Mais um texto que ajuda a compreender por que o AO90 é incompreensível.
«As línguas: ser colonizado ou mudar?»
Por Raúl Proença Mesquita
Já há tempos tinha pensado em trazer este assunto à baila. É para mim um assunto da maior importância: a língua. Esta exprime um tipo de pensamento ou vice-versa, o pensamento exprime-se por uma sintaxe e por uma morfologia particulares.
Ora vejamos. “I am going to go home”, à letra, “eu vou indo para ir para casa”, ou seja, “eu vou andando para casa”. O “eu vou indo para ir para casa”, mentalmente, não é o mesmo do que eu vou para casa. Significam o mesmo, mas não são o mesmo. O que quero dizer com isto? Quero simplesmente dizer que o processo mental de um falante da língua inglesa é diferente do da língua dos portugueses e dos PALOP.
No Brasil a coisa é outra. O português deste país está oficialmente colonizado pelo inglês dos EUA. Mas o encadeamento não acaba aqui. Com a invasão de telenovelas brasileiras, mas especialmente com a massa imigratória de brasileiros para o nosso país, sem fazer qualquer comentário sociopolítico, até porque sou por uma sociedade cosmopolita, a língua portuguesa degradou-se ao ponto de a mente se deteriorar no raciocínio, tal como a britânica pela colonização linguística americana, por exemplo, nas exclamações tais como “cool!”, “awesome!”, etc..
Claro que vou dar mais exemplos (mas não “darei exemplos”). “Sente aqui, relaxe.” O que é isto? Primeiro: Sente aqui uma dor? Não sinto. Está bem. Em português diz-se sente-se aqui. Segundo: Relaxe não é português, é inglês, relax. Em português usa-se o verbo descontrair – descontraia-se. Como veem em inglês não há praticamente verbos reflexos, excepto quando se usa o yourself mas em português há muitos.
Dir-me-ão que as línguas mudam. Sim, é verdade. A língua portuguesa, por exemplo, mudou muito no século XVI, a francesa, no princípio do século XVIII, por exemplo, na pronúncia de Roi (rei) Rué, para Ruá, mas a estrutura mental, não. Tirar a reflexão a um verbo é como retirar os espelhos a uma sociedade inteira. Isso não mudará a mentalidade de um povo?
As mudanças que referimos em Portugal foram de ordem gráfica e de pronúncia, relativas a um lógico afastamento da tradição galega. De bēstia para besta, por exemplo. Mas actualmente são muito graves.
Aqueles que advogam acordos ortográficos que, curiosamente, não o são só, são muito mais, tornam-se em acordos ideológicos em que se serve de bandeja a língua de vários países (Portugal e PALOP) a um que se estipulou ser o mais importante, que será, do ponto de vista económico.
A Europa abdicou de lutar pela sua cultura, ou seja, pela sua maneira de pensar, pelas suas estruturas mentais, entregando-se ao facilitismo de um pensamento primário que serve para o dia-a-dia, mas nunca para um pensamento crítico que, aliás, infelizmente, não convém ao status quo.
Tudo isto acompanhado pelas aspas em mímica com os dedos indicador e médio de ambas as mãos em jeito de teatro de Robertos, onde pode ter graça, mais o constante OK americano que invadiu o a cultura britânica e agora o mundo (em Portugal, o bonito Ókay) e o wau, aqui, uau, completam um cocktail de asneirada apropriado para os tempos actuais. Mas não ficamos por aqui.
Que tal o “avariou”? Mas avariou o quê? É um verbo transitivo, pede complemento directo. Desculpem, mas tem de haver gramática, o tal pensamento de que falei. Exemplo: Ele avariou todas as trotinetes do Alfeite. Ou então: O meu carro avariou-se. Já sabemos de onde vem o erro. Mas os portugueses mesmo os dos meios universitários dão-no. Grave, hein! E não posso deixar de assinalar, antes do fecho, dois advérbios que andam na boca das gentes: basicamente e obviamente. Bem, existem no léxico português mas são palavras anglo saxónicas. Por que não, no primeiro caso, no fundo… e no segundo, é claro ou é evidente…?
Falar bem, ou seja, com simplicidade, sem arrebiques, será actualmente uma utopia tal como Shangri-La? Depois do exposto fica-se perplexo.
