Sexta-feira, 25 de Março de 2022

«Em Defesa da Ortografia XLV», João Esperança Barroca

 

«A “unificação” ortográfica dos países de língua portuguesa é, definitivamente, objectivo inalcançável, e qualquer tentativa de a forçar acaba em caricatura, tapando num lado e destapando noutro. O AO90 foi, nisto, exemplo acabado, ao criar centenas de novas discrepâncias que nada resolveram e só nos ficarão envergonhando. Venha agora, e depressa, uma comissão que nos liberte deste emaranhado que ninguém pediu e restitua à língua portuguesa um rosto apresentável

Fernando Venâncio, linguista, escritor e crítico literário

 

«2 - Garantir a solenidade, valorização e inviolabilidade da Língua Oficial Portuguesa através da recusa e suspensão imediata do denominado “Acordo Ortográfico” de 1990, sem possibilidade de qualquer revisão.»

100 Medidas de Governo do Chega, página 3

 

«O Acordo Ortográfico, que estraga a língua portuguesa, é de esquerda ou direita?»

José Pacheco Pereira, professor, cronista e político

 

ERUÇÃO.png

 

Como é óbvio, a questão ortográfica é sobremaneira importante quando definimos o nosso sentido de voto. No nosso escrito de Fevereiro, dissecámos o conteúdo linguístico do Programa Eleitoral do PSD 2022 e, na sequência dessa análise, assestamos, agora, baterias nas medidas de governo do partido Chega.

 

A primeira impressão que temos é a de que houve uma clara opção pela grafia anterior ao AO90, o que era expectável, tendo em conta o teor  da medida citada em epígrafe. Vejamos, então, com diversos exemplos, a qualidade da ortografia do partido de André Ventura, que foi um dos subscritores de um manifesto contra o Acordo Ortográfico, divulgado pelo jornal Público em 23 de Janeiro de 2017:

 

- na página 3, deparamo-nos com projecto e respectivos, coexistindo com diretamente;

 

- na página 4, de mãos dadas no mesmo parágrafo, estão lecionar e leccionar, convivendo com actual;

 

- na página seguinte, encontramos três formas lídimas, a saber: actividade, respectivo e respectivas;

 

- também a página 6, está livre de emissões do AO90, com os termos factura e electricidade;

 

- na página 7, destaca-se a ausência de hífen na forma mais valias:

 

- na página 9, encontramos atual e actos (que se repete duas vezes na página seguinte), na companhia de excetuando e excepção;

 

- na página 10, lê-se ainda accionar, acupuntura e setor;

 

- já na página 11, temos só formas genuínas: accionar, actos, actuais, actualização e sector (que recuperou a consoante perdida na página anterior);

 

- a página 13 só apresenta formas sem contaminação do AO90: efectividade, efectiva e protecção;

 

- o mesmo acontece na página 14, com os termos adoptado e efectiva;

 

- na página seguinte as consoantes estão no seu lugar em directos e sector;

 

- actualmente e infractores, na página 16, respeitam a etimologia;

 

- na página 17, encontramos acto e actividade;

 

- a página 20 foi atacada pelo vírus consoanticida em eletricidade (duas vezes), faturação e diretos, o que também ocorre em direto (pág. 21);

 

-  na página 23,  tecto, actual, protecção, directa mostram que o problema das páginas anteriores foi debelado;

 

- na página 25, deparamo-nos com uma recaída em efetiva;

 

- na página 26, coexistem antissemitismo e mão-de-obra, na companhia de sectores e atividade;

 

- a página 30, à imagem de grande parte dos órgãos de comunicação social, é uma verdadeira salgalhada, com objetivo, autossuficiência, ações e leccionação;

 

- na página seguinte só há bons exemplos, como actividade e concepção;

 

- para finalizar, as palavras autossuficiência e autossuficiente surgem, acompanhadas de respectivos na página 32.

 

FATO.jpg

 

Podemos, pois, concluir que, o AO90 só veio criar confusões entre os escreventes, já que potenciou imensos erros (como os que estão assinalados nas imagens que acompanham este escrito), amplamente divulgados por páginas de oposição ao Acordo Ortográfico no Facebook, as quais têm realizado um muito louvável trabalho, desmascarando a maravilhosa língua unificada, isto é, a cacografia.

 

CONTATO.jpg

 

Conclui-se ainda que esta alteração ortográfica, da qual os únicos beneficiários foram as editoras de livros didácticos e de dicionários, bem como os respectivos autores, foi levada a cabo por motivos puramente políticos, sem quaisquer fundamentos linguísticos e revelando uma extraordinária ignorância no que diz respeito à natureza da língua. Um dia, a história que conduziu a língua a uma profusão de fatos (como uma monumental alfaiataria),  de contatos e a “centenas de novas discrepâncias” será contada sem eufemismos.

 

João Esperança Barroca

 

publicado por Isabel A. Ferreira às 15:43

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