sentido da desejada inversão, é uma incógnita, mas pelo menos as “águas irão ser bem agitadas”.
Mas o problema principal, não nos iludamos, reside na apatia do nosso Povo, que se limita a exprimir a sua não-concordância com a aberração em causa e, nada faz em prol da causa e, conforme se sabe, “quando o terreno é mole, a erva daninha prolifera com maior facilidade”.
Bem ao contrário, infelizmente, dos nossos vizinhos aqui do lado (galegos, bascos, catalães) que defendem os seus idiomas locais com unhas e dentes.
Como alguém referiu: um Povo que não defende a sua Língua não tem futuro.
Sintetizando, o que eu penso é que:
1º- Só com pressão do exterior é que as coisas poderão inverter-se: Angola já se decidiu pela não –ratificação do AO90 (segundo as palavras do Prof. Filipe Zau, “é necessária uma rectificação, a fim de possibilitar a ratificação”), Moçambique ainda não adoptou uma postura bem definida, dando a entender que o que pretende é que lhe ofereçam os manuais escolares de borla, sejam conforme o “AO90” ou não. Assim só na próxima cimeira da CPLP (e caso esteja o assunto na agenda) é que algo de positivo poderá surgir. (cumprir-se-ia dessa forma o prognóstico do Prof. Menezes Leitão de que ainda iremos passar pela vergonha de serem os nossos ex-colonizados a virem “ensinar-nos” a redigir o Português de forma correcta!!).
Ainda para cúmulo, Cabo Verde adoptou o crioulo como idioma nacional, relegando o Português para segundo plano!
2º- Cá “dentro”: só arregimentando, dentro de grupos profissionais bem definidos, um número bem significativo de inconformados com a aberração em causa e, dentro do princípio de que “a união faz a força” forçar pela via da resistência e obstrução directa: por exemplo, no campo do Ensino, que eu conheço bem dado que fui professor até há pouco mais de um ano (Escola Secundária José Estevão, em Aveiro, Grupo de Docência 430, Economia / Contabilidade) a maior parte dos professores estão contra – uns abertamente, outros nem tanto – mas é claro que ninguém ousa rebelar-se, dado que de imediato incorreria em processo disciplinar e em consequência o posto de trabalho ficaria em risco.
Penso que no mínimo a suspensão temporária de funções docentes seria o mais provável.
(Foi aliás, o que por pouco não sucedeu à minha Colega Maria do Carmo Vieira, da Esc. Sec. Marquês de Pombal, de Lisboa e nossa co-activista anti “AO90” desde a primeira hora, que rebelou-se abertamente, numa atitude muito corajosa e teve de se aposentar, não sei se compulsivamente, ante a ameaça de incorrência em procedimento disciplinar).
Mas, retomando, se por exemplo, se elaborasse uma base de dados de profissionais do Ensino, de todos os níveis, disponíveis para dar a cara, e se se planeasse uma acção concertada, mediante o uso de redes sociais, e com o apoio de juristas a fim de se saber dar o passo em questão com segurança (o Prof. Ivo Barroso Duarte, da Fac. de Direito de Lisboa poderia ser a pessoa indicada), estou seguro de que a coisa iria fazer mossa.
A Associação de Professores de Português - Anproport – manifestou-se já abertamente, contra o “AO90” só que é minoritária no Sector, contudo não deixa de ser uma voz contra, só que pugna por uma alteração de alguns pontos do mesmo - não está radicalmente contra - o que lhe tem valido críticas mesmo dentro da classe docente, mas poderia dar uma ajuda à ideia em causa.
Outro grupo a considerar seria o dos responsáveis autarcas, que poderiam de igual modo levar a cabo uma iniciativa semelhante. Ainda há pouco tempo um Presidente de Junta de Freguesia comentava, enojado, a colocação de placas com a aberração “exceto” (!) (para estacionamento); perguntei-lhe se poderia fazer-se “distraído” e escrever a palavra correcta; respondeu-me “Oh! oh! isso trazia-me problemas logo de imediato, são directrizes vindas de Lisboa…!” (*)
E são conhecidos casos de Presidentes de Câmara que estão abertamente (e publicamente) contra.
A finalizar: não percebo como é que alguns diversos responsáveis políticos, de todos os quadrantes partidários, não “se mexem” e fazem pressão para inverter esta aberração - inclusivamente alguns membros ou ex-membros do Conselho de Estado (Manuel Alegre, Freitas do Amaral, António Bagão Félix, por exemplo): têm todos os instrumentos para o fazer, só poderá ser em Lisboa (“Portugal é Lisboa o resto é paisagem”, sempre foi assim, sempre será assim), não dá para entender!