“To be, or not to be”, Hamlet, Shakespeare. A pergunta metafísica par excellence no contexto da decadência da linguagem leva a quem se preocupa a perguntar: decadência contínua inevitável ou esperança numa travagem? Acredito na segunda hipótese. Será difícil. À primeira vista parece impossível, lembremos a República de Platão, mas então por que escrevo?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia (*)
Fonte: https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/as-linguas-ser-colonizado-ou-mudanca/
(*) Eu diria: «O autor escreve conforme a ortografia legal: a ortografia vigente, a ortografia de 1945», porque a antiga ortografia é a ortografia de 1911. E não existe outra em Portugal, nem nos países de Língua Oficial Portuguesa, excepto no Brasil, onde se escreve segundo a grafia preconizada no Formulário Ortográfico Brasileiro de 1943, essa mesmo, que querem impingir a Portugal.
Vou recuar até ao ano de 2016, quando andaram por aí a correr umas notícias que, apesar de parecerem boas, não soaram bem… E, como desde então para cá, nada mudou, e continua-se a insistir nesses erros, trago à liça o que se disse, que é o que ainda se diz sobre o malfadado, o malparido e o mal-amanhado AO90.
Seria da racionalidade, os partidos políticos discutirem este tema na campanha eleitoral, em curso. Mas qual quê?
Que jornalista se atreve a pôr em cima da mesa tal assunto?
Origem da imagem: Internet
A ACL (Academia das Ciências de Lisboa) veio a público dizer que queria apresentar, ainda nesse ano, um “estudo para aperfeiçoar o AO90”, como se o AO90 seja algo que possa ser aperfeiçoado!
A APP (Associação de Professores de Português) veio logo dizer que aceitava uma “revisão ligeira” do AO90, mas não a sua anulação. Revisão ligeira de algo que não tem pernas para andar, não será dar tiros nos pés?
A ANPROPORT (Associação Nacional de Professores de Português) por sua vez diz que a “revisão do AO90 é bem-vinda”.
Nenhuma revisão é bem-vinda. Apenas a anulação deste abortográfico é bem-vinda.
Tudo isto seria interessante se o AO90 tivesse alguma ponta por onde pegar.
Mas, como sabemos, o AO90 é a maior fraude política de todos os tempos, e assenta em interesses político-económicos obscuros, e numa atabalhoada e aparvalhada visão do que é uma Língua culta e íntegra, e na ignorância de quem o aplica cegamente.
Esmiucemos o que disse a APP:
«A presidente da Associação de Professores de Português (APP), Edviges Antunes Ferreira, afirma que aceita uma “revisão ligeira” do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), “para não trazer tantos prejuízos, mas nunca anular o AO90”.»
Para não trazer tantos prejuízos a quem? Os prejuízos já são mais que muitos e continuarão a crescer até ao infinito, se AO90 não for anulado urgentemente.
«Relativamente ao regresso de algumas consoantes mudas, Edviges Ferreira foi clara: “nós não concordamos; é muito mais simples escrever conforme falamos do que estarem a perceber ou a decorar, principalmente depois de ter abolido e estar a escrever de uma determinada forma, estar a voltar atrás”.
Não admira que o Português ande tão de rastos. Se a senhora disse isto assim tal e qual, não estará tudo dito?
Vamos lá a ver, senhora Edbiges (é assim que se fala no Porto, logo deverei escrever assim), se é mais simples escrever conforme falamos, deitemos ao lixo as gramáticas, e ensinemos às crianças o alfabeto, depois a juntar as letras e depois que escrevam conforme falam. E teremos uma Torre de Babel no nosso minúsculo país, que de terra, para terra, fala-se de modo diferente.
Cá para os meus lados diz-se ceboles e batates.
Mais ao sul, dizem se nan qerem ir nan van.
Ao norte, bai-se de calqer jeitu.
Em Lisboa paceiase à bâira riu.
A senhora Edbiges parece não ter andado na escola, e não aprendeu a decorar. Todos nós decorámos tudo e cantávamos todos os rios e seus afluentes e linhas de comboios, e montanhas e mais tantos outros saberes, apenas com 8/9 anos. Só os menos dotados intelectualmente é que se atrapalhavam.
Não é desse tempo a senhora Edbiges.
A senhora referiu ainda que «observando as contestações ao AO90, o nível etário das pessoas é bastante elevado, em média, o que significa que há sempre aquelas vozes, que são os ‘Velhos do Restelo’, que tudo que seja mudança, não a vêem com bons olhos».
Como disse senhora Edbiges?
«Velhos do Restelo»?
Não sei se a senhora ensina crianças, se ensina, pobres crianças.
A senhora conhece a expressão “Velhos do Restelo”, mas não sabe o que significa.
Nesta jornada anti-AO90, existem muitos jovens, que de velhos do restelo nada têm. O que têm é bom senso e amor à sua Língua Materna, e sabem distinguir o trigo (a Língua Portuguesa) do joio (a ortografia abrasileirada e amixordizada pelos acordistas portugueses, a qual dá pelo nome de AO90).
É mais fácil dizer às crianças: escrevam como falam, do que lhes ensinar as regras gramaticais. Não é? Ensinar dá muito trabalho. Mas se ganhamos salários é para ensinar, não é para fazer-de-conta-que-ensinamos.
Defensores da anulação do AO90 rejeitam propostas de revisão
Os defensores da anulação (não se diz “revogação” porque não podemos revogar algo que não existe, que é ilegal) do Acordo Ortográfico de 1990, entre eles o jurista Ivo Miguel Barroso, consideram que as posições “revisionistas” do AO90 “são de rejeitar”.
Porquê?
As razões jurídicas apresentadas por Ivo Miguel Barroso:
«O destino adequado para o AO90 é o caixote do lixo.
Quem conhece o Direito dos Tratados sabe perfeitamente que, se o AO90 é para ser revisto, é necessário que haja uma alteração do teor do Anexo I e II (Bases e Nota Explicativa). Ou seja, tal implicaria um novo Tratado ou uma revisão do mesmo entre todos os Estados da CPLP, no sentido de alterar o Anexo I do AO90.
Ora, para que isso suceda, é necessário que todos os Governos dos Estados assinem; e que, depois, o novo Tratado seja ratificado internamente. Por outro lado, tal propósito de revisão significaria que pelo menos parte das normas do AO90 não seriam para cumprir».
***
Outras razões razoáveis:
Não queiram atribuir às crianças a PARVOÍCE dos adultos.
Utilizam as crianças como escudo, para não terem de retroceder e anular o abortográfico.
No entanto é preciso ter em conta o seguinte: se as crianças conseguem aprender facilmente o Inglês, cujo léxico inclui tantas consoantes mudas, e o Castelhano, poderão mais facilmente aprender o Português que tem algumas, mas não tantas, como a língua de Shakspeare (ou deverei escrever Xeikcepiâr, e a de Cervantes, Cerbantes à moda do Puârto.
Se elas conseguem aprender a escrever THOUGHT, mais facilmente aprenderão a escrever ACTO ou ACÇÃO. Porque sem o CÊ, estas palavras terão de ser escritas assim: ÁTO e ÁÇÃO, ou então atirem com a Gramática ao lixo.
Está provado cientificamente que o cérebro das crianças é como uma esponja: absorve tudo com muita facilidade, porque ainda está vazio de conhecimentos (isto dito assim para que todos entendam). Aprendem e desaprendem com uma perna às costas, sem a mínima dificuldade.
Para as que já aprenderam a língua mutilada, vai ser muito simples desaprendê-la, e reaprender a verdadeira Língua Portuguesa, acompanhada pela Gramática, até porque, muitas estão também a aprender a Língua Inglesa e a Língua Castelhana e para elas é estranho escrever-se, em Inglês e Castelhano, por exemplo direCtor e em português diretor (e atenção, que neste caso deve ler-se dir’tor). O CÊ abre o E, se no há CÊ deve escrever-se dirÉtor.
Vou aqui repetir algo, que já escrevi muitas vezes, para que se saiba que uma criança não é a estúpida que os adultos, nomeadamente os professores menos dados a “esforços extras”, dela pretendem fazer: Eu viajei para o Brasil com dois anos, e aos seis, lá aprendi a ler e a escrever o “Português” mutilado; aos oito anos tive de regressar a Portugal, e cá tive de reaprender a língua culta (era o que me diziam) tal como deve ser. E simplesmente APRENDI, sem a mínima dificuldade. Aos catorze anos, de volta ao Brasil, tive de DESAPRENDER a minha Língua Materna e regressar à língua mutilada. Sem problemas.
Aos vinte anos deixei o Brasil definitivamente e fui estudar para Coimbra, e lá tive eu de abandonar a língua mutilada, e fixar-me na minha adorada Língua Materna, que aprendi a amar com a leitura dos nossos clássicos, e hoje defendo-a com as garras de fora.
E por aqui me fico, dizendo que o AO90 nada tem para rever.
É lixo ortográfico que deve ser incinerado como lixo altamente tóxico.