Como não se entende que forças de bloqueio “travem” a decisão do recurso interposto no Supremo Tribunal Administrativo contra o “AO90”. (**)
E pergunto: para quando se prevê a decisão do recurso (petição?) apresentado à Unesco? (***)
O que se verifica é que o “AO90” tem vindo a servir de “arma de arremesso” para fins políticos e de protagonismo pessoal; senão vejamos: até há algum tempo atrás, só dois partidos (o Partido Nacional Renovador e o PCTP/MRPP) se declaravam oficialmente contra; todos os restantes evitavam uma posição clara e não se comprometiam (sempre de acordo com a conveniência da sua agenda política do momento, nada mais!); em Fevereiro próximo fará um ano que o PCP baixou à A.R. um pedido de retirada do nosso País do “AO90” que, logicamente, (****) foi rejeitado; pergunta-se: porque é que o fez? Para apropriar-se de uma “bandeira” a que nunca havia oficialmente aderido, embora a Intersindical não o tenha feito? E por que é que o seu Partido “satélite” - os Verdes - continuam a apresentar os seus “outdoors” denotando adesão à aberração? dá para entender? (*****)
Aquando da última campanha para as Presidenciais, um dos candidatos, o Prof. Sampaio da Nóvoa prometia, no caso de ser eleito, acabar (ou “rever”? o que dá quase no mesmo) com o “AO90” (com que fins? puro eleitoralismo? Para captar franjas de eleitorado?), no entanto, na qualidade de Reitor de Universidade Nova utiliza-o com convicção!! (******)
Muito mais haveria para acrescentar, tal como por exemplo as negociatas miseráveis que favorecem descaradamente as Editoras de manuais escolares e dicionários - que é o que penso que constitui, ao fim ao cabo e ao resto, a mola real - e obscura e secreta - de toda esta bandalheira, com a adesão e cumplicidade de alguns professores que colaboram com as mesmas na redacção de manuais escolares, preferindo “dormir com o inimigo” ao invés da coerência (motivos e alegadas “razões” são fáceis de encontrar), em troca dum “arredondamento” do seu salário mensal - mas isto fica para outra oportunidade, dado que não a vou incomodar mais nem lhe tomar mais tempo.
Peço desculpa pelo alongar do texto, mas quando se começa a redigir, as ideias e os conteúdos saem ao correr da pena!
Mantemo-nos em contacto, e despeço-me cordialmente
António Vieira
***
(*) O mencionado presidente de uma Junta de Freguesia disse ao Prof. António Vieira que a utilização da aberração “exceto”, nas placas de trânsito, são directrizes vindas de Lisboa e teria problemas se não obedecesse. Que problemas? Iria para a Cadeia de Évora? Isto dos problemas, não é verdade, porquanto em muitas vilas e cidades portuguesas, as placas de trânsito estão correCtamente escritas, “excePto”, até porque não há nenhum português que saiba o significado de “exceto” (excêtu), palavrinha que não existe nem em Português, nem em Brasileiro, e os respectivos autarcas não têm qualquer problema. Por que haveriam de ter, se não existe lei alguma que obrigue a escrever incorreCtamente a ortografia oficial vigente em Portugal, a de 1945?
(**) Pois não se entende a atitude do Supremo Tribunal Administrativo, que já devia ter-se pronunciado a este respeito, até porque o prazo previsto na lei já deixou de ser razoável, para se tornar inconcebível. O que está a “travar” a decisão?
(***) Quanto a quando se prevê a decisão da queixa oficial (não uma petição) que o MPLP apresentou à UNESCO, contra o Estado Português por violação da Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural e Imaterial que no seu artigo 11 estipula que a Língua é um factor essencial do Património Imaterial de Portugal podemos pensar que se por lá os prazos razoáveis forem iguais aos de cá… Mas a informação que eu tenho é que “estas coisas demoram”. Temos de aguardar a Instrução do Processo, pelo Comité Intergovernamental, que há-de recomendar acções ao Estado Português para a Salvaguarda do Património Imaterial de Portugal. Portanto, há que dar tempo ao tempo e aguardar. Então aguardemos.
(****) Diz o amigo António Vieira: «Em Fevereiro próximo fará um ano que o PCP baixou à A.R. um pedido de retirada do nosso País do “AO90” que, logicamente, foi rejeitado». Eu aqui não diria logicamente. Eu aqui diria irracionalmente, uma vez que depois de tudo o que se tem dito e redito acerca da aberração AO90, os políticos portugueses continuam a insistir no erro. Até o Brasil já chegou à conclusão de que não há acordo sobre o acordo ortográfico (em Janeiro de 2019). E os restantes países ditos lusófonos nem querem saber disto para nada. Os políticos portugueses são os únicos que fincam o pé neste erro. Portugal já está orgulhosamente só, à boa maneira antiga, nesta questão do AO90.
(*****) Os Verdes continuam a apresentar os seus “outdoors” denotando adesão à aberração. Dá para entender? Não dá, até porque há pouco tempo emitiram um comunicado onde rejeitavam o acordo. Mas a palavra de políticos é para levar a sério?
(******) «O Prof. Sampaio da Nóvoa prometia, no caso de ser eleito, acabar (ou “rever”? o que dá quase no mesmo) com o “AO90” (com que fins? puro eleitoralismo?» Qual é a dúvida? Promessas de políticos em campanhas eleitorais são mentiras embrulhadas em papel de rebuçado. Só as engole quem quer.
Por tudo o que aqui está exposto, apelo à mobilização de todos os que se dizem contra o AO90, para que nos sublevemos numa onda gigantesca.
Isabel A. Ferreira
Porque considero esta página de grande utilidade para todos os desacordistas, que se recusam a comprar livros acordizados, passo a incluir nos meus textos do Blogue esta preciosa informação:
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