Isabel A. Ferreira
(Os textos completos das notícias, em que me baseei, podem ser lidos nestes links):
Origem da imagem: Internet
«Será que alguém me pode explicar por que razão a aplicação de rastreamento voluntário da COVID-19 está escrita em língua inglesa (STAYAWAY COVID), assim se pondo de lado a língua portuguesa? Já não nos chega o acrónimo inglês da doença (𝐂𝐎rona 𝐕𝐈rus 𝐃isease) universalmente consagrado?
Claro que na língua de Shakespeare tudo parece mais modernaço, mais tecnocrata, mais jovial, mais na moda, mais estrangeirado, mais globalista, mais “comercial”, mesmo que “made in Portugal”.
Se o objectivo é ter uma taxa de adesão que permita que a aplicação seja mais eficaz, qual o interesse em designá-la em inglês? Ainda que, visto da cidade, possa parecer um detalhe, é também uma forma discriminatória de ignorar os portugueses que não sabem sequer rudimentos de inglês, os mais velhos, os mais info-excluídos, os mais pobres, os mais sós, os mais esquecidos.
Recordo o que disse o PM, em 20 de Maio: “𝑎 𝐿𝑖́𝑛𝑔𝑢𝑎 𝑃𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑢𝑒𝑠𝑎 𝑒́ 𝑜 𝑛𝑜𝑠𝑠𝑜 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜, 𝑎𝑏𝑒𝑟𝑡𝑜 𝑒 𝑝𝑙𝑢𝑟𝑎𝑙. [...]𝐴𝑠𝑠𝑢𝑚𝑒-𝑠𝑒 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑢𝑚 𝑓𝑎𝑐𝑡𝑜𝑟 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑒𝑡𝑖𝑡𝑖𝑣𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒, 𝑞𝑢𝑒𝑟 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑙𝑖́𝑛𝑔𝑢𝑎 𝑑𝑒 𝑐𝑢𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑛ℎ𝑒𝑐𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜, 𝑞𝑢𝑒𝑟 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑙𝑖́𝑛𝑔𝑢𝑎 𝑑𝑒 𝑝𝑜𝑙𝑖́𝑡𝑖𝑐𝑎 𝑒 𝑑𝑒 𝑛𝑒𝑔𝑜́𝑐𝑖𝑜𝑠, 𝑞𝑢𝑒𝑟 𝑎𝑖𝑛𝑑𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑖𝑚𝑝𝑜𝑟𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 𝑣𝑒𝑖́𝑐𝑢𝑙𝑜 𝑛𝑎 𝐼𝑛𝑡𝑒𝑟𝑛𝑒𝑡 𝑒 𝑛𝑎𝑠 𝑟𝑒𝑑𝑒𝑠 𝑠𝑜𝑐𝑖𝑎𝑖𝑠.”
Não haverá, no plano político e institucional, uma alminha que erga a voz para, ao menos, contestar mais uma secundarização da nossa língua, cada vez mais sujeita a sevícias de toda a espécie e a uma crescente indiferença educativa, pese embora a panóplia de discursos para “inglês ver”?
Bem sei que isto não terá grande importância. Mas significado não deixa de ter.»
Um texto lúcido que vale a pena ler.
«Vanguardismo de opereta»
Por Pedro Correia
«Alguns apologistas do chamado acordo ortográfico defendem-no com zelo passional alegando que o fazem em nome do progresso. São incapazes de perceber que o progresso nada tem a ver com isto. Ou até terá, mas no sentido contrário ao que pretendem.
Progresso tem a ver com literacia. E as sociedades com maiores índices de alfabetização são precisamente aquelas que têm uma ortografia consolidada há séculos e jamais necessitaram de “reformas” unificadoras neste domínio. Britânicos e norte-americanos, por exemplo, nunca precisaram de acordo algum para limarem as suas notórias divergências ortográficas, que não constituem obstáculo para a compreensão mútua – pelo contrário, só enriquecem o inglês partilhado pelos compatriotas de Shakespeare e Mark Twain, cada qual com o seu sotaque.
Quanto mais estabilizada estiver a ortografia de uma língua, maior é o correspondente índice de alfabetização dos utentes desse idioma. E o inverso também se aplica em países como o nosso: Portugal produziu três profundas reformas ortográficas em menos de um século sem com isso deixar de ser um dos países com menores índices de literacia da Europa.
Pensei em tudo isto ao ler o mais recente comunicado da Procuradoria-Geral da República, alusivo à audiência que o director do Jornal de Notícias solicitou a Joana Marques Vidal. Neste comunicado, Afonso Camões é alternamente referido como “director” e “diretor” do referido matutino.
Se ao mais elevado nível das instituições estatais perdura a indefinição sobre a ortografia, não custa imaginar as incertezas do cidadão comum sobre este mesmo tema. Pouco admira, portanto, que tantas “reformas” acabem por fabricar legiões de analfabetos funcionais, incapazes de redigir o mais simples texto de acordo com o quadro normativo. Porque a norma, nesta matéria, continua a oscilar ao sabor de vontades políticas de ocasião: muda o regime, logo muda a ortografia.
Foi assim na transição da monarquia constitucional para a I República, e desta para o Estado Novo, e da ditadura para a democracia.
Os que insistem em abolir as chamadas consoantes mudas, arrancando as raízes etimológicas da escrita como se fosse um indício de progresso, estão afinal condenados a perpetuar os humilhantes padrões de iliteracia vigentes entre nós. O fosso entre o nosso idioma e as grandes famílias ortográficas europeias não é sintoma de avanço, mas de retrocesso civilizacional.
Entretanto, os auto-intitulados “progressistas” que tanto se gabam de escrever “diretor”, como se fosse o último grito da moda, continuarão a escrever “director” em inglês, “director” em espanhol, “directeur” em francês e “direktor” em alemão.
O “progresso” ortográfico, à luz deste vanguardismo de opereta, termina algures na ligação rodoviária entre Elvas e Badajoz.»
Fonte:
http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/vanguardismo-de-opereta-7043236
Andam por aí a correr umas notícias que, apesar de parecerem boas, não soam bem…
A ACL (Academia das Ciências de Lisboa) veio a público dizer que quer apresentar, ainda este ano, um “estudo para aperfeiçoar o AO90”. Aperfeiçoar o imperfeiçoável para quê?
A APP (Associação de Professores de Português) veio logo dizer que aceita uma “revisão ligeira” do AO90, mas não a sua anulação. Revisão ligeira de algo que não tem pernas para andar?
A ANPROPORT (Associação Nacional de Professores de Português) por sua vez diz que a “revisão do AO90 é bem-vinda”. Nenhuma revisão é bem-vinda. Apenas a anulação deste aborto é bem-vinda.
Origem da imagem: Internet
Tudo isto seria interessante se o AO90 tivesse pernas para andar.
Mas, como sabemos, o AO90 é a maior fraude política de todos os tempos, e assenta em interesses político-económicos obscuros, e numa atabalhoada e aparvalhada visão do que é uma Língua Culta.
Esmiucemos o que diz a APP:
«A presidente da Associação de Professores de Português (APP), Edviges Antunes Ferreira, afirma que aceita uma “revisão ligeira” do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), “para não trazer tantos prejuízos, mas nunca anular o AO90”.»
Para não trazer tantos prejuízos a quem, senhora Edviges?
«Relativamente ao regresso de algumas consoantes mudas, Edviges Ferreira foi clara: “nós não concordamos; é muito mais simples escrever conforme falamos do que estarem a perceber ou a decorar, principalmente depois de ter abolido e estar a escrever de uma determinada forma, estar a voltar atrás”.
Não admira que o Português ande tão de rastos. Se a senhora disse isto assim tal e qual, não estará tudo dito?
Vamos lá a ver, senhora Edbiges(é assim que se fala no Porto, logo deverei escrever assim), se é mais simples escrever conforme falamos, deitemos ao lixo as gramáticas, e ensinemos às crianças o alfabeto, depois a juntar as letras e depois que escrevam conforme falam. E teremos uma Torre de Babel no nosso minúsculo país, que de terra, para terra, fala-se de modo diferente.
Cá para os meus lados diz-se ceboles e batates.
Mais ao sul, dizem se nan qerem ir nan van.
Ao norte, bai-se de calqer jeitu.
Em Lisboa paceiase à bâira riu.
A senhora Edbiges parece não ter andado na escola, e não aprendeu a decorar. Todos nós decorámos tudo e cantávamos todos os rios e seus afluentes e linhas de comboios, e montanhas e mais tantos outros saberes, apenas com 8/9 anos. Só os menos dotados intelectualmente é que se atrapalhavam.
Não é desse tempo a senhora Edbiges.
A senhora referiu ainda que «observando as contestações ao AO90, o nível etário das pessoas é bastante elevado, em média, o que significa que há sempre aquelas vozes, que são os ‘Velhos do Restelo’, que tudo que seja mudança, não a vêem com bons olhos».
Como disse senhora Edbiges?
«Velhos do Restelo»?
Não sei se a senhora ensina crianças, se ensina, pobres crianças.
A senhora conhece a expressão “Velhos do Restelo”, mas não sabe aplicá-la.
Nesta jornada anti-AO90, existem muitos jovens, que de velhos do restelo nada têm. O que têm é bom senso e amor à sua Língua Materna, e sabem distinguir o trigo (a Língua Portuguesa) do joio (a ortografia abrasileirada que dá pelo nome de AO90).
É mais fácil dizer às crianças: escrevam como falam, do que lhes ensinar as regras gramaticais. Não é? Ensinar dá muito trabalho. Mas se ganhamos salários é para ensinar, não é para fazer-de-conta-que-ensinamos.
Defensores da anulação do AO90 rejeitam propostas de revisão
Os defensores da anulação (não se diz “revogação” porque não podemos revogar algo que não existe, que é ilegal) do Acordo Ortográfico de 1990, entre eles o jurista Ivo Miguel Barroso, consideram que as posições “revisionistas” do AO90 “são de rejeitar”.
Porquê?
As razões jurídicas apresentadas por Ivo Miguel Barroso:
«O destino adequado para o AO90 é o caixote do lixo.
Quem conhece o Direito dos Tratados sabe perfeitamente que, se o AO90 é para ser revisto, é necessário que haja uma alteração do teor do Anexo I e II (Bases e Nota Explicativa). Ou seja, tal implicaria um novo Tratado ou uma revisão do mesmo entre todos os Estados da CPLP, no sentido de alterar o Anexo I do AO90.
Ora, para que isso suceda, é necessário que todos os Governos dos Estados assinem; e que, depois, o novo Tratado seja ratificado internamente. Por outro lado, tal propósito de revisão significaria que pelo menos parte das normas do AO90 não seriam para cumprir».
***
Outras razões razoáveis:
Não queiram atribuir às crianças a PARVOÍCE dos adultos.
Colocam as crianças como escudo, para não terem de retroceder e anular o aborto.
No entanto é preciso ter em conta o seguinte: se as crianças conseguem aprender facilmente o Inglês, cujo léxico inclui tantas consoantes mudas, poderão mais facilmente aprender o Português que tem algumas, mas não tantas, como a língua de Shakspeare (ou deverei escrever Xeikcepiâr?
Se elas conseguem aprender a escrever THOUGHT, mais facilmente aprenderão a escrever ACTO ou ACÇÃO. Porque sem o CÊ, estas palavras terão de ser escritas assim: ÁTO e ÁÇÃO. Ou então atirem com a Gramática ao lixo.
Está provado cientificamente que o cérebro das crianças é como uma esponja: absorve tudo com muita facilidade, porque ainda está vazio de conhecimentos (isto dito assim para que todos entendam). Aprendem e desaprendem com uma perna às costas, sem a mínima dificuldade.
Para as que já aprenderam a língua mutilada, vai ser muito simples desaprendê-la, e reaprender a verdadeira Língua Portuguesa, acompanhada pela Gramática, até porque, muitas estão também a aprender a Língua Inglesa, e para elas é estranho escrever-se , em inglês, por exemplo direCtor e em português diretor (e atenção, que neste caso deve ler-se dir’tor). O CÊ abre o E, se no há CÊ deve escrever-se dirÉtor.
Vou aqui repetir algo, que já escrevi muitas vezes, para que se saiba que uma criança não é a estúpida que os adultos, nomeadamente os professores menos dados a “esforços extras”, dela pretendem fazer: Eu viajei para o Brasil com dois anos, e aos seis, lá aprendi a ler e a escrever o Português mutilado; aos oito anos tive de regressar a Portugal, e cá tive de reaprender a língua culta (era o que me diziam) tal como deve ser. E simplesmente APRENDI, sem a mínima dificuldade. Aos catorze anos, de volta ao Brasil, tive de DESAPRENDER a minha Língua Materna e regressar à língua mutilada. Sem problemas.
Aos vinte anos deixei o Brasil definitivamente e fui estudar para Coimbra, e lá tive eu de abandonar a língua mutilada, e fixar-me na minha adorada Língua Materna, que aprendi a amar com a leitura dos nossos clássicos, e hoje defendo-a com as garras de fora.
E por aqui me fico, dizendo que o AO90 nada tem para rever.
É lixo ortográfico que deve ser incinerado como lixo altamente tóxico.
Isabel A. Ferreira
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